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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - VISITANTES
Silva Jardim fala no Teatro Guarany

Abolicionista começou em Santos a sua vida política

Com um discurso no Teatro Guarany, o abolicionista Antônio da Silva Jardim iniciou sua vida política, menos de quatro meses antes da assinatura da Lei Áurea, que libertou os escravos no Brasil. A história é contada na enciclopédia Grandes Personagens da Nossa História (Editora Abril, São Paulo/SP, 1973):


Ana Margarida, Silva Jardim e o filho mais velho, Antônio
Coleção Artur Cerqueira, São Paulo/SP, in Grandes Personagens das Nossa História

Silva Jardim - 1860-1891

"7 horas da noite. Tinha rapidamente depositado um beijo sobre a fronte da minha mulher, olhado em despedida os meninos, revisto um instante todo o meu assunto e toda a situação, numa espécie de concentração mental dissimulada, e saíra.

"Quando, um quarto de hora depois, entramos alguns no Teatro Guarany, encontrei já o espaçoso salão da platéia repleto de uma enorme massa de todos os partidos, classes, posições, fortunas e nacionalidades...

"Era a primeira vez que me achava diante de um tão grande auditório. Uma dezena de amigos estava comigo no palco, outros vinham alternadamente apresentar-me seus cumprimentos.

"Quanto cheguei à tribuna, e olhei a multidão, senti esse inexplicável acanhamento que sente o homem diante da superioridade do povo que representa a Pátria; é essa invasão insensível da alma popular na alma do orador que estabelece a simpatia entre este e os ouvintes. Fui recebido por uma chuva de aplausos, sem nenhum protesto; e enquanto cada um se preparava para ouvir e o silêncio se fazia, senti-me suavemente aquecer ao calor da animação popular, sem perder a serenidade necessária para a sondagem contínua da impressão que as palavras produziam, e para não cair em divagações ou perder-me, esquecendo a filiação dos assuntos.

"E eis-me agora só, diante de todo o público, tímido a princípio, e aos poucos animando minha voz à proporção que sentia o olhar geral de aprovação...

"Pouco a pouco, o público se anima, anima-se o orador, e daí por diante segue-se o discurso, durante horas, ora movimentado pela sátira, ora serenado pela demonstração, ora exaltado pela apóstrofe; segue coberto de interrupções, de aplausos entusiásticos, de risos estrepitosos, que dificultavam a mesma exposição. Levados pelo contágio, muitos monarquistas haviam rido à vontade, acompanhando o combate e o ridículo às mesmas instituições que diziam sustentar... Terminei, propondo a moção de apoio ao ato dos vereadores de São Borja, e o protesto contra o ato do governo imperial.

"Aplausos prolongados tinham coberto a moção. A causa estava ganha, e o primeiro meeting republicano realizava-se sem que o trono se animasse à violência. Estava tirada a prova real. Os republicanos podiam animar-se a um combate mais ativo".

Santos, 28 de janeiro de 1888. Silva Jardim fizera sua estréia política.


Caricatura de Silva Jardim e, em primeiro plano, o Conde d'Eu, em campanha política
Coleção Afrânio da Silva Jardim, Rio de Janeiro/RJ, in Grandes Personagens da Nossa História

Antônio da Silva Jardim nasceu a 18 de agosto de 1860 no município de Capivari (hoje Silva Jardim, Comarca de Rio Bonito, estado do Rio de Janeiro). Seu pai, Gabriel Jardim, era professor primário e a família vivia num pequeno sítio, em condições modestas. O menino Tonico cresceu pequeno, magro, com aspecto doentio, conseqüência de febres palustres que contraiu aos dois anos. Em troca, era conhecido pela inteligência viva e aguda. Aos cinco anos aprendia as primeiras letras, com o auxílio de um menino mais velho, aluno de seu pai. Aos seis, lia, escrevia e passava horas estudando. Aos oito substituiu o pai doente, dando aulas com "gravidade e eficiência", como então se comentou.

