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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS
A verdadeira história do general Pego Júnior

Foi o único militar republicano que continuou usando a farda, as insígnias e os galardões da monarquia

Ao contrário do que se afirmou no Sul do Brasil, o general santista Pego Júnior não foi covarde, conta o pesquisador Durwal Ferreira, neste artigo para a revista santista Flama, de março de 1944 (grafia atualizada nesta transcrição):

Desfazendo uma injustiça
O general Pego Júnior não foi um covarde

Durwal Ferreira

Uma semana de comemorações, nos primeiros dias do mês passado, fizeram ressaltar a resistência férrea ao cerco da Lapa. Estas celebrações que o Estado do Paraná realizou deveriam convergir, somente, na exaltação da figura hiper-heróica do então coronel Antonio Ernesto Gomes Carneiro, cognominado, ingenuamente, por Pedro Calmon, de "O General da República".

Quero aproveitar este momento propício para desmanchar o labéu de que foi vítima, da parte dos fanáticos florianistas, o general Pego Júnior - Antonio José Maria Pego Júnior, nascido na cidade de Santos.

- "Covarde!" Era o que se ouvia da boca desses alucinados, além da sentença frágil do insensato Tribunal que condenou o general Pego Júnior. Covarde! Ó calúnia torpe! Covarde um homem que passou cinco anos nos campos do Paraguai, na guerra a Solano Lopez tomando parte ativa nas batalhas mais sérias, recebendo diversos ferimentos pela audácia na refrega, e galgando postos, constantemente, na hierarquia militar devido à sua capacidade e destemor, conforme rezam as "Ordens do Dia" de campanha, além das condecorações e medalhas de mérito e honra que cobriram o seu peito como homenagem e gratidão da Pátria!

Essa tremenda calúnia desfaz-se pelos próprios caluniadores e a realidade dos fatos põe luz na treva, como hão de ver.

Justificadamente, o governo de Floriano Peixoto foi muito agitado e, graças a certas anedotas forjadas por seus apaniguados, colocaram-no além do conceito de que era tido. Esta anedota, por exemplo, foi aceita como um caso real: por ocasião da Revolta da Armada, o embaixador inglês foi a palácio perguntar ao marechal Floriano como receberia as tropas que faria desembarcar para garantir seus patrícios, recebendo esta resposta violenta: - "A bala!"

Realmente, uma resposta desta natureza impõe maior estima e respeito a quem defende os direitos e brios de uma Nação. Mas o ocorrido não foi assim, e deixo de relatá-lo por não haver ligação com o objetivo deste trabalho.

A mais importante agitação foi a Revolta da Armada, vista, porém, e devido aos florianistas, como a volta do regime monáquico, quando trazia o seu intuito certo de "arrasar o domínio do Exército aliado à política perniciosa, para reformar os costumes políticos da república nascente", ou, mais serenamente: "reivindicar a honra da Corporação, realizar a pacificação do país e impedir a ditadura".

A pacificação do país quer dizer a cessação da luta nefasta que mantinha Silveira Martins, chefe da facção federalista, e Júlio de Castilhos, que se dizia defensor da República. Luta que Júlio de Castilhos, mandatário de Floriano, e Silveira Martins, que queria mudar a República presidencial pela parlamentar, manchou parte do solo brasilês com atos profundamente desumanos.

Vê-se que o levante de grande parte da Marinha trazia um propósito moral sem aliar-se, politicamente, aos federalistas.

A revolução no Rio Grande do Sul vinha, de há muito tempo, se mantendo em guerrilhas. O presidente da República enviara a Porto Alegre Pego Júnior para comandar o Distrito Militar. Este general pôs em prática medidas conciliatórias, procurando conservar as tropas federais eqüidistantes da luta, mas em vão.

Um parêntesis de grande importância: Pego Júnior e Floriano Peixoto foram colegas na Escola Militar e afetuosos amigos. Aquele era monarquista e este bem o sabia.

