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BAIXADA SANTISTA - LIVROS - Docas de Santos
Capítulo 21

Clique aqui para ir ao índicePublicada em 1936 pela Typographia do Jornal do Commercio - Rodrigues & C., do Rio de Janeiro - mesma cidade onde tinha sede a então poderosa Companhia Docas de Santos (CDS), que construiu o porto de Santos e empresta seu nome ao título, esta obra de Helio Lobo, em 700 páginas, tem como título Docas de Santos - Suas Origens, Lutas e Realizações.

O exemplar pertencente à Biblioteca Pública Alberto Sousa, de Santos/SP, pertenceu ao jornalista Francisco Azevedo (criador da coluna Porto & Mar do jornal santista A Tribuna), e foi cedido a Novo Milênio para digitalização, em maio de 2010, através da bibliotecária Bettina Maura Nogueira de Sá, sendo em seguida transferido para o acervo da Fundação Arquivo e Memória de Santos. Assim, Novo Milênio apresenta nestas páginas a primeira edição digital integral da obra (ortografia atualizada nesta transcrição) - páginas 144 a 152:

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Docas de Santos

Suas origens, lutas e realizações

Helio Lobo

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SEGUNDA PARTE (1896-1905)

Capítulo XXI

Fé de ofício de outro decênio

Empresa já vitoriosa, tendo diante de si futuro compensador, a Companhia Docas de Santos consolidava-se de todos esses tropeços com a segurança de que levantava um monumento portuário digno de São Paulo e do Brasil, não igualado então por nenhum outro de nossa imensa costa.

Manifestações oficiais e outras não faltam a respeito, no decênio em estudo.

Propulsionava a administração federal, tomando Santos como modelo e estímulo, a construção de outros portos, mas nenhum como aquele, fruto da lei de 1869, sem ônus para o Tesouro, construído com capitais e engenheiros nacionais e, o que não é menos relevante, em constante progresso material.

Dez anos antes, uma discussão entre dois grandes órgãos da imprensa no Rio de Janeiro e em São Paulo acentuara o contraste, que desde então não sofrera alteração. Havia, de fato, escrito o Jornal do Commercio (14 de junho de 1896):

No Relatorio do sr. ministro da Indústria consigna este ilustre secretário de Estado em 22 linhas tudo o que realmente há a dizer sobre o nosso porto do Rio de Janeiro, o primeiro da América do Sul quanto a condições naturais. Não há nem estudos, não há dinheiro nem para a fiscalização – é o que diz o ministro.

Pernambuco é mais feliz: ocupa uma página e meia do Relatório, onde se vê que se despenderam com as obras do porto 317:500$000, e que há um crédito de 1:744$000 para dragagem etc.

Os insaciáveis paulistas ainda mais felizes são. Bem diz o ministro que "o estado atual dos trabalhos (das Docas de Santos) já permite efetuar-se o comércio importador e exportador de Santos em condições de facilidade superiores às de todos os outros portos da República".

Não é de admirar que, com a descrição dos vários serviços, o porto de Santos ocupe onze páginas do Relatório.

Perguntamos agora: que fazem na Câmara dos Deputados as deputações fluminense e mineira, que tão interessadas deviam ser pelo melhoramento de nosso porto?

O Rio de Janeiro tem sido particularmente infeliz nestes assuntos. Todos lhe tiram alguma coisa: ninguém lhe traz nada
[83].

No ano seguinte, 1897, o ministro da Indústria, Viação e Obras Pública, Joaquim Murtinho, lamentava não ter tido maior aplicação a lei de 1869, fato tanto menos explicável quanto a de número 3.314, de 16 de outubro de 1886, facultava, como vimos, uma taxa até 2% sobre a importação, para resgate dos capitais empregados. Defendendo o mínimo da intervenção oficial e o máximo da privada, escrevia:

Um porto cujo comércio, uma estrada de ferro cujo tráfego não podem fornecer renda para os capitais neles empregados, não merecem, uma, ser construída; outro, que se lhe façam melhoramentos.

