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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA
Carolina Ramos

Um resumo biográfico foi publicado no terceiro volume da obra conjunta História de Santos/Poliantéia Santista, de Francisco Martins dos Santos/Fernando Martins Lichti (Santos, 1996). Essas informações foram atualizadas em janeiro de 2011:

SÍNTESE ANTOLÓGICA DOS POETAS DE SANTOS
Carolina Ramos

Nasceu em Santos, em 19 de março de 1929. Estudou no Colégio São José, onde, além do curso primário e ginasial, fez, também, Secretariado e a Escola Normal. Completou seus estudos formando-se em música e enfermagem. Pertence à Academia Santista de Letras; a Academia Feminina de Letras; à União Brasileira dos Trovadores (presidente da Seção de Santos e em 2011 presidindo o Conselho Nacional dessa entidade); ao Instituto Histórico e Geográfico de Santos (que presidiu de 2001 a 2007 e onde ocupa a cadeira número 46) e ao Centro de Expansão Cultural.

Carolina Ramos

foto: divulgação

Foi agraciada com diversas medalhas de mérito cultural, entre as quais a de "Magnífica Trovadora", em 1973, em Nova Friburgo-RJ, e em Santos, com a Medalha do Sesquicentenário e a Medalha dos Andradas. Também recebeu vários títulos, homenagens e prêmios em Portugal e Angola, sendo que um dos mais importantes foi o Prêmio Rui Ribeiro Couto, da União Brasileira de Escritores de São Paulo.

Bibliografia: "Sempre" (poesias, 1968); "Cantigas feitas de sonhos" (trovas, 1969); "Espanha" (poema épico, 1ª edição em 1970, reeditado); "Rui Ribeiro Couto - Vida e Obra" (bibliografia, 1989); "Trovas que cantam por mim" (trovas, 1989); "Espanha" e outros poemas (1992); "Interlúdio" (contos, 1993); "Paulo Setúbal - Uma vida/Uma obra" (1994, em co-autoria com Cláudio de Cápua); "Evocação" (História da Associação das Ex-Alunas do Colégio São José), em co-autoria com Maria Edith Prata Real; "Feliz Natal" (contos natalinos); "Príncipe da Trova" (biografia); "Saga de uma vida" (biografia) e "Um amigo Especial" (conto-ficção para a juventude, 2003); "Liberdade - Sonho de todos" (prosa e poesia).

Em 2011, no prelo: "Destino" (poesias). Obras inéditas: "Rosas de sangue" (sonetos); "Mosaicos" (trovas); "Trovas de amor e ternura"; "Canta, Sabiá" (poesias sobre o Brasil, lendas e temas do folclore); "Júlia Lopes de Almeida" (biografia); "Contos"; "Contos Infantis" e "Trovas".

Em 3 de janeiro de 2011, a escritora concedeu esta entrevista a José Feldman, publicada no blogue Pavilhão Literário Cultural Singrando Horizontes (com a imagem):

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011
Carolina Ramos

(A Escritora atrás da Mulher, a Mulher atrás da Escritora)

Iniciamos o ano de 2011 com mais uma entrevista virtual de "A escritora atrás da mulher, a mulher atrás da escritora". Desta vez, tive o enorme privilégio de ter a entrevista com a trovadora, contista e poeta Carolina Ramos. Presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Santos (2001 a 2007) e atual presidente da União Brasileira de Trovadores – Seção de Santos. Pertence à Academia Santista de Letras, Academia Feminina de Letras e Centro de Expansão Cultural.

Esta entrevista, conforme as palavras da entrevistada está muito extensa, e pediu para eu efetuar uma enxugada. Mas, após a leitura, acredito que não há nada a retirar, pois ela responde de um modo muito gostoso de se ler, contando cenas de sua vida, fatos, de uma forma tão agradável que após finalizar fica a pergunta: "Já terminou?".

Carolina nasceu e reside em Santos (SP), vez ou outra nos encontramos em reuniões de trovas em São Paulo há cerca de 20 anos. Varias vezes elogiou o meu trabalho pela literatura e pela trova brasileira, o que faz com que eu me seja envaidecido, pois um elogio dela é como um elogio de Drummond, pela importância que ela tem dentro do cenário cultural brasileiro.


José Feldman (03/01/2011)


1 - Conte um pouco de sua trajetória de vida, onde nasceu, onde cresceu, o que estudou.

CR
– Nasci em Santos, SP Brasil, no dia 19 de março, dia de São José no ano... que importa o ano?! Importante mesmo é o dia que vivemos. Depois dos sessenta, cada um deles é um troféu. Nasci, cresci e vivo, até hoje, em Santos, onde espero morrer num dia escolhido por Deus. Fiz meus estudos no Colégio "São José", do "Jardim da Infância", ginásio de cinco anos, Secretariado, e Escola Normal.


Não podendo cursar Medicina, porque Santos ainda não possuía Faculdade, contentei-me em seguir o Magistério. Por sinal, o curso de normalista, embora hoje abolido, era da maior significado para a formação da mulher, abraçando, para tanto, matérias de essencial importância, como: Psicologia, Puericultura, Pedagogia, Fisiologia, Sociologia, Trabalhos manuais, Desenho Pedagógico etc. Os conhecimentos adquiridos nesse curso, embora me dedicasse ao magistério por pouco tempo, muito me ajudaram na criação de meus filhos.


Fiz ainda o curso completo de Música, nove anos de piano e matérias concomitantes, Teoria Musical, Harmonia, Pedagogia, História da Música etc.
Vários cursos de Literatura, de Folclore, Línguas e um pequeno Curso de Enfermagem, para compensar a minha frustração de não ter podido seguir Medicina.

2 – Como era a formação de uma jovem naquele tempo? E a disciplina, como era?

CR
- Bem poucas jovens, residentes em cidades não dotadas de Faculdades, conseguiam, chegar a elas, naquele tempo. A disciplina era muito mais rígida e os pais, com raríssimas exceções, não abriam mão da autoridade. Meu pai, não era uma dessas exceções. A Serra do Mar era gigantesco obstáculo, erguido entre Santos e São Paulo, que me impediu, definitivamente, de concretizar o sonho de ser médica.


Mesmo depois de Secretária bilíngüe, boa datilógrafa e estenógrafa, portanto, com ótimas chances de conseguir um bom emprego, o pulso de meu pai, não me liberou: "Minha filha não vai ser secretária de ninguém!" "Punto e basta!", diria ele se fosse italiano. Mas, o seu NÃO, espanhol, não demonstrou menor força!

 

Esquecia-me de dizer que sou filha única. Talvez isso explique os excessos de zelo. Nunca, entretanto, me prevaleci dessa situação. Nunca fui mimada! E, absurdamente, era incapaz de pedir algo a meus pais. Claro, que tinha tudo o que precisava, mas, mesmo assim, sempre havia algo a desejar e mesmo sabendo que me seria dado com gosto, eu não pedia! Detesto pedir algo até hoje! Falta de humildade? Claro que não, o oposto, talvez. Respeitava meus pais e não me insurgia contra a severidade que me reprimia - possível semente da timidez que dificultou muito meus passos, ao correr dos tempos. Timidez contra qual luto, quem sabe, até hoje. Só ao escrever, não sou tímida, porque escrevo para mim mesma.


Foram as circunstâncias, citadas, que fizeram com que me tornasse professora, dedicada, a ponto de, pós-aulas, levar para casa os alunos mais fracos, para ajudá-los na recuperação. Embora não fosse essa nobre profissão a minha eleita. Era querida por meus alunos e, de um deles, tive a surpresa de ouvir emocionada: "Quando eu crescer, vou me casar com a senhora!" Onde estará aquele pequenino José, que me fez a primeira declaração de amor?!

3 - Recebeu estímulo na casa da sua infância?

CR
– Na casa onde nasci, na Vila dos Andradas, onde se ergue, hoje, a Rodoviária de Santos, morei apenas 5 anos. Na primeira casa dessa vila, morava dona Rosinha, grande paixão de Martins Fontes. Assim, volta e meia, as crianças corriam, eu entre elas, para saudar a chegada daquele homem bom, que abria os braços para recebê-las. Lembro-me um a um, dos nomes dessas crianças, que perdi de vista. Muitas vezes, esse "Homem Bom" (tenho um soneto com esse título) pegava-me ao colo e beijava meu rosto. Soube, mais tarde, por minha mãe, que aquela pessoa que eu conhecia apenas como "o homem bom" era o queridíssimo vate santista, José Martins Fontes! O que muito me emocionou!


