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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - PORTO DO CAFÉ
O auge do café e o início do porto santista (1)

Grandes transformações marcaram o final do século XIX e início do século XX
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Na sua edição especial de 26 de janeiro de 1939, comemorativa do centenário da elevação de Santos à categoria de cidade - exemplar no acervo do historiador Waldir Rueda -, o jornal santista A Tribuna publicou esta matéria (grafia atualizada nesta transcrição):
 

Trecho da matéria na publicação original

A espinha dorsal da economia cafeeira

FOCALIZANDO DIFERENTES ASPECTOS DE UM DOS MAIORES PORTOS DO MUNDO

Numa exportação global de 17.208.088 sacas de café, Santos contribuiu, em 1938, com 11.275.835 - A cidade, antes e depois da construção do cais e sua importância no comércio internacional da rubiácea

O centenário da elevação de Santos à categoria de cidade, acontecimento marcante na história da civilização brasileira, acoroçoa, na terra bandeirante, expansões jubilosas que o país inteiro acompanha com a mais viva simpatia, numa justa homenagem ao espírito empreendedor dos realizadores de uma obra gigantesca de evolução, que é legítimo título de ufania para a civilização contemporânea.

Um século de vida fecunda e de esforço pertinaz, inteira e porfiadamente devotado ao engrandecimento do Brasil! Cem anos antes do milagre soberbo do trabalho que transfigurou uma cidade feia e inóspita nesse magnífico empório que avulta, com invulgar projeção, entre os primeiros do universo, Santos era o atraso, a tristeza, a insalubridade, a região infortunada que surtos pestíferos perigosíssimos, de caráter endêmico, convertiam em permanente ameaça à vida humana.


Sr. Jayme Guedes, presidente do Departamento Nacional do Café
Foto publicada com a matéria

Em impressionante recapitulação histórica, anos atrás, A Tribuna traçou a fisionomia de Santos, anterior à construção do porto, para relevo maior dessa grande proeza de engenharia patrícia de Eduardo Guinle, Cândido Gaffrée e Guilherme B. Weinschenck, focalizando aspectos desoladores, que merecem ser fixados, para realce do contraste hodierno.

Rememorava o flagelo amarílico, as tentativas de construção do cais, os entraves, as lutas, os entrechoques apaixonados de interesses, que só muito mais tarde arrefeceriam para ensejar o entrosamento de iniciativas que remodelariam radicalmente a cidade.

É interesante essa visão da época: "Tristes tempos aqueles, de velhos pardieiros, erigidos em trapiches alfandegados, tortuosas e alquebradas pontes de construção pré-histórica serpenteavam pelo lodaçal, até penetrarem algumas braças nas águas turvas da baía!"

Era isso o porto em 1888. "Sob o tremendo bochorno dos dias estivais, a pele suarenta e escaldante, enxameavam turmas de homens brancos que a sedução de um El Dorado, para tantos enganoso, atraía de além-mar, de envolta com os negros escravizados da África, arquejando todos ao peso da carga de que iam aliviando o bojo dos navios e atulhando os trapiches.

"Os barcos, cuja atracação se apresentava problemática por muito tempo ainda, descarregavam mesmo ao largo, sobre pontões, sorte de velhos cascos aposentados, onde as mercadorias, a troco de grossa armazenagem, jaziam até o dia em que o fisco, cobrando-se das respectivas taxas, permitia seu livre ingresso no território nacional.

"Serviços primitivos, deficientíssimos, executados com a desesperadora lentidão da única máquina da época, o braço humano, cobrados a peso de ouro pelos felizes trapicheiros e pontonistas, e sujeitos, para os importadores, a toda espécie de dolos e ludíbrios clamorosos, deixavam eles tanto a desejar e atentavam de tal modo contra os nossos foros de povo progressista e honrado, que a péssima nomeada do porto de Santos se tornara corrente e proverbial na Europa, levantando séria animosidade no espírito dos armadores. Muitos recusavam, sistematicamente, que seus barcos demandassem nossas águas, a menos que os exportadores lhes acenassem com fretes fabulosos".

Era assim a atividade no mar. A cidade, por seu turno, sofria, à falta de saneamento, e pela ausência absoluta de uma profilaxia, adequada, os horrores da febre amarela, cujo morbus tinha o seu habitat no paúl miasmático que cintava, na orla marítima, o coração da cidade, o seu centro comercial. E sob a canícula senegalesca dos sóis de verão, "o pântano fervilhava na química elaboração de gases deletérios. À noite, quando vencida e esgotada por um trabalho exasperante, a população se recolhia aos seus lares e se amodorrava sob a pressão angustiosa da atmosfera abafadíssima, portas a dentro, entrava-lhe o pútrido odor da maresia, acompanhado de legiões de mosquitos vorazes, em que a ciência oficial já descobrira o terrível transmissor da peste". Esse o cenário contristador de Santos naquele tempo.


