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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - CINEMA
O cinema em Santos (21)

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O funcionamento de um antigo cinema santista, o Politheama Rio Branco, no então Largo do Rosário (depois Praça Rui Barbosa), foi assim descrito pelo articulista Manoel Moreyra, na coluna Instantâneos do Passado, publicada no jornal santista A Tribuna, em 5 de dezembro de 1952 (ortografia atualizada nesta transcrição):
 


Reprodução parcial da matéria original

INSTANTÂNEOS DO PASSADO
O velho Politeama

Manoel Moreyra

Quando Santos possuía apenas dois ou três cinemas, aí por volta de 1916, o Politeama Rio Branco era considerado o cinema número um - o mais chique da cidade. Era freqüentado pela aristocracia da época, que lotava, diariamente, seus camarotes e varandas (frisas).

Localizado ao lado esquerdo da Igreja do Rosário, precisamente onde se ergue, hoje, o prédio da Casa Hespéria, o Politeama por muitos anos manteve o seu prestígio de elegância e distinção, e era chamado, quando comecei a freqüentá-lo, "o cinema tradicional da cidade".

O comendador Fins Freixo deu-lhe o nome de Rio Branco em homenagem ao chanceler brasileiro. Na entrada do salão de exibições havia um retrato do grande político, que tanta fama granjeara no desempenho de suas funções diplomáticas.

Limitando o salão de espera, do lado da bilheteria, uma grade de metal dourado, sempre muito limpa e reluzente. Na porta, uma campainha estridente, que tocava sem parar até o início das sessões, chamando os freqüentadores.

Não raro, havia um trio ou um quarteto executando lindas melodias no salão de espera. Nesse mesmo salão também se realizavam exposições de pintura e de desenho e, de uma delas, ainda me recordo perfeitamente: a de Astolfo Corrêa, aplaudido caricaturista, que expôs numerosos portrait-charges de figurões locais, alcançando enorme êxito.

Em 1916, o Politeama vendia, com abatimento no preço, talões mensais, idênticos aos atuais passes de bonde. Os freqüentadores adquiriam, assim, antecipadamente, seus ingressos para o mês todo.

Outro detalhe curioso: nos intervalos das exibições cinematográficas, um ou dois funcionários perfumavam o ambiente com suaves essências, usando bombas apropriadas. (Bom tempo, hein!...) Uma excelente orquestra acompanhava os filmes, enlevando, com suas valsas langorosas, os corações românticos.

Foi no tradicional Politeama Rio Branco que meu coração juvenil fremiu, pela primeira vez, ante as arriscadas aventuras de Ruth Rolland, na série intitulada O Cavaleiro Fantasma. Foi também ali que meus olhos, pela primeira vez, se marejaram de lágrimas, assistindo o drama doloroso de Jean Valjean, na interpretação inesquecível do grande William Farnum.

Parece-me estar ainda vendo a cena do furto do pão: outra, em que Jean Valjean, valendo-se da própria força física, coloca-se sob o carro que se enterrara na lama e consegue desatolá-lo, após ingentes esforços; o roubo dos castiçais, na residência do bispo; e, especialmente, a cena final, comovente e bela, quando Jean Valjean, em paz com a consciência, expira serenamente, e uma pombinha branca, levantando vôo, assinala, no filme, o momento exato da morte.

Com que perfeição, com que arte, o trágico americano interpretou o difícil papel na velha película da Fox! Os Miseráveis tiveram, posteriormente, outras edições no cinema. Nenhuma, porém, para mim, conseguiu suplantar aquela.

Grande William Farnum! Encheste de profunda emoção minha juventude distante com tuas atuações soberbas. Deixa-me recordar alguns dos teus filmes famosos: Nas asas da manhã, Perjúrio, O vingador peregrino e A volta do vingador (novela, em dois episódios, de Zane Grey), O último dos Duanes, Dom César de Bazan, e, como ponto culminante da tua carreira, aquele admirável Se eu fora rei..., no qual reviveste o poeta boêmio François Villon com tamanho realismo que, sendo o filme silencioso, alguns críticos chegaram a ter a impressão de ouvir a tua voz!...

Era tanta a admiração que eu tinha por ti que, por muito tempo, conservei à minha cabeceira um grande retrato teu, que eu mesmo desenhei a crayon e onde me sorrias com teu sorriso franco, exibindo tua vasta cabeleira, hoje completamente branca. Destemido defensor dos fracos e dos humildes, soldado do Bem, cuja arma infalível e cujos pulsos de ferro não se cansavam de castigar os maus, aparecendo sempre, severo e justiceiro, no momento da vingança.

Ah! que saudades tive de ti, e dos meus bons tempos da juventude, quando te revi, há pouco, fazendo um pequeno papel em Sansão e Dalila! Na fisionomia simpática, nos olhos que pareciam falar, ainda pude vislumbrar uns restos daquela poderosa expressão artística, daquele forte temperamento dramático, que fizeram de ti, no passado, um dos maiores astros da tela.

E tudo isso me veio, agora, à tona da memória, só porque tentei recordar a longa temporada de glórias do velho Politeama. Daquele cinema tradicional do antigo largo do Rosário, onde também se exibiram alguns dos mais notáveis artistas da ribalta. (Quem não se lembra de Batista Júnior e seus impagáveis bonecos falantes? Ou da primeira série de espetáculos teatrais da Cia. Palmeirim Silva?)

Saudoso Politeama Rio Branco, em cujo amplo salão, certa noite, o poeta Martins Fontes leu, para uma platéia entusiasmada, que o aplaudiu delirantemente, os versos imorredouros do seu Verão! Ah! Talvez tenha sido essa uma das noites de maior glória do extinto cinema, entre as muitas noites gloriosas que ele teve, naquele passado já tão distante. Passado que ainda está vivo, e cada vez mais vivo, na minha teimosa saudade...


Polytheama Rio Branco, depois rebatizado como Paramount, no então Largo do Rosário
Foto: reprodução de cartão postal da época, imagem no acervo do historiador Waldir Rueda

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