Numa dessas casas, morava uma garota de nome Odila, uns sete anos mais velha que eu. Odila era filha de um livreiro. E tinha em sua casa, um gavetão que, para mim, era uma rica e misteriosa arca de tesouro! O conteúdo... livros, só livros! Um tesouro de livros infantis! Lembro-me ainda do encantamento que eu sentia, sentada no chão, com o gavetão aberto, dadivosamente colocando à minha disposição, aqueles preciosos livros que eu folheava, ainda sem saber ler, maravilhada com as ilustrações! Mesmo quando minha amiga não estava em casa, sua mãe, dona Caridade, carinhosamente, me conduzia até o tal gavetão, e me esquecia por lá. (e era tudo o que eu queria!)


Foi essa "arca do tesouro" que, nos meus deslumbrados cinco anos, me apresentou Narizinho, Pedrinho, Anastácia, Emília, Visconde de Sabugosa ou seja, aquelas personagens que passei a amar, e que, mais tarde, me fizeram devorar toda a obra de Monteiro Lobato - hoje, lamentavelmente expulsa das escolas, sem que as alegações me convençam!

4 – Quais os livros foram marcantes antes de começar a escrever?

CR
– Aprendi muito com os livros de Lobato. Desde respeitar a natureza, conversar com as bonecas, subir em árvores e amar a vida do campo, através do Sítio do Picapau Amarelo. Aprendi muito, ainda, de modo deliciosamente lúdico, sobre Gramática, Aritmética, Geografia, História, Astronomia, Folclore e tanta coisa mais que era absorvido pelos meus sentidos, com espontaneidade e verdadeiro interesse, sem agruras das imposições curriculares. E acho inconcebível que tudo isto seja negado agora, a troco de más interpretações e possíveis influências malignas, às nossas crianças! Lobato sofreu por ousar dizer que "O petróleo era nosso"! Deveria, hoje, ser louvado e, no entanto, sofre através de sua opulenta obra, mais uma nova injustiça! Não só defendo o escritor, mas parte da minha infância que ele tanto enriqueceu!


Depois de Lobato, e de toda a literatura clássica infantil universal, a partir dos Contos da Carochinha, de fadas, de príncipes e princesas etc., li, na minha adolescência, tudo o que me caiu nas mãos! Li quase toda a obra de Machado de Assis, José de Alencar, e outros escritores nacionais. Li muita poesia de Bilac, no mesmo livro que vi nas mãos de meu pai, algumas vezes, quando lia, à meia voz, poemas, passeando pela casa. Li, poetas clássicos e românticos e particularmente, Guilherme de Almeida, Menotti Del Picchia, para citar os mais próximos, e com os quais minha alma se identificava bem mais do que com os modernistas, embora, Guilherme tivesse integrado a Semana de 22.

 

Enfim, li de tudo, sem esquema, autores nacionais e estrangeiros. Cheguei a ler
Os Miseráveis, de Victor Hugo e começava a ler O Corcunda de Notre Dame, quando levei um "puxão de orelhas", no confessionário. Outra obra importantíssima, que comecei a ler cedo demais, e talvez por isso não fui até o final, foi Os Sertões, de Euclides da Cunha. Mais madura, tentei novamente, e, envergonho-me de dizer, que também não cheguei até o fim. Talvez hoje, com outros valores, eu conseguisse ir adiante, mas, e o tempo?! E o fôlego?! Que Euclides me perdoe, perdi no tempo a chance de conhecê-lo melhor. O Pequeno Príncipe também li com muito gosto. De Cronin, praticamente li, a obra inteira, com raras exceções.


Agora, o livro que me influenciou, mais objetivamente a escrever poesia, foi sem dúvida, Cartas a um jovem Poeta de Rilke. Escrevi um artigo a respeito desse livro e nele afirmo o que digo acima. Li-o, como se Rilke o tivesse escrito especialmente para mim!

5 – Fale um pouco sobre a sua trajetória literária. Como começou a sua vida de escritora?

CR
- Sempre me senti atraída pelas artes em geral. Desde pequenina, vivia desenhando tudo o que via, até retratos de artistas de cinema, famosos. Vivia moldando bichinhos de barro, e sempre cercada de música! O que, às vezes desgostava minha mãe, que me via estudar com o rádio ligado e não se conformava com isso! A poesia veio mais tarde. Ainda no ginásio, costumava fazer algumas quadrinhas de pé quebrado, sem saber que me iniciava na trova.

 

Fiz meu primeiro poema quando minha filha, Márcia, nasceu. A menina tinha intolerância láctea e, nos cinco primeiros meses, não me deixava dormir direito, nem durante o dia e muito menos à noite. Tive medo de perde-la! Com vinte dias, eu era um perfeito zumbi! Numa das inúmeras idas e vindas, da minha cama ao berço e vice-versa, dormi andando e fui de encontro à parede. Conto isto, porque em virtude desta insônia forçada, é que o meu primeiro poema nasceu.

 

Chamei-o, Se eu soubesse esquecer. Bem... o que eu queria esquecer, esqueci! Porque não sei do que se tratava! E perdi também o poema, que justificava o nome. Talvez intimamente o condenasse, julgando-o fruto de um resquício de saudade do primeiro namoradinho - só seis meses de namoro, num tempo em que nem de mãos dadas se andava! Mas... fora o primeiro! Com o segundo, casei-me (união desastrosa que durou 21 anos!)


Minha primeira aparição pública, que marcou o início de minha carreira poética, se é que assim posso dizer, aconteceu em 1961. A Comissão Municipal de Cultura lançara um Concurso de Poesias, tendo como tema, SANTOS. Como quem não quer nada, resolvi abraçar o tema, compondo um poema a que dei o nome de Gosto de ti, minha terra. Fechando os olhos e procurando vencer a timidez, mandei-o. Dias depois de expirado o prazo, recebi um telefonema de alguém que não se identificava. Queria falar com Carolina, dizendo que tomara conhecimento de que eu compusera uns versos muito bonitos para Santos.

 

Insisti para que se identificasse. Dizia-se "um poeta do outro mundo". Achando que tudo não passava de um trote, desculpando-me, desliguei o telefone. Dias depois, vim a saber pelos jornais que o meu poema conquistara o 3º lugar no referido Concurso, e que o grande poeta, Cesídio Ambrogi, de Taubaté, era o 2º colocado. O conhecido poeta e jornalista, Corrêa Junior, de São Paulo, conquistara o 1º lugar. Uma surpresa enorme! E uma emoção sem tamanho! Eu começava a sair da gaveta!

 

Só vinte e tantos anos mais tarde, vim a saber, por ele mesmo, que o tal "poeta do outro mundo", do telefonema anônimo, era, simplesmente, dr. Archimedes Bava, um dos mestres do Direito, em Santos e presidente do IHGS, instituição que eu, bem mais adiante, viria a presidir, por sete anos consecutivos, de 2000 a 2007. Aturdida, desculpei-me perante ele, já então velho amigo, censurando-o por não ter se identificado me forçando à indelicadeza, de desligar o telefone! Fora a surpresa, explicou-me ele, que o fizera ligar para mim, para sondar quem seria aquela Carolina, que ninguém conhecia, e que conseguira abocanhar um 3º lugar, situando-se ao lado de dois poetas consagrados vindos e fora!


Daí para frente, comecei a publicar versos num Suplemento de Arte, do Jornal local, A Tribuna, o que estimulou muito minha produção. Ainda em 61, concorri a um Concurso de Trovas do Centro Português de Santos. Tema: A Amizade entre Brasil e Portugal. Compus um pequeno poema com versos de sete sílabas e não cheguei a mandá-lo, porque alguém teve a caridade de me avisar que aquilo não era uma trova! Melhor informada, retirei do poema uma das estrofes com sentido completo e rima simples e encaminhei-a para o concurso. Conquistei, mais um terceiro lugar.

 

Na noite da premiação, conheci o caro e grande poeta Orlando Brito (recém falecido) também classificado, que me falou de Nova Friburgo e do Movimento Trovadoresco que alvorecia, induzindo-me a participar. Foi o gancho! Aos poucos, deixei-me levar por essa enxurrada maravilhosa de talentos, que me arrastou por este Brasil afora, mediante classificações em Concursos e Jogos Florais.

 

Em 1964, alcancei meu primeiro prêmio de relevância na Trova. Foi em Petrópolis. Na ocasião, tive a feliz oportunidade de conhecer a nata dos trovadores. Chefiados por Luiz Otávio, eles aguardavam, na Rodoviária do Rio de Janeiro, o ônibus que os levaria a Petrópolis. Sem conhecê-lo pessoalmente, dirigi-me a quem supunha ser Luiz Otávio. Quando me identifiquei, o Príncipe, dirigindo-se ao grupo, indagou: "Pessoal, qual foi a trova que eu disse, ainda há pouco, que era a melhor do Concurso?" A resposta veio em coro: "A segunda colocada". E Luiz Otávio, indicando-me, completou: -"Eis a autora!" Foi assim, que me integrei ao Movimento Trovadoresco e comecei a colecionar prêmios. O tema daquele concurso era Vitória. E minhas vitórias, na área literária, começavam a intensificar-se.

