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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - SEU BAIRRO/mapa
Gonzaga é o espaço da magia (1)

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Publicado em 17/6/1982 no jornal A Tribuna de Santos

 Leda Mondin (texto) e equipe de A Tribuna (fotos)

Parece mesmo um lugar mágico. Tem de tudo nas ruas do Gonzaga, mais precisamente no trecho final da Avenida Ana Costa, onde se reúnem pessoas das mais variadas idades, filosofias, categorias, classes sociais e manias. Os resultados da diversidade são os mais inusitados: você tanto pode levar uma pedrada, sem saber quem o agrediu, ou deparar com alguém nu, em pleno inverno, andando displicentemente...

Pois é, todos querem ir ao Gonzaga, porque lá estão os melhores cinemas, livrarias, bares e restaurantes. Junta tanta gente que não há melhor lugar para se exibir a pele bronzeada ou o novo namorado.

Prédios? Ah, esses ocupam ruas inteiras, e com isso o bairro fica na sombra e com a circulação de ar comprometida. E mais: estão sendo construídos edifícios só para instalação de escritórios, o que significa a consolidação enquanto centro prestador de serviços.

O comércio, que surgiu em função da população turística, se fortalece, e o presidente do Clube dos Diretores Lojistas, Paulo Sérgio Marques, não tem dúvidas: em dois anos, o Gonzaga superará o Centro em termos de volume de vendas. Diante disso, fica cada vez mais difícil acreditar que tudo começou em fins do século XIX, quando foi criada uma linha de bondes puxados a muares...

É aqui que se reúnem os santistas que estão a fim de acontecer
É aqui que se reúnem os santistas que estão a fim de acontecer

Parece incrível, mas onde hoje fica a Praça da Independência havia uma lagoa e a atual Rua Marcíio Dias era cortada por um rio. Gente como Santa Maria Crixi Martire, 92 anos de idade, e Jacira Vaz de Oliveira Manzullo, nascida no Gonzaga há 177 anos, estão aí para provar. E vão mais longe: lembram até que o Chico Mentira ajudou a calçar a área e que houve uma festança na inauguração da praça, em 1922.

Pois é: tempo em que o bairro era praticamente inabitado, embora o trecho final da Avenida Ana Costa já se traduzisse como um dos pontos mais valorizados da orla da praia, centro de turismo e local predileto de passeio dos santistas.

Muitas árvores, vida sadia e a criançada se divertia jogando bolinha de gude ou pulando corda. Se não, ficavam admirando a beleza dos palacetes de Azevedo Júnior e Freitas Guimarães.

Dona Santa Maria aperta os olhos, observa o amontoado de prédios à sua volta e relembra as chácaras de japoneses e os lampiões a gás. Essa mulher de sorriso aberto e fala macia ajudou a desbravar a Praça da Sé, como diz o filho, e em 1917, fugindo da gripe espanhola, veio parar no Gonzaga, com o marido Domingos Martire.

Morou primeiro na Floriano Peixoto, depois se transferiu para a Euclides da Cunha e hoje ocupa um casarão na Rua Alagoas, 6. Volta e meia se reúne com os filhos Caetano, Carmem, Emílio, Sebastião e com a amiga Jacira para recordar coisas de outras épocas, como as leiterias da Rua Pasteur e a da dona Matilde, que ficava bem perto de sua casa, na Rua Euclides da Cunha, 54.

Em 1941, até os animais podiam andar calmamente pela Avenida Marechal Deodoro (Foto cedida por Pirajá Oliveira)
Em 1941, até os animais podiam andar calmamente pela Avenida Marechal Deodoro 
(Foto cedida por Pirajá Oliveira)

No carnaval, muitas fantasias e corso na Avenida Ana Costa - Um mês antes do carnaval, blocos desfilavam em meio a muita zoeira, com instrumentos improvisados, recolhendo dinheiro para comprar fantasias. E todos contribuíam, pois queriam ver engrandecidos os tradicionais corsos realizados no final da Avenida Ana Costa. Só se via gente fantasiada, com língua-de-sogra na boca e lança-perfume na mão. Que sucesso os Martire fizeram naquele ano em que saíram vestidos de palhaços, todos de vermelho! Eram 18 pessoas em um único carro e formou-se tal amontoado que só de perto se podia distinguir as figuras.

As festas de São João que a família organizava também marcaram época: faziam enormes fogueiras e, entre 22 horas e meia-noite, soltavam balões e muitos fogos. A vizinhança se acomodava em banquinhos, em frente às casas, e ficava assistindo, olhos arregalados.

Para as crianças, melhor que isso só jogar futebol no campo do União, entre as ruas Alagoas e Pernambuco, se estendendo pros lados do Canal 2. Se o local estava ocupado, o jeito era optar pelo campinho de hoje, Praça Fernandes Pacheco.

