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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - F. Montenegro
Fábio Montenegro (3)

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Sobre o poeta, o blogueiro e editor da revista de poesia Mirante, Valdir Alvarenga, publicou, no site santista Artefato Cultural (acesso: 28/4/2013):

Teatro
A jornada lírica de Fábio Montenegro

Nascido no ano de 1891, Fábio Montenegro foi comparado, um dia, com certa dose de exagero, ao poeta Álvares de Azevedo, por sua obra poética romântica e também por sua morte prematura, aos 28 anos de idade. Em vida, publicou apenas o livro Jornada Lírica, em 1920, quando tinha 21 anos, produzido pela tipografia São Luiz, em São Paulo, e que obteve relativo êxito, revelando uma poesia de inspiração, espontaneidade e simplicidade, descortinando sua alma romântica e idealista:

"... eu ando alheio, a muito, ao que se passa
sob a miséria e os torvelins a rua:
desconheço o clamor da populaça,
e a vaidade, que em tudo tumultua..."

Em outros versos, parecendo sentir o peso de sua existência, escreveu:

"Na mocidade que me foge, humanos
anseios, sonhos vãos, pranto e tristeza,
glória e saudade, pompas e realeza,
são arrastados no correr dos anos"

Contudo, sua alma jovem ansiava novas esperanças e novos amores:

"Outros sonhos virão em outros dias,
ridentes, desdobrando pela estrada
da vida, não ouvidas harmonias
de uma lira de amor não dedilhada".

Fábio Montenegro foi um daqueles poetas cuja alma sempre esteve atenta às paisagens, às mudanças do clima e das estações, sabendo traduzi-las em seus poemas, com competência. Alguns exemplos:

"...na primavera, como em nossa vida,
como em nossas saudades dolorosas,
a terra estua em selva, enternecida,
para o parto dos lírios e das rosas."

Ou, então, exaltando o início de uma manhã:

"em tudo o riso, em tudo a graça, em tudo
o chilreio das aves – luz sonora;
lembra a terra um escrínio de veludo
guardando a joia rútila da flora

a alva neblina é um longo véu. Contudo,
reverberando pelo campo afora
espadas de ouro, como num escudo
verde, o sol rasga a túnica da aurora".

A paisagem de Santos, vista do alto do Monte Serrat, motivou-o a escrever, com certeza, um dos mais belos poemas que se fez sobre esta cidade, chamado No Monte Serrat:

"Só, do alto deste monte, orlado pela bruma,
sigo um sonho no espaço. A tarde no seu rito,
desenrola o rosário astral pelo infinito
e, na oração da noite, aos poucos se perfuma...

...desce a noite lutuosa, amortalhando os lírios...
Santos, embaixo, dorme, imersa em trevas, como
uma cidade morta entre milhões de círios."

Utilizando orações curtas e verbos que traduzem ação e desejos de materializar sensações, seu poema, "Poema da Terra", dedicado ao poeta Guilherme de Almeida, nos provoca prazer em desfrutar seu ritmo:

"O lavrador é um Poeta. O arado é uma pena. Doura
o campo que é o seu livro, o sol quente da rima.
O gênio lavra. A idéia amplia. A alma entesoura,
e a selva estua e ferve, e a vida esponta e anima...

E o Poeta que te ergueu, e que te ama, em ardores
supremos, vive em ti, nas aves, no teu seio,
recebendo o penhor dos frutos e das flores..."

Devemos destacar um aspecto importante de sua criação poética: apreciava, talvez por influência dos parnasianos, utilizar palavras desconhecidas, raras e que nos obrigam a usar o dicionário. Eis alguns exemplos: híspido, rábida, áscuas, prónuba, lusbélica, tábido, zaínfe. Em contrapartida, criou poemas de linguagem simples, como o que fez para sua filha, Zélia:

"...ando cheio de amor por minha filha!
Nos seus olhos de noite sem luar,
intensamente, com fulgores, brilha
o meu olhar..."

Ou, o que tem como motivo, as andorinhas:

"...quando Abril canta enchendo de alegria
a terra, e pondo o céu mais azulado
as andorinhas, mal desponta o dia,
passam, trissando, sobre o meu telhado..."