Trabalhadores manipulando o café, no terreiro de uma fazenda
Foto publicada com a matéria

A transfiguração - A construção do porto operou o milagre da transfiguração da cidade! À grandeza de sua baía, à profundidade de suas águas, à facilidade de navegação pelo canal de acesso, às condições de abrigo perfeito ali encontradas, à melhor qualidade do terreno para a construção, deveu Santos o seu desenvolvimento, sobrepujando a povoação que, muito antes, se fundara na extremidade Oeste da ilha de S. Vicente, bem mais perto do mar alto, mas sem todas aquelas condições naturais favoráveis.

"A cidade se edificou na estreita faixa de terras que fica entre o Monte Serrate e as águas da baía, e se veio estendendo nas direções Sul e Sudeste, cobrindo a língua de terra firme que é contornada pelo canal e pelo oceano, na enseada, ao Sul, caminhando, também, na direção Norte, cobrindo os antigos mangues que se transformaram, pelo aterro, em áreas edificáveis, em bairros novos".

Fez-se o caos. Edificaram-se armazéns. Estenderam-se os trilhos de ferrovias. Procedeu-se à drenagem do ancoradouro. Simultaneamente, modificava-se o ambiente citadino com a execução de esplêndido projeto urbanístico. E a cidade, bonita, moderna, sadia, febril, foi acentuando gradativamente seus magníficos contornos, transformando-se, afinal, pelo trabalho maravilhoso dos paulistas, nessa formosa, atraente e riquíssima região que é uma das colunas mestras da grandeza e do prestígio brasileiro no conceito dos povos civilizados.

Santos e o comércio cafeeiro - Houve tempo em que o café das lavouras paulistas era embarcado para o Rio de Janeiro, de onde demandava, então, os mercados externos. Data de meados do século passado (N.E.: século XIX) a exportação direta pelo porto de Santos. Efetivamente, foi em 1845 que se verificou o primeiro embarque marítimo, pela firma Theodor Wille e Cia., rumando, sem transitar no porto metropolitano, aos centros europeus de consumo.

Com o espantoso desenvolvimento da produção em S. Paulo, Santos evoluiu consideravelmente, sendo nos dias atuais um dos mais importantes do mundo. Nenhuma outra praça brasileira de comércio dispõe de instalações tão perfeitas, adequadas a rigor às diversas e necessárias manipulações, recebendo, rebeneficiando e negociando o enorme volume de uma safra paulista.

O porto é magnífico. Possui vastíssimos armazéns, especialmente construídos para todos os serviços peculiares à movimentação do café, cumprindo destacar, dentre eles, os da companhia Docas de Santos, situados, estrategicamente, nas imediações dos pontos de embarque e diretamente ligados à Estrada de Ferro S. Paulo Railway.

O preparo dos tipos de exportação preferidos pela clientela do Brasil é feito por máquinas moderníssimas de rebenefício, entregues a pessoal especializado no métier. São numerosas as casas comissárias que se dedicam, em Santos, aos negócios do café. Ligadas aos fazendeiros por um sistema de comunicações absolutamente regular, cuidam-lhes dos negócios, desembaraçando-lhes o produto.

Os exportadores, por seu turno, negociam com o estrangeiro o café recebido do interior, por intermédio de uma grande organização de agentes vendedores, realizando-se essas operações na base de tipos e descrições de qualidade.

As necessidades monetárias indispensáveis ao financiamento de uma safra paulista são avultadíssimas e, além de facilidades e recursos proporcionados pelo Governo à lavoura, há o fornecimento de fundos a cargo de uma importante rede de instituições bancárias, com a assistência de firmas que dispõem de fartos capitais. A praça de Santos, portanto, como centro redistribuidor de café, pode e deve ser proclamada a mais importante do mundo.


Embarcando café no cais do porto de Santos
Foto publicada com a matéria

A classificação do café em Santos - Não se desconhece a importância da classificação dos cafés que o Brasil exporta, serviço que permite a seleção do produto, em harmonia com as preferências dos consumidores estrangeiros. Ponto de capital importância na reputação do café brasileiro, a classificação tem merecido do sr. Jayme Fernandes Guedes acuradas e permanentes atenções, de sorte a evitar-se a remessa aos mercados de elite, de um produto que, por suas deficiências intrínsecas, não corresponda à expectativa dos clientes de além-mar.

O esforço colimado pelo D.N.C. para estimular a produção de tipos finos, recomendáveis pelo sabor, aspecto e rendimento em xícara, vai produzindo os melhores resultados após o advento do sistema de classificação adotado no país. Na safra 1937-38, cotejada, para completa elucidação, com a anterior, o D. N. C. procedeu, em Santos, por tipos, bebidas e favas, à classificação de cerca de 10.000.000 de sacas entradas naquele porto, conforme se verifica do seguinte quadro:

Classificação do café entrado em Santos
durante as safras 1937/38 e 1936/37
Sacas de 60 quilos