6- Como foi dar esse salto de leitora para escritora?

CR
- Aconteceu normalmente, sem um momento que eu possa determinar. Esta frase escrevi na noite de ontem. Um dia depois, reconsidero-a. Acho, sim, que sei exatamente o instante em que me senti "escritora". E então terei de contar um caso. Eu tinha precisamente 11 anos e acabara de entrar no ginásio. Pré-adolescente, era aquela menina muito sensível e tímida ao extremo! A professora, única, que nos ensinava tudo nas aulas do ensino básico, fora substituída por vários professores que ministravam, cada um deles, uma única matéria.


A professora de português, das mais competentes de Santos, tinha fama de severa, de brava, mesmo! Uma das primeiras tarefas que nos passou como dever de casa, foi a narração A morte do sabiá, que ainda guardo com carinho, até hoje, porque me marcou muito e, pensando bem, foi minha primeira demonstração de que tinha alguma tendência para escrever. E foi com muito carinho que derramei toda a minha sensibilidade, sempre contida, na descrição da morte daquele sabiá! Entreguei a narração, confiante de que mereceria boa nota! Alguns dias depois, recebíamos de volta nossos trabalhos, com as correções necessárias e a nota. - A máxima era o ambicionado 100. Quando ouvi meu nome, fui até a mesa da mestra, acalentando a esperança de ter conseguido boa nota. Decepção absoluta!


A mestra entregou-me o trabalho. A nota 60, em vermelho, feriu-me os olhos e as palavras ríspidas da professora: "Isto foi feito com a mão do gato!" atingiram em cheio meu coração e acabaram com minhas primeiras e ainda inconscientes pretensões literárias.


Dali em diante, numa reação puramente infantil, ao escrever meus trabalhos, eu economizava palavras, na tentativa de que os textos não deixassem dúvidas de terem sido feitos por mim, uma criança ainda! Isto, de certa forma, prejudicou bastante essa minha fase estudantil. Nunca fui reprovada, mas não fui boa aluna, pois, a mesma coisa veio a acontecer com o Desenho, outra de minhas atividades preferidas. Descobri que não ganhava boa nota, porque meu professor pensava que eu “colava” meus desenhos.

 

Esse dois casos me desestruturaram, bastante, embora, no segundo, a minha reação já se mostrasse mais madura. Eu teria então uns 14 anos. Quando notei a desconfiança do professor, passei a entregar meus desenhos no tamanho exigido, segundo o modelo (caderno Fachini) e, por minha conta, fazia outro, ampliado. Comprei outros cadernos Fachini com modelos de mãos e rosto, que não faziam parte do currículo, por serem mais difíceis. E, mostrando-os ao mestre, consegui que o meu querido professor, enfim, valorizasse a sua aluna! Esses dois episódios, entretanto, influenciaram negativamente na minha auto-estima. Fui uma aluna sem brilho no meu tempo de ginásio.


A professora brava, que não acreditara em mim, tornou-se, posteriormente, muito minha amiga e grande incentivadora de minha poesia. Devo a ela, indiscutivelmente, o que sei da língua portuguesa. E o fato de ter julgado que aquela narração não poderia ter sido feita por uma criança da minha idade, pensando bem, foi um elogio e tanto!


Hoje, considero esse incidente, como o primeiro prêmio literário que, nos meus tenros onze anos, conquistei, embora, na época, muito me fizesse sofrer! Já no Secretariado, sem censuras, passei a escrever com muito mais desenvoltura, conquistando sempre as melhores notas, o mesmo acontecendo na Escola Normal, o que desenvolveu em definitivo, meu gosto pela linguagem escrita.

7 – Teve a influência de alguém, para começar a escrever?

CR
- Acredito que, na adolescência, meu primeiro e único namoradinho, que gostava muito de poesia e, de vez em quando, enquanto passeávamos pelos jardins da praia, declamava versos de Bilac, Menotti, e outros, com certeza, deve ter despertado meu interesse pelas rimas. Daí em diante, foi por minha conta.

8 – Tem Home Page própria? (não são consideradas outras que simplesmente tenham trabalhos seus)

CR
– Já tive Home Page, com foto, poesias, um conto premiado em Portugal, Trovas etc. Mas, como dependia de outros para alimentá-la, acabei por perdê-la.

9 – Você encontra muitas dificuldades em viver de literatura , em um país que está bem longe de ser um apreciador de livros?

CR
– Bem, não encontro essa dificuldade, porque nunca pensei em "viver de literatura".


Creio que a habilidade para escrever, prosa ou poesia, é quase um dom. Um dom que Deus oferece gratuitamente e que pode permanecer enrustido e morrer embrionário, ou sendo cultivado, vir a florescer em qualquer fase da vida. Poesia pode ser fuga, sublimação, passatempo, mas nunca profissão. Claro, que em tudo há exceções, neste caso, raríssimas! O poeta, simplesmente, nasce Poeta!

 

O instante em que a Poesia passa a ser o seu meio de expressão, exigindo constante aprimoramento, pode acontecer em qualquer tempo. O mesmo se dá com o escritor e os artistas em geral. Entretanto, viver de literatura é muito difícil. Mas há uma "remuneração", polpuda, a que o artista aspira e, quando chega, o gratifica plenamente! É quando sente que a sua mensagem foi entendida e encontrou ressonância na sensibilidade de alguém. Uma glória!

SEUS TEXTOS E PRÊMIOS

10 – Como começou a tomar gosto pela escrita?

CR
– Sempre lutando contra meu natural retraimento, que me levava mais a ouvir do que falar, fui me abrindo para a poesia e acumulando versos em cadernos, fechados em gavetas. O primeiro prêmio conquistado me obrigou a dar um passo a frente.

 

Ao ver meu primeiro poema publicado na imprensa, enviado, sem que eu soubesse, por um amigo que me pedira um poema para suas filhas, quase morri de vergonha, pois me senti como que se minha alma fora desnudada em público! Mas essa primeira reação foi sendo substituída pela sensação gostosa de saber que meus versos eram bem acolhidos por gente que eu nem conhecia e ganhavam elogios que me surpreendiam!

 

Em conseqüência, fui saindo aos poucos do casulo. Quando me voltei para os Concursos, foi como que um desafio à minha insegurança. Mais uma tentativa de auto-afirmação! As vitórias, de certa forma, provavam-me que eu realmente estava apta a fazer o que fazia! Então, promovi um encontro comigo mesma e decidi: Se este é o caminho que eu quero seguir, só há uma solução – ou me venço, ou serei vencida! E foi assim que, aos poucos, deixei de corar como uma adolescente, cada vez que via uma poesia minha publicada num jornal ou revista. E, o que era melhor, agora enviada por mim! Tomei gosto!

11 – Você possui livros? Se sim, em que você se inspirou em seus livros?

CR
– Publiquei meus primeiros livros em 1969. Sempre, chamou-se o primeiro e reunia as poesias feitas até ali. (antes de vir a público, foi agraciado com o "Prêmio de Melhor Obra Inédita", outorgado pela UBE).

 

Espanha, foi o segundo. Uma verdadeira ousadia, pois escrevi um poema épico em que viajei pela terra de meu pai, descrevendo muito de sua história e geografia, de ponta a ponta, sem ter saído de minha casa e sem conhecer o país de Cervantes. Fui convidada a ler meu Poema no Instituto de Estudos Hispânicos e, como de início eu me desculpara, pedindo que me perdoassem erros e omissões, já que eu não conhecia a Espanha, ao final da minha leitura, um senhor veio cumprimentar-me dizendo: "Não acredito que a senhora não tenha estado na Espanha! Eu cheguei de lá agora, e descreveu minha viagem inteirinha!"


Este livro, escrito apenas com estudo e coração, foi um presente a meu pai, que de lá veio com nove anos de idade e morreu sem lá voltar, apesar de minha insistência. Anos depois do falecimento dele, estive na Espanha, quase que com remorsos, por estar vendo o que ele nunca vira. O livro já está com a 2ª edição esgotada, se tiver tempo, tentarei uma 3ª.


O terceiro livro, foi de trovas, Cantigas feitas de Sonho. Vieram a seguir, algumas Biografias. Falarei sobre elas quando der resposta à pergunta de nº 14. Trovas que Cantam por Mim foi lançado em 1968. Pretendo fazer um livro de trovas juntando este dois primeiros livros e anexando mais umas 300. Não é muito, devo ter em estoque pelo menos umas três mil trovas que poderiam ser aproveitáveis! É a minha contribuição ao Movimento.


