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BAIXADA SANTISTA - LIVROS - Docas de Santos
Capítulo 17

Clique aqui para ir ao índicePublicada em 1936 pela Typographia do Jornal do Commercio - Rodrigues & C., do Rio de Janeiro - mesma cidade onde tinha sede a então poderosa Companhia Docas de Santos (CDS), que construiu o porto de Santos e empresta seu nome ao título, esta obra de Helio Lobo, em 700 páginas, tem como título Docas de Santos - Suas Origens, Lutas e Realizações.

O exemplar pertencente à Biblioteca Pública Alberto Sousa, de Santos/SP, pertenceu ao jornalista Francisco Azevedo (criador da coluna Porto & Mar do jornal santista A Tribuna), e foi cedido a Novo Milênio para digitalização, em maio de 2010, através da bibliotecária Bettina Maura Nogueira de Sá, sendo em seguida transferido para o acervo da Fundação Arquivo e Memória de Santos. Assim, Novo Milênio apresenta nestas páginas a primeira edição digital integral da obra (ortografia atualizada nesta transcrição) - páginas 116 a 122:

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Docas de Santos

Suas origens, lutas e realizações

Helio Lobo

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SEGUNDA PARTE (1896-1905)

Capítulo XVII

Dez anos de relativa tranquilidade

Transpostos os obstáculos criados pela Alfândega de São Paulo, entrou a Companhia Docas. Só dez anos depois, em 1906, depararia ela de novo oposição.

Seria a construção do trecho compreendido entre Paquetá e os Outeirinhos, largo saco de lodo, detritos, cascos abandonados e outros obstáculos,numa reta que, de ponta a ponta, alcançaria mais do dobro da quase feita. Se os anteriores tinham sido vencidos, os de então em diante não deparavam na empresa menor tenacidade.

Foi o período das duas primeiras paredes de trabalhadores marítimos, do golpe de morte nos trapiches, da recrudescência do mau estado sanitário, da isenção de pagamento de impostos locais, das primeiras medidas de saneamento da cidade, como complemento à parte que nele vinha tendo a construção do cais. Não houve, nessa fase, decretos ampliando ou alterando a concessão. O conjunto de medidas, salvo duas prorrogações feitas sem opugnação, foi, por assim dizer, de natureza administrativa.

Conforme se viu, havia ordenado o ministro da Fazenda, com o fim de melhor acautelar a arrecadação, logo no princípio de 1897, que só no caso de não haver lugar, despachassem os navios de procedência estrangeira nos trapiches ainda existentes. Ficaram estes destinados, de preferência, à cabotagem
[52].

Medida de si mesma explicativa, procuraram revogá-la os interesses feridos, quer na sua atividade legítima, quer na da fraude. Pela sua finalidade mesma, ia a empresa extinguindo certas indústrias que só subsistiam na ausência de um cais, sempre com protesto dos prejudicados; tais, por exemplo, o fornecimento de lastro ou de água aos navios. Sobre aquele se escrevia no porto (Tribuna do Povo, 11 de agosto de 1897):

Existem nesta cidade diversos fornecedores de lastro para navios, que pagam impostos ao município e usam desse comércio muito legalmente, mas a Companhia Docas de Santos, abusando da permissão de poderem passar as suas locomotivas pelo centro da cidade, unicamente para condução do material e aterros para suas obras, fornece lastro por preço muito insignificante, fazendo concorrência aos que não tiveram graciosos decretos.

Será decente essa concorrência? Também por um privilégio, no tempo em que a Companhia prometia muito, para dar pouco, arranjou um meio de inutilizar o negócio de carroças, porque todos os carroceiros são prevaricadores, e desde que a Companhia tome todos os trabalhos comerciais, industriais, intelectuais (estes para os seus advogados), fiscais (estes para seu intendente), não precisaremos mais da polícia, e ficará salva a Pátria e teremos o câmbio a 30 dinheiros por mil reis.