Classificação

Safra 1937/38

Safra 1936/37

Total

%

Total

%

Tipos        
2
307.309
3,21
280.304
3,27
2/3
776.559
8,10
1.208.225
14,10
3
2.587.187
27,00
2.211.093
25,80
3/4
1.439.530
15,02
1.000.830
11,70
4
1.785.212
18,63
1.446.199
16,88
4/5
683.849
7,13
423.306
4,94
5
995.014
10,38
1.001.575
11,69
5/6
247.559
2,58
232.895
2,72
6
339.908
3,55
348.190
4,06
6/7
126.243
1,32
97.446
1,14
7
167.297
1,94
145.824
1,70
7/8
89.360
0,93
98.653
1,15
8
32.189
0,34
53.000
0,62
Baixos
6.293
0,07
21.928
0,26
Total
9.583.509
100,00
8.569.468
100,00
Bebidas        
Estritamente mole
2.250.707
23,47
2.487.290
29,03
Mole
2.034.004
21,23
1.275.742
14,89
Dura
4.379.419
45,70
3.826.389
44,65
Rio
919.379
9,60
980.047
11,44
Total
9.583.509
100,00
8.569.468
100,00
Favas        
Graúda
3.344.696
34,90
2.823.129
32,94
Média
4.276.765
21,63
3.576.296
41,73
Miúda
1.079.525
11,26
1.263.481
14,74
Moka
882.523
9,21
906.562
10,58
Total
9.583.509
100,00
8.569.468
100,00

Fiel da balança exportadora - A economia brasileira deve muito ao porto de Santos. Nem somente no que se refere ao café sua importância é capital, e para que se possa ajuizar, com segurança, o volume do trabalho paulista em todos os setores da produção nacional, e que se escoa pelo mar, cumpre-nos salientar, neste ensejo, discriminadamente, o valor global da exportação santista, de janeiro a agosto de 1938. Atingiu a quantia de 1.935.877:00$000, ou seja, um aumento de 201.210:135$000, em igual período de 1937.

Verificar-se-á que, logo depois do café, vem o algodão em primeiro lugar nas vendas que realizamos com o estrangeiro. Eis a exportação por destino e valor:

Estados Unidos
675.209:926$
Alemanha
400.426:695$
Grã Bretanha
181.219:734$
Japão
168.418:455$
França
114.830:115$
Holanda
85.759:104$
União Belgo-Luxemburgo
60.750:210$
Suécia
48.159:766$
Itália
44.528:901$
Argentina
34.058:135$
Tcheco-Eslováquia
15.910:040$
Polônia
14.163:648$
Dinamarca
931:667$

O café em grão contribuiu com 1.108.909:966$000; o algodão com 531.003:825$000; as frutas de mesa com 58.300:996$000; as carnes resfriadas com 38.292:200$000; o óleo de caroço de algodão com 29.367:112$000 e os couros com 20.059:026$000.

Santos e a nova política do café - O êxito da nova política de recuperação de mercados, há pouco mais de um ano adotada pelo Brasil, e brilhantemente executada pelo sr. Jayme Fernandes Guedes, presidente do D.N.C., encontrou no formidável empório santista fator de fundamental preponderância. E nem se admitiria o inverso, sabido que o grande porto é a espinha dorsal da economia brasileira, máxime na parte relativa à exportação do café.

As remessas do produto brasileiro aos mercados externos de consumo são encaminhadas por mais de cinqüenta firmas especializadas, organização essa que, em sua amplitude, tem revelado entrosação perfeita. Isso permitiu a Santos participar com 11.275.835 sacas no volume global da exportação brasileira em 1938, que atingiu a 17.208.088.

Cabe aqui, como prova eloqüente da contribuição de Santos no sucesso da nova política de café, um quadro focalizando os embarques durante o ano passado, em confronto com igual período de 1937. Os algarismos comprovarão, ao exame mais superficial, não só ascensão sistemática das expedições, como também, e sobretudo, o formidável volume de trabalho realizado pelos paulistas.

Exportação de café pelo porto de Santos
Sacas de 60 quilos

meses

1937

1938

aumento em 1938

absoluto

relativo

Janeiro
762.396
959.119
196.723

25,80%

Fevereiro
558.122
791.393
233.271

41,80%

Março
709.606
859.991
150.385

21,19%

Abril
628.146
1.017.107
388.961

61,92%

Maio
574.356
911.269
336.913

58,65%

Junho
601.842
1.144.713
542.871

90,20%

Julho
450.377
895.615
445.238

98,85%

Agosto
522.064
1.105.163
583.099

111,69% 

Setembro
594.567
960.366
365.799

61,52%

Outubro
687.426
1.022.860
335.434

48,80%

Novembro
555.738
765.440
209.702

37,73%

Dezembro
857.840
842.799
15.041

1,76%

Total
7.502.480
11.275.835
3.773.355

50,30%

Em doze meses de política nova, que proporcionou à exportação brasileira de café um aumento de mais de cinco milhões de sacas, só o porto de Santos registrou naquele total uma parcela de 3.773.355 sacas, número que exprime, de maneira a mais convincente, a indisfarçável importância desse grande escoadouro da produção nacional


Vista panorâmica da cidade e do porto de Santos
Fotos publicadas com a matéria

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