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Artigo publicado no jornal A Tribuna de Santos em 16/11/1997
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ROTA DE OURO E PRATA
Histórias: porto de Santos em junho/1940 (1)

 

Junho de 1940! No dia 4 desse mês, a cidade-luz, Paris, era bombardeada pelas forças alemãs que penetravam a toda força em território francês. Naquela data concluía-se a Operação Dínamo, que, em uma semana, havia permitido a evacuação de 340 mil soldados aliados, dos quais 123 mil eram franceses, através do Porto de Dunquerque.

Tal qual um ciclone arrasador, as tropas da Alemanha do III Reich avançavam em sua ofensiva para Oeste. Em apenas dois meses de luta, haviam conquistado o controle de quatro nações: Noruega, Dinamarca, Holanda e Bélgica. A vitória sobre a França e a conquista de Paris eram os próximos objetivos!

Capitulação - O rei Leopoldo, da Bélgica, capitula com seu exército em 28 de maio, data na qual se inicia a evacuação em massa através de Dunquerque. Este cai em mãos das tropas da 18ª Divisão da Wermacht, às 10 horas do dia 4, e 40 mil soldados franceses são feitos prisioneiros.

No dia 10, o ditador fascista Benito Mussolini declara, num patético discurso pronunciado do balcão central do Palácio Venezia, que a Itália, a partir desse momento, está em guerra com os países aliados, França e Inglaterra.

O conflito se expande e alcança o Mediterrâneo e o Mar Vermelho, onde já no dia seguinte acontecem as primeiras escaramuças navais entre forças britânicas e italianas.

Portos abandonados - No espaço de uma semana (10 a 17) são abandonados pelas tropas aliadas os portos franceses de Le Havre, Cherbourg, Saint Malo, Saint Nazaire, Nantes e Brest.

Deste último porto e maior base naval da frota francesa, zarpam os grandes navios de guerra da Marine Française em fuga, com destino a Casablanca e Oran, de onde nunca mais sairiam. 

Em 14 de junho, Paris é declarada cidade aberta, o que evita combates e bombardeios que a teriam destruído, e no dia 17 o governo francês decalara-se pronto a negociar um armistício com a Alemanha hitlerista.

O Velho Continente está em chamas! Hitler e seus generais dominam agora quase todos os países da Europa Ocidental e Central. Os que não foram invadidos e conquistados são nações neutras, benevolentes em relação ao poder de Berlim (Portugal, Espanha, Suíça e Suécia). Só o Reino Unido resiste e, de Londres, Winston Churchill anuncia que a Grã-Bretanha continuará sozinha na luta pela democracia.

Ordem - No dia 17, o Almirantado britânico comunica ordem a todos os navios de bandeira holandesa, norueguesa, belga e polonesa para não mais se dirigirem a portos franceses e procurar refúgio, ou em portos britânicos, ou em portos não-europeus.

Em 22 de junho é assinado, no famoso vagão-restaurante de Compiègne, o texto do Armistício entre França e Alemanha, com condições particularmente duras para os franceses, que perdem o controle de dois terços do território nacional.

Face à evolução da luta militar e mudanças políticas de relevo na Europa, o Governo brasileiro, liderado por Getúlio Dornelles Vargas, reafirma a posição de neutralidade do Brasil.

Desconfiança - Esta condição de neutralidade é vista com desconfiança em Londres e Washington, considerando-se as tendências políticas do chefe da nação brasileira, um Vargas que hesita declarar, no dia 11, em discurso pronunciado por ocasião da comemoração da Batalha do Riachuelo, que "...a democracia política substituiu a democracia econômica".

A assinatura, porém, em 3 de julho, do Decreto-lei nº 2.360, que regulamentava as regras gerais da neutralidade no País, acalmou um pouco o espírito de nossos vizinhos americanos, do Norte ou do Sul, já preocupados com o caso Uruguay.

Logo no início do mês em título, o anúncio da perda do vapor de bandeira argentina Uruguay, pertencente ao armador Mihanovitch, de Buenos Aires, causou sérias preocupações nos ambientes marítimos brasileiros. O que seria se começassem a ser afundados navios das nações americanas neutras?

Ataque - O Uruguay, de 3.425 toneladas de arqueação bruta (tab), carregado com 6 mil toneladas, encontrava-se em viagem de Rosário para Limerick, quando foi atacado nas coordenadas 43º 40' Norte de latitude e 12º 16' Oeste de longitude por um submarino alemão, o U-37, do comandante Oehrm, sem aviso prévio ou inspeção de sua carga. No ataque pereceram 15 homens da tripulação, enquanto outros 13 conseguiram salvar-se e foram desembarcados em La Coruña. 

O torpedeamento do Uruguay, em 27 de maio, a 160  milhas (300 quilômetros) a Oeste do Cabo Villano (Espanha, costa Norte), e a posterior chegada dos sobreviventes ao porto espanhol, provocaram vasta repercussão no mundo marítimo de então, pois tratava-se do primeiro ataque, desde o início do conflito, feito a um navio levando bandeira de um país americano - todos eles neutros no conflito, conforme a Resolução nº VI, da Reunião de Consultas dos Ministros das Relações Exteriores dos Países Americanos de 1939, realizada no Panamá.

Tal ataque constituiu-se em fato grave e de amplas conseqüências políticas, pois prenunciava o fim do livre uso dos navios mercantes das Américas.