Sobre a água dizia o mesmo órgão (14 de agosto de 1897):

Existe também, em nosso porto, um homem proprietário de embarcações para fornecimento d'água a navios e essa água é trazida do sítio das Neves; não é pois tirada do encanamento que fornece o precioso líquido à população. A Companhia Docas entende que esse homem não tem direito de trabalhar, porque ela também tem privilégio para fornecer água aos navios e lá arranjou um meio de fazer concorrência ao barqueiro d'água, e fornece-a aos navios que atracam ao seu cais, por preço muito baixo.

Era inevitável que, no caso dos trapiches, maior fosse a grita. Ora se escondia que a existência de tais trapiches se tornava incompatível com a do cais, à proporção que este avançava, ora se retomava a posição de 1896, inspirada por sua vez na de 1894, segundo a qual tudo eram manejos para favores inexplicáveis. Esquecia-se de que, acusado então de tais liberalidades, o ministro do Tesouro era o mesmo que, um ano antes, se louvava na defesa da Alfândega morta. Assim no Rio de Janeiro se escreveu (O Paiz, 22 de setembro de 1897):

Às medidas abusivas com que o Poder Público tem procurado fortalecer essa empresa, deve se juntar agora o Aviso do sr. ministro da Fazenda ao inspetor da Alfândega de Santos, determinando que não deixe atracar aos trapiches alfandegados os navios de procedência estrangeira, senão no caso das Docas não terem espaço para as mercadorias importadas.

Não há proteção mais irregular, mais escandalosa, do que a que o dr. Bernardino de Campos revela nessa ordem – sentença de morte aos trapiches alfandegados, que a Companhia das Docas deseja ver sem renda, para realizar enfim o grande sonho – ser a dominadora suprema do porto, sujeitar às suas taxas leoninas o comércio de que uma parte ainda prefere esses entrepostos, já por economia, já por necessidade de encurtar tempo.

Uma reclamação de vários comerciantes de Santos assim argumentou, deixando ver, na citação de quem mais ia lutar por seu trapiche, o interesse que tudo movia:

Semelhante providência, além de importar um privilégio não baseado em lei, porque os armazéns da Companhia das Docas outra coisa não são senão trapiches alfandegados, em perfeita igualdade de condições aos demais entrepostos particulares, viola a faculdade concedida aos importadores pelo artigo 219 da Consolidação das Leis das Alfândegas e Mesas de Rendas, que assegura aos donos de mercadorias a escolha dos trapiches em que as descarreguem e armazenem, desde que não prejudiquem com isso a fiscalização das rendas públicas.

Até hoje tem sido observada essa prática, que além de fundada em lei protege convenientemente os interesses do comércio de importação de certos gêneros, que pela sua natureza ou pelo seu valor não suportam as taxas da Companhia das Docas ou, pela necessidade de pronto desembarque, são favorecidos com despacho sobre água.

Trapiches há nesta cidade, como o Brasil, de propriedade de F. Goulart, que oferecem todas as garantias ao Fisco e contra os quais jamais se levantaram reclamações.

Nenhuma conveniência da arrecadação do imposto ou da sua fiscalização aconselha portanto o monopólio que atualmente o Aviso de s. ex. estabelece em favor da Companhia das Docas, contrariando a justa liberdade de ação que, em matéria de puro interesse individual, uma vez mantidos os interesses da Fazenda Federal, a lei deu aos comerciantes.

Mas, a reclamação não foi atendida. Ler-se-á, na imprensa do tempo, que recebê-la teria sido afrouxar nas medidas de boa arrecadação, postas em prática pelo Tesouro; que só a este, e não aos interessados, cabia a indicação do lugar do despacho [53].