Os horrores da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) não passaram ilesos ao espírito sensível de Fábio Montenegro, que, utilizando o recurso linguístico do polissíndeto, ou seja, o uso excessivo da conjunção "e" e de palavras fortes, tencionando sonorizar os ruídos dos bombardeios, criou o poema A Guerra:

"eis fragor estúpido da guerra:
é a luta, é a sanha, é tudo que esbarronda,
e calca, e atroa, e estruge, e assombra, e aterra,
extermina, e excrucia, e mata e estronda!

Em sua curta vida, Fábio Montenegro misturou a luta pela sobrevivência (pois casara-se com uma moça chamada Anastácia, com quem teve dois filhos) com uma vida cultural intensa: de dia, trabalhava como escriturário da Cia. Docas de Santos, e à noite, era revisor do jornal A Tribuna. Fundou também sociedades culturais como a Quatro de Agosto, e jornais, como O Riso, todo confeccionado em versos. Colaborou em várias revistas da época, entre elas: A Fita e Flama.

Tornou-se conhecido posteriormente por, ao vencer, em 1914, os Jogos Florais, concurso literário promovido pelo Liceu Feminino Santista, que comemorava seu décimo terceiro aniversário.

E quando a vida parecia abrir, mais e mais, seus caminhos para o poeta humilde e simples, três meses depois da publicação de seu livro, Jornada Lírica, numa madrugada de agosto de 1920, sentiu forte contração no coração, vindo a falecer. O jornal A Tribuna assim noticiou, em sua primeira página:

"Fulminante como um raio, hoje, quase ao fechar, recebemos a triste nova do inesperado falecimento de Fábio Montenegro. A notícia, abruptamente recebida, chocou-nos deveras, pois ninguém esperava que o tão alegre e cordial moço fosse bruscamente chamado à vida misteriosa do Além. Fábio não estava doente; ainda ontem o vimos, são e alegre, como era o seu natural! Cerca das 2 horas de hoje, sentindo-se mal, no seu leito, pediu que o cercassem, porque previa o seu desaparecimento do mundo dos vivos. Às 2h15, Fábio, cercado de todos os seus, exalava o último alento, vítima de uma síncope cardíaca".

Por sua vez, seus amigos, entre eles Agenor Silveira, Jaime Franco e Galeão Coutinho, reuniram seus poemas e editaram o livro Flâmulas, impresso na tipografia Aurora, no Rio de Janeiro, que deu certa notoriedade ao poeta santista. Osório Duque-Estrada, o autor da letra do Hino Brasileiro e que se dedicou, durante muitos anos, à crítica literária, reconheceu o valor do poeta e escreveu a respeito do livro:

"Ali está a obra de um poeta que desapareceu do mundo antes de haver completado trinta anos. E, realmente, admirável; mas o que nele me pareceu mais extraordinário foi a perfeição que lhe notei em todos os aspectos, a ponto de lhe não haver surpreendido um único deslize de métrica, de linguagem, ou sequer, de pontuação!", destacando o poema Imortal como exemplo:

"Hás de sempre florir, hás de sempre cantar
neste amor que não teve humana queixa alguma
oh, coração de arminho em ânfora de luar,
frio como a bromélia aberta pela bruma!

Serás sempre imortal! Não murche o sentimento,
que é uma rosa cantando em meio dos abrolhos,
e tu serás um anjo a aplacar-me o tormento,
e o verso um lenço branco enxugando os meus olhos..."

A cidade de Santos homenageou o poeta com um busto, obra do escultor Leão Veloso, inaugurado no ano de 1922, na Praça do Andradas, para posteriormente ser removido para os jardins da praia, próximo ao Aquário Municipal.

Ao passarem por lá, lembrem-se que a quase ignorada estátua simboliza um poeta que, sentindo em si a difícil vocação de exercer o ofício do poetar, profetizou para si mesmo as palavras:

"...descansará depois, feliz da sua glória:
herói, em cada prélio, ardeu numa esperança,
poeta, em cada canção, sagrou uma vitória!"

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