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ROTA DE OURO E PRATA
Navios: o Augustine

1866-1906

A embarcação navegou de 1866 a 1906

Booth Line! Nome que durante um século foi sinônimo de navegação comercial para a Amazônia brasileira e Região Norte do País a partir da Inglaterra.

A saga dessa grande armadora e dos homens que a criaram iniciou-se com os nascimentos, em 1834 e 1840, respectivamente, de Alfred e Charles Booth, em Liverpool, netos e filhos de homens de negócios envolvidos no comércio de cereais desde o século precedente (ou seja, o XVIII) e, como de costume na época, também proprietários de veleiros comerciais.

Com 16 anos de idade, Alfred Booth foi trabalhar como aprendiz no escritório dos senhores Lamport e Holt, conhecidos mercadores daquela cidade e jovens armadores. Três anos mais tarde, Charles Booth também entrava na Lamport & Holt, seguindo os passos de seu irmão.

Estava assim plantada a raiz que faria florescer uma nova empresa de comércio internacional e armadora de navios. Seria quase desnecessário dizer que a experiência dos negócios de shipping (navegação) obtida pelos irmãos Booth no decorrer de seus estágios na Lamport & Holt (L&H) provaria ser decisiva no futuro de suas vidas.

Os irmãos Alfred e Charles foram os fundadores da empresa de navegação marítima Booth Line

Foto publicada com a matéria

Estados Unidos - Em 1857, com apenas 23 anos de idade, Alfred Booth decidiu então embarcar para Nova Iorque, aceitando o convite de trabalho feito pela Rathborne & Company, uma das mais importantes empresas de comércio internacional de Liverpool. Mais uma vez, e um pouco mais tarde, seu irmão Charles o seguiria.

Em 1863, com um pequeno capital originário da herança paterna e com linhas de crédito abertas pelas empresas onde já haviam trabalhado (Lamport & Holt e Rathbone & Co.), além do apoio de amigos e parentes influentes, como Alfred e Philip Holt, os irmãos Booth estabeleceram-se por conta própria, criando a Alfred Booth & Co. em Liverpool e a Booth & Co. em Nova Iorque, firmas de importação e exportação.

Os jovens irmãos estavam também se especializando no ramo de comércio de peles, peles de carneiro ou de ovelha, destinadas à importação nos Estados Unidos, para a fabricação local de botas, luvas, chapéus e capas de livros.

Desejo incubado - A inauguração, em 1863, das atividades marítimas da Lamport & Holt para a América do Sul foi o estopim que incubou nos irmãos Booth o forte desejo de se tornarem armadores, tal qual os primos Alfred e Philip Holt, da L&H.

A febre que os invadiu neste sentido nunca mais diminuiria e já a partir de 1864 os irmãos Booth haviam decidido entrar, como pioneiros, no transporte marítimo a vapor entre Liverpool e três portos da Região Norte do Brasil, por onde se escoava a produção local de algodão. Os nomes desses portos eram Ceará, Maranhão e Pará.

A partir do momento em que foi ordenada a construção de seus dois primeiros vapores, o Augustine e o Jerome, em fevereiro de 1865, a Booth Line havia estabelecido, sem o saber, as bases para um crescimento contínuo que a tornaria famosa nas linhas para o Norte e o Leste da costa brasileira.

 

"O navio foi o 1º a vapor a trafegar para o Norte do País"

 

Resistência - No longo período de um século de existência, nem as numerosas perdas de seus navios sofridas em duas grandes guerras, nem a grave crise econômica mundial dos anos 30, nem a acirrada concorrência de outras armadoras maiores e mais potentes fazia interromper as atividades da Booth.

Em 15 de fevereiro de 1866, o Augustine, de apenas 1.056 toneladas de arqueação bruta (tab), zarpou de Liverpool sob o comando do capitão John Jackson, com destino ao Norte do "Brazil" de então.

Em seus porões, levava, além de 571 toneladas de carvão como próprio combustível, outras 57 toneladas de carga geral, bens de consumo, máquinas para os ricos comerciantes e fazendeiros das três regiões, cearense, maranhense e paraense, produtoras de algodão.

Alta de preço - Vale a pena lembrar que, nesses anos que se seguiram à Guerra Civil nos Estados Unidos, o preço do algodão havia disparado nos mercados europeus.

Para se ter uma idéia do impacto da Guerra da Secessão sobre o produto, basta dizer que o algodão importado pela Grã-Bretanha em 1861, proveniente dos Estados Unidos, totalizava 715 mil fardos e do Brasil, somente 66 mil.

No ano seguinte, os números haviam se invertido, com 40 mil e 119 mil fardos, respectivamente.

Embora a produção algodoeira brasileira estivesse concentrada na região das províncias nordestinas (Pernambuco, Alagoas, Rio Grande do Norte), uma colheita razoável também se realizava no Ceará, Maranhão e Pará.

Só veleiros - A viagem do Augustine para esses três portos constituiu-se, assim, a primeira, em absoluto, feita por um vapor, já que até então somente grandes veleiros serviam as regiões da costa Norte do Brasil.

Interessante o fato de que o próprio Charles Booth participou da viagem inaugural do Augustine. Esta pode ser resumida assim: cinco dias de navegação entre Liverpool e Lisboa, com chegada a este porto em 20 de fevereiro, o maquinário de propulsão tendo apresentado alguns defeitos.

