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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - 1932
As marcas da Revolução de 32

Um tronco de árvore no lugar de um canhão

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Texto publicado no jornal santista A Tribuna em 9 de julho de 2004:


TRINCHEIRA - Voluntários vão à luta
Foto: reprodução/acervo de Laire Jorge Giraud, publicada com a matéria

Um Estado contra a ditadura

A Revolução Constitucionalista de 1932 completa hoje 72 anos. Muitos santistas relembram com orgulho os meses em que os paulistas se rebelaram contra o Governo de Getúlio Vargas


Imagem de soldados paulistas embarcando na Estação da Luz, na capital,
em direção às fronteiras do Estado
Foto: reprodução/acervo de Laire Jorge Giraud, publicada com a matéria

REVOLUÇÃO DE 32
Marcas de uma guerra

Movimento por uma nova Constituição, que durou três meses, envolveu vários segmentos da sociedade e arregimentou milhares de voluntários em todo o Estado

Fabiana Honorato
Da Reportagem

Uma placa de aço com um nome, uma imagem e a inscrição: Desta Casa Partiu o Soldado da Lei. Para o engenheiro Joaquim Cabral Lopes, de 84 anos, o objeto, retirado do lixo há cerca de 30 anos, é a principal recordação material da Revolução Constitucionalista de 1932, que completa hoje 72 anos de um passado heróico e idealista.

Assim como o aposentado, muitos santistas que participaram deste episódio relembram com orgulho os três meses em que os paulistas se rebelaram contra o governo de Getúlio Vargas.

A luta por uma nova Constituição, que envolveu desde as oligarquias até crianças e mulheres, deixou marcas profundas em todos que dela participaram.

Além daqueles que combateram diretamente as tropas getulistas, milhares de voluntários em todo o Estado tiveram papel fundamental para o desenrolar da batalha.

"Fomos contaminados pelas marchinhas, cartazes e engajamento que se via nas ruas", contou Lopes que, na época, tinha 17 anos e morava na Capital. Muito novo para ir às trincheiras abater os soldados legalistas, o recém-chegado de Portugal se ofereceu como voluntário à Cruz Vermelha.

Membro do então grupo Boy Scouts, os escoteiros de hoje, Lopes ficou incumbido de levar a correspondência do front para a casa dos combatentes. "Gostávamos de servir e a revolução precisava de mensageiros. Era São Paulo contra 20 estados e eu não podia ficar de fora", relatou ele, que já foi secretário de Obras em Santos.

O ex-voluntário guarda com carinho uma das placas colocadas nas residências de onde os combatentes partiam. "Tirei-a do lixo de um apartamento em São Paulo, durante uma reforma que coordenei. Não conheci o soldado, mas isso é uma relíquia e acho que poucos têm essa recordação".

Metais - Ao falar de um dos mais importantes capítulos da história do País, José de Carvalho, de 81 anos, não esconde a empolgação de quem presenciou e ajudou a revolução acontecer.

Atual administrador do Supercentro Comercial do Boqueirão, ele tinha 10 anos quando o movimento eclodiu mas, como outras crianças, também apresentou-se no Colégio Barnabé, onde acontecia o alistamento.

"Eu organizava os garotos que captavam metais e ferros nas ruas, para serem transformados em armamentos". Com carrinhos improvisados, os meninos recolhiam desde panelas até objetos de ouro, que seriam levados a São Paulo.

Citando a criatividade dos paulistas durante o levante, ele comentou que os revoltosos improvisaram um falso canhão no Forte Itaipu, em Praia Grande. "O trem blindado havia levado o canhão do forte e então colocaram um tronco de árvore para acharem que estávamos armados".

Natural de Santos, Carvalho revelou que o irmão Frutuoso, já falecido, falsificou o documento de identidade só para ir ao front. "Ele se apresentou no Tiro 11 e foi servir no Vale do Ribeira, sem avisar ninguém", falou, emocionado.

Retaguarda - Estafeta. Esta era a função do então contador Nelson Noschese, que aos 16 anos mergulhou de cabeça nos ideais do movimento constitucionalista de 1932. "Era como se fosse o office-boy de hoje. Levava correspondências, buscava doações e fazia de tudo um pouco".

Agora com 88 anos, Noschese defende a atuação dos que fizeram a engrenagem do movimento funcionar, como enfermeiras, costureiras, cozinheiras e outros. "Não fomos ao front, mas somos combatentes porque colaboramos com a revolução. Sem a retaguarda não existiria a guerra".

Conforme o aposentado, que já foi vice-prefeito e vereador em Registro, todo o esforço não foi em vão. "Conseguimos a Constituição e, embora tenha tido uma parcela pequena nesta luta, fiquei satisfeito com o resultado".

