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BAIXADA SANTISTA - LIVROS - Chronica Geral do Brazil
Uma crônica de 1886 - 1800-1883 (21)

Clique aqui para ir ao índice do segundo volumeEm dois tomos (1500-1700, com 581 páginas, e 1700-1800, com 542 páginas), a Chronica Geral do Brazil foi escrita por Alexandre José de Mello Moraes, sendo sistematizada e recebendo introdução por Mello Moraes Filho. Foi publicada em 1886 pelo livreiro-editor B. L. Garnier (Rua do Ouvidor, 71), no Rio de Janeiro. É apresentada como um almanaque, dividido em séculos e verbetes numerados, com fatos diversos ordenados cronologicamente, tendo ao início de cada ano o Cômputo Eclesiástico ou Calendário Católico.

O exemplar pertencente à Biblioteca Pública Alberto Sousa, de Santos/SP, foi cedido  a Novo Milênio para digitalização, em maio de 2010, através da bibliotecária Bettina Maura Nogueira de Sá, sendo em seguida transferido para o acervo da Fundação Arquivo e Memória de Santos. Assim, Novo Milênio apresenta nestas páginas a primeira edição digital integral da obra (ortografia atualizada nesta transcrição) - páginas 275 a 299 do Tomo II:

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Chronica Geral do Brazil

Alexandre José de Mello Moraes

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Imagem: reprodução parcial da página 275/tomo II da obra

 

1800-1883 

[...]

DI – Morre em Paris, no ano de 1827, o visconde de S. Lourenço, Francisco Bento Maria Targini, tesoureiro-mor do real erário no Brasil, nascido em Portugal no dia 16 de outubro de 1757. Foi Targini quem mandou edificar o grande sobrado da Rua de Mata Cavalos que faz esquina e face para a Rua dos Inválidos. Foi antes barão, por alvará de 20 de dezembro de 1811, e visconde por carta régia de 10 de maio de 1819.

DII – Morre no dia 20 de maio de 1827 o coronel Francisco Nunes Coelho de Aguiar.

DIII – No dia 24 de maio de 1827, celebra-se no Rio de Janeiro, com o ministro argentino Garcia, uma convenção preliminar de paz, a que o presidente Bernardino Rivadavia nega a sua ratificação.

DIV – No dia 28 de maio de 1827, morre no Rio Pardo o tenente-general visconde de Pelotas, Patricio José Corrêa da Camara.

DV – No dia 16 de junho de 1827, celebra-se um tratado de comércio e navegação entre o Brasil e a Áustria.

DVI – No dia 25 de julho de 1827, falece na cidade das Alagoas e na Rua da Matriz o benemérito reverendo cônego vigário Antonio Gomes Coelho, com a idade de 60 anos e 35 de vigário da freguesia de Nossa Senhora da Conceição das Alagoas.

DVII – No dia 6 de julho de 1827, chega ao Rio de Janeiro o duque de Cadaval.

DVIII – No dia 2 de julho de 1827, falece o marquês de Sabará, brigadeiro João Gomes da Silveira de Mendonça, antes visconde do Fanado, senador do Império pela província de Minas Gerais.

DIX – No dia 17 de agosto de 1817 (N.E.: SIC: correto é 1827), celebra-se com a Inglaterra um tratado, mui oneroso para o Brasil, de comércio e navegação, que foi ratificado em 10 de novembro do mesmo ano.

DX – No dia 3 de novembro de 1827, foram elevadas as prelazias de Goiás e Cuiabá à categoria de bispado por bula do papa Leão XII.

DXI – Morre no dia 2 de dezembro de 1827, na cidade das Alagoas, o reverendo vigário da vara, padre Jesé Ignacio, com 62 anos de idade.

DXII – No dia 19 de dezembro de 1827, o bacharel em Direito Thomaz Xavier Garcia de Almeida, depois conselheiro, ministro do Supremo Tribunal de Justiça, toma posse nesse dia da presidência da província de S. Paulo, que exerce durante quatro anos; e em 18 de abril de 1828 passa a administração da província ao vice-presidente, vigário capitular, dr. Manoel Joaquim Gonçalves de Andrade, quarto conselheiro do governo, depois bispo da diocese, que exerce durante 5 meses e 16 dias, passando a administração, em 5 de outubro desse mesmo ano, ao terceiro conselheiro do governo, dr. Manoel Joaquim de Ornellas, que a exerce por 3 meses e 7 dias.

DXIII – Áureo número, 5; ciclo solar, 17; epacta, 14; letra dominical, F E.

DXIV – Martirológio. Dia 1º de janeiro, terça-feira; Páscoa a 6 de abril; indicação romana, 1; período Juliano, 6.541.

DXV – No dia 21 de janeiro de 1828, morre o tenente-general marquês de Alegrete, Luiz Telles da Silva Caminha e Menezes, que foi governador de S. Paulo e Rio Grande do Sul. Nasceu a 27 de abril de 1775, e era filho de Fernão Telles, que havia sido capitão-general da Bahia.

DXVI – No dia 28 de fevereiro de 1828, morre o coronel de milícias José de Sá Bittencourt Accioli.

DXVII – No dia 1 de março de 1828, abre-se o curso jurídico de S. Paulo, sendo o lente fundador deste curso de Ciências Jurídicas e Sociais o dr. José Maria de Avellar Brotero.

DXVIII – No dia 3 de março de 1828, o sr. d. Pedro I, imperador e 4º rei de Portugal, abdica a coroa portuguesa em sua filha, a sra. d. Maria II.

DXIX – No dia 25 de março de 1828, o tenente-general conde de S. João das Duas Barras Joaquim José Curado é dispensado, por suas moléstias e avançada idade, do governo das armas da Corte e província do Rio de Janeiro, sendo substituído pelo brigadeiro Valente, conde do Rio Pardo.