É de acordo com este princípio e com disposição legislativa que vão ser oferecidos à exploração particular os portos de Pernambuco e do Pará, e que se esperam obter para eles e para o Rio de Janeiro os grandes melhoramentos do porto de Santos, que é uma grande fonte de renda para o seu empresário, um auxílio poderosíssimo para o comércio e para a administração pública, e uma glória para o Brasil.

E, na parte relativa aos portos e canais, consignava o mesmo Relatorio:

Não são poucos os erros e desastres que nos aponta a história dos portos do mundo, ainda nos países das maiores autoridades técnicas. E nem por ser de uma das competências estrangeiras mais consideradas o projeto em execução em um dos nossos, escapa do exemplo de mau resultado.

O próprio arrojo dos nossos exemplares da América do Norte detém-se ante obras desse gênero. O estudo dos melhoramentos para New York levou anos, assim como de tantos outros projetos hão sido submetidos a demorados estudos. A França, a Inglaterra, Portugal, Espanha, Alemanha, Áustria, Itália, só depois de madura reflexão e longa coleta de dados se lançam à execução das obras. É da natureza dessas obras um estudo demorado, sob pena de ficarem aleatórios os planos.

Adiante:

Três dos nossos portos mais importantes tiveram já estudos feitos por tempo reputado suficiente para os projetos – Recife, Santos e Rio Grande do Sul.

Os dois últimos acham-se em via de execução, um por contrato e outro por administração, com bom resultado; o primeiro fazendo todos os serviços denominados de docas e o segundo oferecendo à navegação entrada franca a embarcações de perto de seis metros de calado.

No do Recife, dotado de meios de trabalho no decurso do último ano, efetuam-se serviços de conservação no ancoradouro, da mais alta necessidade e urgência pelo abandono em que, por força do contrato, ora caduco, esteve por anos consecutivos a deteriorar-se pela acumulação de detritos e redução da profundidade. Logo que fiquem concluídos os estudos, a que se procede, para abertura da concorrência pública à execução das obras ali projetadas, deve ele novamente ser cometido à exploração particular.

Igual concorrência deve brevemente abrir-se para as obras no porto de Belém do Pará, tendo por base os estudos de que ali esteve encarregado o engenheiro Saboia e Silva.

Com essa política portuária se comprazia a empresa de Santos. O Relatório da Diretoria de 1903 disse especialmente com referência ao Rio de Janeiro, cuja construção se facilitava com os 2% ouro sobre a importação:

Esta diretoria, que sempre tem acompanhado com interesse as tentativas de melhoramento de outros portos da República, exulta de contentamento ao ver entrarem em via de execução as obras e melhoramentos da cidade do Rio de Janeiro, que tiveram começo efetivo, pelas inaugurações da Grande Avenida, em 7 de março, e da dragagem do porto, a 29 de março próximo passado.

Em relação a melhoramentos materiais, nada era tão necessário ao progresso do nosso grande país como o saneamento desse porto e o embelezamento de sua Capital.

Esse objetivo está obtido, pois, inauguradas as obras e garantidos, como estão, os recursos para a sua execução, nada as poderá deter, podendo os habitantes desta grande cidade considerá-la saneada e aparelhado o seu porto para o grande desenvolvimento que o nosso país vai ter.

Para a nossa Companhia, que executa e explora as obras do porto de Santos, só advirão vantagens em que o principal porto da República esteja aparelhado como o nosso, de modo a normalizar o movimento de ambos, mantendo cada um a sua zona e conseguindo para seu comércio, indústria e navegação todas as vantagens que daí devem advir.

No ano de 1898, assim se exprimiu no seu Relatório o dr. Sebastião de Lacerda, ministro da Viação, Comércio e Obras Públicas:

Salientando-se dos demais portos da República, o de Santos, entregue à iniciativa particular, constitui hoje o porto melhor aparelhado para as necessidades do comércio do nosso país.

É um exemplo prático dessa sábia lei de 13 de outubro de 1869 que estabeleceu regras e preceitos para a execução de tais melhoramentos; e que, seguido nos outros portos, traria grandes vantagens para os interesses gerais da Nação, especialmente para os que mais vinculados se acham à boa e exata arrecadação das rendas aduaneiras.