Acusou-se, apesar disto, ao ministro, da fazer favores ilegais, entregando, do mesmo passo, o porto a um monopólio. "O dr. Bernardino de Campos passa bem, ainda é ministro desta progressista república, comentar-se-ia então, e o sr. Candido Gaffrée ainda é seu secretário particular, a benefício das Docas de Santos". Se havia abuso não era caso de cassar o alfandegamento? Chegaria a isto o Governo Federal, pelos tropeços que sua ação encontrava e os recursos de que dois desses trapiches lançavam mão para impedir, alegando posse, o prolongamento do cais; mas só depois da parede que, durante cerca de duas semanas, ameaçou paralisar o serviço.

A política da Companhia não era de indiferença pelo pessoal. Ao contrário. Desde o início porfiava ela por constituir um corpo permanente de operários e trabalhadores, facilitando-lhes moradas salubres, medicamentos e cuidados médicos, bem como o fornecimento de gêneros de boa qualidade, por preços inferiores aos do mercado.

"Isto, porém, ainda não é bastante - dizia a diretoria no Relatório de 1894 -, convém criar um fundo de reserva para amparo dos que se invalidarem no serviço, auxílio às suas famílias e edificação de um asilo. As vantagens que esse pessoal, a Companhia e todos os que dependem do serviço do cais, auferirão com tal organização, são tão evidentes que dispensam ser demonstradas e, por mais difícil que seja realizá-las, não convém abandonar a ideia". Não havia menos, desde então, o intuito de animar o operário:

Salienta o nosso ilustrado engenheiro-chefe os importantes serviços prestados pelas nossas bem montadas oficinas, providas de um pessoal suficientemente habilitado, ressentindo-se, no entanto, do mal geral entre nós, a falta de estabilidade desse pessoal.

Para remediar este mal, temos procurado proporcionar ao operário certo estímulo, aumentando o seu salário na proporção de seus méritos e constância no trabalho, e facilitando-lhes alimentação sadia a preços baixos, e moradia que ainda não é tão boa como desejamos, pelas grandes dificuldades na solução desse problema, realmente difícil, não só pela enorme despesa que acarreta, como, principalmente, pelos hábitos dos operários, pouco de acordo com a higiene e ordem.

Daí os constantes conflitos entre eles, sujeitando-os a uma fiscalização severa, que consideram de excessivo rigor, e que, em parte, elimina as vantagens que se podiam obter.

Pelo número de homens em greve e as depredações que começavam a fazer, o movimento parecia assumir proporções. Despachou o Governo Federal o cruzador Timbyra para Santos, o que, combinado com as medidas de prevenção local, tudo aquietou [54].

Foi motivo ocasional o desastre ocorrido a bordo de um cargueiro, ao longo do cais, mas o verdadeiro estava na reação provocada pelos trapicheiros, acenando aos estivadores com a elevação de salários e com um protesto contra a perda de um companheiro e ferimentos noutros. Em Santos, a Tribuna foi pela parede, enquanto o Diario se manteve neutro [55].

No Rio, o Jornal do Commercio viu também na agitação o dedo dos trapicheiros [56]. A diretoria se referiu em poucas linhas a esse acontecimento, no seu relatório de 1897:

Logo após tivemos em Santos um movimento contra a nossa Companhia, manifestado por uma greve a que se pretendia dar proporções assustadoras, mas que, graças à energia dos governos federal e estadual, ficou claramente demonstrado que tal greve não era de trabalhadores da Companhia, visto que estes, desde que sentiram-se garantidos pelas autoridades, continuaram a trabalhar, não acedendo aos convites que receberam para a sublevação e consequentes desordens.

Durante essa emergência, foi a nossa administração valentemente auxiliada, não só por todos os chefes de serviço e seus auxiliares, como ainda pelas principais companhias de vapores, o que permitiu que, apesar da desordem ter perdurado durante mais de 15 dias,nunca o serviço fosse interrompido e, logo que cessaram as causas que o procuravam anarquizar, tudo entrou em seus eixos.