DXX – No dia 3 de maio de 1828, abre-se a Assembleia Geral Legislativa.

DXXI – No dia 6 de maio de 1829, morre em Lisboa o tenente-general d. Marcos de Noronha e Brito, conde dos Arcos, vice-rei que foi do Brasil, governador e capitão-general do Pará e da Bahia e presidente do Conselho de Ministros em 1821.

DXXII – No dia 15 de maio de 1828, abre-se o curso jurídico de Olinda, em Pernambuco, criado como o de S. Paulo, pelo decreto de 11 de agosto de 1827. Em Olinda, o primeiro estudante que se matriculou foi Euzebio de Queiroz Coutinho Mattoso Camara.

DXXIII – No dia 11 de junho de 1828, amotina-se na cidade do Rio de Janeiro um batalhão de alemães engajados; os irlandeses também engajados correm a coadjuvá-los, e rompem em sedição, e só depois de 48 horas o governo fez sufocar a desordem pela tropa brasileira. Os capoeiras, durante os dois dias de desordem, tomaram notável parte no acontecimento, atacando e matando a muitos dos soldados sediciosos.

DXXIV – No dia 3 de julho de 1828, chegam ao Rio de Janeiro os ex-deputados da Constituinte de 1823, que foram deportados, Martim Francisco Ribeiro de Andrada e Antonio Carlos Ribeiro de Andrada Machado, no navio francês Le Vaillant; e desembarcaram para a fortaleza da Ilha das Cobras, onde ficaram detidos até se justificarem; e daí requereram à Câmara dos Deputados que seus processos fossem feitos publicamente, de acordo com o art. 159 da Constituição do Império.

O imperador, desde a fala do trono da abertura da Assembleia, começa a atacar a Câmara, principalmente no discurso do encerramento.

DXXV – No dia 5 de julho, parte para a Europa a sra. d. Maria II, rainha de Portugal.

DXXVI – No dia 6 de julho de 1828, o contra-almirante francês mr. Roussin, com uma nau e duas fragatas, apresenta-se na baía do Rio de Janeiro, exigindo a entrega imediata de todas as embarcações francesas tomadas no Rio da Prata, e uma indenização por perdas e danos.

DXXVII – No dia 22 de julho de 1828 falece no Rio de Janeiro o cônego dr. Rinato Boiret.

No dia 9 de agosto do mesmo ano, morre o tenente-general visconde do Juromenha e Antonio de Lemos Pereira de Lacerda.

DXXVIII – No dia 18 de agosto de 1828 cria-se o Supremo Tribunal de Justiça na Corte do Rio de Janeiro; e no dia 18 de setembro é definitivamente organizado.

DXXIX – No dia 29 de agosto do mesmo ano, é lavrado o decreto imperial extinguindo o Tribunal da Bula da Cruzada e a distribuição da venda delas.

DXXX – No dia 26 de agosto do mesmo dano de 1828 se principia a convenção preliminar de paz entre o Brasil e as províncias unidas do Rio da Prata; e no dia 27 fez-se a convenção preliminar de paz, no Rio de Janeiro, e se reconheceu a independência da província de Montevidéu, chamada a Cisplatina. No dia 28 faz-se o tratado de paz com Buenos Aires.

DXXXI – No dia 8 de agosto foi comprada a casa da Relação da Corte do Rio de Janeiro a João Marcos Vieira de Araujo e a sua mulher, por vinte e sete contos de réis.

DXXXII – No dia 6 de setembro morre o padre mestre fr. Custodio de Faria, religioso agostiniano, professor da língua grega e de Filosofia Moral, no seminário de S. José.

DXXXIII – Cômputo eclesiástico: áureo número, 9; ciclo solar, 18; epacta, 25; letra dominical, D.

DXXXIV – Martirológio: dia 1º de janeiro, quinta-feira; Páscoa a 19de abril; indicação romana, 2; período Juliano, 6.542.

DXXXV – No dia 13 de janeiro de 1829, o bacharel José Carlos Pereira de Almeida Torres, depois visconde de Macaé, senador do Império e conselheiro de Estado, toma posse da presidência da província de S. Paulo, e administra um mês e vinte e quatro dias, passando o governo em 9 de março do mesmo ano ao vice-presidente d. Manoel, bispo diocesano, que administra a província durante um ano, nove meses e vinte e quatro dias.

DXXXVI – No dia 17 de fevereiro de 1829, falece o cônego Antonio Pinto Ribeiro Pereira Sampaio; e no dia 22 do mesmo mês morre o vice-almirante Braz Cardoso Pimentel.

No dia 8 de junho do mesmo ano, falece o vigário de Jacarepaguá, padre José Luiz de S. Boaventura; e no dia 11 falece o marechal Antonio de Souza Sepulveda, que havia sido comandante de artilharia.

No dia 13 do mesmo mês falece em Portugal o brigadeiro Manoel Ignacio de Moraes de Mesquita Pimentel, que ali se achava com licença do governo imperial.

No dia 14 de junho, morre o brigadeiro Francisco Joaquim Lobão, governador da fortaleza da Ilha das Cobras.

No dia 12 de julho de 1829, morre em Portugal o conde do Rio Pardo, d. Diogo de Souza, tenente-general, governador e capitão-general que foi do Maranhão e Rio Grande do Sul.

Conta-se que Diogo de Souza, morrendo, deixou a seus herdeiros, em testamento, a grande herança de mil e duzentos contos de réis; e d. Miguel, tendo disto ciência, imediatamente desapossou os herdeiros, e fez recolher ao erário de Lisboa a herança, dizendo aos herdeiros – Vosso legatário não me consta tivesse tido herança nos bens patrimoniais; toda a vida foi empregado do governo em comissão; nestes empregos era-lhe proibido negociar, e os ordenados apenas chegavam para a sua decente sustentação; logo, essa enorme herança que testou, ou foi roubada à Fazenda Real, ou a meus vassalos; no primeiro caso, pertence-me; no segundo, não se sabe a quem restituir, também me pertence.

