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ROTA DE OURO E PRATA
Navios: o Conte Biancamano

1925-1960 - depois Hermitage

Após o lançamento ao mar do Conte Verde e do Conte Rosso, e a entrada em serviço dos mesmos, respectivamente em 1923 e 1922, o Lloyd Sabaudo conheceu o período mais faustoso de seu crescimento.

Os dois primeiros Contes tiveram tal sucesso junto ao público de passageiros, seja na linha entre a Europa e os Estados Unidos, seja na linha para o Brasil e o Prata, que o Conselho de Administração da empresa decidiu construir um outro par de características semelhantes e que também levaria nomes começando com a palavra Conte (conde, na tradução do italiano).

Assim sendo, o terceiro foi encomendado em 1924 ao mesmo estaleiro - o W. Beardmore, de Glasgow -, que já havia construído os dois primeiros. Sua quilha foi deposta em junho daquele ano e, nove meses depois, em abril de 1925, o navio era lançado ao mar.

Receberia naquela ocasião solene o nome de Conte Biancamano, numa homenagem ao conde Umberto, apelidado de Biancamano por suas qualidades diplomáticas e fundador da Casa Savóia.

Completado e entregue em novembro do mesmo ano, saiu do Rio Clyde para a Itália no dia 7 daquele mês, deixando, em todos aqueles que o viram, uma excelente impressão, pois o transatlântico era realmente magnífico em sua aparência externa, com linhas bem equilibradas, mais que seus predecessores. No dia 12, o Conte Biancamano entrou no porto de Gênova, embandeirado de gala, verdadeiro orgulho da Marinha Mercante da Itália.


O magnífico transatlântico italiano Conte Biancamano (1925-1960), da armadora Italia di Navigazione. Retornou após a Segunda Guerra mundial com um ar jovial e tropical: todo branco, antes o seu casco era pintado de preto. Deslocava 23.562 toneladas e media 198,38 metros. Recebeu esse nome em homenagem ao conde Umberto, que tinha as mãos muito brancas. Era gêmeo do Conte Grande

Foto: acervo do cartofilista Laire José Giraud, publicada na rede social Facebook em 16/10/2014

Características - Nos aspectos técnicos, o navio havia sido construído com oito conveses que eram denominados, de cima para baixo, como sendo pontes conveses: das lanchas, da ponte-comando, do passeio coberto, do passeio principal, do passeio inferior e dos alojamentos A, B e C.

Entre os conveses inferiores, corriam em vertical 12 divisões estanques, dando ao navio 11 espaços que constituíam cinco porões de carga, duas salas de caldeiras, duas de máquinas (principal e auxiliar) e dois tanques de combustível.

Os porões de carga dianteiros eram destinados à carga geral, o número 4 era destinado aos produtos refrigerados e o número 5 acomodava a bagagem de porão dos passageiros.

O Conte Biancamano levava a bordo 34 lanchas ou botes salva-vidas, em filas duplas e de cada lado de bordo. Suas duas chaminés eram de cor marrom com três anéis, dois azuis e um branco no meio destes - chaminés que se apresentavam em ângulo ligeiramente inclinado para trás, dando ao navio um aspecto de velocidade e modernidade.

Luxo - A primeira classe era de um luxo digno de um castelo de condes. Seus privilegiados ocupantes dispunham de duas suítes de luxo, 12 cabinas de luxo, 56 cabinas especiais com banho, vastos salões públicos esplendidamente decorados, em diversos estilos italianos, pelos arquitetos Brasini e os famosos Coppede. Estes últimos haviam criado obras-primas, que eram os salões de festa e de música e os suntuosos salões de jantar dos outros dois Contes.

Os Coppede eram quatro: o pai, Mariano Coppede, recebera, em 1908, o encargo de decorar o Principe di Udine (também do Lloyd Sabaudo) e, a partir de então, ficou famoso como decorador naval. Seus três filhos, Gino, Adolfo e Carlo, prosseguiram na tradição da Casa Artística Coppede (fundada em 1885 em Florença, por Mariano).

