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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - BEATRIZ
Beatriz Rota-Rossi (7)

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Argentina radicada em Santos, Beatriz Y. Allevato de Rota-Rossi é artista plástica, professora de universitária de História da Arte no Brasil, Cultura Brasileira, Estética e Cultura de Massa, tendo se aprofundado sobre temas que os próprios brasileiros geralmente desconhecem, como as artes indígenas. Algumas de suas crônicas foram publicadas em seu blogue ArteVaral1, como esta, sobre o incêndio que destruiu parte importante da obra do artista Helio Oiticica, na capital carioca:

QUARTA-FEIRA, 21 DE OUTUBRO DE 2009

Crônica anunciada

Poucos dias atrás, mostrando a obra de Hélio Oiticica aos meus alunos, comentei a preocupação de Lygia Pape com o destino do acervo do artista. Um aluno falou:

- É tudo tão frágil! Se pegar fogo não vai se salvar nada!

O país que tem um Hélio Oiticica representando a excelência da arte nacional nos museus do mundo, deveria mostrar seu orgulho no através do respeito e cuidado para com a sua obra.

Por que o Brasil deleta seus heróis de sua memória?

Hélio não gostaria da palavra "heróis". Era antimito convicta e decididamente antimito. assim como seus Parangolés são antitudo o preestabelecido pelos dogmas da "bela-arte".

Hélio vestiu a cor e fez com que dançasse, libertando-a de sua condição de elemento estático, com a sábia colaboração dos passistas da Mangueira.

Tive a oportunidade de "sentir", em Buenos Aires, lá pela década de 70, a instalação Cosmococa - Quase Cinema, que realizou em Nova York, com Neville de Almeida – uma experiência única, que mudou radicalmente minha concepção de arte.

Mas foram os Parangolés que me fascinaram e me fascinam ainda hoje – lúdicos, irreverentes, aparentemente mal acabados, a "não-obra-de-arte" e, no entanto, uma obra densa como poucas.

Hélio diz: "O Parangolé não era, assim, uma coisa para ser posta no corpo, para ser exibida. A experiência da pessoa que veste, para a pessoa que está fora vendo a outra se vestir, ou das que vestem simultaneamente as coisas, são experiências simultâneas, são multiexperiências. Não se trata, assim, do corpo como suporte da obra; pelo contrário, é a total in(corpo)ração. É a incorporação do corpo na obra e da obra no corpo". (OITICICA apud FAVARETTO, 2000, p. 107)

Vestir a cor! Tão simples!

Em 2005, por ocasião dos 25 anos de sua morte, os Parangolés – adormecidos como espectros nos pregos, voltaram a dançar, embalados pelo som dos tropicalistas.

Matamos a saudade.

Sentiremos saudades do que foi devorado pelas chamas?

O futuro, sem dúvida, sentirá.

Eu prefiro lembrar o gosto do fascínio e, como Hélio responderia: "Em Nova York me perguntavam: não tem saudade da Mangueira? E do Rio? Eu respondia que não posso ter saudades da Mangueira, porque sou da Mangueira. Não sentia saudades, porque comi a fruta inteira. Saudade só sente quem deu apenas uma dentada". (OITICICA apud FAVARETTO, 2000, p. 221).

Atenção! Essas palavras não diminuem em absolutamente nada a responsabilidade de quem deixou o incêndio acontecer.

Beatriz Rota-Rossi

Bibliografia
FAVARETTO, Celso. A invenção de Hélio Oiticica. 2ª ed. São Paulo: Edusp, 2000.

O blogue ArteVaral1 também registra o texto (acesso em 23/3/2013):

QUINTA-FEIRA, 25 DE AGOSTO DE 2011

Mãe África

As crianças somalis... Precoces esqueletos. 29.000 crianças com menos de cinco anos morreram de fome nos últimos cinco anos.

Pertenço a uma geração que sonhava alto, muito alto. Íamos salvar o mundo! Naquela época era no Biafra que crianças morriam de fome. Eu recortava imagens de revistas e jornais e as guardava para mostrá-las um dia à minha filha para que soubesse como era o mundo quando ela era apenas um bebê. Estava segura (tão segura!) que a vida no futuro seria outra, afinal para isso lutávamos!