Este ato de d. Miguel, bem despótico, agradou a todos porque provou que esse empregado do governo foi um assolador do Maranhão, em cuja administração deixou na cadeia não menos de cento e quatorze cidadãos presos injustamente, quando se ausentou e foi governar o Rio Grande do Sul, onde fez proezas e latrocínios.

DXXXVII – No dia 2 de agosto de 1829 efetua-se o casamento do sr. d. Pedro I com a princesa Amelia de Leuchtemberg.

DXXXVIII – No dia 3 de setembro de 1823, o sr. d. Pedro I encerra a Assembleia Geral Legislativa com as seguintes palavras – augustos e digníssimos senhores representantes da nação: está fechada a sessão!

DXXXIX – A notícia de uma noiva bonita e virtuosa para o imperador, e com a condição forçosa de pôr para fora da capital do Rio de Janeiro a marquesa de Santos, deu origem à luta que se travou entre ambos.

A marquesa não queria de modo algum ir para S. Paulo, por maiores vantagens que lhe propôs o imperador. A princípio, ele a quis levar por bem; mas nada alcançando, ficou mal com ela.

As mensagens eram frequentes, mandando-lhe fazer propostas pelos próprios parentes dela, sendo o mais empenhado Candido Marcondes, oficial da Secretaria dos Estrangeiros, morador em Mata Porcos, hoje Rua de Estácio de Sá, e depois fazendeiro em Pindamonhangaba; ficando alguns até indispostos com ela, pela pertinácia de querer ficar na Corte, o que não era possível, vindo a nova imperatriz.

Os amigos ou aduladores da marquesa de Santos foram também encarregados de convencê-la da necessidade de se retirar para S. Paulo, em vista de tantas vantagens que lhe fazia o imperador; mas tudo era baldado.

O imperador, enfastiado por tanta relutância, tirou-lhe as honras de dama, bem como à viscondessa de Castro, mãe dela, que também era dama do paço imperial.

O caso era urgente: a valida do imperador d. Pedro I devia sair da Corte. Por fim, ela anuiu retirar-se, impondo ao imperador condições pecuniárias, chegando mesmo a regatear sobre valores dos bens que ele próprio lhe havia dado, mostrando destarte o quanto era pouco grata e generosa de coração.

Não era o amor quem a continha; era o interesse que a movia!! De mais ele ficou dando-lhe uma pensão de doze contos de réis anuais. Comprou-lhe os bens pelo preço que ela estipulou; deu-lhe muitos presentes de valor; estendendo os seus obséquios a dar aos parentes chácaras e boas pensões, que foram conservadas até a abdicação [17].

Depois que se retirou da Corte a marquesa de Santos, indo para S. Paulo, o imperador passou-se para a fazenda de Santa Cruz, onde se demorou algum tempo.

DXL – Os filhos que o imperador d. Pedro teve com a marquesa de Santos foram: 1º) a duquesa de Goiás; 2º) Pedro, que morreu com poucos meses; 3º) d. Maria Izabel; 4º) d. Izabel.

O filho que o imperador d. Pedro I teve com a baronesa de Sorocaba foi Rodrigo Delfim Pereira.

Em meu poder existem dois retratos, o primeiro de um menino que o imperador teve com a parda Joanna Mosqueira, filha natural do conselheiro desembargador Mosqueira, que se batizou com o nome de José de Bragança e Bourbon, cuja criança faleceu de dois anos, e é o fiel retrato do imperador d. Pedro I; o segundo é o de uma menina, de nome Urbana, que o imperador teve com a mulher de um marquês e ministro de Estado.

Eu conhecia moça ainda, e vivendo na pobreza, pedi ao general Cabral para a apresentar ao sr. d. Pedro II, que lhe mandou dar uma esmola.

O imperador d. Pedro I teve com outras mulheres, brancas, pardas e pretas, diversos filhos que, se parecendo com ele, os não reconheceu.

DXLI – Quando, em princípio do ano de 1829, o imperador d. Pedro teve notícia de que nenhuma princesa o queria por marido esposo, ficou muito zangado, e disse que não mandaria mais pedir mulheres, porque já tinha sucessão suficiente para o trono do Brasil, e que para amante ia mandar buscar a marquesa de Santos a S. Paulo, e de quem não se tornaria a separar [18]; e que para ele a marquesa valia tanto como qualquer dessas mulheres de alto nascimento europeu.

De fato, escreveu à marquesa de Santos, chamando-a que viesse para sua companhia. Ela, recebendo a carta pela manhã, deu pressa a partir e no dia seguinte estava a caminho por terra, indo o imperador encontrá-la na estrada de Itaguaí, acompanhando-a a cavalo até o palácio da fazenda de Santa Cruz, com uma imensidade de pessoas; uns, que tinham ido com o imperador, e outros, que eram empregados na fazenda, e outros da vila de Itaguaí, parentes, agregados e criados que com ela tinham vindo de S. Paulo. A marquesa de Santos entrou na fazenda de Santa Cruz como em triunfo.

Passado o tempo necessário de descanso, partiu o imperador com sua amada Titilia para a Corte, onde foi cumprimentada pelos fidalgos e pelos criados do imperador, desde os de primeira hierarquia até dos da ínfima classe; pelos desembargadores, empregados públicos, militares de todas as patentes e mesmo por gente muito insignificante do povo: uns portavam-se com gravidade e outros com nojenta bajulação.

Nunca o poderio dessa mulher foi tão grande no ânimo do imperador, como depois desta volta de S. Paulo.