O Yamabato era um dos dez navios da grande companhia de navegação japonesa Yamashit Kisen, de Kobe, que freqüentavam regularmente o cais santista

No dia 13 de junho de 1940 entrava no Porto de Santos, proveniente de Buenos Aires, o navio cargueiro Yamazuki Maru, de bandeira japonesa, construído em 1937 em Yokohama, e pertencente à armadora nipônica Yamashita Kisen K.K., de Kobe, que mantinha um serviço regular de navios rápidos, exclusivamente de carga, entre Japão, Brasil e Argentina, via Oceano Pacífico, Canal do Panamá, Golfo do México e portos atlânticos dos Estados Unidos.

Esta grande companhia de navegação possuía nessa época nada menos do que 52 vapores (dos quais o maior era o Yamakaze Maru, de 6.921 toneladas de tab) e quatro navios a motor (dos quais o maior era o Nippon Maru, construído em 1936 e com 9.974 tab).

Destes, cerca de dez navios freqüentavam regularmente o Porto de Santos: além dos já citados, Yamazuki e Yamakaze, vinham para a América do Sul o Yamaura, o Yamazato, o Yamakaze (SIC), o Yamabuki, o Yamagiku, o Yamasimo, o Yamagiri e o Yamabato.

O Yamazuki Maru permaneceu atracado no cais do Armazém 12-A por bem seis dias, carregando, entre outras mercadorias, 12 mil sacos de café e 5.200 fardos de algodão destinados a Xangai e Kobe.

Terminado o conflito, em 1945, surpreendentemente todos os cargueiros acima mencionados estavam intactos, retomando no ano seguinte suas normais atividades comerciais por conta da Yamashita.


O Brazil, com as cores da McMormack, em cartão postal da época

O dia 15 de junho de 1940 registrou grande movimento no porto, no Tráfego, no cais do Armazém de Bagagem e no interior deste. De fato, chegaram nessa data, praticamente às mesmas horas, quatro transatlânticos de passageiros provenientes do Rio de Janeiro: o Formose e o Campanha, de bandeira francesa (da Chargeurs Reunis), o Highland Monarch, britânico (da Royal Mail) e o Brazil, norte-americano (da United States Maritime Commission, operado pela Moore McCormack).

Os três primeiros haviam chegado provenientes da Europa e em comboio escoltado até o Rio de Janeiro. Todos os três receberam em Santos passageiros do Conte Grande que se destinavam a Montevidéu e Buenos Aires, e cuja viagem no navio italiano havia sido interrompida.


O Brazil atracado em Santos, operando para a Moore McCormack,
em fotografia da coleção do autor

Maestro a bordo - Mas a verdadeira atração do dia era, porém, a chegada, a bordo do Brazil, do maestro Arturo Toscanini, que, em companhia da orquestra da National Broadcasting Corporation, realizava tournée pela América do Sul, com quatro concertos musicais previstos no Rio de Janeiro, dois em São Paulo, dois em Montevidéu e oito em Buenos Aires.

Ao meio-dia, quando o transatlântico atracou no cais do 16, a Guarda Portuária tinha dificuldades de controlar a multidão que queria ver o célebre maestro, que se dirigia para a capital paulista.

Ao se apresentar no topo da escada do navio (acompanhado pela pianista Guiomar Novais e pela cantora soprano Bidu Sayão, ambas também personagens artísticas bastante conhecidas na época), Toscanini recebeu uma grande ovação de curiosos e admiradores.

Horas mais tarde, enquanto o grupo artístico subia, em caravana de carros, a Estrada Velha do Mar para São Paulo, o Brazil desatracava com destino a Buenos Aires, levando a bordo 37 passageiros do Conte Grande, o qual por bem perto se encontrava, atracado no cais do Armazém 25.


O transatlântico de passageiros Brazil, de bandeira dos Estados Unidos, a serviço da empreas maritima American Republic Line, durante o segundo conflito internacional

No dia 9 de junho, entrou em Santos, procedente de Buenos Aires, o vapor misto de bandeira francesa Belle Isle, construído em 1918 no Havre para a Chargeurs Reunis. Este vapor era um dos veteranos da Rota de Ouro e Prata, na qual navegou desde sua entrada em serviço, em 1919.

Apesar da grave situação na França, o Belle Isle, depois de carregado de café e 500 toneladas de carne congelada, zarpou no dia 11, diretamente para a Europa, do Armazém 23. Dez dias mais tarde, encontrando-se em navegação na Baía ade Biscaia, foi atacado por aviões alemães e seriamente danificado, conseguindo, porém, alcançar o Porto de La Pallice, já em mãos de tropas alemãs.

Reparo - Após o cessar-fogo das hostilidades em território francês, decretado no dia 25, e a intervenção das autoridades do novo governo francês de Vichy, o Belle Isle, bem e mal reparado, foi autorizado a partir para Marselha, então porto situado na área pertencente à França não ocupada.

Dois anos e meio mais tarde, em janeiro de 1943, foi capturado pelas tropas do III Reich e navegou sob pavilhão da Alemanha até sua destruição final, em Toulon, em novembro desse mesmo ano.

Sua escala em Santos em junho de 1940 foi a última do vapor na Rota de Ouro e Prata.


Cais do porto de Marselha, em cartão postal francês de 1935

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