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BAIXADA SANTISTA - LIVROS - Docas de Santos
Capítulo 20

Clique aqui para ir ao índicePublicada em 1936 pela Typographia do Jornal do Commercio - Rodrigues & C., do Rio de Janeiro - mesma cidade onde tinha sede a então poderosa Companhia Docas de Santos (CDS), que construiu o porto de Santos e empresta seu nome ao título, esta obra de Helio Lobo, em 700 páginas, tem como título Docas de Santos - Suas Origens, Lutas e Realizações.

O exemplar pertencente à Biblioteca Pública Alberto Sousa, de Santos/SP, pertenceu ao jornalista Francisco Azevedo (criador da coluna Porto & Mar do jornal santista A Tribuna), e foi cedido a Novo Milênio para digitalização, em maio de 2010, através da bibliotecária Bettina Maura Nogueira de Sá, sendo em seguida transferido para o acervo da Fundação Arquivo e Memória de Santos. Assim, Novo Milênio apresenta nestas páginas a primeira edição digital integral da obra (ortografia atualizada nesta transcrição) - páginas 137 a 144:

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Docas de Santos

Suas origens, lutas e realizações

Helio Lobo

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SEGUNDA PARTE (1896-1905)

Capítulo XX

Café. Energia elétrica

Foi ainda nesse decênio que se viu a Companhia ameaçada de tarifas ferroviárias, que lhe desviassem o café para o Rio de Janeiro; teve resolvida a seu favor a questão que, sobre sua constituição social, lhe moveu um dos primitivos sócios; e obteve as autorizações necessárias ao aproveitamento das quedas d'água vizinhas, para necessidade de seus serviços.

Vinha se preocupando ela, de longa data, quanto aos armazéns gerais e outros aspectos, com o principal produto de saída, o café, tendo mesmo seus diretores instituído em Londres uma companhia, a Motta's Brazilian Coffee Co., para aumento do consumo. Lê-se no Relatorio da Diretoria, 1900:

Compenetrada esta diretoria de que a crise que ameaça a lavoura de café, para ser debelada, precisa do concurso de todos os que a ela estão ligados, preocupou-se, em tempo, com a construção de armazéns servidos por trilhos da mesma bitola dos da São Paulo Railway, de modo a receber nesses armazéns, diretamente dos vagões, o café consignado às casas que aí fazem os seus depósitos.

Com essa instalação, não só se consegue evitar a despesa do carreto em carroças, da estação da estrada de ferro para os armazéns dos comissários, como evitar-se o prejuízo ocasionado pela descarga na estação, carga e trânsito na carroça.

Para conseguir esse melhoramento e economia no serviço do café, não poupou esforços e sacrifícios esta Companhia, que só aguarda que essas vantagens sejam reconhecidas por todos os intermediários do café, em Santos, para construir mais armazéns, de modo a poder acolher ali em condições excepcionais de facilidade e barateza o café que demandar o porto de Santos.

Com os meios de que já dispõe a Companhia, podemos sempre dar vazão ao serviço de carga do café, em condições normais, qualquer que seja a sua quantidade, como aconteceu com os grandes embarques do ano findo.

O serviço de imigrantes, que já era, quanto ao recebimento da bagagem, todo feito no cais, onde com o nosso pessoal a retiramos de bordo e carregamos em vagões, que entregamos à São Paulo Railway Company em sua estação, foi agora muito melhorado por indicação do ilustre secretário da Agricultura do Estado, que se entendeu com a nossa Companhia, a fim de serem os imigrantes embarcados no cais em vagões da São Paulo Railway e entregues os vagões por esta Companhia na estação da Estrada de Ferro, cessando assim toda a despesa que, no porto de Santos, fazia o Estado com o recebimento de imigrantes e suas bagagens.

Por este modo, ainda que indiretamente, procura a nossa Companhia concorrer quanto pode para alívio das despesas do café e da recepção de braços para a lavoura.