Na hora de fazer compras, a Casa Bahia, do Adriano Lopes, era uma boa alternativa. Os filhos Maneco, Adrianinho, Pedro, Zeca e Arthur estão aí para provar que o armazém de secos e molhados do pai foi o primeiro do Gonzaga, que vive seus últimos dias. A tradicional casa vai fechar e com ela desaparecerá um pouco da história do bairro.

Pìrajá Oliveira, que morou 43 anos no Gonzaga, ainda lamenta que casas como aquelas das famílias Freixo e Baccarat tenham desaparecido para dar lugar a prédios. Ele que jogou bola no campo do União, na Praça Fernandes Pacheco, e freqüentou o Bar Bristol ao menos pode matar saudades revendo velhas fotografias tiradas pelo pai.

Duas saudades: o bonde Y e o guarda de trânsito civil (Foto cedida por Alfredo Vasques)
Duas saudades: o bonde Y e o guarda de trânsito civil (Foto cedida por Alfredo Vasques)

Cassinos, parques, boemia e o movimento que nunca parava - Na orla da praia, o movimento sempre foi maior. Cabinas de banho chegaram a funcionar na faixa de areia, mas logo foram substituídas por casas bem equipadas, como a Balneária, Netuno, Jabaquara e Sereia. Zulmira Manzullo ainda se lembra das baetas, trajes de banho feitos em tecido azul marinho, franzidos na cintura e com babadinhos abaixo do joelho. Acompanhava uma touca do mesmo tecido. A partir de 1930, os maiôs invadem as praias, só que, é evidente, bem diferentes dos que se conhece hoje...

Os hotéis, imaginem, mantinham orquestras para tocar durante o almoço e jantar. Isso mesmo, orquestra com piano, violino, violoncelo, flauta e tudo mais. Era assim no Hotel Parque Balneário, no Hotel Atlântico, Avenida Palace, Bandeirantes e Belvedere.

Mas essa atração nem se comparava com o interesse despertado pelo jogo, que corria solto no Parque Balneário e no Hotel Atlântico. Antônio da Costa Lima, que trabalhou vários anos no primeiro, mal consegue descrever o que significava um dia de casa cheia. E até hoje não se conforma de o prédio ter sido demolido. Relembra o Salão Dourado, o Salão de Mármore, a boate com forro em seda, e diz cabisbaixo: "O fim do Parque Balneário mexeu comigo. Doeu".

E quanta falta não fazem também os parques de diversão com cavalinhos de pau e rodas gigantes, que eram instalados onde hoje ficam as galerias 5ª Avenida (o local também foi sede do Cine Atlântico) e Independência. Lá se apresentavam grandes companhias de teatro e Cacilda Becker foi uma das revelações da época.

Cinemas havia vários, entre eles o Belezinha do Gonzaga, na Rua Marcílio Dias, o Cassino, o Atlântico e o Gonzaga. E olhem o detalhe: os tetos não eram fixos e em dias de calor ficavam abertos. Entre uma cena e outra, se podia admirar a lua e as estrelas...

A movimentação não parava nem de madrugada. Pelo contrário, parecia até crescer com a chegada dos boêmios. No Bar do Atlântico, os políticos traçavam grandes jogadas e decidiam o destino do mundo, como se costuma dizer até hoje.

Quem queria encontrar Patrícia Galvão, Plínio Marcos, Paulo Lara, Narciso de Andrade e Roldão Mendes Rosa bastava procurar no Bar Regina. Só saíam de lá pelas tantas, quando o dia já estava raiando. Às vezes a conversa voltava a ficar animada do lado de fora e o grupo seguia a pé, até o Restaurante Almeida, no começo da Avenida Ana Costa, para terminar o assunto lá.

O Gonzaga tinha até uma estação de bonde, no centro do trecho final da Avenida Ana Costa, e ônibus para São Paulo partiam a todo momento, da Rua Goitacazes com Praça da Independência. Na calçada do Parque Balneário e do Atlântico acontecia o que se chamava de footing: os homens parados, formando corredor, e as mulheres desfilando no meio...

Quatro horas da madrugada, o Restaurante São Paulo (que ficava mais ou menos onde é hoje a Farmácia Iporanga, na Praça da Independência) estava sempre lotado. A porta, por nunca ser fechada, acabou estragando. Hoje, instalado na Rua Carlos Afonseca, o proprietário Ernesto Rodrigues recorda entre gargalhadas uma madrugada daquelas: um homem, apressado para entrar no banheiro, não se conformou com a demora do outro e desferiu dois tiros para o ar. O pobre coitado que estava dentro se assustou e saiu desprevenido, do jeito que se encontrava, correndo entre as mesas. A reação dos presentes foi imediata: palmas e um sonoro eeeeeeeeeee...

Veja as partes [2], [3] e [4] desta matéria
Veja Bairros/Gonzaga

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