(...) Com treze anos, Antônio da Silva Jardim transferiu-se para Niterói e requereu inscrição no Colégio Silva Pontes no Rio de Janeiro. A viagem diária de casa ao colégio, utilizando a demorada barca, esgotava-o, e a varíola acabou por atacar seu frágil organismo. Enquanto se refazia, o colégio em que estudava fechou e, autorizado por seu pai, mudou-se para o Rio, em 1874, matriculando-se no Mosteiro de São Bento, onde estudava português, francês, geografia e latim.

Como os estudantes da época, vai morar numa república, e ingressa na política através do jornalismo: com os colegas, redige um jornal estudantil, o Labarum Litterario, e aí publica um pequeno artigo sobre Tiradentes, no qual elogia a rebeldia contra o absolutismo. Antônio tinha, então, quinze anos.

(...) Em 1877, o pai envia-lhe 300.000 réis e, com essa quantia, Antônio da Silva Jardim embarca para São Paulo para cursar a Faculdade de Direito do Largo São Francisco.

(...) Silva Jardim inicia uma grande atividade jornalística. Adere aos republicanos e escreve, juntamente com Valentim Magalhães, Idéias de Moço; depois redige, influenciado por Byron, O Grito na Treva; compõe folhetins literários para a Tribuna Liberal; publica Bardos da Inconfidência e Crítica de Escada Abaixo na revista Direito e Letras; e um trabalho - Gente do Mosteiro - no qual critica os costumes acadêmicos da época. Pouco a pouco, ainda estudante, Silva Jardim vai se tornando uma figura conhecida e polêmica.

(...) Conhece (...) a família do Conselheiro Martim Francisco de Andrada, figuras de grande destaque na sociedade paulistana. E é na família liberal de Martim Francisco que Silva Jardim vai encontrar a que seria sua esposa.

(...) Liga-se a Luís Gama e José Leão, não apenas para pregar idéias abolicionistas, mas para organizar, na prática, fugas de escravos. (...) Em maio de 1883, casa-se com Ana Margarida. (...) Passa a advogar, dedicando-se, principalmente, à causa dos escravos.

Em 1885 morre seu sogro, Martim Francisco. O cunhado, Martim Francisco Júnior, herda do pai um escritório de advocacia em Santos e convida Silva Jardim para seu sócio. Transfere-se então para Santos.

- Desta vez acertei na escolha do lugar e da profissão - escreve ao pai.

Embora levando uma vida modesta, Silva Jardim considera esse o período mais feliz da vida. Residia numa pequena casa da Praça Mauá, com a esposa, o filho e o cunhado. Aos domingos, visitava Henrique Porchat, na ilha de sua propriedade. Às vezes, fazia conferências, e nelas ia desenvolvendo suas idéias em prol da Abolição de da República.

Certa feita, participou de uma reunião republicana, e, como orador escolhido, recordou dois nomes da Revolução Francesa: Danton e Condorcet. Dias depois, a 14 de julho de 1887, nascia seu segundo filho, a quem chamou de Danton Condorcet.

Sua participação política e a defesa de uma ação republicana afastam-no dos positivistas, meramente teóricos, chefiados em Santos por Miguel Lemos, e que julgavam desnecessária a propaganda republicana.

(...) Em janeiro de 1888, na Província do Rio Grande do Sul, a Câmara Municipal de São Borja, diante das notícias de que o imperador havia sido acometido de moléstia talvez incurável, propõe que se aprove moção sugerindo um plebiscito nacional para decidir quanto à conveniência da sucessão no trono da Princesa Isabel, esposa do Conde d'Eu.

(...) O fato tem enorme repercussão na Corte e nas províncias. Em São Paulo e no Rio as câmaras municipais e assembléias provinciais repetem a moção.

(...) Antônio da Silva Jardim (...) resolve organizar um comício de desagravo e solidariedade aos vereadores de São Borja. (...) Marca a data de 28. Sabia que estava arriscando a vida, mas achava mais importante assumir uma posição clara. Quando, diante das 2 mil pessoas reunidas no Teatro Guarany, inicia seu discurso, sente que pode ir animando a voz e as idéias, sob o olhar geral de aprovação.

Seu discurso é violento: a pátria está em perigo. Analisa longamente os Bragança e os Orléans. Passa em revista o estado de saúde de Pedro II, o seu reinado e o de seu pai, a dinastia, o Conde d'Eu, o liberalismo no ocidente e no Brasil, a personalidade da Princesa Isabel.

