Clique aqui para voltar à página inicialhttp://www.novomilenio.inf.br/baixada/bslivros08a22.htm
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 08/04/13 20:51:53
Clique aqui para voltar à página inicial de Baixada Santista

BAIXADA SANTISTA - LIVROS - Docas de Santos
Capítulo 22

Clique aqui para ir ao índicePublicada em 1936 pela Typographia do Jornal do Commercio - Rodrigues & C., do Rio de Janeiro - mesma cidade onde tinha sede a então poderosa Companhia Docas de Santos (CDS), que construiu o porto de Santos e empresta seu nome ao título, esta obra de Helio Lobo, em 700 páginas, tem como título Docas de Santos - Suas Origens, Lutas e Realizações.

O exemplar pertencente à Biblioteca Pública Alberto Sousa, de Santos/SP, pertenceu ao jornalista Francisco Azevedo (criador da coluna Porto & Mar do jornal santista A Tribuna), e foi cedido a Novo Milênio para digitalização, em maio de 2010, através da bibliotecária Bettina Maura Nogueira de Sá, sendo em seguida transferido para o acervo da Fundação Arquivo e Memória de Santos. Assim, Novo Milênio apresenta nestas páginas a primeira edição digital integral da obra (ortografia atualizada nesta transcrição) - páginas 155 a 164:

Leva para a página anterior

Docas de Santos

Suas origens, lutas e realizações

Helio Lobo

Leva para a página anterior

TERCEIRA PARTE (1906-1910)

Capítulo XXII

A terceira campanha

O decênio de 1896 a 1905 foi, assim, de maior agitação para a empresa de Santos que o anterior, de 1886 a 1895. Nenhum,porém,nesse particular, como o em que entramos, de 1906 a 1915. Na linha ascendente da Companhia, essa seria a fase mais grave, entre as várias que ela teve em sua acidentada existência. Para melhor distribuição da matéria, dividiremos esse período em dois.

Das campanhas passadas, a de 1894 fora de iniciativa toda particular e de raio inteiramente regional. Nem por isso deixou de ter repercussão considerável nas outras. Por sua vez, a campanha de 1896, já no Senado Federal, deu à Companhia projeção nacional.

É dessas duas campanhas que nasceria a terceira, de 19016, na mesma tribuna e com repercussão ainda maior. Vencedora nas duas primeiras, saía a empresa com seus créditos reforçados; mas cresciam também os ressentimentos em proporção. A censura já acerba, o doesto, a paixão, atingiriam o auge na crítica à Companhia e seus dirigentes.

Infelizmente, ia se ampliar o mal-entendido inicial de São Paulo contra a empresa. Feitas para se compreenderem e se auxiliarem, as duas partes cada vez mais se distanciariam.

A origem, fora do Estado, dos concessionários; o fato de que haviam triunfado onde os paulistas não tinham podido construir; a defesa deles por filhos também do Rio Grande do Sul; a presunção de rendas excessivas; as perspectivas cada vez maiores de lucros; a deturpação sistemática dos fins e das taxas da Companhia, principalmente a de capatazia sobre o café, pequena entre os tributos que o gravavam, é, entretanto, de fácil exploração junto das classes exportadoras; a não instituição da Alfândega na Capital e seu rosário de recriminações, tudo isso, e mais ainda, concorria para explicar o dissídio a crescer.

Estando, ainda uma vez, em atraso na construção, solicitou a empresa prorrogação do prazo a terminar a 7 de novembro de 1907. Correspondeu o Governo Federal com o decreto número 6.080, de 3 de julho de 1906, dilatando por mais cinco anos o termo final. O cais terminaria assim em 7 de novembro de 1912; o grande dique a 7 de novembro de 1914. Estas foram as cláusulas da prorrogação:

1ª – Fica prorrogado, por mais cinco anos, até 7 de novembro de 1912, o prazo a que se refere a cláusula 5ª do decreto número 942, de 15 de junho de 1892, para as obras do cais de Santos, de que é concessionária a Companhia Docas de Santos.

2ª – A muralha do cais, desde Paquetá até Outeirinhos, deverá estar concluída em 7 de novembro de 1909, e o grande aterro, correspondente ao mesmo trecho de cais, em 7 de novembro de 1912.