As causas destes constantes e reiterados ataques à nossa Companhia são diversas, salientando-se, entre todas, o zelo fiscal a que somos obrigados, no exercício das nossas funções de auxiliares do Governo Federal na arrecadação das suas rendas e na salvaguarda dos nossos próprios interesses.

E o relatório do ministro da Fazenda, Bernardino de Campos, referente ao ano de 1898:

Pouco durou essa perturbação, porque os grevistas não tardaram em reconhecer a falta de apoio por parte dos seus companheiros, convencendo-se de que o Poder Público, representado por um dos seus órgãos, o Ministério da Fazenda, no empenho de garantir o trabalho daqueles que recusaram a aliança no terreno da insubordinação e se conservaram fieis à disciplina, providenciara com a máxima prontidão e energia, já enviando para ali um navio de guerra que tão bons serviços prestou em tal emergência, já requisitando o concurso da força estadual, que desenvolveu a sua atividade com muita solicitude.

Parecendo-me, no primeiro momento, que a greve tomaria outras proporções, tal foi o aspecto com que se manifestou, empreguei medidas extremas no intuito de garantir os interesses públicos e comerciais; e, em uma conferência que tive com a diretoria da Associação Comercial, mostrei a situação anárquica e embaraçosa que esse lamentável acontecimento poderia criar, se houvesse qualquer demora no emprego dos meios coercitivos para sua repressão.

Essa ilustre corporação, em voto expresso, declarou-se solidária comigo e, nesse sentido telegrafando-nos, pediu que fossem atendidas as minhas indicações. Felizmente, depois de alguns dias, desapareceu esse incidente, procurando submeterem-se ao trabalho alguns dos desordeiros, que mais exaltados se mostraram na ocasião.

A segunda parede, de caráter mais grave, foi no correr de novembro de 1904. Iniciada pelos carroceiros, logo se ampliou a outras profissões, ameaçada a cidade de ficar sem pão nem carne. Já existiam a "Sociedade 1º de Maio" e a "Sociedade Internacional União dos Operários", a qual, no dizer do delegado especial, enviado pelo Governo do Estado, "intervinha no trabalho, já exigindo dos patrões aumento de salário, já pretendendo regular perante eles os casos de admissão e demissão dos empregados, já exigindo que todos os empregados de salário diário fizessem parte da associação como seus membros efetivos".

Para a Tribuna, a parede fora provocada pela própria empresa, pois "Rússia em miniatura, o trabalhador só tem deveres, não tem direitos…" (5 de maio de 1905). A fim de cooperar com as autoridades de terra, seguiu do Rio o cruzador Tamandaré.

Neutro, ainda, na questão, o Diario tomou, afinal, partido contra o movimento, uma vez que ia além do que se pretendia inicialmente, pois estava a cidade ameaçada de ficar sem luz e alimentação [57]. Interesses comerciais feridos reagiram, porém, terminando o movimento sem a satisfação das exigências. Hostil, rematou o Mercantil (30 de junho):

Ela, a majestosa e onipotente companhia dos milhões, na faina de acumular capitais, não satisfeita com o seu poderio descabido, não pagando impostos de espécie alguma à Municipalidade, dispondo a seu talante do Governo Federal, usurpa agora o pão da boca do proletário que a custo sustenta os seus filhos, suando desde pela manhã até à noite, na condução de sacas de café para bordo, arriscando até a própria vida sobre os estreitos e elevados pranchões do cais.

Foi por esse tempo que F. Ferreira Goulart e J. Xavier Pinheiro, alegando posse e pedindo indenização de 2.100:000$000 pela passagem do cais pelas pontes de seus trapiches, propuseram ação judicial, sendo manutenidos pelo juiz federal.