"A Pátria - diz - está ameaçada de perder o regime de liberdade pela usurpação de um príncipe estrangeiro, expulso de sua terra, o sr. Conde d'Eu". Mostra como as vicissitudes pessoais dos soberanos podem, em razão do regime monárquico, pesar sobre toda a nação brasileira. E pergunta, afinal: "Mas que tem a Pátria com essas desgraças de família para sofrer-lhes eternamente o peso e os destinos?"

A escravidão também é alvo da oratória inflamada de Silva Jardim:

"Já causa piedade e asco ver que ainda tratamos disso. Uma única lei de emancipação resolveria: essa lei teria dois artigos: 1º - fica abolida a escravidão no Brasil; 2º - pedimos perdão ao mundo de não tê-lo feito há mais tempo".

Termina o discurso propondo uma moção de apoio aos vereadores de São Borja e de protesto contra a repressão do governo. Sua proposta é recebida por uma torrente de aplausos.

O comício de Santos repercutiu em todo o País. Não só modificou o panorama da campanha republicana - seus defensores agora sentiam que havia acolhida popular para suas idéias -, como também abalou a vida de Silva Jardim. Definitivamente, era um homem que pertencia a uma causa pública. Seu discurso é transcrito nos jornais republicanos de São Paulo, Rio, Rio Grande do Sul e Pernambuco. O obscuro advogado do foro santista transforma-se numa figura de projeção nacional. Tem apenas 28 anos mas passa a ser o orador mais solicitado nas campanhas republicanas.

(...) Volta a Santos e encontra a cidade fervendo em torno de mais um episódio da chamada "questão militar". Um capitão-tenente da Marinha fora preso e espancado pela polícia, que diziam estar sob o controle pessoal do Conde d'Eu. Habilmente, Silva Jardim aproveita-se das contradições existentes entre as próprias forças governamentais, para novamente investir contra o regime: marca um comício para 5 de março, data em que deveria estar no porto o encouraçado Bahia. Sobe a bordo do navio de guerra e convence os marinheiros a aderir ao comício, ao lado do povo e dos negros libertos.

(...) A 13 de maio é, finalmente, promulgada a lei de libertação dos escravos. Em todo o País comemora-se o fato, Santos especialmente, onde a população sempre ajudara a defender os negros que fugiam para o Quilombo do Jabaquara.

Silva Jardim associa-se às comemorações do júbilo popular, mas, republicano, procura evitar o excessivo louvor à Princesa Isabel. Para contrabalançar o entusiasmo dos libertos pela família real, Silva Jardim compõe uns versinhos, que passam a ser cantados pela população em festa nas ruas:

Isabel não teve medo
Assim é!
Viva o senhor João Alfredo
Olaré!
Acabou-se a escravidão
Assim é!
Viva o Santos Garrafão
Olaré!
A cousa segue com tino
Assim é!
Viva Lacerda Quintino
Olaré!
E foi sem susto maior
Assim é!
Viva, pois, nosso major!

Citando em seus versos outros personagens da campanha abolicionista, Silva Jardim diminuía o papel de Isabel: João Alfredo fora o ministro a propor à regente a assinatura da lei; Santos Garrafão era a alcunha de Santos Ferreira, velho batalhador abolicionista, muito conhecido em Santos; Lacerda Quintino (N.E.: Quintino de Lacerda) era o chefe do Quilombo Jabaquara, e "nosso major" era o chefe da Polícia de Santos, que fora flexível no trato aos negros fugidos.

Da sacada do Clube Republicano, Silva Jardim faz um discurso e mostra que a obra não estava acabada: era preciso chegar à República. Os santistas respondem com um estrondoso viva à República.

(...) Para realizar sua campanha pela República, Silva Jardim dissolve a sociedade com Martim Francisco e vende sua parte na banca de advogado por 500.000 réis.

(...) A 15 de novembro de 1889 é proclamada a República. Não como previra Silva Jardim. E o Exército, que fizera a República, não se sentia necessariamente comprometido com todos os líderes civis que a haviam preparado. Silva Jardim, que se afastara do Partido Republicano por propugnar uma participação mais popular e direta durante a campanha, agora que a República está instalada, vai sendo progressivamente alijado do processo político. (...) Desgastado e desgostoso, Silva Jardim retira-se da vida política. Quer se aprofundar nos estudos. Decide ir à Europa.

