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NOTÍCIAS 2002

A influência do câmbio nos negócios

Mário Persona (*)
Colaborador

O Del Rey parecia novo. Tudo original, exceto a bolinha do câmbio, que o dono anterior trocou por uma de couro, com as quatro marchas assinaladas em dourado. Um desses carros que vendedor chama de mosca branca, tipo único dono, mulher de médico e coisas do tipo.

O problema era só o motor, que parecia andar no limite mesmo em quarta marcha. Alguma coisa segurava o carro, e eu nem imaginava o que fosse. Viajava amarrado por causa do câmbio. Meu desejo era ter uma quinta marcha, para rodar mais solto.

A sensação é parecida quando o negócio não deslancha. Quando já deu o que tinha que dar. Aí se investe em publicidade para o discurso de sempre, mostrando que somos os melhores, que temos mais qualidade, tecnologia e coisas do tipo. Idêntico ao que todo mundo diz ter e gasta dinheiro para dizer.

Então vem o desânimo. Se em quarta o negócio não anda, o jeito é estacionar, torcendo para não dar marcha-a-ré. Nem nos ocorre que sempre existe uma maneira de exceder as expectativas e ir além. Encontrar uma quinta marcha que rompa nossas amarras e tire a empresa do ponto-morto.

O problema é que acreditamos que as pessoas querem receber o que esperam, nem mais, nem menos. O que espero, por exemplo, de um restaurante? Comida, no mínimo. É para isso que vou ali. Espero encontrar outras coisas tangíveis, como mesa, cadeira, pratos, copos, talheres e bebidas. Até aí, nada de mais.

Há também o intangível, o abstrato que espero e é obrigação do estabelecimento oferecer. Uma toalha limpa, comida quente e saborosa, bebida gelada, garçom educado. Se tiver ar condicionado ou flores na mesa, melhor. Nada de surpreendente, porém.

Qualquer cliente sairá satisfeito de um lugar assim. Se o restaurante tiver tudo isso, é apenas mais um que não fez nada além de sua obrigação. Se tiver sorte, talvez consiga e mantenha seu lugar ao sol, mais por conveniência do que por preferência.

Algo mais - Mais que isso, só se engatar uma quinta marcha e superar minhas expectativas. Um aperitivo de cortesia, um show inesperado, um mimo na data de meu aniversário. Coisas assim irão me surpreender. E é quando somos surpreendidos que abrimos a boca para contar a todo mundo.

Não existe publicidade melhor do que ter outros comentando a nosso respeito. Nenhuma marca consegue engatar uma quinta enquanto fica tentando se mostrar. O desempenho de uma marca acontece quando é o cliente quem passa a divulgá-la, porque encontrou nela algum benefício, teve mais do que apenas suas expectativas atendidas.

Imagem - Quando pedi a meus alunos uma definição da marca de cada um, todos apresentaram um ou mais atributos - honestidade, diligência, pontualidade etc. - que acreditavam ter como diferencial. Até uma aluna dar uma definição fantástica: "Minha marca é a imagem que as pessoas têm de mim".

Marca não é o que eu tenho ou mostro, mas o que o cliente percebe e retém. Armazenando na memória, se exceder suas expectativas. Todo negócio tem essa quinta marcha, mas nem todos a utilizam. Algo que surpreenda, encante e exceda as expectativas. Que aproveite todo o potencial do câmbio no desempenho do negócio.

Um amigo foi surpreendido por um motorista de ônibus que cumprimentou os passageiros no início do trajeto, dando todas as informações sobre a viagem, como fazem pilotos de linhas aéreas. Aquela companhia usava a quinta marcha e ultrapassava as expectativas. Quem não fizer isso, logo precisará vender o veículo.

Foi o que fiz com meu Del Rey após dois anos de viagens amarradas em quarta marcha. De nada adiantaria anotar um número "5" naquela bolinha do câmbio, como fazem algumas empresas que apenas falam em surpreender. Comprei outro carro, mais possante, que pudesse exceder minhas expectativas. Não sentia saudades ao voltar à agência para levar os documentos do Del Rey.

Foi quando o vendedor, zombeteiro, perguntou: "Seu Mário, quantas marchas tem o Del Rey mesmo?". "Quatro, veja ali na bolinha do câmbio", respondi de pronto. Ele me pediu que sentasse ao volante e tentasse engatar uma quinta. Humilhado, descobri que a limitação estava apenas na bolinha de quatro marchas. O câmbio tinha uma quinta que nunca usei. Teria excedido minhas expectativas, se eu tivesse a ousadia de tentar.

(*) Mário Persona é consultor, escritor e palestrante. Esta crônica faz parte dos temas apresentados em suas palestras. Edita o boletim eletrônico Crônicas de Negócios e mantém endereço próprio na Web, onde seus textos estão disponíveis.