Aconteceu que, em fins de 1899, por iniciativa do então diretor da Estrada de Ferro Central do Brasil, Alfredo Maia, o Governo Federal pensou reduzir a tarifa nas suas linhas, de modo que o café das zonas Norte de São Paulo demandasse diretamente, para o embarque, o Rio de Janeiro. Nem por inexequível, ainda que a título de experiência, deixou o ensaio de levantar impugnação.

Representou a Associação Comercial de Santos ao secretário da Agricultura do Estado e ao presidente da República contra tal medida, julgada atentatória de suas prerrogativas e contrária mesmo não só aos interesses da via férrea, como às disposições legais existentes. Referindo-se à primeira, assim dizia a segunda:

Além dos argumentos expendidos na aludida representação, cumpre a esta Associação informar-vos que a lei estadual número 30, de 13 de junho de 1892, não permite tão odiosa concessão, a menos que ela não se baseie em alguma cláusula da escritura de transferência da referida estrada, o que não é provável, pois viria patentear até que ponto chegou a imprevidência do Governo do Estado.

Diz a supracitada lei em seu art. 4º:

"O Governo poderá negar a licença requerida para construção de vias férreas somente nos seguintes casos:

"d) Se a linha, por si, ou por entroncamento com outras linhas, transportar cargas para portos de outros Estados".

Diz ainda nos seus artigos 14 e 15:

"Os preços de transporte serão fixados em tarifas aprovadas pela administração, não podendo exceder nas linhas férreas de uma determinada bitola aos mínimos adotados atualmente para as linhas férreas da mesma bitola".

"É vedado às companhias adotarem tarifas de favor, para prejudicar ou favorecer pessoas ou empresas determinadas".

Parece claro que em vista de tais disposições, não pode a administração da Central ferir tão fundo os interesses do nosso mercado, cujos comissários, tendo feito adiantamentos sobre as futuras colheitas, não podem nem devem assistir impassíveis ao desvio das mesmas para outra praça.

Nenhum proveito resulta para a Estrada de tão sensível redução.

Com efeito, pagando outrora uma tonelada cerca de 64$300 (incluindo a diferença cambial e feito o abatimento proporcional à distância) e pagando hoje apenas 20$000, vê-se que há uma diferença para menos de 70%. Ora, sendo a diferença entre a receita e a despesa da Estrada de 10%, é evidente que todo o abatimento que excedê-la redundará em prejuízo da referida Estrada. Acresce ainda que tal medida não deixa de lesar também aos lavradores mineiros, que, decerto, reivindicarão oportunamente os seus direitos.

O ponto de vista contrário era assim exposto no mesmo órgão:

A medida tomada pela administração da Central é a mais acertada. Ela fez o que faria qualquer empresa industrial de caminho de ferro. Se a Central pertencesse a uma companhia inglesa, como esteve em caminho de pertencer, essa talvez fosse mais ousada na aplicação da tarifa especial.

Pelo que mostramos acima, o transporte de uma tonelada de café de São Paulo é mais barato 3$726 para Santos do que para o Rio. Se, portanto, apesar disso, os fazendeiros quiserem remeter para aqui o seu café, é porque acharão aqui outras condições que lhes compensem os prejuízos nessa despesa.

O ponto de vista da Central é meramente industrial: aproveitar seu movimento de retorno para trazer carga, ganhando qualquer coisa. Só o que ela não deve fazer é procurar prejuízos.

E já que estamos numa época em que a cultura co café tão grande golpe sofreu, só pode merecer simpatia dos agricultores, favorecidos pela tarifa especial, uma medida que lhes abre, talvez, probabilidades de recursos novos
[76].