Desde seu início, em 1889, têm sido as obras até hoje continuadas com zelo e atividade pela empresa que as tomou a si, apesar das inúmeras dificuldades que se opõem a trabalhos de tão grande importância.

E o ano de 1897 é uma prova evidente e clara de que, à medida que se vão desenvolvendo os trabalhos, maior atividade manifesta a empresa em sua execução
[84].

Em 1899, enquanto o ministro da Fazenda salientou, referindo-se às Docas de Santos, "as vantagens de uma tal instituição em benefício do comércio e do fisco federal", o da Indústria, Viação e Obras Públicas, Alfredo Maia, escreveu:

Prosseguiram as obras no ano 1899 com a mesma atividade dos anos anteriores, não obstante a anormalidade de todos os serviços produzida pela epidemia que ali apareceu.

A própria adversária tradicional fazia, então, pausa, estampando estas palavras enfáticas (Tribuna, Santos, 28 de julho de 1899):

Não raro,a impertinência indígena clama contra "a prepotência da Companhia Ingleza", contra "os abusos da caprichosa Companhia Docas".

Entretanto, foi o inglês quem primeiro ousou tentar a via férrea entre nós, naqueles atrasados tempos, em os quais a locomotiva era para o sertanejo um monstro esmagador de suas clássicas tropas e de seus adorados carros de boi.

Foi o inglês que, compreendendo a visão nítida de um homem de gênio, um dos brasileiros mais ilustres, o barão de Mauá, arrostando com dificuldades de todo o gênero, e, depois de serem as empresas aqui vãmente oferecidas, ele, o inglês, conseguiu subscrevê-las todas, ou a maior parte, com o capital amarelo e sonante da Inglaterra, ousada e prática.

E, desta vez, é o cérebro brasileiro que concebe, que planeia, é o braço brasileiro que executa, firme, cônscio da vitória, superior e grande, diante das dificuldades, audaz e confiante no resultado; desta vez é a Companhia Docas de Santos, que levou o mar ao interior, que trouxe ao mar os murmúrios solenes da mata virgem.

E é de ver aquele colosso, com suas máquinas poderosas, como que inteligentes, como que conscientes do seu valor e da sua utilidade, com seus guindastes de ferro, de longos braços, distribuindo carícias da terra sobre o mar a afagar as naus potentes, provindas de todos os pontos do globo, como que a dar sobre essas naus, em atenção a essas bandeiras amigas, que nos vêm visitar e conosco comerciar, como que a dar, dizemos, amplexos confraternizadores.

Escreveu, também, a esse tempo, de Montevidéu, o cônsul geral do Brasil (Diario Official, 26 de novembro de 1899):

Os navios estrangeiros, aos quais aludo, procedem da Europa e da América do Norte, com destino ao Rio da Prata; mas, há ocasiões, como na atualidade, que, excetuados os paquetes de linhas regulares, faltam navios para o transporte de produtos destinados aos mercados que contam com este suprimento e avizinha-se talvez uma crise de transportes marítimos, pela desmarcada elevação dos fretes, encarecendo o preço da mercadoria.

Não obstante, as grandes companhias, como a Royal Mail, alargam no Brasil a esfera de suas operações, fazendo tocar alternativamente em Santos um dos seus vapores, todos os meses.

A importância daquela praça comercial e o valor de suas transações constituem incentivos à permanência desta medida; mas é justo reconhecer e proclamar que a facilidade e segurança que oferecem as importantíssimas construções da Companhia Docas de Santos, permitindo a maior comodidade nas operações de carga e descarga, em todas as horas úteis e em todas as marés, é por sua vez condição de êxito e, no seu duplo caráter de obra hidráulica e de saneamento, representa um benefício incalculável, não só à cidade de Santos, mas ao Estado de São Paulo a que pertence esse opulento interporto comercial.

O porto de Santos está na posição de competir com os melhores conhecidos, sem as contingências que soem oferecer os mais afamados do Rio da Prata, varando frequentemente os navios na saída.