Interlúdio, meu primeiro livro de contos. Gosto de escrever contos. Dá asas à imaginação e não atrapalha minhas tarefas domésticas. Planejo-os, trabalhando. Depois é só correr para o computador deixar que fluam sem rascunhos. Tenho material para mais uns dois livros de contos.

 

Assim aconteceu com Feliz Natal. Escrevi, por algum tempo um ou dois contos natalinos, a cada fim de ano. O livro está esgotado, como os demais, e, se partir para uma segunda edição, será ela acrescida de, pelo menos, oito contos inéditos.


Evocação - livro escrito de parceria com Maria Edith Prata Real. É o levantamento histórico da "Associação das Ex-Alunas do Colégio São José". O meu querido Colégio São José!


Um Amigo Especial é livro de ficção. Era para ser leitura para crianças, tanto que, nele, passo alguns conceitos de maneira bem acessível ao alcance da gente miúda. Mas, o livro evoluiu em conteúdo, na linguagem também, e os adultos é que mais o aplaudem. Assim, achei melhor endereçá-lo com as palavras que deixei na primeira página: "... para jovens de qualquer idade".


Neste findo 2010, veio à luz Liberdade...Sonho de Todos!, que nasceu da necessidade, urgente, de conquistar um pouco mais de tempo e liberdade para fazer, dentro da morosidade desejada, a revisão do meu próximo, e, quem sabe, derradeiro livro, Destino. Separei tudo o que tinha à mão e que falasse de liberdade, em prosa, verso ou trova e disse ao meu editor, (marido): - "Pronto! Edita este. Mas, agora, quero liberdade para cuidar do meu Destino"! (que até hoje, por conta da tal reforma ortográfica, ainda não saiu de minha mão!!)

12 – Como definiria seu estilo literário?

CR
– Na poesia, meu estilo é, preferencialmente, acadêmico. Faço, com menos freqüência, poesia sem métrica e rima. Evito dizer poesia livre, porque me sinto perfeitamente liberta, dentro dos cânones acadêmicos, tradicionais, ou clássicos. A rima e a métrica, longe de me prenderem, me ajudam a voar.
Na prosa, procuro escrever certo o que quero dizer. E ser clara. E ser simples. Será isto um estilo?

13 – Dentre os livros escritos por você, qual lhe chamou mais atenção? E por quê?

CR
– Aquele que mais me preocupou, digamos assim, foi, sem dúvida, Príncipe da Trova. Levei quase vinte anos para terminá-lo! Comecei-o e parei por circunstâncias que explico nas primeiras páginas. Foi um livro difícil de ser escrito, em tudo e por tudo, mas era um livro que precisava ser escrito.

14 – Você publicou algumas biografias. Separadamente, como pessoa e como poeta, qual a importância para si de Ribeiro Couto? E Paulo Setúbal? E Luiz Otávio?

CR
– Rui Ribeiro Couto, é nome internacional, consagrado, de poeta, escritor, embaixador etc. e que, além de tudo, de um santista. Como se não bastasse, Ribeiro Couto é o Patrono da Cadeira nº 30, que tenho a honra de ocupar na Academia Santista de Letras. Logo, biografá-lo era para mim um dever, por sinal, agradabilíssimo!


Paulo Setúbal – Uma Vida – Uma Obra - co-autoria de Cláudio de Cápua e Carolina Ramos, aconteceu em virtude de um concurso. O tempo era escasso. O livro ficou pronto em praticamente quinze dias. Faço questão de dizer que o mérito da pesquisa deve-se inteiramente a meu marido. Havia um prêmio polpudo em dinheiro, e também a promessa de publicação da obra vencedora. Conquistamos o 2º lugar e fomos cumprimentados pelo primeiro colocado. Editamos o livro por nossa conta.


Escrevi mais duas biografias. Saga de uma Vida – biografia de um médico amigo, presidente de Honra do IHGS, dr. Raul Ribeiro Flórido, que, depois de lê-la, me disse: "Obrigado, Carolina, agora posso morrer tranqüilo".


Esta é a tal "remuneração" que tanto gratifica a quem escreve! Dr. Florido faleceu um ano depois, aos 91 anos de idade. Foi ele que, quando presidente, cedeu uma sala no IHGS, para instalação da sede da UBT/Santos.


Quanto à pergunta sobre nosso saudoso Luiz Otávio, que mais poderei dizer? Não fujo à pergunta: Qual a importância de Luiz Otávio para mim? Mesmo porque, todos os interessados no assunto, conhecem a resposta. E ela está inteira e detalhada no meu livro Príncipe da Trova, que precisava ser escrito, porque a verdade estava sendo maldosamente explorada e deturpada.


Respondo à pergunta com outra, embora não seja isto elegante. Quem poderá avaliar que importância poderá ter para alguém, um outro alguém que, na última década de sua vida, lhe ensinou o que é viver, o que é ternura e com quem descobriu o grande e verdadeiro Amor?! Ninguém! A menos que tenha vivido uma situação semelhante!


Digo isto, sem constrangimentos, porque, hoje, tenho ao meu lado, alguém, também muito amado e com compreensão suficiente para não coibir a minha sinceridade. Mesmo porque, foi ele, Cláudio, hoje meu marido, quem, com aquela magnanimidade que talvez eu não tivesse, me incentivou a levar a cabo a biografia de Luiz Otávio, que, após o nosso casamento, por respeito a ele, eu interrompera.

 

E foi ele, também, quem me estimulou e não embargou minha decisão de só recomeçar a escrever, se pudesse ignorar a sua presença em minha vida, para poder escrever com transparência e absoluta sinceridade o que tinha a dizer. Não fosse assim, eu estaria completamente tolhida e não poderia ter escrito com a abertura de alma, com que escrevi aquela biografia do nosso Príncipe, da qual sempre me orgulharei de ter participado.

15 – Que acha dos seus textos: O que representam para si? E para os seus leitores?

CR
– Pergunta difícil! Meus textos... são meus textos! Gosto deles, ou os rasgaria! Sou exigente. Leio, releio, corrijo e, não raro, volto atrás. Faço por eles, tudo o que se faz para tentar educar um filho. Toda mãe quer chegar à perfeição. Busca mas, nem sempre consegue. Afinal, perfeito, só Deus! O que posso dizer, é que as opiniões dos meus leitores e amigos têm sido sempre bastante magnânimas e estimulantes. Creio na sinceridade deles, tanto como gosto que creiam na minha.

 

E entre essas avaliações tenho palavras preciosas e bastante alentadoras de vozes muito importantes para nossas letras, como: Guilherme de Almeida, Cassiano Ricardo, Câmara Cascudo, Fernando Jorge, Menotti Del Picchia, Moacyr Scliar, Salomão Jorge, Paulo Bomfim, e muitos outros. Palavras que me dão confiança e me incitam a continuar.

16 – Qual a sua opinião a respeito da Internet? A seu ver, ela tem contribuído para a difusão do seu trabalho?

CR
– A Internet é um meio fantástico de comunicação quase que instantânea! A troca de pps (N.E.: arquivos de apresentações em formato PowerPoint Show) fascina! Mas, apesar do seu poder encantador de fazer novos amigos, ela também nos coloca frente a um sério problema!


Se não nos disciplinarmos (o que ainda não consegui), ela nos engole! Engole o nosso tempo, compete com os nossos horários, interfere nos compromissos, furta horas de sono e também os momentos reservados à leitura. E chega a perturbar nossas atividades literárias! Enfim, separa interesses e até casais! Estou chegando ao limite, preciso me reorganizar.


A Internet poderia me ajudar muito na divulgação de meus trabalhos, mas ainda sou bastante inábil e, às vezes, preguiçosa.

17 – Tem prêmios literários?

CR
– Dessa pergunta me esquivo sempre. Mas, como esta entrevista já virou autobiografia não posso deixar de ser sincera, embora possa parecer vaidosa, o que realmente não sou. Tenho prêmios, vários prêmios, no Brasil e alguns no Exterior, de contos, poesias, trovas e crônicas. Não digo quantos, porque é mais fácil ver um prêmio valorizado do que um número maior deles.

 

Não posso deixar de dizer que, neste ano, por meu poema, Paz, fui agraciada com Diploma e Medalha de Mérito Internacional, em Nocera - Salerno, Itália. E em dezembro, deveria estar em Mérida, já que estou entre os Vencedores dos Jogos Florais da Venezuela, mas, infelizmente, não pude ir.

18 – Participa de Concursos Literários? Qual sua visão sobre eles? Acha que eles têm "marmelada"?

CR
– Concorrer é, para mim, um verdadeiro vício! Concorro como um desafio a mim mesma. Seria hipocrisia dizer que não gosto de ganhar, mas, ganho e perco, sem questionamentos. Festejo uma vitória como se fora a primeira e a última! E consigo alegrar-me com a vitória dos meus irmãos! Não gosto é de preparar tudo e, afinal, deixar passar o prazo, sem postar o envelope. E como isso acontece!