Para os órgãos locais estavam ameaçados os interesses paulistas, fazendo eles, então, causa comum com a empresa contra o inimigo de fora. Mas a questão morreu logo depois. Escrevera, com efeito, o Diario de Santos (22 de outubro de 1899):

Quem conhece um pouco a marcha que tem seguido o desenvolvimento de São Paulo, criando gradativamente suas fontes de riqueza; vencendo com excepcional coragem e resignação as grandes crises, como em 1883 – na memorável baixa de café; em 1888 – na violenta comoção pela lei de 13 de maio; atraindo abundante colonização a custo de enormes sacrifícios; ramificando em todos os sentidos suas estradas de rodagem e vias férreas; desenvolvendo sua instrução pública; saneando suas cidades; estimulando a realização da mais bela obra hidráulica do Brasil no porto de Santos… quem conhece um pouco o espírito deste povo não poderá pensar que São Paulo se teria aparelhado com tantos elementos de prosperidade, esperando que um dia baixasse do Governo Central a clemência de uma generosidade, oferecendo-lhe meio barato para ir pedir hospitalidade aos armazéns da Rua Municipal e dos Beneditinos para os produtos de sua indústria agrícola.

Era indispensável à empresa que se utilizasse das quedas d'água vizinhas para o serviço de suas instalações. Assim, o decreto número 4.088, de 22 de julho de 1901, concedeu-lhe autorização para utilizar a força do Rio Jurubatuba e seus afluentes; e, verificada a impossibilidade disto para os fins visados – luz e força motora -, segundo sua expressão literal, estendeu o decreto número 4.235, de 11 de novembro de 1901, essa concessão aos rios que os respectivos estudos demonstrassem "convenientes à transformação em luz e força elétrica motora nas oficinas e serviços do cais de Santos", conforme ainda expressão textual.

A concessão vai criticar-se no Senado, como um tentáculo de polvo, para benefício injustificado, mas a verdade era que, tendo afinal os estudos com o Governo [77].

Referia-se pormenorizadamente o Relatorio de 1903, a essa preferência:

Tendo sido adquirida a fazenda dos Pelaes, onde existem vários cursos d'água aproveitáveis para a potência hidráulica e sua transformação em energia elétrica, iniciou-se em maio o estudo do Rio Itatinga, depois de já se ter examinado o Cubatão, o Jacutinga, o Quilombo, o Jurubatuba e o Jacareguava, dos quais apenas o Jurubatuba foi explorado, tendo-se-lhe medido o volume d'água e feito a planta geral.

O Rio Itatinga, apesar da distância em que se acha de Santos, tem proporções vantajosas para o fim a que se lhe quer destinar. Por enquanto a extensão da linha de postes é desconhecida, mas já está demonstrada preferência por Itatinga, aí se localizariam as instalações, visando apenas as necessidades da empresa. O excedente seria empregado de acordo sento estudada.

Da fazenda dos Pelaes à margem esquerda do Rio Itapanhaú, que aí forma braço de mar e deságua no canal da Bertioga, correram-se oito poligonais, parte para se obter comunicação entre diversos pontos e outra parte em estudos de terreno.

Abriram-se picadas na extensão de quase 25 quilômetros. Fez-se a medição de água em época de mínimas. A planta de toda a zona estudada foi feita na escala de 1/200, 1/100 e 1/10, dos detalhes da represa, do canal, da câmara d'água, divisor e das comportas etc.

A queda total é de 651 metros e o volume de 3.000 litros por segundo, tendo assim uma potência absoluta de

651 x 3.00 = 26.000 HP
     75

Foram concluídos os trabalhos de campo, estando apenas em estudos a linha de postes, tendo esta de atravessar o canal da Bertioga, próximo ao Morro de Cabrão, indo daí à frente do segundo Outeirinho, onde se fará a travessia aérea por meio de dois mastros de ferro em treliça sobre base de alvenaria, de modo a dar passagem, em maré cheia, aos navios de mastros mais altos.

Do exame feito na bacia do Rio Itatinga resulta a facilidade relativa em aumentar-se consideravelmente a potência hidráulica desse rio. Esta bacia está situada além da serra e a linha de divisa de águas com afluentes do Tietê compreende uma vasta área, onde nascem diversos riachos que formam o Itatinga. Este rompe a serra em abertura relativamente estreita (mais ou menos 50 metros) com paredes de rocha quase a prumo e de mais de cem metros de altura.

Foi também no decênio que se negou provimento final à ação de um dos sócios da primitiva empresa. Tendo João Gomes Ribeiro de Avellar falecido a 9 de novembro de 1890, desistiu a viúva, por si e por seus filhos menores, de continuar na sociedade, recebendo o capital com que seu marido concorrera para esta, mais os juros de 6%, tudo conforme a cláusula 9ª do contrato.