Após conserto do mesmo, saída para o Norte do Brasil em 22 do mesmo mês. Travessia oceânica até o Ceará feita em 17 dias e escala de dois dias na que hoje é Fortaleza, capital do Ceará.

Preparando o retorno - No dia 14 de março, saída para Maranham (na grafia da época), chegada no dia 17, breve escala de 24 horas e chegada ao Pará no dia 21 desse mês. O vapor, após descarregamento final, é preparado para a viagem de retorno a Liverpool.

Nesse último porto, foram embarcadas 84 toneladas de carga e em seguida, em São Luís do Maranhão e em Fortaleza do Ceará, outras 590 toneladas.

Nova travessia do Atlântico e chegada a Lisboa após 20 dias de navegação, na qual, no início, foi seguida uma rota para o Norte até 30 graus de latitude e, em seguida virada de bordo para Leste, aproveitando as correntes marítimas.

O Augustine retornou nos primeiros dias de maio a Liverpool após ter navegado 9.500 milhas (17.600 quilômetros) e empregado cerca de três meses para completar a viagem redonda, escalas intermediárias incluídas.

O vapor consumia 450 toneladas de carvão nesse percurso de ida e volta, com uma média de velocidade pouco inferior a sete nós (13 quilômetros horários), velocidade essa obtida com o uso de velas auxiliares.

 

"Estava plantada a raiz de uma nova empresa de comércio exterior"

 

Marca legendária - Iniciou-se dessa maneira a marca legendária do serviço Booth para a Região Norte do Brasil. A viagem pioneira do Augustine seria seguida pela do gêmeo Jerome, que zarpou de Liverpool em 15 de maio de 1866, sob o comando do capitão Hutcheson.

Algodão, cacau, café, peles e sobretudo látex foram os produtos que deram origem às grandes fortunas nas regiões Norte e Nordeste brasileiras em diferentes ciclos, mas de todos beneficiou-se a Booth Line, cujo crescimento, a partir das viagens pioneiras do Augustine e Jerome, foi significativo.

No período de 50 anos, entre 1864 e 1914, a armadora tornou-se proprietária de 58 vapores, chegando a ter, no início deste século (N.E.: século XX), uma frota de 15 embarcações de grande porte.

Só no período 1881-1914, a Booth obteve um lucro líquido de 2,5 milhões de libras esterlinas.

Sem tranqüilidade - As carreiras do par Augustine e Jerome não foram, porém, um exercício de toda tranqüilidade. Decorridos apenas nove meses de suas entradas em serviço tiveram de ser recolhidos ao estaleiro construtor para substituição completa das caldeiras.

Estas apresentavam problemas técnicos que afetavam o sistema de alta pressão do maquinário de propulsão e resultavam em altos consumos de carvão que também provocavam preocupações.

Com a construção de novos vapores e suas entradas em serviço a partir do início da oitava década do século passado (N.E.: século XIX), a Booth decidiu colocar o par pioneiro na nova linha exclusiva entre Pará e Lisboa.

Expansão - Foi nessa época que os irmãos Alfred e Charles Booth decidiram constituir uma nova empresa, que seria a proprietária da frota em expansão.

Surgiu assim a Booth Steamship Company, criada em junho de 1881 e que englobava os ativos marítimos do conglomerado, cuja sede era em Liverpool, na Rua Castle, nº 14.

Durante a década de 80, a Booth continuou a expandir-se: em 1885 era proprietária de nove navios, totalizando 1 mil tab.; dez anos mais tarde, de 11 vapores com tonelagem total de 17 mil tab.

No período dessa década, entraram em serviço oito vapores para a Booth, quatro dos quais haviam sido construídos especialmente sob suas ordens (o Hildebrand, o Hubert, o Dominic e o Horatio).

No entretempo, o par de vapores pioneiros, envelhecido pelo tempo e ultrapassado tecnicamente, foi colocado à venda. O primeiro a ser vendido foi o Jerome, que em 1890 foi adquirido pela Goodyear & Co., de Liverpool, sendo rebatizado Murcia.

Dois anos mais tarde, foi o Augustine a trocar de proprietário. Foi adquirido pelo armador Francesco Pace, baseado em La Valleta, Ilha de Malta, que decidiu conservar-lhe o nome e que o empregou no tráfego marítimo mediterrâneo.

Foi numa dessas tantas viagens no Mediterrâneo que o Augustine chegou ao seu fim.

O pequeno, valente vapor, pioneiro nas águas do Rio Amazonas, foi encalhar, na tarde ensolarada de 2 de março de 1906, na costa do Golfo de Sidra, próximo ao porto de Sidra, próximo ao porto de Bengazi, poucas horas após ter deixado esta localidade com destino a Trípoli.

Sua recuperação sendo inviável do ponto de vista econômico, o Augustine foi abandonado pelo armador aos elementos que completariam sua destruição.

Augustine:

Outros nomes: nenhum
Bandeira: britânica
Armador: Booth Line
País construtor: Grã-Bretanha
Estaleiro construtor: Hart & Sinnot

Porto de construção: Liverpool
Ano da viagem inaugural: 1866
Tonelagem de arqueação (t.a.b.): 1.106 t
Comprimento: 65 m
Boca (largura): 9 m
Velocidade média: 8 nós (14,8 km/h)
Passageiros: 75
Classes: 1ª - 25

                2ª - 50

Artigo publicado no jornal A Tribuna de Santos em 13/10/1996