3ª – A Companhia fica obrigada a construir, dentro do primeiro dos prazos, de que trata a cláusula antecedente, um edifício adequado ao serviço das agências do Correio e Telégrafo, submetendo, oportunamente, à aprovação do Governo, a indicação do local, e as respectivas plantas, devendo o custo das mesmas obras, devidamente justificado, ser levado à conta dos capitais da Companhia.

4ª – A Companhia fica também obrigada a construir o dique de 130 metros de comprido e 30 metros de largura, de que trata o decreto número 1.155, de 7 de dezembro de 1890, alterando aquelas dimensões para 200 metros de comprimento e 40 metros de largura, e a concluir a construção até 7 de novembro de 1914.

Senador por São Paulo, abriu Alfredo Ellis campanha imediata. A 9 de julho pronunciou seu primeiro discurso. De 12 de outubro foi o último, tendo orado quatorze vezes, das quais quatro em dias seguidos. Era uma ação de longo raio, que se prolongaria pelos anos seguintes.

Respondeu-lhe, nesse ano de 1906, falando cinco vezes, Ramiro Barcellos; e no terceiro quartel, para rebater tudo, com um desenlace quase dramático, a própria Companhia. Além de alguns apartes, orou duas vezes Francisco Glycerio. E, assinado pelos representantes paulistas na Câmara Alta, foi considerado objeto de deliberação e votado o seguinte requerimento:

Requeremos à Mesa do Senado que solicite do Governo as informações seguintes:

1º - Quais as alegações apresentadas pela Companhia cessionária das Docas de Santos ao Governo para fundamentar o pedido de nova prorrogação de prazo para a conclusão das obras que, pelo decreto de 15 de julho de 1892, cláusula 5ª, deviam estar terminadas em 7 de novembro de 1900;

2º - Quais as razões de ordem pública que levaram o Governo a conceder, sem multa, a segunda prorrogação de prazo para a construção da muralha do cais de Paquetá a Outeirinhos e por mais oito a conclusão do aterro correspondente a essa seção do referido cais;

3º - Em que lei se fundou o Governo para mandar levar à conta do capital da empresa a importância do edifício destinado ao serviço das agências do Correio e Telégrafo, cuja construção autorizou por decreto;

4º - Se foram ou não executados os trabalhos do dique de que trata o decreto número 10.277, de 30 de julho de 1899, cujos planos e orçamento, na importância de reis 4.034:197$609, foram aprovados por decreto de 7 de dezembro de 1890, e na hipótese negativa, os motivos que impediram sua execução;

5º - A quanto monta o capital autorizado e efetivamente gasto pela Companhia nas referidas obras do porto de Santos;

6º - Quantos anos ainda faltam para a entrega, por parte da Companhia cessionária das Docas, das referidas obras ao Governo Federal;

7º - A quanto atinge a totalidade e a especificação dos materiais importados pela empresa, livres de direitos, para a construção das obras do porto;

8º - A quanto montou a renda bruta e líquida do último quinquênio.

Sala das sessões, 11 de julho de 1906. – Alfredo Ellis. – Francisco Glycerio. – Lopes Chaves.

Justificando o pedido, fez Alfredo Ellis, por assim dizer, uma escaramuça para o ataque geral posterior. O que se dava com a empresa de Santos, no seu parecer, era o mesmo que acontecia às companhias ferroviárias de São Paulo, onerando o lavrador com transportes exagerados. Não tinha havido revisão de tarifas e a lavoura continuava a ser a grande espoliada. Num momento desses, o ministro da Viação, em vez de apurar o capital das Docas de Santos, lhe dava novos favores, agravando-o com construções que o sobrecarregavam, como o edifício dos Correios e Telégrafos. Por que não outras? [01].

O fim era claro, ter o cais sob um regime provisório indefinido, para que tão cedo não se pusesse em execução a determinação da lei de 1869 sobre a fixação do capital e a revisão das taxas desde que o rendimento subisse além de 12%. Estava lançado o problema, que São Paulo não soubera enunciar dez anos atrás. A maneira, porém, como isso se fazia, não facilitava, antes agravou a questão.

Respondeu o chefe da Nação, transmitindo em mensagem as informações solicitadas (8 de agosto de 1906):

1º - O prazo para a conclusão das obras em via de execução no porto de Santos, por força das disposições em vigor, ainda não terminou, devendo expirar a 7 de novembro de 1907 (artigo 6º número II, da lei número 429, de 10 de dezembro de 1896, e artigo único do decreto número 3.807, de 15 de outubro de 1900).