Quando o general Pego Júnior foi nomeado comandante do Distrito Militar, do Sul, deixou de parte as idéias políticas de monarquista para cumprir as ordens do seu superior e amigo, como bom soldado e leal. Assim disse um inimigo de Floriano, general Joaquim de Souza Mursa: "O general Pego tem sido um herói. Resistindo a propostas menos dignas do Governo do Estado, tem sido a garantia da tranqüilidade em Porto Alegre. O general Pego está muito constrangido nessa posição em que se tem conservado, pelo dever de soldado, mas creio que não ficará muito tempo". Exatamente o que se deu, por não cumprir as arbitrariedades de Castilhos. E a mudança de comando deu margem a desmandos, tanto que "o que o general Moura tem feito é sancionar aquilo a que se recusou o general Pego".

Pego Júnior foi transferido para o Estado do Paraná, onde a onda revolucionária se propagou assustadoramente, vinda pelo Estado de Santa Catarina. Há notícias de que a Esquadra revoltada faria um desembarque. Aquele general desce a Paranaguá para oferecer resistência, entretanto "aos primeiros tiros dos canhões revoltosos, sobre os pontos fortificados da cidade, notou o lamentável desânimo que lavrava nas fileiras legais, que não se sustentariam por muito tempo, na atitude assumida em face dos revoltosos, por lhes reconhecer incontestável superioridade". Ora, se o general desse ordem de retirada, esta transformar-se-ia em debandada, de maus resultados. Que fez, então? Com oficiais de valor retirou-se para Morretes, na ilusão de encontrar melhores soldados e ânimos predispostos à franca oposição às tropas revoltadas.

A Esquadra composta de três navios - Esperança, Urano e República - fundeia em Paranaguá e aí fixa ponto de concentração o almirante Custódio de Melo, chefe da Revolta da Armada. Antes, porém, a cidade de Santos deveria ser atacada e invadida, pois Martim Francisco e Henrique Porchat comprometeram-se a sublevar as forças de terra, mas a demora na execução de certos pontos do plano estabelecido, como a protelação do almirante Saldanha da Gama de romper logo contra a cidade do Rio de Janeiro, foi a causa da modificação deste intento.

O general Pego Júnior em Morretes encontra o mesmo desânimo e por todo caminho a percorrer encontrará poucos praças de pré e elevado número de paisanos "voluntários", constatando, então, a falta de soldados aguerridos, de alimentação, de munições e do prometido apoio de Floriano. E tudo isto obrigou a Pego Júnior a ir retrocedendo em direção à fronteira paulista, rumo de Itararé, onde se desfecharia a resistência final e anularia a revolta que em São Paulo era iminente.

Nessa altura, os revoltosos federalistas estavam cada vez mais apertando o cerco sobre a Lapa, sem que o comandante desta localidade, coronel Gomes Carneiro, procurasse uma retirada estratégica por estar confiante na promessa de ajuda de Floriano Peixoto. Lapa ficou completamente cercada e teve a sua guarnição um fim inglório - capitulou.

Numa última tentativa, Pego Júnior desviou as tropas para Castro, onde o terreno era mais convidativo à luta; todavia, devido aos empecilhos aludidos, perdeu as esperanças de vitória e resolveu passar um telegrama ao presidente do Estado de São Paulo, Bernardino de Campos, que dizia, entre outras coisas, isto: "Peço mandar recursos alimentícios ao meu encontro, comunicai ao governo federal e requisite dele chamado de minha pessoa ao Rio de Janeiro para conferenciar com o governo urgente, ficando sob o comando de meu imediato até o meu regresso do Rio para Faxina". A seguir, surge Pego Júnior em São Paulo, acompanhado de 30 oficiais e 154 praças completamente abatidos, e dentre esses oficiais figuravam capacidades técnicas e de comprovada bravura.

Este gesto de Bernardino de Campos reconhecendo o valor militar e a coragem de Pego Júnior, convidando-o para comandar a resistência na divisa de São Paulo com Paraná, entregando-lhe os contingentes necessários, é a melhor prova contra os catarinenses, paranaenses e florianistas, que não trepidavam de acoimar este general de covarde. "Não aceitou o general Pego essa feliz oportunidade, que se lhe proporcionava, de restabelecer seu crédito militar. Como pretexto de tão estranha recusa, disse o general que desejava ir ao Rio conferenciar com o Marechal, sobre interesses de suma importância para a União".