No Conte Biancamano, a decoração era um pouco mais sóbria do que nos dois primeiros Contes, mas não deixava de possuir aquela impressão de magnificência e beleza que caracterizavam a mão de desenho dos Coppede.

Sob o comando do capitão Turchi, o Conte Biancamano zarpou de Gênova com destino a Nova Iorque na sua viagem inaugural. Era o dia 23 de abril de 1925 e a bordo se encontravam 1.604 passageiros, dos quais 350 viajavam em primeira classe.

No correr desse mesmo ano, os navios de passageiros do Lloyd Sabaudo realizaram 34 viagens redondas no Atlântico Norte, transportando 37 mil passageiros, e 44 viagens para o Brasil e o Prata, num total de 22 mil passageiros.

O Conte Biancamano e o Conte Rosso permaneceram na rota Gênova-Nova Iorque, enquanto o Conte Verde foi transferido para a Rota de Ouro e Prata nesse mesmo ano.


O Conte Biancamano visto com as cores do Lloyd Sabaudo

Fusão - Em janeiro de 1932, consumou-se a fusão das três principais companhias de navegação italiana (Lloyd Sabaudo, Cosulich e NGI) numa única empresa, a Italia Flotte Riunite. Esta fusão havia sido instigada pelo governo de Benito Mussolini, com a finalidade de eliminar a concorrência interna e criar uma frente única que pudesse fazer face, em bloco, à concorrência estrangeira na área do transporte marítimo de passageiros.

Em consequência, todos os grandes navios italianos passaram para as cores da nova companhia, com chaminé branca, topo vermelho e faixa verde um pouco mais abaixo, dando assim o contraste das cores da bandeira da Itália.

Sempre em 1932, o Conte Biancamano foi transferido para a linha sul-americana, realizando sua primeira viagem nessa rota em 8 de setembro de 1932, com saída de Gênova. As escalas entre Gênova e Buenos Aires eram Barcelona, Gibraltar, Rio de Janeiro e Santos.

A primeira escala em Santos foi anunciada, pela Italia Flotte Riunite, para o dia 30 de setembro, portanto durante a viagem de volta para a Europa. O transatlântico era então descrito em termos superlativos, como sendo: "...soberbo hotel flutuante com instalações e alojamentos perfeitos, requintada elegância nas decorações, amplitude de espaços, superioridade técnica, maravilha flutuante...".

A transferência foi possível pela entrada em serviço em 1931, na rota norte-americana, do quinto e maior da série Conte, batizado pelo príncipe consorte Umberto de Savoia. O super-transatlântico, com quase 50 mil toneladas, levava o pomposo nome de Conte di Savoia e era, então, o nec plus ultra (não mais além, na tradução do latim) da marinha peninsular.

Abissínia e Ásia - Em 1935, o Conte Biancamano foi usado, por breve período, como transporte de tropas entre Nápoles e Mogadiscio, por ocasião da campanha da Abissínia; no ano seguinte, o Conte Verde, o Conte Rosso e o Conte Biancamano foram transferidos para as cores de outra companhia italiana, o Lloyd Triestino, empresa que havia recebido, das autoridades, a incumbência de cobrir o tráfego de passageiros entre a Itália e os países do Médio e Extremo Oriente, via Canal de Suez. Os portos do cabo de linha eram Trieste e Xangai (China).

Todos os três transatlânticos passaram por uma boa reforma antes de começarem esse novo serviço, recebendo totalmente pintura branca, com exceção das chaminés, que mudaram para a cor amarela. A parte de acomodação dos passageiros também foi modificada e modernizada.

Quatro foram os anos de emprego na linha asiática do Lloyd Triestino, até junho de 1940, quando, com a declaração de guerra entre a Itália e os países aliados, o Conte Biancamano, encontrando-se então em navegação no Oceano Pacífico, foi desviado para o porto de Cristobal (Panamá), onde se refugiou e foi internado.