Quanto à pergunta se há "marmelada" em concursos, digo, e espero estar certa, que não há! O que se ouve com relação a concursos em que nomes dos vencedores são repetidos, seria tão fácil de entender e aceitar quando não predominam despeitos nem vaidades feridas! Comparemos: num campo de futebol, quem são os que marcam mais gols? O mesmo desempenho repete-se nos mais diferentes jogos. Logo, é de se esperar que os nomes de tais campeões estejam mais em evidência que os demais! Qual a solução para virar o jogo? Só há uma: - Jogar com mais eficiência para suplantar os demais concorrentes!

 

Enquanto isto não for conseguido, o certo é aplaudir, fraternalmente, a vitória dos ganhadores, sem críticas mesquinhas! Aí está o verdadeiro prazer de concorrer! É preciso querer ganhar, quando se pode! Não apenas, quando se quer.

CRIAÇÃO LITERÁRIA

19 – Você precisa ter uma situação psicologicamente muito definida ou já chegou num ponto em que é só fazer um clic e a musa/ou muso pinta de lá de dentro? Para se inspirar literariamente, precisa de algum ambiente especial?

CR
– É muito bom que haja uma situação psicologicamente definida quando alguém se decida a escrever. Então, é só derramar a alma sobre a folha de papel, ou tela de computador, sem comprometimento algum. É fazer um clic e deixar que os dedos captem o que o cérebro, a alma e o coração transmitem, numa espécie de coral afinado. Depois, é só burilar. Contudo, há os momentos de escrita, exigida, menos intimista sujeita a cargos ou concursos, que pedem maior concentração.


Quando escrevo por diletantismo, não preciso, não, de um ambiente especial para escrever. Sempre desejei um cantinho todo meu, privativo, mas nunca consegui tê-lo! Habituei-me a "escrever" em ônibus, na direção de um carro, ou com crianças correndo em volta de mim, quando meus filhos eram ainda pequeninos. Escrevi sempre com a televisão ao meu lado, seguindo novela, e até só mentalmente, durante as tarefas domésticas.

 

E, se não tenho papel para anotar, acabo perdendo muita coisa que poderia aproveitar. Esta é a sina da mulher! Mulher tem que criar tempo para tudo! Porque, antes de ser escritora, artista ou lá o que for, é apenas mulher e esse termo tem subdivisões prioritárias infinitas! Gosto de escrever com música! Ela nunca me perturba, até me ajuda! Não sei viver distante dela!

20 – Você projeta os seus textos? Ou seja, você projeta a ação, você projeta o esquema narrativo antes? Como é que você concebe os textos?

CR
– O único livro que projetei foi o Príncipe da Trova. Fui coletando dados, agregando-os cronologicamente e desenvolvendo-os. Aliás, corrijo, as demais biografias também passaram por esse mesmo sistema. Quanto aos contos, poesias e trovas, obras de ficção, simplesmente acontecem. Já fiz um conto a partir de uma frase, a maioria dos sonetos, baseados num fecho, e a maioria das trovas, sob temas dados, ou seja, estipulados por concursos.

21 – Você acredita que para ser poeta ou trovadora basta somente exercitar a escrita ou vocação? Isto é essencial?

CR
– Tudo na vida precisa ser exercitado. Poesia é o que se pode chamar de dom, acho que já me referi a isto, mas a predisposição, para qualquer coisa, não é o bastante. Quem pretenda escrever e ser bem sucedido, precisa conhecer muito bem a língua que vai usar. E aprimorá-la sempre! É o seu instrumento de trabalho. É preciso saber manipulá-la bem, estudá-la sempre, para que a inspiração possa ganhar asas e voar alto!

 

Mas é preciso que se diga, que o poeta é poeta nato! Ao nascer, sua alma já vem carimbada! Se será bom ou mau poeta, é o que se saberá depois. Independe de cultura. Ser poeta é um estado de alma, é um dom! Vemos coisas lindas, cheias de conteúdo poético, expressas em linguagem precária, por artistas praticamente sem estudo, mas que têm a poesia dentro da alma e são poetas de fato! Como vemos, também, poesias elaboradas por gente que notoriamente esbanja cultura e que gostaria de ser poeta mas, infelizmente, não o é!

22 – No processo de formação do escritor é preciso que ele leia porcaria?

CR
– Porcaria nunca fez bem a ninguém! Mas, eu, quando jovem, lia tudo o que me caia nas mãos, menos coisas pornográficas que, automaticamente meu íntimo repelia. Acho que é por isso que até hoje não gosto das trovas licenciosas, que andam por aí. E que sempre repudiei, em particular, as "escabrosas", que nunca cheguei a ler e com as quais tentaram macular o Movimento Trovadoresco Brasileiro, canalizando um rio de águas turvas para que desaguasse no nosso meio. O bom, mesmo, é ler boa literatura, vinda de onde vier, o que sempre ajuda a evoluir.

O ESCRITOR E A LITERATURA

23 – Mas existe uma constelação de escritores que nos é desconhecida. Para nós, a quem chega apenas o que a mídia divulga, que autores são importantes descobrir?

CR
– Não gosto de citar nomes. Digo apenas que os autores que deveriam ser descobertos são aqueles que escrevem porque sentem prazer de escrever, sabendo dizer o que pretendem dizer. Esse ato de enxugar a alma numa folha de papel, realiza o anseio, incontido, de comunicação que nasceu com eles e que com eles morrerá, quer lhes dê, ou não, notoriedade ou sequer acolhimento público.

 

Infelizmente, estes poetas ou escritores, são os que mais dificuldade têm de sair da gaveta, das rodinhas de amigos, das tertúlias íntimas e nem sempre chegam à mídia! O que lhes importa, mesmo, é exteriorizar as coisas que a alma dita e que morreriam sem vez, se a palavra escrita não lhes servisse de veículo para trazê-las à luz. Basta-lhes satisfazer a necessidade íntima de comunicação com seu próprio ego. E quanto talento se perde! E, em todas as áreas, quantos ensinamentos úteis vão morrendo embutidos, sem jamais chegar até aqueles a quem, talvez, pudessem ajudar ou tão-somente deleitar!

24 – Na sua opinião, que livro ou livros da literatura portuguesa deveriam ser leitura obrigatória?

CR
- Ainda uma vez, evito citar nomes. Acho que, para quem quer ter uma visão o quanto possível ampla, da literatura luso-brasileira, deve começar lendo os clássicos da literatura tanto portuguesa como brasileira, tanto na prosa como na poesia.

 

Daí para a frente, o seu passeio pelas estantes vai se impondo de acordo com a evolução das fases que se sucedem, através de diferentes autores, até chegar aos ditos tempos modernos, com seus vôos e quedas, com seu realismo, suas extravagâncias, hermetismos e crueza de linguagem que, não raro, nos impelem a procurar matar saudades das leituras mais amenas, que deleitaram nossa juventude, principalmente na área da poesia.

25 – Qual o papel do escritor na sociedade?

CR
– A obra do escritor não tem fronteiras. Não há limites que cerceiem a sua criação, e, muito menos, cronológicos. Mas o escritor não é imune às influências do meio e da época em que vive. Seus escritos bebem a água da inspiração, na fonte que corre perto de seus pés. A voz do escritor incorpora a voz do seu tempo e, automaticamente, através do que escreve, passa a interagir, de acordo, ou não, com a vida que rola à sua volta, e até mesmo contra suas próprias convicções, segundo as exigências da personagem criada.

 

Note-se que há, sempre, escritores e poetas envolvidos nas grandes causas que o cercam e que acabam por marcar suas existências. É por isso, que podemos afirmar que poetas e escritores, em qualquer tempo ou lugar, são quase sempre ativistas sociais e arautos dos grandes acontecimentos que marcam o seu tempo.

26 – Há lugar para a poesia em nossos tempos?

CR
– Logo que me iniciei na poesia, recebi um artigo de um poeta de São Paulo intitulado A Poesia morreu!... Arrepiei-me e dei-lhe resposta, escrevendo um outro artigo provando que a poesia ainda estava viva e que nunca morreria, porque o mundo precisava dela! Perdi esse artigo, que também foi para os jornais. Mas a minha opinião continua a mesma! Hoje, os tempos são outros, mais agressivos mais duros, mais frios...simplesmente mais, em tudo o que é mau!

 

E, por isso mesmo, também mais do que nunca, o mundo precisa de ternura, de amor, de congraçamento, de fraternidade, de suavidade e de beleza – em suma, cada vez mais, o mundo precisa de Poesia! E há lugar para ela em nossos tempos?!