Para justificar a demora das obras e a impossibilidade de concluí-las no tempo fixado, alega a Companhia motivos de força maior, quais, entre outros, as muitas dificuldades nas fundações de um grande trecho do cais, a falta quase absoluta de terra nas cercanias da cidade para o vasto serviço de terraplenagem e a execução de obras, sem prazo obrigado, somente com o fim de atender aos interesses do fisco e do comércio.

2º - Não estando esgotado, como ficou dito, o prazo para a conclusão das obras, não houve oportunidade para a imposição de multas, nem estas seriam cabíveis, à vista da justificação aludida, o que, aliás, não prejudica os interesses gerais do porto de Santos.

3º - A lei número 23, de 30 de outubro de 1891, que reorganizou os serviços da administração federal, reuniu no mesmo ministério os serviços de portos, os de correios e telégrafos.

Mandando construir por conta do capital da Companhia executora das obras do porto um edifício apropriado aos serviços de Correio e Telégrafo, agiu o Governo de acordo com a conveniência pública e conforme praxe administrativa, que abrange também construções para serviços de outros ministérios e mesmo de caráter local.

4º - O dique de que trata o decreto número 10.277, de 30 de julho de 1889, foi projetado a princípio no Valongo, para ser concluído um ano depois da terminação das obras locais. O decreto número 2.562, de 26 de julho de 1897, porém, aprovou a sua mudança para o extremo do prolongamento do cais, em Outeirinhos, exigindo no artigo 3º a apresentação de novos planos.

Adiante:

5º - Segundo os decretos expedidos de 1890 a 1902, o capital autorizado para as diversas obras do porto eleva-se à importância de 95.508:732$845, na qual estão incluídas as seguintes parcelas: de 4.034:197$609, correspondente às obras do dique, obras ainda não iniciadas, e de 46.756:767$409, referente às obras do cais de Paquetá a Outeirinhos, em adiantada construção.

6º - O prazo concedido à Companhia para usufruir as obras é de 90 anos, a contar de 7 de novembro de 1890, conforme dispõe a cláusula VI do decreto número 966, expedido na mesma data.

Deve, portanto, aquele prazo findar a 7 de novembro de 1890.

7º - A Companhia, em virtude da cláusula VI do decreto número 966, de 7 de novembro de 1890, goza da isenção de direitos para todas as obras e serviços de que está encarregada, e, de acordo com esta mesma cláusula e mais disposições em vigor, apresenta anualmente ao Ministério da Fazenda a relação, devidamente visada pelo engenheiro fiscal, dos materiais a importar e a empregar nas obras, no decurso de cada ano.

A quantidade do material importado e despachado anualmente na Alfândega de Santos quase sempre é inferior à da relação apresentada.

Ao Ministério da Fazenda se solicitaram informações da totalidade e especificação.

8º - O tráfego na parte do cais já construída foi considerado de caráter provisório pelo aviso número 33, de 29 de janeiro de 1892, e outros atos subsequentes, visto a necessidade de atender, à proporção da construção, às conveniências do comércio. Os dados solicitados só poderão ser fornecidos oportunamente e na forma do contrato.

Para julgar de tais explicações, bastava considerar, no ponto de vista de São Paulo, que as firmava Rodrigues Alves, o qual, opondo-se em 1896, como ministro da Fazenda, à empresa, lhe dava, em 1906, como presidente, e sem deliberação legislativa, mais cinco anos para terminação do contrato.

Ministro também da Fazenda, depois dele, durante a mesma campanha da Alfândega de São Paulo, não veio de Bernardino de Campos, posteriormente, o golpe de morte nos trapiches e pontes particulares?

O próprio presidente do Senado, Joaquim Murtinho, conhecera como ministro da Fazenda e da Viação os serviços da empresa, que classificou, como vimos, de "uma grande fonte de renda para seu empresário, um auxílio poderosíssimo para o comércio e para a administração pública, e uma glória para o Brasil". De modo que o ambiente não era de animação. Em toda a campanha contra a Companhia, nos longos anos que durou, vai-se ver que a atitude do Senado, contrastando com a ofensiva de alguns representantes paulistas, seria, como tinha sido antes, discreta, para não dizer negativa.