Em 1900, e tendo ainda Santos por modelo, o ministro da Indústria, Viação e Obras Públicas, pelo seu órgão técnico, apresentou uma exposição sobre o que parecia indispensável executar-se. Era um estudo de cifras sobre a capacidade de rendimento dos nossos principais portos, como apelo e garantia aos capitais suscetíveis de emprego, de acordo com a lei de 1869 e do referido decreto de 1886. E, depois de confessar que a facilidade do alfandegamento dos trapiches constituía grande e perene obstáculo, concluiu:

É urgente tomar providências para terem satisfação as imperiosas necessidades de melhoramento dos nossos portos, sem o qual continuaremos no mesmo atraso e os capitais no mesmo ponto de desânimo a cometimentos da ordem do que transformou, no porto de Santos, a salubridade, o aspecto da cidade, o frete dos navios, a frequência do porto e elevou ao quádruplo a renda da Alfândega nos cinco primeiros anos do seu funcionamento, apesar da crise nossa e do globo [85].

O próprio ministro da Fazenda, Joaquim Murtinho, escreveu de novo no seu Relatorio de 1900, com relação a Santos:

É incontestavelmente este porto o que, por suas condições atuais, melhor serve aos interesses do Fisco Federal e mais corresponde às exigências do comércio e da navegação. De fácil acesso às embarcações de qualquer calado, mede, em sua extensão, só a parte que serve de ancoradouro aos navios, mais de três quilômetros, por mais de um de largura. Sendo dos mais frequentados da República, depois do desta Capital, adquire todos os dias maior importância.

Os melhoramentos, que lhe tem introduzido a Companhia Docas de Santos, para o serviço fiscal a seu cargo, já o colocam em condições de competir com os mais bem aparelhados do exterior.

Iluminado a luz elétrica, para qualquer trabalho à noite, e com uma polícia particular, contra a qual nada há a alegar, seu cais, que já mede 2.200 metros de extensão, possui onze grandes armazéns, munidos cada um de seis guindastes móveis, para arrumação e empilhamento das cargas, e dispõe de duas instalações completas de guindastes hidráulicos, que suspendem, uns o peso de 1.500 quilos, e outros o de cinco mil, além de guindastes a vapor, fixos e móveis, de diversos sistemas: um de vinte toneladas, dois de seis, e um de quatorze, correndo este, que é de locomoção própria, sobre linhas de 1,60 m de bitola, ligadas às da São Paulo Railway Company, em que também trafegam, até à respectiva estação, quatro grandes locomotivas de propriedade e uso diário do mesmo cais, no transporte de mercadorias para o interior do Estado.

Adiante:

Para gêneros inflamáveis, de todas as espécies, tem também este porto armazéns especiais, em seu litoral, em lugar apropriado, na Alamoa, bem como, no lugar denominado Outeirinhos, um depósito para cinco mil toneladas de carvão, com uma ponte de desembarque em dois pavimentos, com trilhos e guindaste a vapor, de três toneladas, tendo ainda, além de aparelhos que lhe permitem fornecer aos navios atracados em qualquer ponto de seu cais, por preço módico, e a qualquer hora, a mais pura água da Serra Paranapiacaba, dois grandes armazéns de pedra e cal, no Valongo, ou no extremo do mesmo cais, cada um com 5.600 metros quadrados, destinados, a seu tempo, a maiores exigências da emissão de warrants, dos armazéns gerais e vendas públicas de mercadorias.

A tão poderosos elementos, que a iniciativa particular facilita ao Governo, nesse porto, juntam-se cautelas extraordinárias, ainda devidas à mesma iniciativa, já para evitar incêndios dos armazéns e depósitos de mercadorias em terra, e a bordo dos navios surtos no porto, já no serviço de dragagem, em frente à muralha do referido cais, nesta área, em cerca de 60 metros de largura, de modo a garantir sempre aí, como tem acontecido, uma profundidade de sete metros, pelo menos, abaixo das águas mínimas.