(...) No dia 1º de julho de 1891 está em Pompéia. Quer ver o Vesúvio (...) estar em Pompéia e não ver o Vesúvio era coisa que não passava pela cabeça de Silva Jardim e de Carneiro de Mendonça. Ambos sobem.

(...) Aproximam-se da borda da cratera. Nesse exato momento, manifesta-se o ponto crítico da erupção, o solo sacode num tremor convulso, eles tentam recuar. Carneiro de Mendonça consegue, mas o chão fende-se por trás de Silva Jardim, que é tragado pela cratera do Vesúvio, sem um grito, uma palavra, uma demonstração de medo (...).


Valentim Magalhães e Silva Jardim
Coleção Afrânio da Silva Jardim, Rio de Janeiro/RJ, in Grandes Personagens da Nossa História

Na sua edição especial de 15 de novembro de 1939, comemorativa do cinqüentenário da Proclamação da República - exemplar no acervo do historiador Waldir Rueda -, o jornal santista A Tribuna publicou esta matéria (grafia atualizada nesta transcrição):

Silva Jardim, o apóstolo que a República esqueceu

Durwal Ferreira (*)

A luta começa a tornar-se sombria, mais próxima do apostolado possível do martírio, que do triunfo político; mas isso não me preocupa. Toda a existência é cercada de um certo conjunto de fatalidades; e antes morrer assim, mesmo sendo lapidado como S. Estevam, como parecem pretender esses infiéis, do que inglória e indignamente esticar a canela na burguesa pacatez de um estômago bem conservado".
Silva Jardim

Quem com vagar, com o sentido de estudar os homens, as coisas e os fatos da História Pátria, percorrer o evangelho pelo qual se aumenta a soma de conhecimentos do Passado, queda-se pensativo, recalcando na flagrante injustiça dos homens para com os homens.

Algures, ante a ingratidão e o fanatismo de autores, sopitam a inquietação do juízo parcial; outros, porém, dedicam-se abnegadamente às fontes cristalinas dos arquivos, para a contestação formal das inverdades e fazer surgir aos olhos públicos pessoas e fatos para a veneração e culto dos pósteros.

Silva Jardim - Antonio da Silva Jardim, nascido a 18 de agosto de 1860, filho do sr. Gabriel da Silva Jardim e de d. Felismina Leopoldina de Mendonça Jardim - foi uma das vítimas da indiferença de certos escritores que se tornaram oficiais.

Entretanto, era ele o pregador impoluto realçando e convencendo das virtudes e bênçãos da República - República maculada pelos adeptos de última hora e falsos republicanos, que fez Benjamin Constant dizer esta frase lapidar: "Esta não foi a República sonhada!".

Foi o Apóstolo, na sua expressão concreta, indiferente ao perigo iminente de toda campanha encetada e sempre na vanguarda, sendo alvo predileto dos fanáticos, adversários, ferindo-se como o general Osório na frente da tropa na guerra contra Solano Lopez, e não no regalo da retaguarda mastigando bolachas como o conde D'Eu - candidato ao terceiro reinado por morte ou abdicação de d. Pedro II.

A ardência do entusiasmo emprestada à causa republicana não foi o quociente da sua estuante juventude: porque moço morreu ele, aos trinta e um anos de idade. Essa a impressão dos que não se detiveram no estudo da personalidade vigorosa de Silva Jardim. Quando se decidiu a fazer a propaganda de um novo regime, já o havia estudado em todos os seus detalhes, não com os olhos de moço arrebatado, mas, sim, convicto, inteiramente integrado da formosura e pureza da República.

Com a perfeição indiscutível de sacerdote, saiu, ele, pelo país afora a proclamar as excelsitudes do ideal republicando, fazendo essa peregrinação totalmente a expensas próprias, causando-lhe situação precária a que o partido e os correligionários, como recompensa, voltaram-lhe as costas. E aí se vê a sublimidade do caráter de Silva Jardim, que, sem dar a perceber o labéu dos fariseus, prossegue na jornada com o mesmo sentimento, a mesma crença e o mesmo amor!