Segundo essa mesma cláusula, a sociedade continuaria entre os outros e, ocorrendo o falecimento antes da execução completa das obras, não caberia aos herdeiros mais que essa parte, se não desejassem continuar na firma.

Substituídos depois, Gaffrée Guinle & C. pela Companhia docas de Santos, os herdeiros de Avellar propuseram ação judicial para lhes ser restituída a parte do exato valor da concessão e juros, tudo avaliado por eles em 8.000 contos de reis. Por acórdão da Câmara Comercial do Tribunal Civil e Comercial do Rio de Janeiro, foi julgada improcedente a ação e condenada a autora nas custas. Depois de longas considerações, todas favoráveis aos réus, terminava assim a sentença:

Legítimos donos da concessão, como primitivos concessionários, em parte, e ao depois sucessores dos demais por desistências e transferências que lhes foram feitas, os réus Gaffrée e Guinle podiam validamente alienar esta concessão, transferindo-a à Companhia Docas de Santos, e contra esta, também, pelo exposto, se conclui que não procede a ação.

Acórdão, pois, em Câmara Comercial em julgar, como julgam, improcedente a ação e condenam os autores nas custas. Rio, 22 de outubro de 1904. Celso Guimarães. – Enéas Galvão. – Montenegro: Votei no sentido de serem os autores declarados carecedores da ação intentada, em face da escritura de quitação e desistência, formalmente ratificada pela sobrepartilha amigável a requerimento dos próprios autores, homologada por acórdão.

Sucessores e desinteressados pela supradita escritura, da firma ré, especialmente constituída para a execução do contrato autorizado pelo decreto número 9.979, de 1888, falta aos autores legítima qualidade para repetirem pagamento que têm em si e entre eles foi repartido como a quota líquida do ex-sócio, de quem são representantes, jamais posta em dúvida, antes aprovada, e judicialmente verificada para os fins da partilha, na forma convencionada e preestabelecida na cláusula 9ª do contrato social.

Desinteressados da firma ré, dissolvida ipso jure pela morte do ex-sócio e para os seus herdeiros definitiva e irrevogavelmente liquidada (Cod. Do Com., art. 444), carecem outrossim os autores de qualidade para demandarem a ré, Companhia Docas de Santos, associação anônima cessionária do ativo; bens e direitos da extinta firma, legalmente constituída e publicada a sua constituição sem que aparecesse dúvida ou contestação, e sem responsabilidade nos atos da sua fundação, por outros encargos, somas ou contratos que os mencionados no prospecto para a subscrição do capital, exibidos na assembleia geral constituinte para o registro na Junta Comercial (decreto número 434, de 1891, artigos 6º e 91).

Nabuco de Abreu: Votei de acordo com os fundamentos do voto do dr. Montenegro [78].

Por último, e ainda nessa década, construiu a empresa, por iniciativa oficial, sua matriz no Rio de Janeiro. A fachada, a cessão do terreno, as isenções de direitos, para esse edifício, situado à Avenida Central, recém-inaugurada, esquina da Rua Theophilo Ottoni, iam ser objeto de oposição, vendo certa imprensa nisso favores suntuários, de difícil explicação, apesar de, pelo decreto número 5.304, de 6 de setembro de 1904, tratar-se apenas de usufruto pelo prazo da concessão, entrando a renda para o capital do cais.

Eduardo P. Guinle, além desse edifício, e de outros com que ia concorrer para o embelezamento da principal via pública carioca – Palace Hotel, Theatro Phenix, o prédio da sua firma de eletricidade ainda na então Avenida Central, número 1909 (Companhia Brasileira de Energia Elétrica -, inaugurava outras iniciativas para emprego de seus haveres, em benefício da circulação da riqueza e da utilidade geral.

Lauro Müller já encarava a construção do porto do Rio de Janeiro, a aplicação elétrica às necessidades industriais e outros melhoramentos da capital da República, a qual, também com Paulo de Frontin, Pereira Passos e Oswaldo Cruz, sob a presidência Rodrigues Alves, ia ter seus maiores realizadores.