Não só Goulart obtivera o mandado, como processava o encaminhamento de pedido para construção de uma carreira. Sobre aquele, solicitou logo Joaquim Murtinho, então ministro da Viação e bras Públicas (3 de setembro de 1897), providências ao seu colega da Justiça, em benefício dos interesses da União "ofendidos pela invasão dos terrenos de marinha ali situados, dos quais não consta que houvesse títulos de concessão, pelo que devem ser reivindicados". Sobre a carreira, informou o substituto Sebastião de Lacerda (8 de maio de 1898) já estar o dique contratado com a empresa. E concluiu:

E finalmente, se outras razões não houvesse, a da salvaguarda dos capitais nacionais, a séria efetividade dos contratos e bem entendida realidade dos serviços aconselhariam a não se instituir uma interminável série de concessões a estabelecer um concorrência que poria em risco as concessões anteriores, notando-se que muito importa considerar que tais obras, em que se empenharam capitais nacionais, por contrato com o Governo, são de propriedade da União, à qual reverterão no fim do prazo de concessão.

Conseguindo, embora temporariamente, criar embaraços ao prosseguimento dos trabalhos, essa demanda encheu de alegria aos adversários das empresa e teve como patrono H. Inglez de Souza, nome que, como os de Carvalho de Mendonça, Ferreira Vianna e outros, já empenhados até essa época a favor ou contra, estava na altura da melhor tradição jurídica brasileira [58].

Reconhecendo os serviços prestados pela Companhia, seus artigos foram defesa cerrada dos trapiches, entre os muitos que, no Rio e Santos, a questão provocou, numa polêmica de meses. Vieram a público, de novo, os abusos aduaneiros do porto, o desconceito que, no próprio dizer das autoridades alfandegárias,haviam caído as pontes e os trapiches
[59].

O processo deu lugar a vários incidentes
[60], e sobre ele escreveu o ministro da Viação e Obras Públicas, Severino Vieira, ao procurador geral da República (22 de junho de 1899):

Em 1897, o major Joaquim Xavier Pinheiro e Francisco Ferreira Goulart protestaram contra o Governo da União por ter concedido à Companhia Docas de Santos a construção das obras do cais nas respectivas testadas e frentes de trapiches e armazéns de sua propriedade, com preterição da preferência assegurada pelo artigo 16 do decreto n. 4.105, de 22 de fevereiro de 1868.

Desta preferência desistiu um dos protestantes, e ambos, não tendo conseguido a concessão dos terrenos de marinha e acrescidos, natural ou artificialmente, requereram a Juízo Seccional deste Distrito mandado de manutenção de posse ou quase posse que alegavam sobre as águas do mar ou rio navegável que forma o porto de Santos, e o mandado foi concedido. Por último, o juiz seccional, melhor esclarecido, julgou improcedente a ação de manutenção, de que os autores interpuseram o recurso de apelação para o Supremo Tribunal.

A urgência das obras e a demora na decisão da manutenção forçaram o Governo a requerer caução de opera demoliendo. Nestas circunstâncias é ocioso encarecer a justiça que assistia à União Federal na confirmação do julgado em primeira instância, como primeira desafronta do seu domínio público e privado agredido pela usurpação e injusta detenção dos apelantes.

Quanto às pontes:

1º - O plano das obras do cais, como está traçado e aprovado, não se utiliza de um milímetro, sequer, dos terrenos de marinha de que os apelantes são detentores injustos e sem título, isto é, usurpadores;

2º - As ditas obras têm de ser construídas sobre águas do mar ou rio navegável que formam o porto de Santos, por essa natureza fora do comércio, inalienáveis e imprescritíveis, como partes integrantes do domínio público nacional;

3º - As duas pontes, das quais os apelantes pretendem derivar a sua imaginária posse ou quase posse sobre o mar ou águas do porto em que foram construídas, não lhes pertencem: uma, ao serviço do trapiche "Paquetá", foi construída por Souza Martins & C., e a outra, que servia aos trapiches "Brasil" e "America", pela Companhia Docas de Santos, por ordem do Governo da União e à sua custa, por ter sido a respectiva despesa incluída no capital da Companhia Docas de Santos (decreto n. 2.461, de 12 de fevereiro de 1897);

4º - Estas duas pontes foram construídas para servirem provisoriamente (Aviso n. 352 de 3 de novembro de 1891 e decreto n. 943 de 15 de julho de 1892) e para atender às necessidades do momento, sob a condição de serem destruídas logo que o exigissem as obras de construção do cais nos pontos em que estavam estabelecidas;

5º - No local do domínio público em que foram construídas as referidas pontes o seu uso não podia deixar de ser a título precário, e ainda está este uso precário reconhecido e expressamente declarado pelo usuário Goulart em carta dirigida à Companhia e existente nos autos.