Ele se tornou escravo dela; e o dominava a tal ponto que dispunha da sua vontade como queria. Ela dispunha dos próprios empregos públicos; e o imperador obedecia ao seu menor desejo. O imperador só saía da casa da marquesa de Santos (na Rua Nova do Imperador) para o despacho; e muitas vezes despachava em casa dela. Aí comia, dormia e para aí levava os filhos legítimos, com suas damas e açafatas.

A marquesa ia amiudadas vezes ao paço de S. Christovão, onde ficava como em sua casa; dando ordens, e dizendo ao imperador mande fazer isto ou aquilo, e tudo se fazia.

Toda a gente do paço, por vontade ou constrangida, tratava a marquesa de Santos com todo o respeito e subida consideração. No dia 24 de maio, em que fazia anos a duquesa de Goiás, o imperador fez espalhar a notícia de que receberia a todos que quisessem ir beijar-lhe a mão, e assim aconteceu.

A maior parte da gente que costumava ir ao beija-mão foi ao paço de S. Christovão, onde ele, as filhas legítimas e a duquesa de Goiás deram beija-mão em uma sala chamada Dos Estrangeiros. Nesta sala não havia trono, nem dossel. Aí foi que ele recebeu a multidão que nunca foi ao paço, em dias de seus anos.

Às duas horas da tarde se apresentou no paço a marquesa de Santos, indo em um riquíssimo coche, com as armas e libré da sua casa; e chegando ao pátio do palácio de S. Christovão, as músicas tocaram, e as bandeiras imperiais se abateram; os guardas e arqueiros chamaram as armas, para fazer-lhe as continências devidas como se ela fosse a legítima imperatriz do Brasil.

O imperador mandou o porteiro da câmara, João Valentim de Faria de Souza Lobato, abrir-lhe a portinhola do coche, e o camarista de semana desceu para conduzir a marquesa pelo braço, atravessando com ela pela varanda do paço, indo o porteiro da câmara adiante, até apresentá-la ao imperador, que a esperava fardado, com ricas insígnias e joias preciosas. As princesas estavam ricamente vestidas.

A marquesa de Santos beijou a mão do imperador e a das princesas, e deu um beijo na filha; e demorou-se pouco tempo conversando com o imperador, e saiu com todo o aparato, indo ele acompanhando-a até o topo da escada.

A marquesa levava uma cadeia de ouro, grossa, tendo em cada anel escrito Pedro I. Pendente nesta cadeia estava uma rica medalha cravejada de brilhantes com o retrato do imperador.

Metida no coche, pelos áulicos do paço, foi ela para o seu palacete, indo logo depois para o mesmo o imperador com a duquesa de Goiás; e onde houve um magnífico jantar. Por esta ocasião, o imperador mimoseou a marquesa de Santos com uma rica baixela de prata e outros presentes de subido valor. Para este banquete, foram convidadas as pessoas da Corte, com quem a marquesa de Santos não tinha indisposição, os seus amigos e as senhoras com quem ela se visitava; e finalmente foi uma festa brilhante. À noite, foi servido um grande chá e magnífica ceia.

Quando a marquesa de Santos se julgava no apogeu de suas glórias, e pensando que jamais o imperador Pedro I a abandonaria, foi quando, dois meses depois desse memorável dia 24 de maio, recebeu o golpe de que estava definitivamente contratado o casamento do imperador com a princesa Amelia, filha do príncipe Eugenio, cujo casamento se havia de efetuar no dia 2 de agosto, e ao mesmo tempo trazendo a notícia da condição imposta pela futura imperatriz de que ela se não receberia com d. Pedro I, no Rio de Janeiro, se ao chegar encontrasse na Corte a marquesa de Santos.

D. Pedro, recebendo ao mesmo tempo o retrato da princesa Amelia, a achou mui galante, e com 17 anos de idade mais realçava a sua beleza; e por isso o imperador ficou excessivamente contente, porque se via repudiado pelas principais famílias da Europa.

DXLII – O imperador d. Pedro I, depois do banquete que deu no paço de S. Christovão, resolveu-se em julho de 1827 a casar segunda vez; e para este empenho escreveu ao sogro, pedindo várias princesas da Europa, que o não quiseram, por saberem dos desgostos que ele havia dado à imperatriz d. Maria Leopoldina, por sua vida desregrada e seus escândalos com a marquesa de Santos.

Mas quando ele se resolveu a casar, já andava desgostoso com a marquesa de Santos, porque dando ela um jantar no palácio de S. Christovão, por ocasião dos anos da duquesa de Goiás, foi servida a mesa na sala e mesmo lugar em que esteve depositado o cadáver da imperatriz d. Maria Leopoldina, antes de ser conduzido para a igreja do convento da Ajuda.

No fervor do banquete, teve o imperador d. Pedro necessidade de ir a um dos aposentos do paço; e se demorando, causou estranheza aos convivas, a marquesa de Santos indo em procura dele o encontrou chorando e em soluços, abraçado com o retrato da falecida mulher, sem querer revelar a causa imprevista que o havia consternado.

O festim terminou porque o imperador não voltou para a mesa; e desde este dia principiou o resfriamento dele com a marquesa de Santos; e no dia fiado contraiu novo matrimônio. Disse, é um alto personagem do paço, e contemporâneo desses acontecimentos, que o imperador comunicara a algumas pessoas suas íntimas amigas, que entrando para o quarto a fim de satisfazer uma necessidade natural, vira realmente a imperatriz, que se lhe mostra triste, desaparecendo instantaneamente. Que não foi uma ilusão porque não pensava nela, e sim uma realidade de seus olhos.

