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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - A.Schmidt
Afonso Schmidt e a revista Fundamentos (5)

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Entre suas múltiplas atividades, Afonso Schmidt participou também do conselho de redação da revista paulistana Fundamentos, na década de 1950. Neste número de janeiro de 1954, sua obra foi destacada pela revista:
 


Página 8 da revista Fundamentos de janeiro de 1954
Imagem: Acervo do Arquivo Histórico Municipal de Cubatão


Página 9 da revista Fundamentos de janeiro de 1954
Foto: casa onde nasceu Schmidt, na cidade de Cubatão
Imagem: Acervo do Arquivo Histórico Municipal de Cubatão

Trajetória de Afonso Schmidt

Agenor B. Parente

O que impressiona, em Schmidt, é sua coerência. Entre sua obra, toda ela profundamente popular, e sua atuação como cidadão, existe uma extraordinária vinculação.

Abguar Bastos e Jamil Almansur Haddad falaram das poesias de Schmidt, dos versos que ele fez quando o povo estava nas barricadas. Mas há um outro aspecto de Schmidt, que desejamos abordar. É o do cidadão Schmidt, do panfletário, do político.

Schmidt é um veterano das lutas populares. A leitura de alguns de seus panfletos, surgidos em 1930 e 1931, sob o pseudônimo de Moacyr Marques, nos mostra um vigoroso escritor, conhecedor dos problemas brasileiros, e com soluções sempre justas para resolvê-los. Páginas existem que parecem escritas para nossos dias, pois as mazelas por ele apontadas naquela ocasião permanecem, ainda hoje, as mesmas e, muitas vezes, agravadas.

Em A Revolução Brasileira, surgida em 1930, no capítulo intitulado Para quem trabalham os brasileiros, pinta um quadro atualíssimo de nossa terra:

"Nós todos passamos a vida a trabalhar para o capitalismo estrangeiro, inglês ou norte-americano. Entre as nações, nós desempenhamos apenas a função de mercado. A nossa atuação política internacional é orientada pelo Capitólio de Washington. Entramos na guerra européia quando a América do Norte o determinou. Ainda não reconhecemos o governo da Rússia, com imensos prejuízos para nós, porque a América do Norte ainda não quis. E sabem por que não quis? Porque a Rússia é a grande fornecedora de petróleo do mundo e o americano prefere que nós continuemos, como até aqui, a comprar sua gasolina".

E a seguir, detalhando para comprovar sua afirmação, relaciona as companhias estrangeiras que sugam nosso dinheiro, as mesmas muito conhecidas de nossos dias, que um só nome resume todas - Light and Power.

Já em 1931, com A nova conflagração, Schmidt volta à carga, denunciando a subserviência dos nossos governantes às ordens emanadas de Wall Street, pois "quando nós comparecemos a qualquer assembléia, como no Congresso de Santiago ou mesmo em Genebra, não é para falarmos em nosso nome ou defendermos o nosso interesse: é para dar um recado de Washington".

Schmidt e a União Soviética - Sua poesia, com a Ode aos Russos, escrita em 1919, já não deixara dúvidas sobre sua posição ante o aparecimento do país do socialismo. Foi dos primeiros a saudar a revolução vitoriosa, e o fez de forma entusiasta:

"Rússia crucificada! Silve o apodo,
sangre na esponja o fel dos fariseus,
caiam-te as pragas do Milhão, a rodo,
serás a Canaã dos Prometeus.
Detalhe, mostras o futuro todo!
E o mundo sente que teus lagos, teus
imensos lagos, são em vez de lodo,
olhos azuis - interrogando Deus."

Mas foi além da poesia. Em artigos e panfletos sempre pôs à mostra a profunda compreensão que tinha do papel que a U.R.S.S. (N.E.: União das Repúblicas Socialistas Soviéticas) já desempenhava e que, a cada instante, aumentaria ainda mais.

Revoltava-o, como vimos na citação já feita, a proibição imposta por Wall Street, que nos impedia de ter relações com a pátria de Lenin e Stalin. Em A nova conflagração, denuncia veemente a atitude assumida por nosso governo e as razões que a ditavam:

"Os negociantes norte-americanos não querem que os consumidores brasileiros entrem em negociações diretas com a Rússia. O mais que eles permitem é este comércio clandestino de gente que compra produtos russos no Uruguai, a preço comum, para vender aqui, sem responsabilidade do país de exportação, pelo preço que bem entendem".

Registra o aumento constante da produção soviética que então dava os primeiros grandes passos no caminho da industrialização, pois se achava no auge do primeiro Plano Quinqüenal. Põe a nu a hipocrisia dos que, através um rígido monopólio do comércio exterior dos países semi-coloniais, como o Brasil, buscavam impedir o acesso dos produtos soviéticos ao mercado internacional.