Quanto aos terrenos de marinha:

1º - Que não exibiram nem título de concessão e aforamento, são apenas detentores com usurpação clandestina;

2º - Que, depois de contratadas as obras do cais, requereram o aforamento, o que não lhes foi concedido;

3º - Que ainda por esta razão não podiam invocar a preferência do artigo 16 do decreto n. 4.105, de 22 de fevereiro de 1868, afora a decisiva de não ser admissível preferência sobre a União Federal, senhorio em plena propriedade e domínio dos terrenos de marinhas.

Sobreleva ainda notar que o protesto de preferência além de excluir, absolutamente, a imaginária posse sobre o mar ou águas do rio que formam o porto de Santos, alegada pelos apelantes como fundamento da ação de manutenção, foi feito em 1897, quando o prolongamento do cais até Paquetá foi autorizado muito antes pelo decreto n. 96, de 7 de novembro de 1890, e a respectiva planta aprovada por decreto n. 790, de 8 de abril de 1892, e neste prolongamento estavam já incluídas as frentes e testadas dos armazéns e trapiches dos apelantes. O prolongamento de Paquetá a Outeirinhos, autorizado por decreto n. 942, de 15 de julho de 1892, excede da linha fronteira dos armazéns e trapiches dos apelantes.

"Dokopolis" já era epíteto que, na linguagem jornalística da oposição local, encontrou a cidade. Na Cidade de Santos opôs Francisco de Paula Ribeiro, pela Companhia, contradita ás alegações adversas, numa polêmica que se prolongou [61].

Imagem: reprodução parcial da página 116


[52] F. Ferreira Goulart, proprietário do trapiche Brasil, fez protesto judicial no Juízo Federal de São Paulo (27 de agosto de 1897), alegando ter contrato de dez anos no seu trapiche, a datar de 1893. A intimação do inspetor da Alfândega permitia-lhe despachar no trapiche só quando no cais não houvesse vaga. Ora, concluiu, isto era um absurdo, visto que "ninguém conservará seus trapiches com a respectiva despesa do pessoal, à espera que aquela empresa faça aquela declaração".

[53] "As docas nas condições das de Santos, como os trapiches alfandegados, a que aquela está equiparada, como os entrepostos particulares, são consideradas como verdadeiras dependências das alfândegas, e o que a legislação da Fazenda consigna, muito ao invés do pretendido princípio, é que 'a designação para depósito de mercadorias é de exclusiva competência do inspetor. (Art. 219 da Consolidação)'". Jornal do Commercio, 25 de setembro de 1897.

[54] A Associação Comercial de Santos resolveu pedir ao Governo Federal um contingente de cem praças e um navio de guerra (18 de outubro de 1897). Igualmente tomou conhecimento da representação local, encabeçada por Theodor Wille contra a preferência dada ao cais para o despacho de mercadorias vindas do estrangeiro, com o fim de transmitir ao mesmo Governo. A resposta de Bernardino de Campos, ministro da Fazenda, não se fez esperar: "A Alfândega de Santos executa o disposto no artigo 219 da Consolidação, tendo em vista a melhor fiscalização da renda. O Governo não pode modificar as medidas tomadas nesse sentido. Quanto à greve, tem providenciado na esfera de suas atribuições e com o Governo do Estado a ordem será mantida".