Era época das reformas urbanas, e também do aparecimento do jornalismo de sensação, dando vazão editorialmente, numa linguagem desusada até então, ao que, de modo atenuado, enchia a parte paga dos jornais e cujo alvo estava nos interesses da riqueza, no ataque impiedoso, brutal, às personalidades oficiais, na crítica ao capital sobretudo estrangeiro.

Pretendia admissão no Brasil a Light & Power, e a campanha a favor e contra ocupou o frontispício dos jornais. A esse tempo, Gaffrée & Guinle pretenderam o fornecimento de energia elétrica à capital do país. É de ver-se o debate que isso despertou, noticiando-se o indeferimento, primeiro, e a aceitação, depois, do requerimento da companhia canadense, executora do serviço.

Imperialismo americano, apresentação de credenciais do primeiro embaixador dos Estados Unidos da América, preferências de firmas e capitais brasileiros, tudo veio à discussão. Até o comparecimento do presidente Rodrigues Alves, seu ministro da Viação Lauro Müller, o prefeito Passos, a pedido da Light, para inauguração da iluminação da grande avenida, foi interpelado como preito de vassalagem ao ouro americano.

As iniciativas dos dois industriais brasileiros, a construção da matriz, chamaram ainda mais a atenção para a empresa em Santos, em debates e retaliações que, iniciadas em 1905, se prolongariam pelos anos seguintes. Esta comunicação de Gaffrée & Guinle era explicativa (Jornal do Commercio, 27 de março de 1905):

Desde muitos anos tínhamos o projeto de nos ocupar de eletricidade, trazendo-a à Capital Federal e, nesse propósito, adquirimos em 1889 uma das maiores cascatas existentes no Estado do Rio, a de Paquequer.

Nessa época começamos a construção do cais de Santos, o que nos obrigou a adiar tal projeto.

Como diretores que somos do cais de Santos, e com o fim de dotá-lo de todos os melhoramentos modernos, mandamos estudar a aplicação da energia hidrelétrica ali.

Em 1901, fomos autorizados por decreto a procurar nos rios da Serra de Santos a energia de que precisávamos.

Em 1902, pedimos ao Governo a fixação do Rio Itatinga, para dele trazermos a energia necessária ao serviço das Docas de Santos.

Esses estudos nos trouxeram a convicção de não ser mais possível demorar a resolução de trazer eletricidade à Capital Federal.

A par do estudo técnico, fez o distinto advogado da Companhia Docas de Santos, dr. J. X. Carvalho de Mendonça, o estudo jurídico da questão e declarou-nos que não tínhamos leis sobre o assunto e que, antes de tudo, era preciso decretá-las.

Só em 1903 votou o Congresso lei sobre as concessões para aproveitamento da energia hidroelétrica e somente em dezembro de 1904 regulamentou o Governo essa lei.

É certo, porém, que muito antes disso, mesmo antes de ter aparecido em São Paulo a Light & Power, já nos ocupávamos de semelhante assunto.

Ainda é certo que consultamos por circular aos industriais do Rio de Janeiro, se aceitariam a energia elétrica em substituição do vapor, se fosse deferida a nossa proposta antes da publicação do decreto que regulamentou a lei de 31 de dezembro de 1903.

Adiante:

Todo o Rio de Janeiro sabe que em princípio de 1905 os engenheiros Aschoff & Guinle compraram a casa de eletricidade que nessa cidade tinha o sr. James Mitchell.

Em maio de 1904, partindo para os Estados Unidos da América do Norte, o dr. Eduardo Guinle, chefe da casa Guinle & C., teve de contestar pela imprensa que houvesse qualquer ligação entre o sr. James Mitchell e a casa Guinle & C., como deram a entender notícias inseridas em jornais do dia.

Nos Estados Unidos, o engenheiro Eduardo Guinle, e aqui a nossa firma, foram em tempo procurados pelos srs. Mitchell e Pearson, a fim de tratarem do negócio de eletricidade no Rio de Janeiro, sobre bases propostas por esses srs. e que não foram aceitas por inconvenientes.