Continuando o seu desgosto, mandou a marquesa de Santos para S. Paulo, deixando de ir à sua casa publicamente desde o dia que resolveu casar-se. Por esse tempo, teve a marquesa de Santos uma filha que se chamou Maria Isabel [19], a qual foi batizada em casa da mãe, sendo padrinho o atual imperador d. Pedro II, representado na pia batismal pelo mordomo-mor marquês de Palma, em virtude de uma carta que recebeu de d. Pedro I, ordenando-lhe em nome de seu filho que o fosse representar, e que se pusesse na menina o nome de Maria Isabel. A madrinha foi a duquesa de Goiás. Esta menina faleceu no paço de S. Christovão, e foi sepultada na matriz do Engenho Velho, e acompanhada por muitas pessoas da Corte a pedido do pai.

Tanto esta menina como a duquesa de Goiás foram residir no paço de S. Christovão, depois da ida da mãe para S. Paulo, sendo ambas tratadas com muita distinção.

Nos dias de beija-mão, ficavam em uma sala à parte, porque o pai não se animava a apresentar-se com elas, o mesmo acontecia no teatro. Eram acompanhadas por um guarda roupa, e a açafata d. Josepha, prima da marquesa de Santos. D. Josepha acompanhou a sobrinha duquesa de Goiás para Paris, recolhendo-se ao convento onde a duquesa de Goiás se educou.

DXLIII – No dia 16 de outubro de 1829, chega ao Rio de Janeiro a imperatriz Amelia e desembarca no Arsenal de Marinha no dia 17, por volta da tarde, apesar da muita chuva que caía. No mesmo dia 16 foi o imperador a bordo, e mandou os filhos que estavam em S. Christovão, dizendo ao camarista que os trouxesse, menos a duquesa de Goiás, para os apresentar à imperatriz, o que aconteceu.

Desembarcou assim porque o imperador mandou pela manhã perguntar à senhora se queria, apesar do mau tempo, desembarcar, ou adiar para o dia seguinte, ao que ela respondeu que queria desembarcar mesmo assim naquele dia; o que aconteceu, causando muitos prejuízos às pessoas da Corte, que ficaram com os seus trens e vestidos arruinados.

A imperatriz desembarcou com o imperador e os filhos, o príncipe Augusto, irmão da imperatriz, e o marquês de Barbacena, na galeota imperial, no Arsenal de Marinha, onde os esperavam as pessoas da Corte, que os tinham de acompanhar, como a camareira-mor marquesa de Aguiar e suas damas.

Antes de chegar a galeota ao Arsenal, o marquês de Barbacena disse ao imperador que ele não iria com a imperatriz no mesmo coche, para a capela imperial, porque a duquesa, mãe da imperatriz, em Munique, lhe entregando sua filha, que ele só faria dela entrega a seu marido depois de haverem recebido as bênçãos nupciais; e assim aconteceu, embarcando-se a imperatriz com Barbacena em um coche, indo ele ao lado da imperatriz, com as damas no assento de diante; porque Barbacena queria fazer-se célebre, não se lembrando que ridicularizava o imperador, indo ele a par de sua esposa, quando ia receber as bênçãos nupciais!!!

O imperador teve a fraqueza de se sujeitar a esta indecente condescendência, não sendo Barbacena coisa alguma dele, e nem da princesa, e sim um comissionado seu, para lhe contratar o casamento.

Recebidas as bênçãos, foram os noivos para o paço da cidade, onde houve beija-mão só da gente da Corte e criados; jantaram, e findo este, se retiraram o imperador e imperatriz para o andar superior do paço e aí estiveram em família; e perguntando a imperatriz pela princesa d. Paula, que a queria ver, disse o imperador estar ela no paço de s. Christovão.

No dia seguinte comunicou-lhe ter ainda outra filha, a duquesa de Goiás, e que lhe pedia licença para apresentá-la: então lhe respondeu que de tudo sabia (instruções do marquês de Barbacena), e que não iria ver sua enteada d. Paula em S. Christovão, sem que ele fizesse retirar essa menina do paço; porque ela não consentia que essa menina continuasse a estar no paço, a par dos filhos legítimos, filhos da imperatriz d. Maria Leopoldina. Que a mandasse para a Europa quanto antes.

Foi com esse ato impróprio de uma alma generosa e boa, que estreou a neta Beaubarnais, a sua entrada no paço imperial do Brasil, tendo ela dezessete anos de idade, perseguindo uma criança de cinco anos que nenhuma culpa tinha das loucuras de seu pai. No outro dia, pela manhã, foi a duquesa de Goiás a toque de caixa, com as suas açafatas d. Josepha e d. Barbara, primas da marquesa de Santos, para Niterói, residirem na casa que tinha sido de d. João VI, que a nação comprou quando se reconheceu a independência, e que hoje é a residência dos presidentes da província do Rio de Janeiro.

Aí esteve essa pobre criança, enquanto se preparou a fragata que a levou para Paris, sem que a imperatriz a quisesse ver; e sem consentir que ela viesse ao paço ver as irmãs [20]!!!

Na véspera do embarque da duquesa de Goiás, o imperador, contra a vontade da imperatriz, foi vê-la e deitar-lhe a bênção; e disseram que ele estava comovido, chorando, ao despedir-se da filha.

Disseram-me que quando estiveram em Paris, d. Amelia mudou de caprichos, tratando bem à duquesa de Goiás, e que depois da morte de d. Pedro, estando ela em Munique, mandou buscar a duquesa de Goiás, que ainda se achava no convento em Paris, onde foi educada, porque d. Pedro a nomeou tutora da duquesa e dos outros filhos naturais, ainda que não reconhecidos, e que a tratara como sua filha, e a casou com um fidalgo bávaro, entregando-lhe a metade da terça, que o pai lhe havia deixado.

No dia imediato do casamento, o imperador e a imperatriz foram ouvir missa na igreja da Glória, indo em carro descoberto, e o imperador governando os cavalos, e a seu lado o príncipe Augusto, e com a imperatriz a rainha d. Maria II. À tarde, foram visitar a princesa d. Paula, e à noite foram ao teatro.