40 anos atrás! E as imagens se repetem. O mesmo grito escancarado, o mesmo olhar que pergunta: por quê?! Iguaizinhos os ombros exíguos que mal sustentam a cabeça; a mesma pele enrugada e os vincos de ancião no rosto do que deveria ser um bebê risonho. Nos anos 80 cantamos We are the world, canção assassinada, anos depois, por uma integrante de uma das edições de um reality show, ridicularizada pela mídia. Ironicamente a participante era afro descendente.

Em vários sentidos, o Ocidente deve à África. Quero lembrar aqui uma das dívidas.

O reconhecimento da arte africana se deu no começo do século XX, quando os artistas perceberam que estavam diante de uma nova forma de expressão, de liberdade de criação e de análise formal.

O Cubismo de Picasso e Braque, Gris, Léger e outros, a arte mais cerebral do Século XX, inicia sua escalada com o quadro alucinante Les Demoiselles d´Avignon (1907) de Pablo Picasso, o primeiro quadro moderno de nosso tempo. Nessa obra, a influência das máscaras negras é definitiva.

A escultura africana ensina a Picasso como deformar os corpos para criar uma estrutura homogênea entre as massas, inventando novas formas, como as dos artistas do Continente Negro.

Não somente o Cubismo, Fovismo e tantos ismos do começo do século XX, têm um débito com a arte africana, mas a música de Stravinskij, Prokofiev e Bartock.
Mas se houve por parte dos artistas europeus o reconhecimento do valor artístico da arte africana, não houve um aprofundamento sobre seu significado.

As máscaras estão nas entranhas das cerimônias religiosas, casamentos, nascimentos, decisões bélicas, funerais, ritos de iniciação e cura de doentes. A máscara é uma persona mística que pode dar, a quem a usa, poderes que sem ela não teria.

O artista que as produzia também usava uma máscara enquanto realizava a tarefa. Afastava-se dos povoados e adentrava na mata cumprindo uma série de rituais. A pureza do artista enquanto trabalhava era condição indispensável para o bom resultado da empreitada. Uma vez realizadas as obrigações e empunhada a faca para esculpir, tinha liberdade absoluta para criar.

As máscaras não são objetos de decoração ou curiosidade para serem espalhadas como elementos decorativos das residências. Quando colocadas nessas condições, acusam a ignorância e o desrespeito da cultura branca materialista pela cultura do sagrado.

Na publicação digital Unisanta Online, da semana de 19 a 26 de outubro de 1996, Beatriz firmou posição sobre a morte do cantor Renato Russo (acesso: 23/3/2013):

Santos, 19.10 - 26.10 de 1996
Preconceito cerca morte de Russo

Por Beatriz Rota-Rossi *

Renato Russo morreu e já escuto às minhas costas - "O cara era drogado e bicha, só podia morrer de Aids".

A mídia, dita "séria", esbanja espaço para veicular o que seria "revelador" sobre as causas de seu precoce "voo": drogas e sexo. Pois é, o amargo e por vezes ingênuo recado de sua poesia não perfura o coração dos abutres. Durma tranquilo o sono burguês moralista. O preconceito é o atalho do covarde para escapulir-se da culpa, para não se dar à tarefa de clarear as trevas.

No entanto, acredito que lá no fundo, entre Sístoles e Diástoles, no silêncio da vida, haverá um alerta onde não será mais possível fugir da responsabilidade, por mais de uma morte que desampara a poesia.

Entre as pérolas que li na Folha de São Paulo, em 11/10/96, selecionada para provar o que seria uma confissão oblíqua de Renato para declarar (!) sua homossexualidade está: "Sou brasileiro errado / vivendo em separado / contando os vencidos / De todos os lados. (Petróleo do futuro). Não force!!!

Na distância de 20 anos a mais que me separam de Renato Russo, aprendo com Soldados, Alhora, L'Age Dor, Geração Coca-Cola e Eduardo e Mônica e resgato uma frase dada à revista Amiga em 1990: "A questão mais política do momento é a espiritual. Se você resolver, se acreditar que a bondade é ter coragem, que disciplina é liberdade e compaixão é fortaleza, todo o resto se resolve."

* Beatriz Rota-Rossi é professora da Faculdade de Artes e Comunicação e é Chefe do Departamento de Artes da Universidade Santa Cecília

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