Nos dias de hoje, é a mesma a posição de Schmidt. Quando as hienas da guerra tentam arregimentar os povos para um novo ataque à terra de Gorki, ele se coloca ao lado daqueles que, no Brasil e no mundo inteiro, tomam uma posição firme e decidida. Ele está entre os que seguem o juramento sagrado de Prestes, de que jamais faremos a guerra à União Soviética.

E isto porque a U.R.S.S. se transformou no que ele antevira. Na Canaã dos Prometeus. Já não é mais o detalhe, mas sim o exemplo que ilumina a rota de milhões de seres.

No número especial de Fundamentos, dedicado a Stalin, assim se refere à União Soviética:

"Hoje, neste ano de 1953, de imensas e concretas realizações marxistas, a U.R.S.S. é o único país do mundo onde o pão satisfaz a fome".

O patriota - Internacionalista, da escola de Prestes, é também um defensor intransigente de sua terra, da integridade territorial de nossa Pátria. Anti-imperialista, como vimos pelas transcrições já feitas, não deu sossego aos que procuram subjugar nossa gente, manietá-la ao imperialismo americano.

Ainda em A nova conflagração, dedicada precipuamente às disputas petrolíferas, denuncia as tentativas de amputação do território nacional, principalmente da região amazônica, através de empresas americanas e inglesas, como a Canadian Amazon Company, a Amazon Corporation, a American Brazilian Corporation, a Ford e a Bond and Share. Nas tentativas ensaiadas por essas empresas, vamos encontrar as raízes históricas dos planos atualíssimos, surgidos sob o nome de Hiléia Amazônica.

Schmidt e a liberdade - Onde esteve a injustiça, por aí também passou Schmidt, a ela se opondo. Seus panfletos, seus artigos de jornais, suas colaborações para Fundamentos, tudo nos revela o apaixonado da liberdade, o inimigo das injustiças.

Em 1931, quando a reação anti-comunista desencadeada por Batista Luzardo varria, como o minuano, a terra brasileira, Otávio Brandão, vereador operário de então à Câmara do Distrito Federal, foi lançado à cadeia e, logo a seguir, juntamente com Laura, expulso do Brasil. Tal medida causou imensa revolta, provocando os maiores protestos. Entre estes se encontrava o de Schmidt. Ele o publicou, em forma de carta, na edição de 20 de junho de 1931, do jornal A Platéia. Profliga a medida do governo, ilegal e injusta, tomada contra o então jovem intelectual, que publicara recentemente Canais e Lagoas. Mas no protesto, veemente embora, sobra lugar para a ironia:

"Se alguma consolação nos resta no meio disto tudo é que o Brasil, este mesmo Brasil que os expulsou pelo crime de suas convicções, estará otimamente representado, onde eles estiverem. Mas eu que acompanhei na minha profissão de jornalista o sr. Luzardo em Minas e no Rio Grande do Sul, que fui obrigado a ouvir e dar divulgação nacional aos seus inflamados discursos prometendo paz, liberdade e todas as tapeações democráticas deste e do outro mundo, mando-lhe daqui o meu sorriso de desdém, um sorriso que vale por um desaforo".

Quando a agressão americana à Coréia trouxe para as manchetes dos jornais a ameaça atômica, Schmidt se pôs de pé. Firmou o apelo de Estocolmo e, nesta mesma revista, em artigo intitulado Pior que no romance de Wells, em que buscou dar uma idéia do que seria um bombardeio atômico, reafirmou sua posição de franca posição ao uso da arma monstruosa que "deverá ser, o mais depressa possível, colocada fora da lei, como inimiga da civilização, da cultura e dos mais altos propósitos morais desta infeliz humanidade".

Sacco e Vanzetti nele tiveram um defensor. E em pleno 1953, quando a dor e a revolta compungiam todos os homens, com o processo de Ethel e Julius Rosenberg, Schmidt junta a tantos outros o seu protesto:

"A tarefa é dura. Mas devemos fazer tudo para arrancar aqueles dois inocentes das mãos do carrasco".
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"É preciso levar a repulsa universal às suas últimas conseqüências. É preciso extirpar da face da terra, já na segunda metade do século das luzes, a brutalidade medieval da execução de dois inocentes para servir de escarmento a todos os que possam dizer não à imensa tragédia que se vem preparando nos escritórios de Wall Street".

Este o Schmidt que conhecemos. Um exemplo de escritor e de cidadão para os que se iniciam. Seu convívio nos tem dado força e nos tem inspirado a manter, em nossa revista, o programa que ela se traçou.

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