D. Pedro, depois que abdicou a coroa de Portugal na filha d. Maria da Gloria, sempre a colocava à sua direita e lhe oferecia o primeiro lugar [21].

DXLIV – No dia 19 de outubro, dia de S. Pedro de Alcantara, houve beija-mão geral, e à tarde formou a tropa, e houveram continências; à noite, foram suas majestades ao teatro; e pela manhã do dia seguinte foram para S. Christovão. Ali chegando, principiou a imperatriz Amelia a pôr em execução as instruções do marquês de Barbacena.

Tratou-se de por o imperador em sítio, para não ouvir senão o que a imperatriz lhe dissesse e o que lhe aconselhassem Barbacena e seus comparsas. Proibiu-se a entrada no torreão do imperador àqueles mesmos que desde a sua infância tinham toda a liberdade de entrar em seus aposentos. Para falar-lhe, era preciso esperar-se horas enfadonhas, e isto mesmo era quando o imperador queria receber as pessoas.

Os criados do imperador tratavam a todos com má fisionomia; e a imperatriz não queria que o imperador fosse servido pelos camaristas e guarda roupas, dizendo: - que se vexava ver homens de fardas tão bordadas servindo a seu marido. Fez passar esse serviço para os criados particulares. Mas o fim era outro: era separar o imperador da gente com que tinha vivido até então. Senhoras que, pela sua posição na Corte, até as damas, que estavam acostumadas desde o tempo do rei a irem ao paço todas as vezes que queriam, ficavam esperando na antecâmara, até que lhes quisessem aparecer, ou quando não lhes mandavam agradecer a visita.

Algumas senhoras foram mal recebidas pelo imperador e pela mulher, que não lhes falou, limitando-se a dar-lhes a mão a beijar, com a viseira carregada; e a mulher, a simples cumprimento com a cabeça. Outros, nem delas fizeram caso!! Chegou o desaforo no paço de S. Christovão a serem os porteiros da cana quem determinavam se podiam ou não entrar as pessoas que desejavam cumprimentar a suas majestades.

Espalhou-se a notícia de que a senhora que quisesse cumprimentar a imperatriz havia de escrever a uma tal baronesa que veio em companhia da imperatriz, pedindo-lhe dia e hora para ter essa honra; e só depois de dois ou três dias é que tinha então a resposta desejada de poder cumprimentar a difícil imperatriz do Brasil. Sendo ela tão moça, se intrometia nas coisas as mais ridículas do paço, até nas despesas da ucharia, causando admiração que uma senhora de fina educação e tão criança se ocupasse de ninharias, próprias de gente da baixa camada social.
Por essas péssimas qualidades, ninguém lhe tinha afeição; e em geral era aborrecida a todos; e apesar de fazer muitas cortesias com a cabeça, ninguém gostava dela.

Essa joia de Munique nunca se quis servir com brasileiros; andava constantemente com a tal baronesa, que se tornou influente até nas coisas políticas do país. Trouxe da Europa modistas, retretas, criados particulares e até confessor: nada queria do Brasil, à exceção do dinheiro brasileiro. O paço imperial estava cheio de alemães e franceses; e, no entanto, gostava a imperatriz Amelia de aparatos e atenções, nos dias de grande gala, quer no paço, quer no teatro.

A baronesa era quem lhe pegava na cauda nos dias de grande gala; e às vezes a tal baronesa, por mera condescendência, chamava a nobilíssima marquesa de Aguiar, viúva de d. Fernando, marquês de Aguiar.

Dizia esta ilustre senhora, que era a camareira-mor quando a baronesa a convidava: Dê cá esse mantéu, que em outros tempos me era leve, e hoje me é tão pesado para o carregar: eu lhe ajudarei; e pegava na cauda.

O enxoval que trouxe a princesa Amelia foi bom; mas estava mui longe do que trouxe para o Brasil a arquiduquesa da Áustria d. Maria Leopoldina. A princesa Amelia trouxe muitos brilhantes, sendo alguns que lhe deu sua mãe, outros que se compraram por ordem do imperador em Inglaterra; e disseram que foram de nosso Tesouro Nacional uma boa porção para Londres para se fazerem obras, sendo incumbido dessa comissão o marquês de Barbacena. I imperador mandou-lhe a magnífica medalha, que foi da ex-imperatriz d. Maria Leopoldina, e a afogadeira, com um magnífico pingente de brilhantes. Os brincos custaram em Londres sessenta contos de réis.

Quando faleceu a imperatriz d. Maria Leopoldina, as joias que eram particularmente dela foram divididas pelos cinco filhos, porque ela havia casado com escritura, e não era meeira nos bens do marido; o que não aconteceu com a Amelia, que na sua escritura foi instituída meeira, e por isso ficou tão rica com o que d. Pedro lhe deixou.

As joias que d. João VI deu a d. Maria Leopoldina, o imperador d. Pedro ficou com elas pela avaliação, dando o valor em apólices da dívida pública aos filhos; e as que deu a Amelia pertenceram à rainha d. Maria I.

A imperatriz Amelia estudava as maneiras de cativar o marido, o que conseguiu reduzindo-o à sua escravidão. Ela não aprovava que ele abdicasse o governo de Portugal na filha d. Maria da Gloria, porque concebeu a ideia de que o imperador d. Pedro pudesse ser imperador da Península e do Brasil; e mesmo o de ser imperador de quantas minhocas lhe meteram na cabeça.