Examinando-se, pois, perquirindo-se a obra e a sinceridade desse propagandista admirável, duas prerrogativas lhe são concedidas pela imposição da Justiça: profeta republicano, porque em 1888 declarou - "A Revolução Brasileira está destinada à cidade do Rio de Janeiro. E deve estar, pujante e vitoriosa em torno dos paços ministeriais e do palácio de São Cristóvão, no ano de 1889. O ano de 1889 vai ser para o Brasil o ano excepcional"; único fator moral e doutrinário da queda da Monarquia, porque soube de modo categórico, convincente e altruístico concorrer para a instituição da República na pátria brasileira, "bastando dizer que em ato 13 de maio (88) se tinham organizado uns sessenta clubes republicanos e desta data até novembro de 89 organizaram-se uns oitenta".

"De Santos, acompanhando o Conde D'Eu, através do Norte, arriscando a vida, em propaganda libertária, um ano antes de 15 de Novembro, saiu à aventura o apóstolo Silva Jardim, tendo, na minha própria residência, em palestra calorosa, marcado a data exata da proclamação da República, filha do Centro Democrático Santista".
Martins Fontes

Santos, desde o seu primórdio, fora sempre uma catedral de grandes ideais e de grandes idealistas, sob cujo lema, sabiamente adotado pelo governo municipal, interpreta a tradição do seu povo - Patriam Charitatem et Libertatem Docui (À Pátria ensinei a liberdade e a caridade). Abrigaria, também, mais um paladino que, aqui iniciando a propagação republicana, haveria de revolucionar todo país, contribuir, esmagadoramente, para o advento da República.

Esse Apóstolo era Silva Jardim, casado com Anna Margarida - "tipo de bondade, doçura, prudência, bom-senso e beleza, aliadas a uma instrução pouco vulgar e a uma educação corretíssima", dissera, quando noivo, em carta a seu pai e amigo - casado com Anna Margarida, uma das filhas do dr. Martim Francisco de Andrada, célebre lente de direito eclesiástico na Faculdade de São Paulo, e, na companhia deste, depois de bacharelado, seguir carreira.

Falecido Martim Francisco, seu filho, também Martim Francisco, advogado em Santos, convidou o cunhado para juntos trabalharem. Aceito o oferecimento e aqui chegado, Silva Jardim, ao mesmo tempo que advogava, mantinha um externato, ao qual deu o nome de "José Bonifácio".

O país, nessa época, estava abalado por sérias questões políticas. Aumentou-lhe ainda mais infeliz iniciativa de um vereador de São Borja (Rio Grande do Sul) - que se consultasse a Nação sobre o sucessor de d. Pedro II por sua morte -, travando-se nas câmaras de deputados as mais renhidas lutas partidárias, cada qual a defender o que de justo e hostil emanava do político sul-riograndense.

Será essa questão, esse ambiente propício a Silva Jardim para se revelar, mais uma vez, ao povo, quando Francisco Lobo, radical republicano, vai ao seu encontro e convida para realizar, no Teatro Guarany, uma conferência política.

Ouvir-se-ia a voz sonora de um clarim a repercutir na enorme extensão territorial da Pátria; e as notas vibrando enérgicas, num ritmo marcial, penetravam fundo na consciência de todos, como que a dizer: "Patrício! Segue-me, para o teu bem e para o bem da tua Família; segue-me, como seguiram os Apóstolos a Cristo, porque terás, assim, Paz e Liberdade!".

Esse arauto da República - clarim miraculoso - vai dar início à jornada penosa e promissora, e não terá descanso, e lutará contra a Monarquia, e fazendo não ouvir os sussurros inquietadores do próprio partido atemorizado pela bravura, pelo estoicismo indômito do apóstolo Silva Jardim.

Chegou, enfim, o dia memorável - 28 de janeiro de 1888! O Teatro Guarany, pela primeira vez, abre suas portas para a campanha republicana; pela vez primeira, Silva Jardim marcha na pregação da reforma governativa. "Pátria em perigo", que foi a conferência inicial, retratou fielmente o caráter e a convicção vigorosos do seu autor, constituindo um acontecimento nunca visto; o grupo destemido dos republicanos santistas aumentou consideravelmente o número de seus componentes; São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Estado do Rio disputavam a presença de Silva Jardim.