 

Há sim... é empurrar o materialismo daqui, os excessos de vaidades dali, as prepotências, os ódios e outros tantos defeitos inerentes ao homem e então veremos que sempre há de sobrar um lugarzinho discreto para que a rosa da poesia se instale, desabroche e esparja seu inefável perfume. Perfume que atrai corações e une as almas! E estejamos certos, de que, quanto mais rudes e maus os tempos se tornarem, mais a poesia há de se manter indispensável!

UBT

27 – Pertencer à UBT muda o que em sua vida?

CR
– Tudo! A UBT (União Brasileira de Trovadores) promoveu uma verdadeira revolução em minha vida! Filha única, eu tinha uma enorme carência de irmãos! Canalizei todo esse amor para meus filhos. Mas faltava ainda aquele afeto diferente, fraterno, da palavra amiga e dos sonhos divididos com igualdade.

 

E, de uma hora para outra, ou seja, de 1960 em diante, quando entrei no turbilhão da Trova, através do GBT (Grêmio Brasileiro de Trovadores), logo transformado em UBT, ganhei uma enxurrada de Irmãos e Irmãs, acolhidos por meu coração com um carinho deslumbrado, que talvez nenhum deles consiga jamais aquilatar!

 

Foi uma glória para mim, encontrar gente amiga, que sonhava, pensava, sentia e se expressava poeticamente, da mesma forma que eu! E esse fascinante diletantismo de concorrer a concursos e conquistar prêmios (ou não), passou a ser meu hobby predileto, porque me facultava a proximidade desses Irmãos e Irmãs que as artérias da Trova canalizaram para mim.

28 – O que é para a mulher atrás da trovadora pertencer à UBT?

CR
– Quem indaga bem sabe que a pergunta é delicada. Não a contorno. A mulher atrás da trovadora, era a mulher sofrida que ninguém desconfiava que fosse. O casamento, à beira de um despenhadeiro! Incompatibilidade total! Dizer que a Poesia, em particular a Trova, foram uma fuga é quase ofendê-las, mas, ninguém pode fugir à verdade! Busco imagem melhor. Tanto a Poesia como a Trova foram aquela janela que consegui abrir para que o sol chegasse a mim e afastasse o inverno prematuro, que avançava e me envolvia cada vez mais! A UBT foi a mão amiga que destravou essa janela!

29 - Comente sobre algum fato curioso ou engraçado que tenha ocorrido em algum Concurso de Trovas.

CR
- Há muitos fatos curiosos! Vejamos um, acontecido em Cambuquira, creio que em 1969. O tema do concurso era Fonte. Eu tinha uma trova premiada, esta:

Sussurrando, com ternura,
prova a fonte, sem revolta,
como é possível ser pura,
mesmo tendo lama em volta!


Mas, ao ser-me entregue o livrete do concurso, vi que meu nome não aparecia e minha trova fora publicada com o nome de outro autor. O promotor do concurso desculpou-se muito, prometendo-me corrigir o erro em sua Coluna de Trovas, num jornal local. Tranqüilizei-o, dizendo-lhe que não se preocupasse, essas coisas aconteciam com freqüência.

 

Uma semana depois, recebo, em minha casa, o referido jornal e o desconsolo do promotor que me dizia consternado: - "Veja só, Carolina, o que fizeram com sua Trova!" E lá estava minha pobre trova, com o verbo sussurrando completamente deturpado, ou seja:


Surrando com ternura,
prova a fonte, sem revolta...
etc.

"– Mas, eu vou corrigir, Carolina, pode deixar", completava o articulista.

Passa-se mais uma semana, e chega novo exemplar do jornal de Cambuquira, com esta calamidade:
 

Urrando com ternura,
prova a fonte, sem revolta
etc

Vinha junto, um recadinho desconsolado, escrito de próprio punho, que me fez rir um bocado:


"- Mil perdões, Carolina! Desisto!"
 

Daí em diante, prometi a mim mesma, que nunca mais usaria esse perigoso verbo, sussurrar, em trabalho algum!

30 – O que é a Trova para você como trovadora?

CR
– Eu vinha dos sonetos e dos poemas de muitas estrofes.. Meu primeiro livro de poesias, de nome, Sempre, é uma prova disto. A Trova me disciplinou, impondo-me a síntese. Tenho um ou outro soneto cuja base é uma trova e tenho trovas que desenvolvi em sonetos.


E percebo que, tudo o que há de mais substancial, está nos quatro versos de sete sílabas da trova. O mais, que tece a trama ampla do soneto, mesmo sem ser supérfluo, é rendilhado decorativo.

A PESSOA POR TRÁS DA ESCRITORA

31 - O que a choca hoje em dia?

CR
- Muita coisa me choca, hoje em dia! A insinceridade, as injustiças, os desmandos políticos, a corrupção, a falta de caráter; o poder dissociado da responsabilidade, os rumos da educação e da saúde, a paternidade irresponsável, a exploração das crianças, o descalabro e propagação do poder nocivo das drogas, a falta de respeito para com os idosos; a sexualidade exacerbada e precoce dos jovens e conseqüente banalização do amor; a ausência de uma religião, a falta de fé e do amor a Deus, o desamor à vida e a facilidade com que se trama uma guerra! Mas, é melhor parar por aqui, ou a lista ficará por demais extensa!

32 – O que mais lê hoje?

CR
– Para ser bastante sincera, devo dizer que hoje mais escrevo do que leio. Mesmo assim, leio tudo o que me cai em mãos, ou dois ou três livros ao mesmo tempo, sem mais aquele estoicismo, inicial, de ir até a última página, mesmo não sendo a leitura do meu total agrado. Recebo muitos livros e não lhes dou resposta sem lê-los. Isto toma tempo! Assim, tenho que dividir minhas horas, inclusive de sono, entre encargos domésticos e sociais, o fascínio do computador e os momentos repousantes que um livro, de livre escolha, possa me oferecer.

33 – Você possui algum projeto que pretende ainda desenvolver?

CR
- Nunca deixei de escrever, mesmo ocupada com outros afazeres, cargos etc., mas, dormi no tempo, trabalhando para entidades e acumulando trabalhos meus que poderiam estar publicados. Assim, minha meta atual é colocar em dia os livros que praticamente estão prontos, dependentes de seleção e revisão.

 

Quanto a projetos, gostaria, se Deus me desse algum tempo mais, de terminar e levar a público meu livro, Canta, sabiá! de prosa e poesias baseadas em temas folclóricos. E gostaria também de voltar a pintar e freqüentar algumas aulas de teclado, já que dei meu piano à minha neta e sinto falta dele, pois não sei viver sem música! Penso, também de voltar a dedicar-me a obras sociais. Mas, a saúde e a vontade de Deus decidirão. Tudo está no terreno das veleidades, que nem chegam a ser sonho!

34 – De que forma você vê a cultura popular nos tempos atuais de globalização?

CR
– Precária! Só aquele que ainda é capaz de sonhar, se interessa pela cultura. Nosso povo é ingenuamente criativo, é sonhador por natureza, gosta de arte, mas a luta entre o "feijão e o sonho" continua cada vez mais árdua! E qualquer ajuda oficial, na hora do aperto, os primeiros cortes vão para a área da cultura. Isto poda as asas dos artistas e os seus vôos só podem ser rasteiros.

 

Mesmo assim, o brasileiro canta, toca, compõe, modela, cria e o quanto possível sonha, porque aquele que nasce artista sempre encontra um meio de dar vaza às suas tendências, buscando inspiração mesmo dentro da rústica precariedade que o cerca. E é assim que vão se multiplicando gerações de cantadores, cordelistas, violeiros, artesãos e pintores, que enfeitam, com a ingenuidade da sua arte, a cultura popular deste nosso Brasil.

CONSELHOS PARA OS ESCRITORES

35 – Que conselho daria a uma pessoa que começasse agora a escrever?

CR
- Quem sou eu para dar conselhos?! Tentarei. Quando alguém pretenda começar a escrever, deve preocupar-se, a priori, com o manejo da língua pátria. Estudar, estudar muito! Estudar a vida inteira, para errar o quanto menos possível! Quem quer tocar um instrumento estuda o seu manejo. Pratica! E assim acontece em qualquer área.


O computador, a máquina de escrever, a caneta, o lápis, são meios utilizados na grafia das palavras, mas, o instrumento propriamente dito do escritor, é o seu idioma.


Antes de dedicar-se à escrita, portanto estude e leia. A leitura ajuda muito! Deve ser uma espécie de hábito compulsivo. A receita é ler, ler e ler sempre, autores nacionais e também, estrangeiros. Quando se sentir seguro, então escreva. A princípio, para si mesmo, com sinceridade, fluência como se só você fosse ler o que deixar no papel. Aceite, com humildade as ponderações dos que procurarem ajudá-lo e não se deixe abater por possíveis críticas acerbas e não construtivas, capazes de desestimulá-lo.