Muito antes disso, pedimos ao Governo autorização para trazer energia elétrica do Rio Paraíba à Capital Federal e então demonstramos ao Governo as grandes vantagens resultantes para o nosso país do fornecimento a baixo preço da energia hidroelétrica, o que permitiria o desenvolvimento material de que tanto precisamos.

Sofriam, assim, as Docas, por tabela. Para uns, a Light & Power não era mais do que aquilo de que se acusava a empresa de Santos, "um polvo, a cuja voracidade inextinguível não bastam favores nem concessões, porque acha que é manjar melhor o decoro, a dignidade do Governo"; ao passo que para outros a defesa da prorrogação do prazo de serviços, explorados pelas linhas carris, já em poder da Light & Power, lembrava,no cais de Santos, a dilatação da concessão para 90 anos [79]; enquanto para terceiros a virtude residia no meio termo, pois, monopólio por monopólio, os dos srs. Gaffrée & Guinle eram tão condenáveis como o da Light & Power [80].

Choviam as verrinas, ia a versalhada caluniosa para os ineditoriais, Candido Gaffrée continuava cada vez mais, para certa imprensa, a ser o homem diante do qual tudo se curvava
[81]. Mas o assunto sai dos limites deste estudo, só nos interessando no que acaso se refere à empresa de Santos.

O correspondente do Estado de São Paulo no Rio de Janeiro, acentuando que as múltiplas e públicas atividades de Gaffrée & Guinle ficavam, por isso mesmo, alvo de ambições e invectivas, em contraste com a de outros ricos, possuidores de apólices e explorando silenciosamente seu pecúlio, punha com espírito as coisas no seu lugar:

O sr. Gaffrée foi apontado como dono da Central, do sr. Osorio de Almeida, do Club de Engenharia, do dr. Lauro Müller, da bancada rio-grandense – que sei eu? Era natural que, nessas condições, s.s. estivesse a estas horas senhor do Brasil quase inteiro. Não está!

O sr. Guinle precisa aplicar lucrativamente os seus grossos cabedais. Faz trinta e tantas casas na Rua Roso, compra prédios, levanta quatro ou cinco palácios na Avenida, está para construir um teatro e há quem o queira levar a fazer um grande hotel no fim da Avenida, esquina da Avenida Beira Mar.

É isto um crime? Não. É muito preferível esta iniciativa, que embeleza a cidade e lhe dá mais condições de vida culta, à pacata ruminação dos juros de capitais em usura.

Fizeram ambos as Docas de Santos – uma grande obra; mas ninguém lhes agradece coisa alguma, porque são evidente e ostensivamente ricos! Só por isso!

O sr. barão de Itacurussá também é milionário e não é detestado. Por quê? Nada mais simples: tem casas, tem apólices e tem dinheiro. Tudo isso lhe dá rendas consideráveis e o torna um dos protótipos do nosso homem "que tem o que perder". Falta-lhe a ação e o espírito dos empreendedores. É conservador.

O que fere a massa é a iniciativa que se prevê fecunda em ganhos. O que acautela os ricaços contra a malquerença é a falta de atritos, peculiar ao seu feitio conservador.

Adiante:

A riqueza tem, como tudo, os seus contras. Às vezes o rico é infeliz somente por que tem fortuna sabida. O caso dos srs. Guinle e Gaffrée não é outro. Queiram ou não, têm de se encontrar frequentemente na situação do holandês que pagava o mal que não fizera.

Ainda há dois dias correu que o sr. dr. José Carlos Rodrigues ia vender o Jornal do Commercio. Nada mais natural que s.s. vender a folha que há dezesseis anos comprou. O conselheiro Leonardo, que ali se fizera, acabou por passar adiante o grande órgão. Por que não há de fazer o mesmo o dr. Rodrigues? Sabe-se, todavia, que s.s. não tem a sua empresa à venda. Nem era de crer que tais disposições tivesse quem anda a levantar uma casa enorme e grandiosa para o Jornal.