E para atender a uns e outros, e para atender, mui especialmente, à causa que esposara, segue viagem para Limeira, Campinas, todas as cidades hoje zona da Central do Brasil, Estado do Rio, Rio de Janeiro, e vem para Minas Gerais.

Santos não podia suportar tão longa ausência e clama pela sua presença; quer ouvi-lo novamente. Desta cidade seguiria para o Norte também ansioso de ouvir o ardoroso orador, atestar que ele era "sempre entusiástico, sem jamais sair da argumentação teórica, sem ofensa pessoal". E no dia 12 de junho de 1889, a bordo do vapor Alagoas, tendo como companheiro de viagem o conde D'Eu, este em missão de propaganda monárquica. De nada valeram os rogos da família, dos amigos e dos correligionários, expondo-lhe a série de perigos a que se arriscava. Nada temia, porque a sua divisa era esta: "A morte para mim é um acidente da vida".

Os verdadeiros perigos iria enfrentá-los no Norte, e, como leve demonstração, menciona-se o desembarque de Silva Jardim, na Bahia, onde a famigerada "Guarda Negra" o esperava com instruções e ordens terminantes. Ouçamos a palavra do próprio Silva Jardim - "Pela ladeira do Taboão estavam colocadas grandes carroças com achas de lenha, que barbaramente atiravam sobre nós. - Onde está este Silva Jardim, que eu quero matá-lo - gritava um mulato, no meio da turba, brandindo um punhal".

Nessa época fazia individualmente a propaganda do ideal republicano, pois se afastara do partido devido à timidez dos chefes que só sabiam aconselhar "maior prudência e cautela nos meios e processos a empregar".

Um dia, o povo assiste grande movimento de tropas e a maioria dos militantes do partido republicano fazia esta pergunta: - "Que há?". Instantes após, uma única resposta: "A República está proclamada!"

Onde andará Silva Jardim? Esqueceram-se dele. Isto é, um só, um somente! - lembra-se do Apóstolo, porque fora sincero e puro na batalha. Esse é Benjamin Constant Botelho de Magalhães. A lembrança todavia, se fez tarde.

Serenados um pouco mais os ânimos, procede-se às eleições da Constituinte, "nas quais Silva Jardim foi votado em Minas, São Paulo, Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro, e que transcorreram debaixo da compressão e do suborno os mais revoltantes, vendo o seu nome, principalmente no seu Estado (Estado do Rio), preterido e anulado pela avalanche de adesistas e forasteiros que a Ditadura canalizara".

Mal nascera a República, já se achava corrompida. A desilusão amargou profundamente aos verdadeiros republicanos. Silva Jardim retira-se da Pátria, levando-a, entretanto, no coração. Exila-se para a França e da sua capital, em carta a seu pai e amigo, datada de 1 de janeiro de 1891, relata: "Acabo de percorrer a Holanda e a Bélgica, vou continuar os meus cursos de finanças e de estudos políticos na Escola Livre de Ciências Políticas, a correção de meus discursos e do meu livro de memórias e viagens, e os meus trabalhos sobre a política brasileira, ao lado do que se refere à minha profissão".

Entregue, como se viu, ao aperfeiçoamento da sua sempre invejada cultura, recebe, dos seus patriotas distantes, a maior e a mais bela demonstração de reconhecimento. Não pôde conter as lágrimas de alegria "quando recebeu a célebre representação do povo brasileiro, assinada por mais de três mil eleitores, na qual se lhe rogava voltasse à Pátria, entregue já às lutas da ambição política que em breve iria ensangüentá-la". Silva Jardim reflete: "A Pátria em perigo reclama os meus serviços: irei em sua defesa".

Prepara-se, Silva Jardim, para regressar ao Brasil. Antes, porém, mostrou desejos de apreciar o Vesúvio, e tanto se aproximou da cratera, no dia de sua visita, que o teve como sepultura desde o dia 1 de julho de 1891. Dessa trágica maneira desapareceu Silva Jardim, o Apóstolo que a República esqueceu.

(*) Do Centro de Cultura Paulo Gonçalves. Especial para A Tribuna.