E acredite que, se escrever lhe agrada de fato, o texto concebido há de ser sempre o seu maior prêmio! Isto é o que eu diria, com toda a sinceridade aos que se iniciam no caminho das Letras.

36 – O que é preciso para ser um bom poeta ou trovador?

CR
– 1) - Ter alma e coração, ou seja sensibilidade. E também certa predisposição poética, que já nasce com ele e com ele deverá crescer.


2) – Amar a Trova, conhecer e estudar, a fundo, a sua técnica e requisitos principais.


3) – No que se refere a atitudes: - Quem pretenda tornar-se um bom trovador, deve entrar no Universo da Trova, para somar e não para dividir! Para respeitar, e ser respeitado! Enfim, para fazer amigos, evitando ferir e criar opositores. Indispensáveis, também, trazer consigo alguma humildade, espírito fraterno e isenção de vaidades excessivas. Ninguém poderá vencer sempre, mesmo sendo um bom trovador! E como é feliz quem, sem maledicências, consegue alegrar-se com a vitória dos demais! Aquele que é capaz de crescer e evoluir graças aos seus esforços e principalmente do seu talento inato, tarde ou cedo, há de ser um autêntico trovador, de valor reconhecido e querido por todos! Sua atuação só poderá engrandecer o tão bonito e atuante Movimento Trovadoresco, que avança a passos largos e tantos momentos felizes proporciona aos seus seguidores!

37 - Gostaria de acrescentar mais alguma coisa? Outros trabalhos culturais, opiniões, críticas etc...

CR
- Já me alonguei demasiado. Abusaria um pouco mais, citando os meus livros publicados. São eles: Sempre (Poesia); Cantigas feitas de Sonho (trovas); Espanha (poema épico 2ª ed.); Rui Ribeiro Couto - Vida e Obra (biog); Trovas que Cantam por Mim; Interlúdio (Contos); Paulo Setúbal – Uma Vida/Uma Obra (biog. parceria com Cláudio de Cápua); Feliz Natal (contos natalinos); Evocação (parc. c/ Edith Prata Real); Príncipe da Trova (biog); Saga de uma Vida (biog.); Um Amigo Especial (ficção para juventude); Liberdade - Sonho de todos (prosa e poesia).


No prelo: Destino (poesias)


Livros Inéditos: Contos; Mosaicos (trovas); Canta, Sabiá! (folclore)

38 – Se Deus parasse na sua frente e lhe concedesse três desejos, quais seriam?

CR
- Em termos globais: - PAZ, JUSTIÇA E AMOR. Urgentemente!!!

39 – Para finalizar, peço algumas trovas de sua autoria e pelas quais possui um carinho especial.

CR
-

Como é fútil e tamanha
a soberba dos ateus...
Seixos ao pé da montanha,
negando a montanha – Deus!

Guarda sempre esta mensagem
da própria vida que diz:
- è feliz, quem tem coragem
de acreditar que é feliz!

Sempre acolho de mãos postas
e, humilde, tento aceitar
o silêncio das respostas
que a vida não sabe dar!

Se amigo é o que escuta a queixa,
seca o pranto e ajuda a rir,
mais amigo é o que não deixa
sequer o pranto cair!

Nós somos duas tipóias,
somando forças escassas:
- quando eu fracasso, me apóias,
te apoio, quando fracassas!...

Na penumbra, o berço é um templo,
ajoelho e em ternura enorme,
entre rendas eu contemplo
meu pequeno deus que dorme!

Já velhinho, sonha ainda,
mantendo o brilho no olhar,
que a juventude só finda,
quando é impossível sonhar!

O mar da vida parece
que, às vezes, quer me afogar,
mas, Deus, que nunca me esquece,
atira a bóia no mar!...

Ser mau é fácil...insiste
em ser bom, sempre a lembrar:
- bondade, às vezes, consiste
em ver, ouvir... e calar!...

Ouço teus passos serenos
e o meu abraço se expande,
mas sinto os braços pequenos,
para ternura tão grande!

Sofre e perdoa sem grito,
o mal que de alguém se emana,
que há outro Alguém no Infinito,
maior que a maldade humana!

Paz e Amor - eram Seus planos
e por eles deu a vida.
- Mensagem que há dois mil anos
não foi ainda entendida!

Não prolongues a partida...
Vai... não olhes para atrás,
dói bem mais a despedida,
quão mais longa ela se faz!

Adeus, filho, segue a vida...
Volta um dia, sem promessa...
que a primeira despedida
no ventre da mãe começa!

Se eu sinto fugir a calma
e até viver me angustia,
eu abro as janelas da alma
e deixo entrar a Poesia!

Santos, 02 de janeiro de 2011.

Hoje é um Dia de Sol

Esquece a mágoa, a dor... aquece a própria vida,
nesse afã de vivê-la alheio aos seus porquês!
Hoje é um dia de sol" E tudo te convida
para a festa triunfal, que é tua... e tu não vês!

Hoje é um dia de sol! Deixa a angústia esquecida!
Abre as janelas da alma... agora é a tua vez!
Tão doce é a sensação de saber refletida
no brilho de um olhar, a esperança! E não crês!

Olha... é um dia de sol! Dia cheio de luz!
Tenta amar e sorrir... hás de ver como encanta
transformar em fulgor a sombra de uma cruz!

O céu faz-se aquarela às tintas do arrebol!
Vão-se as nuvens embora... a natureza canta!
E canta, canta com ela... hoje é um dia de sol!

 O Tombo

Se melancia tivesse pernas, certamente seriam as de João Sereno – curtas, gordinhas, atarrancadas – um parênteses, aberto na esquerda e fechado na direita. Pernas bastante fortes para sustentar um corpo rotundo.

Quando apontava na esquina, todo o mundo sabia: – Lá bem João Sereno. Inconfundível!

E o dia em que João Sereno caiu, foi memorável! Um tombinho à-toa como outro qualquer. Desses de cair e levantar num segundo. Mas, não foi isso o que aconteceu. A queda de João Sereno foi algo de sensacional, para não ser esquecido por ninguém, que viu ou ouviu contar!

Naquela tarde histórica, vinha ele da fábrica. Passo lento, cansado, pura imagem da exaustão.

Desde que apontara no alto da rua, cumprimentava, um a um, os amigos da vizinhança com a cordialidade costumeira e o sorriso que, mesmo debaixo de chuva, prenunciava sol.

João Sereno não esperava pela escorregadela. E quem a espera? Não fosse assim, os tombos, as topadas, as imprecações e os dedões esfolados deixariam de existir.

Aquela casca de manga, esquecida traiçoeiramente no meio da calçada, foi o bastante para que a melancia humana voasse, pernas acima da cabeça, estatelando-se, em seguida, espetacularmente no solo. Tudo terminaria nessa desastrosa aterrissagem, se o declive acentuado, não desse continuidade à tragédia. A própria rotundidade do acidentado favoreceu-a. João Sereno rolou, como rolaria a melancia, que largada ao topo da ladeira! Por mais que as pernas curtas e os braços mais curtos ainda, tentassem simular tentáculos para agarrar-se a alguma coisa, só conseguiram impulsionar, com maior ímpeto, o bólido humano. Mais abaixo, foi chocar-se contra a lata de lixo reciclável, à espera da coleta, e que rolou com ele, a esparramar, na trajetória, tudo o quanto engolira.

João Sereno deixou, temporariamente, de ser sereno. Sacudindo as roupas e compondo a dignidade, não pode deixar de considerar, maldita, a casca da manga e a não menos abominável displicência do dono dela. Mestres no ensino de vôo e no resguardo dos segredos para uma boa aterrissagem.

Ganhou algumas escoriações inevitáveis. Não graves. E ganhou, também, nova alcunha.

Os velhos amigos continuaram a chamá-lo, com simpatia, de João Sereno. Os mais novos, maliciosos e irreverentes, não deixaram por menos: – mal vislumbrada, ao longe, a figura redonda, já risos abafados e cochichos maldosos, alertavam:

– Sai da frente… lá vem o João Boliche!

Pilhéria ou precaução? – A questão é que o caminho ficava, num instante, completamente livre!.

Fonte: RAMOS, Carolina. Interlúdio: contos. São Paulo: Editor: Cláudio de Cápua. Abril/93,

in blogue Pavilhão Literário Singrando Horizontes (consulta em 16/1/2011)

Do Cotidiano

Fim de tarde. Friozinho abelhudo penetrava por onde quer que lhe fosse permitido entrar, encolhendo ombros e aconchegando corpos.

Pressa. Pressa de voltar para casa. De rever a esposa, os filhos, os entes queridos. Pressa de trocar os sapatos pela comodidade dos chinelos velhos, das meias de lã, ma maioria das vezes furadas no dedão. Pressa de sumir dentro do pijama quentinho. De saborear o jantar fumegante e depois esparramar-se na poltrona, frente à TV para cochilar e falar mal dela.