Nessa condição permaneceu até dezembro de 1941, quando foi apresado, sempre nesse porto, pelas autoridades norte-americanas, sendo, nos 12 meses seguintes, transformado em navio-transporte de tropas, rebatizado Hermitage pela U.S. Navy (Marinha dos Estados Unidos).

Pintado de cinza, com os conveses superiores cobertos pelas balsas salva-vidas do tipo Carley, o ex-Conte Biancamano iniciou, em dezembro de 1942, suas novas atividades, navegando sobretudo no Pacífico (entre maio e dezembro de 1944 foi usado no Atlântico) e carregando, em quatro anos, mais de uma centena de milhar de soldados. Seu número de identificação naval era AP-54.

Nesse período conturbado da História contemporânea, o Hermitage poderia ser objeto de um capítulo à parte, tão extraordinária foi a vida desse navio no período de guerra.


O Conte Biancamano atracado ao cais do armazém 15 da Companhia Docas de Santos, em 1951

Foto: acervo do cartofilista Laire José Giraud, publicada na rede social Facebook em 4/8/2014

Pós-guerra - No início de 1947, o governo norte-americano decidiu devolver o ex-transatlântico às autoridades italianas (o mesmo acontecendo com o Conte Grande, que durante a guerra foi também usado como navio-transporte-de-tropas com o nome de Monticello) e, em agosto daquele ano, a transferência foi oficializada com o retorno do Conte Biancamano às águas italianas. Durante muito tempo, no pós-guerra, foi comandado pelo capitão Luigi Gulinelli.

Quase um ano depois, em abril de 1948, o navio foi posto em dique seco no estaleiro Monfalcone, da empresa Cantieri Riuniti dell'Adriatico, onde permaneceria por 18 meses. Nesse espaço de tempo foi praticamente reconstruído e colocado em estado de novo, recebendo uma nova proa, de perfil em curva inclinada, o que aumentou seu comprimento em alguns metros.

Duas novas chaminés, mais curtas e achatadas que as precedentes, foram instaladas, o convés do passeio inferior foi chapeado no exterior em todo o seu comprimento, suas máquinas de propulsão foram totalmente revisadas, os salões internos renovados com algumas modificações, instalações de ar condicionado, duas novas piscinas construídas na popa e todas as cabinas de acomodações refeitas com novos sanitários e duchas.

Quando os trabalhos foram completados, o Conte Biancamano apresentava uma nova tonelagem, de 23.562 toneladas (contra 24.416 anteriores), um comprimento de 203 metros (199 metros), podendo transportar 1.278 passageiros em três classes (antes, 1.071 em quatro classes), sendo 215 na primeira, 33 na classe cabina e 1.030 na classe turística.

Nesta última poderiam ser transportado 640 passageiros em dormitórios com capacidade múltipla e com passagens de custo reduzido, a fim de atender à demanda de emigrantes que saíam da Itália, empobrecida pela guerra, para o Novo Mundo.

Volta - O transatlântico foi entregue pelo estaleiro em outubro de 1949 para a Italia Navigazione e, no dia 10 do mês seguinte, zarpou na sua primeira viagem do pós-guerra com destino a Buenos Aires. Havia voltado, assim, depois de 13 anos de ausência, à Rota de Ouro e Prata! Escalava, depois de sair de Gênova, em Barcelona, Lisboa, Dacar, Rio de Janeiro, Santos, Montevidéu e Buenos Aires, tocando os mesmos portos de retorno à Europa.

Fora pintado todo de branco e se apresentou embandeirado a arco na barra de Santos, magnífica visão de seu renascimento como navio de passageiros. Sua aparência externa havia sido melhorada com o uso integral da cor branca e, em termos de beleza, era, junto com o Conte Grande, o que de melhor havia na época.