Um porto assim cuidado, que já dispõe também de um estaleiro para reparações de seu material flutuante, bem como de um corpo de mergulhadores e de uma oficina em serviço efetivo para quaisquer reparações marítimas urgentes, como foi preciso fazê-las no vapor alemão Pernambuco; em que já há projeto estudado de um dique bastante extenso para conter um navio de 120 metros de comprimento, calando 8 metros; e que, tendo sanatórios particulares, como os da Ilha das Palmas, do Rio Branco e Ribeirão Pires, se acha ao abrigo de todos os ventos, é sem contestação um porto de primeira ordem.

Disse Campos Salles na sua mensagem de 1901 ao Congresso:

As grandes vantagens proporcionadas à navegação pela instalação conveniente dos portos, estão postas em brilhante evidência pelas obras realizadas no importante porto de Santos.

O comércio daquela praça começa a colher os largos benefícios desse melhoramento, que facilita a navegação internacional, conseguindo para ali fretes nãoinferiores aos exigidos para esta capital.

Esse fato, em sua eloquência, deve estimular os empreendimentos de obras semelhantes na capital da República.

E o mesmo ministro da Fazenda, Murtinho, renovou a expressão de seu apreço:

A este porto dão a mais justa nomeada as obras de incontestável utilidade pública, levadas a efeito pela Companhia Docas de Santos. Fisco Federa, comércio e navegação já gozam de vantagens extraordinárias. Com uma profundidade de seis a nove e mais metros, está o seu cais perfeitamente aparelhado para elevar ao quádruplo da tonelagem o seu movimento atual.

Em 1902, ainda foi este, na mesma pasta, o depoimento de Joaquim Murtinho:

As obras realizadas neste porto pela Companhia docas de Santos continuam dando-lhe a justa nomeada de porto de primeira ordem, pois é, na realidade, o melhor aparelhado de todos os da República.

Seus onze armazéns de ferro, bem como os dois de pedra, e ainda os dois outros destinados aos gêneros inflamáveis e corrosivos, têm capacidade para comportar o quádruplo da importação atual, podendo operar-se com rapidez e facilidade por eles e pela faixa do cais, não só os serviços de carga e descarga, como os dos transportes de mercadorias para o interior do Estado.

Daí, e de outros melhoramentos introduzidos pela referida Companhia no serviço fiscal a seu cargo, os benefícios que já têm auferido o Fisco Federal, o comércio e a navegação.

Em 1903, exarou o Relatorio do ministro da Fazenda, Leopoldo de Bulhões:

Dispondo de aparelhos os mais aperfeiçoados para seus serviços de carga e descarga, bem como de vastos armazéns para as mercadorias de todas as espécies, de importação como de exportação, continua este porto, que já rivaliza com os mais bem servidos do exterior, a destacar-se dos demais da União, devido às comodidades e vantagens que lhe trouxeram as importantes obras da Companhia Docas de Santos; entre as comodidades figura a da atracação direta ao cais para suas operações às embarcações de qualquer calado; entre as vantagens, a das taxas, reconhecidamente módicas, dos serviços do mesmo cais.

Foi do Relatorio do ministro da Indústria, Viação e Obras Públicas, Lauro Müller, em 1903:

Continuaram a ter regular andamento, durante o ano de 1902, as obras deste porto, o único entre todos os existentes no litoral do nosso país, em que teve aplicação satisfatória a lei número 1.746, de 13 de outubro de 1869.

No começo daquele ano achava-se em plena atividade o fabrico dos blocos destinados à construção do trecho do cais de Paquetá aos Outeirinhos. Foi iniciada essa nova construção, lançando-se o primeiro bloco, um dos mais pesados, no dia 10 de março; e nesse mesmo mês, não obstante tratar-se de serviço inteiramente novo e se ter de pagar o tributo à inexperiência, foram assentados mais 34 blocos, representando um grande volume de alvenaria.

Até à distância de 136,85 m além da extremidade da curva de Paquetá, onde se acha o cais construído, a profundidade junto à muralha não passa de sete metros; considerando, porém, a tendência que atualmente se manifesta no sentido do aumento do calado dos navios modernos, foi autorizada a Companhia pelo decreto número 4.426, de 9 de junho de 1902, a elevar aquela profundidade a oito metros, segundo o perfil aprovado.

