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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - SHEC
A Humanitária e suas histórias (5)

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Uma das principais bibliotecas santistas; salões onde ocorreram bailes famosos; campanhas assistenciais importantes; a presença de personagens ilustres da história santista e nacional: são alguns dos componentes da história da Sociedade Humanitária dos Empregados no Comércio (SHEC), fundada em 1879.

Em uma revista especial comemorativa do 80º aniversário da SHEC, editada em 1959 em Santos, foi incluída esta matéria:


Alegoria originalmente publicada em 1902 na obra Poliantéia Santista
Ilustração publicada com a matéria

"A Humanitária jamais esqueceu aqueles que a serviram"

Discurso pronunciado pelo sr. Antônio Bento Amorim Filho, no ato da inauguração dos retratos na galeria de honra daquela entidade, em homenagem aos srs. Vahia de Abreu e Antônio Domingues Martins, em 16/10/1956

"Aqui nos achamos, senhoras e senhores, neste salão que se chamará doravante Antônio Domingues Martins, para assistirmos a uma cerimônia de alta significação para esta Casa.

É que a nossa Humanitária, na data festiva em que comemora 77 anos de sua fecunda e nobilitante existência, paga, com a moeda da gratidão, que é a única que corre entre os seus muros, desde que foi fundada, parte de uma dívida de honra, contraída com dois de seus mais ilustres e destacados sócios - o saudoso presidente Eduardo Áureo Vahia de Abreu e o prestante e dedicado presidente Antônio Domingues Martins.

É por isso que, neste dia festivo, se engalana a nossa Sociedade, resplandecem os nossos salões e pulsam num mesmo ritmo, cadenciado e forte, os nossos corações, que executam, neste momento, a maravilhosa sinfonia da amizade e do reconhecimento, ao tributar justa e merecida homenagem a essas duas destacadas figuras da história da nossa agremiação.

Assim, perpetuando os nomes e a obra de tão dedicados consócios, seus retratos aqui permanecerão, enquanto vida tiver a Humanitária, na galeria de honra de seus servidores, ao lado de outros eminentes vultos que forjaram a grandeza deste sodalício - Floriano de Santos Castro, seu primeiro presidente; João Otávio dos Santos, Antônio da Silva Azevedo Júnior, Benedito Pinheiro, João Guilherme Cruz, José Abelardo Monteiro de Barros, Sinval de Barros Coelho e Melo e Antônio Bento do Amorim.

Poderia, se quisesse, estender-me nesta oração sobre a vida e a obra da Humanitária. O seu maior elogio, entretanto, são as palavras que, há 54 anos atrás, dedicou-lhe o poeta santista Vicente de Carvalho, o suave e lírico sabiá da Ilha do Sol:

"O melhor elogio da Sociedade Humanitária é a sua própria história - vinte e três anos de serviços prestados a uma numerosa classe digna deles, uma extensa vida coroada pela estima e pelo respeito de uma população inteira. Os seus serviços mais valiosos não são talvez o auxílio com que ampara os que protege; mas a cultura, que favorece uma numerosa classe, de sentimento superior da solidariedade humana. Os que a amparam com o seu esforço e os seus sacrifícios, devem-lhe ainda mais do que os que dela colhem benefícios materiais; mais ganha quem faz o bem do que quem o recebe.

Ser útil a muitos e ser querida de todos não será um dos mais belos e um dos mais raros destinos?"


Eduardo Áureo Vahia de Abreu
Foto publicada com a matéria

Sou daqueles que entendem que os homens não valem pelos seus privilégios de fortuna ou do poder, mas pelo trabalho que realizam e pelos ideais que defendem em benefício da coletividade.

Por esse motivo, aceitei a honrosa incumbência de pronunciar, sobre ato tão significativo, este modesto discurso, satisfeito por ver que a Humanitária continua a mesma dos saudosos tempos de meu pai, já que os que ora a dirigem, seguindo os ensinamentos de seus antecessores, continuam se empenhando na conservação de velha tradição desta Casa e fazem confirmar aquilo que sempre ouvi dos lábios de meu velho genitor: A Humanitária jamais esquece os que a serviram.

É com certo orgulho, pois, senhoras e senhores, que toda a vez que tenho oportunidade de me referir à Humanitária, sempre que me reporto à sua obra ciclópica de coexistência, onde se antecipou em mais de meio século, no campo da previdência social, à ação dos poderes públicos, costumo afirmar que aqui "somos menos indivíduo e mais cidadão, o que significa ter menos sentido e mais sentimento, menos instinto e mais inteligência, menos desejo e mais aspiração, menos interesse e mais idealismo, menos força e mais espírito, ou seja, menos animal e mais homem, isto é, conservamos menos substâncias do barro de que somos feito e mais centelha do sopro divino que nos foi impregnado".