DXLV – Pouco tempo depois do casamento, o imperador d. Pedro, indo com a imperatriz, o cunhado Augusto, a filha d. Maria da Gloria, e a tal tetéia da baronesa, a passeio com destino à Glória, governando ele os cavalos na boleia, ao voltar a Rua do Lavradio, fustigando os cavalos, estes disparando, e querendo o imperador sustê-los, quebraram-se as guias e na disparada salta o jogo dianteiro, e o imperador caiu, fraturando as costelas, em frente da casa do marquês de Cantagallo, onde nela residiu e faleceu o nosso saudoso trágico João Caetano dos Santos e hoje está a repartição de polícia da Corte, e para onde foi recolhido o imperador.

Deste desastre ficaram machucados a imperatriz, no braço; a rainha de Portugal, d. Maria da Gloria, no rosto; o príncipe Augusto, em várias partes do corpo; e a tetéia baronesa também ficou machucada.

O marquês de Cantagallo os hospedou com toda a bizarria durante vinte dias, despachando ali mesmo os ministros onde constantemente se reuniam; indo a Corte duas e três vezes por dia saber do estado de melhoras de sua majestade boleeira.

O imperador, quando se retirou, fez presente ao marquês de Cantagallo da Dignitária da Rosa, circulada de brilhantes, no valor de oito contos de réis, e a imperatriz mimoseou a marquesa do mesmo título com o seu retrato e uma medalha no valor de dois contos e quatrocentos mil réis.

Nesta época, estava a imperatriz Amelia, de mãos dadas com o marquês de Barbacena, dominando o imperador.

DXLVI – No dia 12 de outubro de 1829, falece o cônego dr. Ayres Antonio Corrêa de Sá.

DXLVII – No dia 16 de outubro de 1829, a senhora d. Maria II, rainha de Portugal, chega ao Rio de Janeiro de volta da Europa, vindo em companhia da imperatriz d. Amelia.

DXLVIII – Reorganizado o ministério em que entrou o marquês de Barbacena, propôs ao imperador, como medida de conveniência, que Francisco Gomes da Silva (Chalaça) e João da Rocha Pinto deviam sair do Brasil.

Estes dois validos, ambos portugueses, ambos debochados, corrompidos, ignorantes e de baixo nascimento [22], eram os mais perniciosos, porque eram os que gozavam em grau mais subido da confiança e estima do imperador. Eram os instrumentos da intriga de José Clemente Pereira, chefe do Partido Português; que, como não podia mais ligar o Brasil a Portugal, queria que o Brasil fosse governado absolutamente por portugueses.

A esta proposta do ministério, o imperador rejeitou com indignação; mas as coisas estavam preparadas de acordo com a imperatriz Amelia. O imperador argumentou com a Constituição que lhe não dava poder para expatriar os brasileiros, e Barbacena lhe respondeu que sendo ambos criados do imperador, os podia mandar para onde sua majestade quisesse; e se eles não quiserem ir, replicou o imperador. Neste caso, ponha-os fora do paço; retire a ambos a sua proteção; e nós nos haveremos com eles, acrescentou Barbacena.

O imperador, depois de alguns dias instado pela imperatriz, cedeu por uma capitulação. Conveio-se que Chalaça e João da Rocha Pinto fossem nomeados encarregados de negócios, o 1º para Nápoles e o 2º para a Suécia. Lavraram-se os decretos, que foram assinados e referendados. Miguel Calmon, ministro de Estrangeiros, fez a respectiva comunicação aos dois validos; e estes responderam com altivez que não aceitavam tais despachos, porque dependiam tão somente de seu augusto amo, e que só dele cumpriam as ordens.

Os dois validos partiram, por ordem do imperador, a bordo de um paquete inglês para a Inglaterra. O imperador concedeu do seu bolsinho uma pensão anual, a Chalaça de vinte e cinco mil francos; e a João da Rocha Pinto de vinte mil, por todo o tempo que ficassem ausentes do Rio de Janeiro.

Ao imperador custou muito a separação destes dois validos, encarregando-se ele próprio de todo o necessário da bagagem, par que nada lhes faltasse. Lembrava-se das coisas as mais miúdas para cômodos dos seus dois amigos. Tudo o que fazia o imperador, comunicava aos ministros, entretendo-os antes dos despachos com essas ridicularias; estive toda esta manhã a fazer arranjar tal ou tal mala; um estojo para aqui, um copo para ali, um talher e outras coisas para Francisco Gomes levar. Isto mortificava o ministério. Como Chalaça bebia muito, o imperador teve muito cuidado em arranjar-lhe as frasqueiras para a viagem.

No dia do embarque o imperador abraçou, beijou e chorou pela separação dos seus dois íntimos amigos. Nunca se gastou tão boa cera com tão ruins defuntos.
Em Londres, ligaram-se com os emigrados portugueses, e fizeram persuadir ao imperador que se fosse para a Europa seria imperador da Península. Chalaça foi comandante de um esquadrão da guarda de honra, oficial de gabinete do imperador, conselheiro, oficial do Cruzeiro e possuía as comendas da Torre e Espada e Rosa. João da Rocha Pinto foi guarda roupa, gentil-homem e estribeiro-mor, e superintendente da quintas e da fazenda de Santa Cruz.

Depois da morte do imperador, a ex-imperatriz Amelia nomeou Chalaça seu secretário e mordomo de sua casa, e o levou para Munique. João da Rocha Pinto suicidou-se em Lisboa.

Chalaça fez publicar em Londres, em 1831, um livro intitulado – Memorias offerecidas á nação brazileira, que segundo nos disse o conselheiro Drumond, foi escrito por Almeida Garret, mediante a paga de trinta libras esterlinas, cheio de falsidades e mentiras.

DXLIX – Com a chegada da imperatriz Amelia, o imperador criou a Ordem da Rosa, com os privilégios e prerrogativas com que a mesma ordem subsiste. Ela representa no Brasil o mesmo que a Ordem de N. S. da Conceição da Villa Viçosa representa em Portugal. O ministro José Clemente Pereira foi quem referendou o decreto de sua criação. Os festejos que se fizeram seriam espontâneos?! Não: eram aparentes. Era o produto de certa especulação dos aduladores do poder, porque tais festejos traziam títulos, condecorações e imunidades.