Este resultado foi obtido rebaixando-se a superfície superior do enrocamento básico e colocando-se em seu lugar mais uma fiada de blocos de altura de 1,50 m, ficando com esta modificação a superfície do enrocamento apenas 0,50 m acima do fundo do porto.

Foi do mesmo ministro, no seu Relatorio de 1904:

Prosseguiram com regularidade, durante o ano findo, as obras a cargo da Companhia Docas de Santos, em virtude do decreto número 9.979, de 12 de julho de 1888.

O porto de Santos, o mais bem aparelhado da República, devido às obras importantes que estão sendo levadas a efeito por empresa nacional, sob a direção de engenheiros brasileiros, oferece já grandes facilidades ao comércio do Estado de São Paulo, tendo em tráfego uma linha de cais com o desenvolvimento de 2.141 metros, desde o Valongo até Paquetá.

Ao longo desse cais estão construídos 12 armazéns de ferro; dois outros de alvenaria, no Valongo, são destinados a depósito de café e dois outros menores, na Alamoa, lugar afastado do centro da cidade, servem para depósito de explosivos e inflamáveis.

A área total coberta pelos armazéns e pátios contíguos é aproximadamente de 39.000 metros quadrados.

No serviço de carga e descarga são empregados 31 guindastes hidráulicos e um a vapor, destinado a cargas de 30 toneladas de peso.

Todo o trecho do cais em tráfego está calçado a paralelepípedos, dotado de iluminação elétrica e provido de água para o abastecimento das embarcações.

Por último, o Jornal do Commercio (10 de agosto de 1906):

O porto de Santos foi visitado ultimamente, em dias aproximados, pelo presidente eleito da República e pelos srs. E. Root e Lloyd Griscom, embaixador americano.

Como era de esperar, os três ilustres viajantes tiveram do famoso empório comercial e das obras que o engrandeceram uma funda impressão. O entusiasmo com que a exprimiram é, aliás, o de todas as pessoas que ali aportam e que não cessam de admirar a energia e capacidade dos brasileiros que levantaram financeira e profissionalmente aquele monumento de trabalho.

O sr. conselheiro Penna só visitou o cais em construção, deixando de visitar a parte em tráfego por ser domingo e estar a Alfândega fechada. À vista do conjunto, porém, levou s. ex. a dizer que aquela obra era um "majestoso pórtico do templo do trabalho do Estado de São Paulo".

O sr. Root não viu as obras em andamento; tomou o trem junto ao cais e de marcha para São Paulo percorreu-o em grande extensão.

Quando, porém, foi recebido pela Associação Comercial, disse que se "congratulava com a cidade de Santos por ser o mais importante empório de café do mundo e também pelo seu rápido e maravilhoso progresso, que lhe permitia apresentar um cais digno de admiração e em virtude do qual a cidade tinha conseguido manter até agora um estado sanitário que tornava o seu porto acessível a todos os navios e a todas as nacionalidades".

Na Câmara Municipal escreveu s. ex. no livro competente: "Com os bons desejos de todo o meu país ao grande porto e cidade de Santos que estou visitando antes da minha partida".

O sr. embaixador Lloyd Griscom deixou escritas estas palavras: "Tenho satisfação em exprimir aqui a grande admiração que sinto pelo belo porto de Santos".

Em polêmica com o Governo Federal sobre isenção de direitos, na véspera de solicitar nova prorrogação de prazo, tendo que enfrentar no Senado Federal, desde 1906, adversário que não daria quartel, a Companhia Docas de Santos, lembrando-se dos "dias amargos" de 1896 e 1897 [86], não conhecia desânimo. O último Relatorio de sua diretoria tinha-se expressado desta maneira:

Esta diretoria e todos os chefes de serviço se esforçam sempre para bem executar o serviço público a cargo da nossa Companhia, melhorando-o sempre pela adoção de novos elementos de progresso, de modo que o porto de Santos não passe para a retaguarda de outros portos que no nosso país e nas Repúblicas Argentina e do Uruguai estão sendo ou vão ser melhorados.