Aqui, sob esse teto amigo e acolhedor, aprendemos que somente sonhando, crendo e trabalhando, pode o homem, arrimado na vontade que é a grande força do poder, estimular as suas aptidões para a dignificação da vida.

Com trabalho e com exemplo, com abnegação e estoicismo, com a ajuda de Deus e com o esforço e a dedicação de homens como Eduardo Áureo Vahia de Abreu e Antônio Domingues Martins, tornou-se grande esta Casa, cuja semente de carvalho, plantada há 77 anos, era destinada ao abrigo do amanhã. Sabiam eles, e sabemos nós que seguimos os seus sentimentos, que "a vida não é apenas o instante que passa, mas principalmente o dia vindouro e quem restringe a vida ao momento de agora, sacrifica, estiola, anula e mata o próprio ideal, cuja força motriz está sobretudo nas aspirações do futuro e nos anseios do amanhã".

Quem assim não a sentir, como sempre a sentiram aqueles que em todos os tempos fizeram a grandeza da Humanitária, "poderá ser um guerreiro, nunca um herói, um sacerdote, nunca um apóstolo, um estudioso, nunca um sábio, um governante, nunca um estadista, um professor, nunca um mestre, um batalhador, nunca um idealista".

Antônio Bento de Amorim
Imagem publicada com a matéria

Desde menino, senhores e senhoras, pela mão de meu pai, que tinha por esta casa carinhos de noivo apaixonado, aprendi a conhecer e a respeitar a obra daqueles que, na sua direção, nas mais diversas épocas, pela Humanitária se dedicaram num trabalho anônimo e dignificante em favor de seus nobres e elevados objetivos.

Quando visitava o velho prédio da rua Amador Bueno, ali sempre encontrava, sorrindo no seu bom humor costumeiro, fruto de um otimismo que a todos contagiava, o presidente Eduardo Áureo Vahia de Abreu, que dividia entre o lar, a cátedra, a sua profissão e a Humanitária, toda a sua vida nobilitante de cidadão. Já naquela época, menino ainda, pude avaliar a ação daquele saudoso consócio, pois a Humanitária já era qualquer coisa que se não podia traduzir em simples palavras, já que ela representava a garantia de muitas vidas, e empréstimo que nunca se consegue pagar e a ajuda que nunca se consegue esquecer.

Viveu o presidente Vahia para aquelas suas constantes preocupações. Para a família, onde era chefe exemplar, para a cátedra, onde era mestre insigne, para a sua profissão, que soube honrar e dignificar, e para a Humanidade, a qual fez um prolongamento de seu lar, andando todos os dias, de um para o outro lado, sempre pensando no futuro e no bem-estar de ambos.

Foi a 11 de outubro de 1899, com a idade de 24 anos, que o sr. Eduardo Áureo Vahia de Abreu ingressou na Humanitária. Oito anos após já era seu associado remido. Em 1914 foi eleito vice-presidente da sua diretoria, mas já há um ano antes prestava serviço de relevância à nossa Sociedade, através dessa simples declaração constante de nossos arquivos: "Procurando concorrer com o meu pouco para a nossa útil e mais humanitária Sociedade, peço licença para reverter aos seus cofres o valor desta conta". Tratava-se de conta de medicamentos no valor de 237$000, quantia expressiva para a época, feita pela Humanitária na sua Farmácia União.

De 1919 a 1922, ocupou o sr. Vahia de Abreu o cargo de conselheiro, quando lhe foi concedido, por relevantes serviços, o título de sócio benemérito.

Voltou à presidência da nossa Sociedade em 1923, realizando proveitosa gestão, figurou na vice-presidência em 1924, foi conselheiro em 1925 e 1926, e novamente vice-presidente em 1932 e 1933.

Integrado na sua direção ou dela não participando, em elevados cargos ou noutros de menor projeção, era o sr. Vahia de Abreu o mesmo soldado fiel e valoroso da causa da Humanitária.

Mas a sua figura singular ganhou proporções gigantescas na Humanitária, quando a nossa Sociedade passou pelo período mais crítico da sua vida, em conseqüência de elevados compromissos que assumira, em razão da construção do novo edifício social.

Aquela época, quando quase todas as farmácias da cidade criavam embaraços ao fornecimento de medicamentos aos nossos sócios, em razão da impontualidade nos pagamentos, foi a Farmácia União, de propriedade do nosso inesquecível e saudoso consócio, quem arcou com a responsabilidade de quase todo o fornecimento, sem qualquer exigência quanto a pagamento, que era feito dentro das precaríssimas condições dos cofres sociais. Foi o sr. Vahia de Abreu, naquele período dificílimo da história desta Casa, a figura providencial que a amparou. Passada a tormenta, a Humanitária pagou tostão por tostão a sua dívida e quando pretendeu saldá-la, pois lhes restava um débito de Cr$ 1.541,90, por volta do ano de 1942, ofereceu o sr. Vahia de Abreu aquele saldo aos nossos cofres, dando mais um exemplo de seu amor, de sua simpatia e de sua dedicação à Humanitária.