A partir do verão - no Hemisfério Setentrional - do ano seguinte (1950), o Conte Biancamano foi usado na linha do Atlântico Norte, ligando Gênova a Nova Iorque, Finda a estação estival, o transatlântico retornava à Rota de Ouro e Prata. Este costume, de uso em duas rotas, prosseguiu até o ano de 1960, quando foi retirado de serviço.

Na linha sul-americana, o Conte Biancamano tinha a companhia do Conte Grande e do Santa Cruz. Este último foi usado como navio de emigrantes, com capacidade exclusiva para 1.200 emigrantes, entre 1947 e 1951, afretado pela Italia Navigazione.

Em 1951 e 1952, entrou em serviço na rota do Atlântico Sul um novo par de transatlânticos, recém-construídos para a Itália. Eram respectivamente o Giulio Cesare e o Augustus, que simbolizavam o renascimento da frota italiana no pós-guerra. Com a entrada do Giulio Cesare, o antigo Santa Cruz (construído em 1903) foi retirado da linha e demolido no ano seguinte.


Conte Biancamano visto com as cores da Italia di Navigazione a partir de 1932

Passageiros - No início da década de 1950, a linha sul-americana era freqüentada, nos quatro navios da "Italia", por ricos homens de negócios, italianos, argentinos e brasileiros, que viajavam sozinhos a negócios ou com suas famílias em férias - em primeira classe, naturalmente. Personalidades do clero católico (cardeais, bispos, padres e freiras) eram também grandes freqüentadores dos transatlânticos.

Na classe cabina viajavam turistas estrangeiros e passageiros de classe média, e na classe turística (ou terceira) viajavam emigrantes que desembarcavam em portos brasileiros ou em Buenos Aires. As três classes eram separadas e um passageiro de uma classe determinada não podia (em princípio) freqüentar os espaços destinados a uma outra classe.

Na primeira classe eram oferecidos nada menos do que sete serviços de mesa, ou sejam: café matinal (às sete horas para os que tinham o hábito de acordar cedo), café completo das 8h00 às 10h00 com serviço possível nas cabinas, aperitivo com sanduíches às 12h00, almoço às 13h00, chá da tarde entre 16h00 e 17h00, aperitivo com antepasto às 19h00, jantar completo às 20h00 e finalmente souper à meia-noite. Nos dias de hoje, estes serviços foram democratizados e se encontram disponíveis (e incluídos na passagem) na maioria dos navios de cruzeiros.

No fim da década de 1950, o tráfego de passageiros para a América do Sul diminuiu ligeiramente (havia começado a concorrência do avião comercial com os famosos Super-Constellation, que realizavam a viagem entre o Brasil e a Europa em 36 horas) e isto foi o suficiente para que a "Italia" retirasse de linha suas "estrelas do passado", o Conte Biancamano e o Conte Grande, magnífico par de transatlânticos. O primeiro foi demolido em La Spezia (Itália) em 1960 e o segundo, no mesmo porto, no ano seguinte.


O Conte Biancamano visto em um cartão postal da cidade portuária de Nápoles (Itália)

Imagem divulgada na rede social Facebook pelo cartofilista Laire Giraud (acesso em 22/3/2014)

Conte Biancamano:

Outros nomes: Hermitage
Bandeira: italiana
Armador: Italia Flotte Riunite
País construtor: Grã-Bretanha
Estaleiro construtor: W.Beardmore (porto: Glasgow)
Ano da viagem inaugural: 1925
Tonelagem de arqueação (t.a.b.): 24.416
Comprimento: 191 m
Boca (largura): 23 m
Chaminés: 2
Mastros: 2
Velocidade média: 19 nós
Tripulantes: 500 homens
Passageiros: 1.725 (1.071 depois da reforma do ano de 1936)
Classes: quatro

Artigo publicado no jornal A Tribuna de Santos em 22 e 29/10/1992