Temos esperanças de conseguir esse desideratum, se forem removidas pelo Governo as dificuldades que tomam grande parte do tempo, que esta administração dedica aos serviços a seu cargo e imobilizam parte dos recursos necessários aos mesmos serviços.

Isso é fácil conseguir-se, pois nada pedimos ao Governo a não ser o rigoroso cumprimento da lei, e que ela não foi pródiga nos benefícios outorgados a esta Companhia, que teve a árdua tarefa de abrir o caminho necessário para que outros portos fossem melhorados, prova o fato de ter sido a todas as novas concessões aplicadas integralmente todos os favores até hoje conseguidos à custa de grandes esforços por esta administração.

A esse tempo ascendia o capital de construção a 75.848:584$000 (31 de dezembro de 1905). Cais pronto em tráfego, quase metade do total com todos os acessórios – armazéns, guindastes, vagões, num movimento que ultrapassava, em 1905, os anos anteriores -, 2.166 embarcações entradas e saídas, com 3.271.353 toneladas de registro; 553.035.500 quilogramas de importação, no valor de 92.167:873$912; 467.719.862 quilogramas de exportação; 15.353.998 volumes de mercadorias em movimento e 16.466 passageiros; 797.250 sacas de café em armazém e 7.449.550 sacas exportadas.

Tinha sido o cais visitado, nesse decênio, por personalidades de relevo – Campos Salles, antes de assumir a presidência da Nação (2 de junho de 1896); Prudente de Moraes, quase ao deixá-la (15 de junho de 1898); Francisco de Paula Rodrigues Alves, em exercício de presidente da República (21 de janeiro de 1902); Affonso Penna, no início de seu quadriênio (30 de junho de 1906); Bernardino de Campos, presidente do Estado (21 de novembro de 1902), além de representantes estrangeiros e outras personalidades ilustres.

Privada, a empresa, pela morte, da colaboração de Alfredo Silverio de Souza [87], sobressaíam no pessoal superior Alvaro Ramos Fontes, superintendente da Seção do Tráfego; e, em torno de Guilherme B. Weinschenck, um grupo devotado, os engenheiros Ulrico Mursa, Victor de Lamare, Emilio de Gama Lobo d'Eça, Carlos Kiehl, Alfredo de Miranda.

Depois de Paquetá, a direção técnica (1902) substituíra o sistema de construção pelo de blocos, com excelentes resultados
[88]. Mas como nada, na Companhia, deixaria de passar, com ou sem paixão, pelo crivo da crítica, até aí ela chegaria mais tarde. Escreveu a respeito Guilherme B. Weinschenck:

A construção da muralha de cais por meio de blocos de concreto ou alvenaria não é novidade. Desta maneira foram construídos os cais de Trieste, Marseille e Brest-Wick, Ymuiden, Aberdeen, Kunstendkie, Tynemouth, New York, Kurachee e outros e onde esse sistema chegou ao seu extremo foi no porto de Dublin, onde o seu genial construtor (Stonex) executou a muralha completa, por trechos formados de enormes blocos de peso de 350 toneladas, que eram assentados por meio de um grande guindaste flutuante, cuja construção, em seus detalhes, representa imenso esforço intelectual, coroado do mais esplêndido sucesso [89].

Demolição de antigos trapiches em Paquetá (1899)

Foto: reprodução da página 146-a


[83] Tendo o Correio Paulistano replicado sob o título "inimigos de São Paulo" (16 de junho de 1896) esta foi, três dias depois, a tréplica do Jornal do Commercio:

"O nosso colega entendeu mal a nossa observação que se referia não ao custo das Docas de Santos mas ao fato que, apesar de dotado o Estado de São Paulo com esta obra importante, ainda querem os paulistas, pelo menos os da Capital, uma alfândega interna a duas horas de viagem da de Santos. Quanto às docas não serem feitas com o capital da União, mas com o do comércio de São Paulo, temos de pedir licença ao Correio Paulistano que anda muito errado. As taxas cobradas nas Docas de Santos são ou alfandegárias ou não alfandegárias. Estas últimas são o equivalente que o comércio paga por certos serviços imprescindíveis, não é um favor, é uma compensação…

"Pode ser que Correio Paulistano ache pesadas as taxas não alfandegárias, mas garantimos ao colega que, nós comerciantes daqui, bem desejaríamos ter de pagar somente, com a descarga e demora de saveiros e outras demoras – além de carroças a 15$000 -, o que pagam os nossos colegas de São Paulo". Jornal do Commercio, 19 de junho de 1896.