Segue Pego Júnior para o Rio de Janeiro, onde é preso e submetido a conselho de guerra, decidindo o Tribunal condená-lo à morte, cuja decisão é a prova característica da incoerência: - "Não traiu à República porque era monarquista". Floriano Peixoto, entretanto, recusou-se a assinar a sentença de morte, reduzindo-a para trabalhos forçados, mas graças aos esforços dos amigos de Pego Júnior, indignados com a sentença, houve apelação para o Supremo Tribunal, e a defesa, baseada nas próprias expressões de Floriano Peixoto, consegue a absolvição do condenado.

De nada valeu o alarido dos florianistas, e outros: Pego Júnior é posto em liberdade e mais tarde promovido ao posto de marechal.

Sua biografia foi publicada no terceiro volume da obra conjunta História de Santos/Poliantéia Santista, de Francisco Martins dos Santos/Fernando Martins Lichti (Ed. Caudex Ltda., São Vicente/SP, 1996):

Pego Júnior - marechal
(Antonio José Maria Pego Junior)

Nasceu em Santos, a 2 de julho de 1842.

Cursava a Escola Militar da Praia Vermelha no curso de artilharia, quando rebentou a guerra do Paraguai. Naquela ocasião, o governo fechou a escola, fazendo seguir os alunos do curso superior para as frentes de combate.

Nos bancos dessa escola, tinha como companheiros Floriano Peixoto e Tibúrcio Ferreira de Souza, considerados inseparáveis amigos. Assim seguiram os três para o Paraguai como sargentos.

Tomou parte na batalha de Tuiuti, em Humaitá, sob as ordens do coronel Joaquim Antônio Dias, no ataque à passagem da ponte do Itororó, na batalha de Perebebuí - em que foi ferido -, recebendo sempre elogios pela sua atuação. Terminada a guerra, voltou já no posto de capitão.

Reaberta a Escola Militar, foi nomeado professor de Geometria Descritiva. Durante esse tempo, teve diversas graduações, até que a Campanha da República e fatos decorrentes vieram surpreendê-lo como comandante do Forte de Santa Cruz, em campo oposto a seu amigo Floriano. Sendo monarquista convicto e amigo da Família Imperial, no dia da proclamação foi preso.

Pego Júnior foi um homem de convicções, sendo ele o único militar que se conservou no Exército da República, com a farda, as insígnias e os galardões da monarquia.

Quando estourou a revolta da Armada em 1893, chefiada pelo almirante Custódio de Melo, com o concurso dos federalistas do Rio Grande do Sul que conflagraram os estados do Sul, seu velho amigo, o já marechal Floriano, nomeou-o comandante dos exércitos do Paraná, como general.

Nessa campanha, foi ele vítima de uma intriga, acusado de um ato de traição à República, voltando preso para o Rio de Janeiro. Após muitos dias de prisão incomunicável, na Fortaleza da Conceição, onde foi submetido a conselho de guerra, foi condenado, como réu de alta traição às instituições republicanas, à pena de morte.

Levada a sentença ao marechal Floriano para assinatura, negou-se, declarando que só assinaria se trouxessem também a condenação do coronel Pimentel, para haver eqüidade na justiça. Era um simples pretexto, como se viu depois.

Os amigos do general Pego recorreram ao Supremo Tribunal Militar, onde ele tinha um amigo, o ministro almirante Barbosa, que, relator do feito, conseguiu descobrir um telegrama assinado pelo marechal Floriano e dirigido a Pego Júnior quando ainda em campanha no Sul, dando-lhe ordens terminantes relativamente à atitude que o mesmo devia tomar, no caso que havia gerado o suposto crime de alta traição de que o acusavam.

Para não comprometer a seu antigo camarada, então presidente da República, o marechal Floriano, silenciara ele sobre aquele segredo que o livraria imediatamente das imputações criminosas.

Foi então que o Tribunal, solene e unanimemente, reformou a sentença, absolvendo o general Pego Júnior. O prestígio do general cresceu depois desse fato, para desgosto dos seus inimigos. Depois foi provedor da Ordem da Santa Cruz dos Militares, na época em situação de falência, e conseguiu a recuperação financeira da entidade.

Pego Júnior faleceu no posto de marechal, na cidade do Rio de Janeiro, no dia 7 de fevereiro de 1907.

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