José Bonifácio e seus companheiros de exílio não compareceram às festas; e no entanto, em uma visita que fez ao imperador, foi por este apresentado à imperatriz; e José Bonifácio, em uma curta alocução que dirigiu em francês à imperatriz, expôs o estado do Brasil, com cores vivas, e concluiu pedindo-lhe que fosse ela o anjo que conciliasse o imperador com a nação, e a nação com o imperador.

Durante a conversa, o imperador interrompia a José Bonifácio; mas este, que o conhecia de perto, voltando-se para ele, lhe disse: - não me interrompa, deixe-me dizer a verdade, porque ela interessa a vossa majestade e a seus filhos.

José Bonifácio frequentava pouco o paço imperial, mas o príncipe Augusto, irmão da imperatriz Amelia, que era acompanhado por seu mestre, o conde Nejaud, muitas vezes aparecia com ele em casa de José Bonifácio, e conversava largamente. O conde Nejaud era um homem de Estado. O dr. Casanova, que acompanhava o príncipe Augusto, também frequentava a casa de José Bonifácio, e com muita franqueza expunha as suas observações acerca do Brasil, a respeito dos homens políticos e principalmente do imperador d. Pedro I.

O dr. Casanova era um observador atilado; um dia, no abandono da confidência, assim se exprimiu: - O imperador do Brasil é um louco; se me viessem dizer que ele andava a atirar pedras pelas ruas, não me causaria isso surpresa. José Bonifácio quis modificar essa expressão do dr. Casanova, dando por cunho do caráter do imperador a volubilidade, os maus conselhos e as más companhias o resultado de suas ações; mas o dr. Casanova replicou: - seria assim; mas o estado atual de sua majestade ressente-se de uma alienação mental mui pronunciada.

O marquês de Barbacena estava no auge do seu valimento e procurava seduzir a José Bonifácio, para se encarregar de reformar o ministério no qual ficasse Miguel Calmon, depois marquês de Abrantes. Barbacena guerreava o ministério, mas estava de perfeito acordo com Miguel Calmon, que fazia parte do mesmo ministério; e guerreava para ele entrar para o poder.

José Bonifácio aprovou a reorganização, porque o existente não podia fazer se não mal.

No entanto, a oposição franca que a Astréa, periódico redigido por Vieira Souto e outros, fazia ao ministério, fez com que a imperatriz, instigada pelo marquês de Barbacena, se mostrasse receosa de alguma alteração no sossego público. No princípio, o imperador não queria a modificação no ministério; mas, não podendo resistir à exigência da mulher, modificou o gabinete, e no dia 4 de dezembro de 1829 entrou Barbacena para o Ministério da Fazenda.

Este ministério, apesar de sua força, não pôde gozar da confiança pública, e nem da Câmara dos Deputados.

A imperatriz, instruída por Barbacena a respeito da conduta desregrada do marido, ousou propor ao imperador a conveniência política de saírem do Brasil os seus dois validos Francisco Gomes da Silva (Chalaça) e João da Rocha Pinto.

A imperatriz Amelia sempre influiu nos negócios políticos do Brasil, e talvez se ela não tivesse vindo para o Brasil d. Pedro não abdicasse; e tanto que quando foram para Minas já tudo estava arrumado para a viagem da Europa; e tanto é assim que, quando, no dia 4 de abril de 1831, deu uma serenata, foram desencaixotados, para o serviço, a prata e outros objetos que já estavam inventariados.

DL – Em uma sessão de 1829, foi acusado o ministro da Guerra, Joaquim de Oliveira Alves, por infração da Constituição; o imperador se empenhava para que a acusação não prosseguisse. A discussão na Câmara foi calorosa, e o imperador ia todos os dias colocar-se em uma das janelas do paço, que ficava em frente à Câmara, para daí expedir os seus agentes, a fim de saber o que se passava; e se lhe dizendo que Ledo estava fazendo um brilhante discurso em favor do ministro acusado, o imperador, virando-se para os que o cercavam, disse: é a terceira vez que o compro, e de todas me tem servido bem.

Este fato foi referido pelo marquês de Quixeramobim (Pedro Dias Paes Leme), que se achava presente como camarista do imperador. O imperador, para salvar o ministro acusado, nada poupou, nem mesmo a própria dignidade. Prometeu, solicitou e corrompeu, chegando a ir em pessoa procurar os deputados em suas casa para este fim.

[...]


[17] É assim que se consome o suor do povo, dando-se o produto dos rendimentos do Estado para manter o escândalo e as bandalheiras da monarquia!...

[18] A condessa de Iguassú, filha da marquesa de Santos e do imperador, me disse em presença de algumas pessoas que o imperador queria casar-se com a mãe, apesar de ter o marido vivo, o que ela não quis.

[19] Na matriz do Engenho Velho.

[20] Que bicha nos trouxe Barbacena de Munique para o Brasil. Ela mostrou o que era no testamento que fez em Lisboa, que tudo recebendo do Brasil, não se lembrou dele quando deixou o mundo.

[21] Tudo quando se fez por ocasião do casamento do imperador com a princesa Amelia se acha relatado em um livro que se publicou.

[22] Francisco Gomes da Silva era filho de Antonio Gomes da Silva, ourives de d. João Vi, e como era muito extravagante, lhe puseram a alcunha de Chalaça; entrou para o paço para criado de galão. João da Rocha Pinto era filho do Porto, e veio para o Brasil depois que o rei se retirou para Lisboa, e seguindo a causa do Brasil foi apresentado ao príncipe, que, se lhe afeiçoando, se tornou seu valido.