Lopes: "Não podia ficar de fora"

Carvalho: falso canhão

Fotos: Paulo Freitas, publicadas com a matéria

Movimento impulsionou o desenvolvimento do IPT

Foram apenas três meses, mas os saldos da Revolução Constitucionalista de 1932 não se limitaram à promulgação - dois anos depois - da Carta Magna. Os esforços de guerra também impulsionaram o desenvolvimento do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), transformando-o, anos mais tarde, em referência para a tecnologia industrial no País.

O então Laboratório de Ensaios de Materiais (LEM) da Escola Politécnica de Engenharia foi procurado pelo comando militar da revolução, que sofria com a escassez de munição e armas.

"A Escola Politécnica era o lugar mais importante desse segmento no Estado, mas cuidava da tecnologia enquanto estudo", disse o professor da Escola de Sociologia Política de São Paulo, Ricardo Maranhão.

Para suprir a carência de armamentos dos paulistas, foi criado o Departamento Central de Munições (DCM), que contou com o engajamento de 740 engenheiros e 340 técnicos.

Segundo o especialista, eram fabricados 160 mil cartuchos por dia e, no final da guerra, 10 mil granadas de mão por dia. No saldo final, foram contados quatro tanques de guerra, seis trens blindados, morteiros, canhões e outros armamentos.

No entanto, um objeto em especial criado neste período se destacou pela criatividade: a matraca. Apelidado de "o cavalo de tróia paulista", o mecanismo imitava o som de uma metralhadora e chegou a conter, por 20 dias, as tropas inimigas.


Campanha de alistamento concentrou 200 mil voluntários
Foto: reprodução/acervo de Laire Jorge Giraud, publicada com a matéria
 

Traição - Filho de um ex-combatente, o escritor e psicólogo Antônio de Andrade estudou a fundo este período da história e destaca dois fatos como marcantes.

Um deles é cercado por mistério e não pôde ser totalmente confirmado. "Meu pai contava que, em janeiro de 1932, o Getúlio Vargas se reuniu com um grande industrial paulista, num clube do interior, e falou: Quando terminar a briga você escolhe quantas indústrias quer".

O episódio, definido por Andrade como "história de traição", foi presenciado por um copeiro, que interceptou o diálogo sigiloso. "Fui atrás dele, mas ele já havia morrido. Poucos sabem desse fato".

A outra passagem é apontada pelo escritor como a mais emocionante da revolução e ocorreu nas colinas da cidade de Lavrinhas, perto do famoso túnel bloqueado pelos revoltosos.

"No dia 7 de setembro, sob o som de uma corneta saudando a Bandeira do Brasil, hasteada num mastro improvisado, os paulistas e getulistas se perfilaram no alto das trincheiras em respeito ao Pavilhão", contou ele, que ouviu relatos de vários ex-combatentes e ainda se emociona ao lembrar o feito.


Mobilização atingiu as mulheres, que confeccionavam uniformes
Foto: reprodução/acervo de Laire Jorge Giraud, publicada com a matéria

Programação marca a data com homenagens e missa solene

Para lembrar os 72 anos da Revolução Constitucionalista, a Associação dos Ex-Combatentes de 1932 de Santos promove às 9 horas de hoje, na Praça José Bonifácio, uma solenidade em homenagem à data.

Além do hasteamento da Bandeira Nacional e da execução do Hino Nacional, o evento também contará com entrega da Medalha da Associação dos Combatentes de 1932 de Santos.

De acordo com o presidente da entidade, Ernesto Tilly Júnior, a comenda será concedida a personalidades que colaboraram com a Associação e "com a perpetuação dos ideais constitucionalistas".

Uma missa solene será celebrada às 10 horas, na Catedral. A programação será encerrada às 20h30, quando Tilly Júnior e Aldo João Alberto, também da associação, tomarão posse de duas cadeiras do Instituto Histórico e Geográfico de Santos (IHGS), onde a entidade funciona (Avenida Conselheiro Nébias, 689).


Cartazes faziam propaganda do movimento...
Imagem: reprodução/acervo de Laire Jorge Giraud, publicada com a matéria

Memória

A oligarquia paulista, derrotada pela Revolução de 1930, defendia a instalação de uma Constituinte para fazer oposição ao governo provisório de Getúlio Vargas. Inicia-se a Revolução Constitucionalista de 1932. A indignação do povo cresce e, em 23 de maio, durante comício no centro da capital paulista, a repressão policial aos manifestantes resulta na morte de quatro estudantes: Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo. Em sua homenagem, o movimento passa a ser chamado de MMDC e amplia-se a base de apoio na classe média.

A rebelião armada começa em 9 de julho e as tropas rebeldes ocupam ruas de São Paulo, com apoio da imprensa e da população. Cerca de 35 mil revoltosos enfrentam aproximadamente 100 mil soldados governistas. Os paulistas esperam o apoio de outros estados, que não chega, e São Paulo é cercado pelos legalistas. Em 3 de outubro os paulistas se rendem. Entre os 830 combatentes mortos, 32 eram santistas - a Cidade enviou 3 mil homens.


...e pediam doações de jóias
Imagem: reprodução/acervo de Laire Jorge Giraud, publicada com a matéria

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