Pois bem, sabem quem é o suposto comprador? Gaffrée!

Ontem à tarde corria e à noite com maior insistência se afirmava que o negócio estava feito e alguém houve que espalhou que o sr. Gaffrée já dera o sinal – um sinal e tanto! – com o depósito de novecentos contos de reis no Banco do Brasil.

Pura invencionice! O dr. Rodrigues não vende o Jornal e o sr. Gaffrée não o compra; mas como a firma Gaffrée & Guinle não pode estar sossegada, já se afirma que a fábrica de gelo de Santa Luzia vai ser, de acordo com um decreto recentíssimo, desapropriada… para que a referida firma construa um colossal hotel, ao qual não oferece espaço bastante o terreno da Avenida para esse destino reservado.

Tudo para os srs. Gaffrée & Guinle! Nada para nós! Eis o que indigna, revolta e exalta os zelosos guardas do Interesse Público
[82].

Imagem: reprodução parcial da página 137


[76] No Jornal do Commercio, 2 e 10 de outubro de 1899.

[77] Decreto número 6.139, de 11 de setembro de 1906. O presidente da República dos Estados Unidos do Brasil, atendendo ao que requereu a Companhia Docas de Santos, decreta:

Artigo único. Ficam aprovados os estudos apresentados pela Companhia Docas de Santos para a instalação hidrelétrica, que, segundo o disposto nos decretos números 4.088 e 4.235, de 22 de julho e 11 de novembro de 1901, tem de levar a efeito no lugar denominado Itatinga, de conformidade com as plantas que com este baixam devidamente rubricadas. Rio de Janeiro, 11 de setembro de 1906, 18º da República. Francisco de Paula Rodrigues Alves. – Lauro Severiano Müller.

[78] Acórdão da Câmara Comercial do Tribunal Civil e Criminal, Jornal do Commercio, 24 de janeiro de 1905.

[79] "Não há quem não desconheça a grandeza das Docas de Santos, obra majestosa, de indiscutível e proclamada utilidade, a que estão nobre e indissoluvelmente ligados os nomes dos srs. Gaffrée & Guinle; mas não há também quem lhes desconheça a história escrita nas coleções das nossas leis e não saiba que o contrato atual se parece tanto com o que foi celebrado em consequência da concorrência aberta para a construção dessa obra, como oito com oitenta, tais foram as sucessivas modificações pedidas e obtidas pelos concessionários". O Paiz, 12 de maio de 1906.

[80] "Esta questão é da máxima importância. Os princípios gerais destas concessões não deviam depender de leis sorrateiras nas caudas dos orçamentos. Não nos ocupamos dos interesses atuais dos que desejam estabelecer este serviço na Capital Federal. A força hidráulica para criação da energia elétrica está na sua infância mesmo nos países mais adiantados, e entre nós, nesta vasta extensão de território, com este magnífico conjunto de rios caudalosos que temos, tudo está ainda por criar nessa indústria. O monopólio dos srs. Gaffrée & Guinle é tanto para ser temido como o da Companhia Americana, ou de uma junção dos dois, ou de outros quaisquer. Queremos o campo livre a todos, nacionais e estrangeiros". Jornal do Commercio, 28 de março de 1905.

[81] "Enfoncé Santos Dumont! Apresse-se o sr. Eduardo Victorino a fazer uma outra marcha em honra do sr. Candido Gaffrée – o brasileiro. Afinal o Santos Dumont apenas descobriu a direção dos balões, mas as outras grandes descobertas da humanidade a quem são devidas? Quem descobriu a eletricidade? Gaffrée, o brasileiro… Quem descobriu as Docas? Gaffrée, o brasileiro… Quem descobriu a cidade de Santos? Gaffrée, o brasileiro… Quem descobriu a pólvora? Gaffrée, o brasileiro… Quem descobriu o Banco da República? Gaffrée, o brasileiro… Quem descobriu a Avenida? Gaffrée, o brasileiro"… No Jornal do Commercio, 28 de março de 1905.

[82] Cartas do Rio – Estado de São Paulo, 21 de dezembro de 1906.