[55] "Trata-se duma questão que afeta principalmente a economia particular duma companhia e, por outro lado, duma reclamação mantida com calma pacificamente. Uma parte com o direito de reclamar, outra com o direito de atender ou de resistir a essa reclamação. Força, porém, é que confessemos que quem reclama não tem o direito de impor. O trabalho é livre e quem não quer trabalhar não trabalha, mas nem por isso pode impedir a ação dos que desejam trabalhar". Diario de Santos, 26 de outubro de 1897.

[56] "As denuncias dadas da tribuna do Senado e da Câmara, das enormes depredações que sofriam as rendas aduaneiras em Santos, no Ceará e em outros portos, foram confirmadas pelos efeitos das medidas de repressão empregadas pelo Governo. É sabido que nessas alfândegas, depois da adoção dessas medidas, a renda subiu enormemente e tanto mais, quanto a importação este ano é inferior à do ano passado.

"Se se relaxar nessas medidas, se se recuar diante das investidas dos defraudadores das rendas públicas, além do mau exemplo de moral, que refletirá sobre a sociedade, terão os legisladores federais, para suprir os serviços da União, de agravar mais os tributos, para serem somente pagos pela gente honesta, em gáudio e lucro dos desonestos". Jornal do Commercio, 22 de outubro de 1897.

[57] "Temos animado, e não poucas vezes, as classes operárias, sempre que elas conosco contribuem para a normalidade do trabalho, que é base do nosso engrandecimento; festejamos as suas vitórias, auxiliando-as nas suas conquistas, sempre que obtidas à sombra da paz e da ordem.

"Nesta emergência, porém, não as podemos acompanhar; mentiríamos às nossas tradições e à nossa consciência, se disséssemos que a greve que nos oprime é uma greve pacífica, e se defendêssemos as razões apresentadas para a sua existência. A greve atual é uma ameaça a tudo e a todos". Diario de Santos, 19 de junho de 1905.

[58] Julgada depois improcedente pelo Supremo Tribunal Federal, a ação de Joaquim Xavier Pinheiro e Francisco Ferreira Goulart estava em apelação, no mesmo tribunal, a de Antonio José Villas Bôas, a quem a justiça de São Paulo negara razão, quando pretendia ter a empresa (e também a Câmara Municipal de Santos) ocupado terrenos seus.

[59] Como o de Turibio Guerra, inspetor precedente, ordenando ao fiscal de Paquetá (17 de novembro de 1896) maior vigilância pela falta de confiança nesse depósito, as repetidas reclamações de comerciantes, o extravio de mercadorias e inquirindo se havia conveniência na continuação do alfandegamento; e do então fiscal, deixando entrever, nas entrelinhas de seu ofício de resposta, graves restrições (19 de novembro de 1896):

"Entretanto, ao concluir esta, seja-me permitido sugerir a v. s. como medida fiscal, inadiável e única, a conveniência de não mais atracarem às pontes e trapiches particulares, para operações de descarga, navios a vapor que conduzam para este porto mercadorias sujeitas a direito de consumo, sendo no mais, quanto ao depósito de mercadorias nos trapiches alfandegados, observadas as disposições da Consolidação das Leis das Alfândegas e Mesas de Rendas".

[60] Negado direito aos reclamantes, deu-se ordem de destruição das duas pontes, mas tendo aqueles agravado para o Supremo Tribunal Federal, a destruição iniciada teve que suspender-se. Solicitou então o Governo Federal autorização para proceder às obras sob caução opera demoliendo (14 de janeiro de 1899).

[61] Houve também, a esse tempo, uma permuta de terras com o Estado de São Paulo e a ação proposta por alguns pseudo proprietários nos Outeirinhos, os quais pretendiam reaver esses terrenos ou o seu valor, fixado por eles em 2.811:550$000. Essa questão, em que, como as demais, venceu a empresa, não deixava de causar embaraço e, pelo menos, dificultar o andamento dos trabalhos. Ver Relatório da Diretoria, 1902.