Figurou ele, em nosso quadro social, 45 anos ininterruptos.

Em 15 de agosto de 1944, cobre-se de crepe o nosso pavilhão social e também os nossos corações. Morrera, depois de vida exemplar, o presidente Eduardo Áureo Vahia de Abreu. Só aqui parou a sua ação em favor da Humanitária.


Antonio Domingues Martins
Foto publicada com a matéria

Os mesmos louvores e as mesmas citações honrosas, as mesmas referências, posso fazer, em preito de merecida justiça, ao presidente Antonio Domingues Martins que hoje ainda serve a Humanitária, já que a história dos beneméritos da nossa Casa é uma seqüência infindável de gestos de abnegação e de serviços relevantes.

Descendente de tradicional família santista, com um passado a serviço da Humanitária, o jovem que nela ingressou aos 15 anos de idade soube ser digno de seus maiores e a sua obra em nossa agremiação está presente em todos os seus setores. Engrandeceu, por todos os modos, a nossa querida Humanitária e ainda a vem servindo devotadamente, como um velho cura serve à sua velha igreja, cumprindo assim o glorioso destino dos homens da sua cata, que por aqui passaram deixando em seus anais, gravados a ouro, seus nomes respeitados e queridos.

Formado na velha escola que tão magníficos homens deu a Santos, homens que no passado fizeram a grandeza de nossa Terra e de suas instituições, o presidente Antonio Domingues Martins, filho de João Guilherme Martins e sobrinho de José Domingues Martins e Antonio Domingues Martins, todos fundadores da nossa Sociedade, nela ingressou em 1902 e já em 1914 era eleito segundo-secretário da Mesa de Assembléias Gerais, posto em que permaneceu por treze anos. Em 1931 foi eleito vice-presidente daquela Mesa, onde se conservou até 1934, quando foi guindado à sua presidência, onde permaneceu até 1943.

De 1948 a 1953, presidiu o sr. Antônio Domingues Martins a diretoria da nossa Sociedade, ali prestando relevantíssimos serviços, época em que a Humanitária, vencendo dificuldades de monta graças ao pulso firme de seu timoneiro, retornou à sua marcha ascensional.

Em 1954, depois de seis anos de bons serviços prestados na presidência da nossa Casa, voltou à chefia das assembléias gerais e depois, ante a reforma estatutária que então se processou, da qual foi o grande inspirador, é eleito para a presidência do órgão máximo da Humanitária, o seu Conselho Deliberativo, onde até hoje se encontra, cercado do carinho, do respeito e da admiração de todos nós.

Em 1955, por proposta da atual diretoria, foi-lhe concedido o título de sócio benemérito. E agora, teremos o seu retrato na galeria de honra de nossos servidores e o seu nome perpetuado ficará, também, no bronze que é imortal, para designar este salão.

Lhano e franco, altivo e desassombrado, com excelente espírito de luta a fazer inveja aos seus companheiros mais jovens, o presidente Antonio Domingues Martins serve a Humanitária há mais de meio século.

***

Vahia de Abreu e Antonio Domingues Martins são desta Casa apóstolos de uma causa nobilíssima - o ideal de servir.

E haverá, senhores e senhores, maior satisfação do que servir?

"Toda a natureza é um anhelo de serviço", ensina-nos Gabriela Mistral em página eterna.

Serve a nuvem, serve o vento, serve o sulco.

Onde houver uma árvore para plantar, planta-a tu; onde houver um erro a corrigir, corrige-o tu; onde houver uma tarefa que todos recusam, aceita-a tu.

Sê quem tire a pedra do caminho, o ódio dos corações e as dificuldades dos problemas.

Há a alegria de ser sincero e de ser justo; há, porém, mais que isso, a formosa, a imensa alegria de servir.

Como seria triste o mundo se tudo estivesse feito, se não houvesse uma roseira para plantar, uma iniciativa para tomar.

Não te seduzam as obras fáceis. É belo fazer tudo que os outros se recusam a executar.

Não cometas, porém, o erro de pensar que só tem merecimento executar as grandes obras. Há pequenos préstimos que também são bons serviços.

Aquele é quem critica, este é quem destrói, sê tu quem serve.

O servir não é próprio dos seres inferiores. Deus que nos dá o fruto e a luz, serve. Poderia chamar-se O Servidor.

E tem seus olhos fitos em nossas mãos e nos pergunta todos os dias: serviste hoje? A quem? À árvore, ao teu amigo, à tua mãe?

***

Que a Humanitária, senhoras e senhores, prossiga, altaneira, na sua grande obra, de que nos orgulhamos e de que também se orgulha a nossa terra.

E que continue a ter em seus quadros associativos homens da estatura moral de Vahia de Abreu e Antonio Domingues Martins.

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