Fim de tarde fria. Noite a insinuar-se, mais fria ainda.

Sem esposa, nem filhos, sem aquela pressa que movia tantas pernas, Reginaldo caminhava sem motivação maior, arrastando os passos até a lanchonete mais próxima, menos cheia de gente descompromissada, como ele, e, portanto, menos tumultuada pelo vozerio das massas.

Roído de fome, passou a perna por sobre a banqueta redonda, repousando os cotovelos no balcão de fórmica. Consultou os bolsos. Eles é que ditavam o pedido. Os apelos do estômago eram secundários. Fim de mês. Minguava, no fundo da algibeira, a carteira murcha. Não dava para muito. E, justamente naquele início frio de uma noite que prometia ser gélida, sentia uma fome de cão vadio!

– Um hambúrguer com fritas. Ah… e um cafezinho pingado.

– Bebida?

Lembrou-se da carteira murcha.

– Não…obrigado. Só o cafezinho.

Aguardou, impaciente.

Chegaram juntos: – o hambúrguer e o garoto de olhos tristes. Seis ou sete anos, no máximo. Disfarçou, fingindo não vê-lo. Foi puxado pela manga.

– Moço, me dá um dinheirinho? Tô cum fome.

Era tudo que não queria ouvir! Engoliu a saliva que o reflexo, condicionado à chegada do hambúrguer, lhe fizera crescer na boca.

– Hoje não, meu filho…Não tenho trocado. – Procurou ignorar a presença incômoda do menino, saboreando, com os olhos, a iguaria, cujo aroma lhe excitava as glândulas salivares. Apertou o hambúrguer com volúpia, fazendo o “catchup” escorrer pelas bordas. Chegou a abrir a boca para a primeira mordida, não consumada.

Ao seu lado, o garoto permanecia fascinado pelo petisco fumegante, entre fritas e folhas de alface.

Reginaldo engoliu em seco. Tivesse dinheiro no bolso e tudo estaria resolvido. O remorso antecipou-se à consumação, importunando-o mais do que a própria fome. Pensou em dividir o pitéu. Lambuzou-se todo! Os olhos do garoto continuavam, gulosos, namorando o hambúrguer.

Capitulou. Pediu um saquinho de papel e encheu-o de batatas fritas. Embrulhou o hambúrguer num guardanapo e entregou-o, inteiro, à fome que se estampava na carinha esquálida. E achou que seria pouco!

Alegria e surpresa coloriram a face pálida do menino que balbuciou qualquer coisa ininteligível e disparou porta afora, temeroso de possível arrependimento.

Sobraram para Reginaldo, desapontamento e frustração total!

Perdera o jantar! A fome continuava firme. E a fuga precipitada roubava-lhe, ainda, a modesta satisfação do espetáculo proporcionado pela sua renúncia. Queria ver morrer a fome do guri! Fome a ser morta por ele! Morte da qual não se arrependeria, jamais! Direito seu!

Contentou-se com o cafezinho morno e duas fritas sobradas no prato. E enfrentou novamente a noite, mais fria do que antes, ignorando os reclamos do estômago vazio.

Meio quarteirão adiante, uma surpresa. Sentado na calçada, encostado à parede, o mesmo garoto, olhos menos tristes, dividia com a mãe, maltrapilha, e com mais duas crianças, sua finada refeição.

O sorriso do menino foi, sem dúvida, o que de mais gratificante recebera da vida!

A caminho da modesta vaga que ocupava, numa casa de cômodos, esqueceu-se da fome. Chegou mesmo a envergonhar-se dela!

Fonte: RAMOS, Carolina. Interlúdio: contos.SP: EditorAção, abril 1993,

in blogue Pavilhão Literário Singrando Horizontes (consulta em 16/1/2011)

Como de Costume

A majestade daquela lua enorme, exageradamente iluminada, não combinava, em absoluto, com o nebuloso astral daquele homem abatido à procura de um jeito honroso para retorno ao lar.

O dia fora terrível! O almoço, desastroso! Homem e mulher, se por uma balela qualquer se desentendem, a cada palavra cavam cada vez mais fundo o abismo que os separa, envolvidos pela avalanche verborrágica, que enrola razões, manipula argumentos, inflama egos e espicaça vaidades, na tentativa insana, de provar quem de fato é o dono da verdade.

Em poucos minutos, aquele casal, até ali tão unido, escorregara do éden conjugal para o inferno dantesco das acusações mútuas.

Lágrimas enxugadas na barra do avental e a batida violenta da porta, foram mais que convincentes para provar que o primeiro round estava findo, mas a luta , não.

Mirna empilhou os pratos sobre a mesa, transportando os copos para a pia, sem conseguir evitar que um deles se espatifasse a seus pés. Catou os cacos resignada. Era o primeiro copo quebrado, daquele bonito jogo azul, bico de jaca, presente de casamento da tia Júlia. Gostava dos copos. E mais ainda, da tia. Contudo, a dor que lhe doía no peito era tão forte que nem sentiu a perda. Com raiva, atirou os cacos na lata de lixo.

Largou-se em seguida na cama, soluçando desconsolada. Algum tempo depois, socava o travesseiro, como quem socasse a cara do marido desaforado…

De volta à pia, filosofava: – Por quê são os homens tão incompreensíveis?! Tão intransigentes, a ponto de comprometerem um diálogo sadio… um acerto de opiniões, uma análise de pontos de vista capazes de levar ao consenso ou, quem sabe, à discordância, já que nem sempre duas cabeças pensam de forma igual. Sempre cheios de razão …incapazes de admitir um erro… dar a mão à palmatória… E, que fácil seria dizer: – “Desta vez, errei, querida” . Até que aquele querida poderia ser dispensado. Bastaria dizer: – Errei, pronto! Perdoa, sim? – Claro que, depois disso, tudo terminaria bem. Qualquer mulher, mesmo entre raios e trovoadas, agiria assim, com aceitação… com naturalidade. Mas, qual deles à beira de uma tempestade, pensaria em valer-se do guarda-chuva do perdão, mesmo sabendo ser, essa. a única solução?

A esponja da filosofia, ajudou… e a louça foi lavada com requinte. A cozinha, arrumada, ganhou ares de cozinha de revista. Na fruteira, o brilho das frutas foi despertado pela flanela, em lustro vigoroso. As maçãs ficaram mais rubras, apetitosas. A raiva da moça exagerou no esfregão, a ponto de machucar uma delas.

Precisava ficar mais calma. Nenhum homem merecia uma lágrima de mulher – isso lhe dissera tantas vezes a mãe – pobre mãezinha, quantas vezes a vira chorar em silêncio!

O chuveiro lavou-lhe corpo e alma. Maquiou-se com cuidado e perfumou-se. Nenhum gladiador adentra a arena desarmado. Faltava pouco para o retorno do marido. Retornaria? – Ah… haveria de ouvir poucas e boas!

Dedos nervosos pegaram o tricô e ligaram o televisor. Tempo de novela. Tanto drama em casa e aquela mania tola de imiscuir-se nas tramas televisivas, como se a vida não passasse de histórias somadas entre tapas e beijos… briguinhas e abraços, intrigas e enrolações, quase sempre encaminhadas para um final feliz, a premiar bons e castigar maus. Como se tudo pudesse ser resolvido por toques no teclado de um computador, à disposição dos dedos do autor. Como se aqueles dedos fossem pequenos deuses a tal ponto poderosos que capazes de criar vidas, tecer tramas e alterar destinos, a bel prazer.

Envolta em mágoas, Mirna deixou escapar a malha do tricô e perdeu o fio da novela. Ao ouvido atento, porém, não passou despercebido o torcer da chave na fechadura.

Ele! Sequer virou a cabeça ou desgrudou os olhos do vídeo. O tricô…

Esperava pela primeira palavra, que não veio. A tensão cresceu quando sentiu a aproximação do marido. Teve vontade de encará-lo. Conteve-se. Ele sentou-se no sofá ao seu lado. Tenso e mudo.

O corpo da moça retesou-se, pronto para recomeçar a batalha verbal interrompida.

Relaxou, quando sentiu a cabeça do marido aninhar-se no seu colo, como de costume. E, como de costume, os dedos dela deslizaram mansamente pelos cabelos macios, como que alisando, com a ternura de sempre, o pelo macio de um gato fujão.

Naquela noite, o amor falou tão alto… que nem foi necessária palavra alguma!

Fonte: a autora, in blogue Pavilhão Literário Singrando Horizontes (consulta em 16/1/2011)

Carolina Ramos, em palestra proferida em Santos no dia 27/1/2011 em Santos, na Associação de Ex-Alunos da Universidade Aberta da Terceira Idade

Fotos enviadas a Novo Milênio por Heliete Herrera