[84] "Se não faltassem por absoluto entre nós homens da têmpera e do critério de um Irineu Evangelista de Souza (visconde de Mauá), o introdutor das estradas de ferro e da iluminação a gás no Brasil; de Marianno Procopio Ferreira Lage, que dotou as províncias do Rio de Janeiro e de Minas Gerais de uma estrada de rodagem como as melhores da velha Europa; de Gaffrée e Guinle, que dotaram a província de São Paulo com as monumentais Docas de Santos, muitos e mais importantes ramos da indústria, no Brasil, estariam sendo dirigidos e explorados, proveitosamente, por empresas nacionais, às quais confiadamente se entregariam os capitais indígenas, que, receosos hoje de tudo que é nacional, se empregam de preferência na propriedade urbana e nos depósitos, mesmo a título gratuito, nos bancos estrangeiros". No Jornal do Commercio, 29 de maio de 1899.

[85] Relatorio do ministro da Indústria, Viação e Obras Públicas, Portos Marítimos, 1900.

[86] "Dias amargos tivemos, durante os anos de 1896 e 1897, mas nem por isso esmorecemos no cumprimento dos nossos deveres, como o reconheceram o ministro da Fazenda, o seu delegado Alexandre Sattamini, encarregado de examinar os serviços aduaneiros em Santos, o ministro da Indústria e, ainda, o do Interior, quando tratou da greve dos trabalhadores do porto".

[87] Falecido, a 12 de julho de 1900. "Trabalhador infatigável, engenheiro distintíssimo, a quem a Companhia Docas deve grande parte do sucesso de sua colossal construção", disse dele o Diario de Santos no dia imediato.

A diretoria assinalaria, por seu lado: "Tivemos de lamentar a perda irreparável do bom companheiro e dedicado amigo, o engenheiro dr. Alfredo Silverio de Souza, que faleceu no dia 11 de junho em consequência de pertinaz moléstia que se seguiu a uma broncopneumonia, da qual se achava quase estabelecido. Relembrar a morte deste distinto engenheiro, que dedicou a sua incansável atividade às obras do cais, desde seu início, seria escrever o histórico das mesmas, pois não há uma única parcela dos trabalhos em cuja realização ele não tomasse parte ativa e proeminente". Relatorio da diretoria, 1901.

[88] "Segundo já foi indicado em anterior relatório, o sistema de construção adotado nesse novo trecho é inteiramente diverso do que foi empregado no cais até agora construído.

"Consiste o novo sistema na formação de uma larga base de enrocamento de pedras, sobre a qual são assentadas diversas fiadas de grandes blocos de alvenaria, fabricados em estaleiros convenientes, donde são conduzidos por linhas férreas, com o auxílio de poderosos guindastes, até o lugar do emprego, para constituírem as fundações da muralha propriamente dita.

"Este sistema tem a grande vantagem de evitar o emprego de ensacadeiras no caso da construção ser feita no local do cais e de impedir, por outro lado, que, no emprego do concreto, a qualidade deste seja prejudicada pelo movimento das águas. A alvenaria dos blocos é construída com todas as condições de boa fiscalização, quer quanto à natureza e amarração das pedras que os constituem, quer quanto à composição e fabrico da argamassa que entra em sua composição.

"Além disso, a construção da muralha é feita a seco, ficando, por conseguinte, livre das causas que podem influir sobre a sua má execução". Relatorio do ministro da Indústria, Viação e Obras Públicas, Lauro Müller, 1903.

[89] Guilherme Benjamin Weinschenck, Breve noticia sobre as obras executadas pela Companhia Docas de Santos, Rio de Janeiro, Typ. do Jornal do Commercio de Rodrigues & C., 1899.