A Alfredo Ellis não seria possível, conforme logo declarou, aceitar as explicações governamentais. Sua crítica tomou então feição áspera, não só contra a empresa, mas também contra o ministro da Viação, com quem tinha contas a ajustar. Essas contas prendiam-se à solução do problema da redução de fretes e outros, que s. ex. disse esperava de Lauro Müller e não obteve.

Com relação à empresa de Santos, estas palavras davam o tom da campanha: "Não é uma empresa afinal, é um polvo. São Paulo, a zona tributária, está, como o pobre Gilliat, envolvido nos tentáculos satânicos de semelhante empresa".

Com relação a Lauro Müller, este diálogo indicava o calor com que ia falar:

O SR. ALFREDO ELLIS – Ao subir ao governo, s. ex. disse que "ia fazer engenharia"; agora, ao terminar a sua administração, verifica-se que s. ex. exercitou-se principalmente em uma das ciências correlatas e que formam o grupo das necessárias para o preparo científico de um bom engenheiro – a química.

Não se compreende Engenharia que não fiscaliza, Engenharia que prefere traçados mais longos, onerando os cofres públicos, Engenharia que não tem por objetivo amparar, facilitar e proteger a produção nacional.

O SR. URBANO SANTOS – Não apoiado. V. ex. é injusto com o ministro da Viação.

O SR. ALFREDO ELLIS – V. ex. depois terá oportunidade de vir à tribuna apresentar a defesa do ministro e me contestar.

O SR. URBANO SANTOS – Não é preciso, porque v. ex. está falando contra a opinião do país.

O SR. ALVARO MACHADO – Apoiado.

O SR. ALFREDO ELLIS – Não tenho má vontade contra o ministro da Viação. Seria incapaz de levantar um aleive ou levianamente acusá-lo, se não estivesse baseado em fatos que trarei ao conhecimento e juízo do Senado
[02].

Tinha a Companhia motivos de força maior, que lhe explicavam o pedido de prorrogação – a febre amarela em 1899, os pelitos judiciários sobre trapiches e pontes, a existência de uma enorme laje, difícil de remover, a falta de terra para os enormes aterros a se fazerem.

Resumindo alguns deles, expôs a Companhia ao ministro da Viação (29 de janeiro de 1906):

Conhecendo v. ex. as obras que a Companhia executa, sabe que o acréscimo das executadas, além do cais, para completá-lo, dotando-o com a energia hidrelétrica, oficinas completas, escritório, habilitações para os engenheiros, pessoal da administração e operários, doca para o mercado municipal etc., obras decretadas pelos antecessores de v. ex. e levadas a termo depois da visita de v. ex. ao cais, são mais que suficientes para justificar o excesso de prazo.

Ocorre ainda que, no prolongamento do cais junto aos Outeirinhos, foi encontrada além da rocha do Tefé, uma outra pedra que, deixando entre si e o litoral um canal com a profundidade superior à que deve existir em frente à muralha, não foi pressentida no levantamento da planta hidrográfica; esta pedra, bastante mais vasta ao nível do fundo do porto admitido (8 metros abaixo de águas mínimas) representa volume considerável a se extrair e se prolonga muito além da linha do cais, na qual se trabalha há cerca de 2 anos com o sino de mergulhadores arrebentando essa laje, sem que se possa ainda calcular o tempo preciso para finalizar esse serviço.

No prolongamento do cais, ao se assentarem os blocos, tivemos ainda um sumidouro que vai a grande profundidade, onde a dragagem, mesmo em marés mínimas, não pode alcançar o terreno sólido.

Para se obter a necessária estabilidade da base da muralha, o enrocamento é executado em vasta escala com largura de 20 metros no respaldo, que fica 10 metros abaixo de águas mínimas, e sobre o qual se lança o enrocamento de base que obedecerá o perfil da muralha, logo que se verificar a absoluta imobilidade do enrocamento inferior.

Há mais de 6 meses jogamos enrocamento de base nesse sumidouro, sem termos conseguido obter a precisa estabilidade no enrocamento, motivo pelo qual não tem podido avançar o muro.

Estas dificuldades, além de falta quase absoluta de terra, que existe em Santos, muito têm prejudicado o progresso do grande aterro.

Por seu lado, referiu-se Ramiro Barcellos também a essas razões (18 de agosto de 1906):

Entre estas citarei de memória as seguintes: no prolongamento do cais de Paquetá a Outeirinhos encontrou-se uma grande extensão de rocha submarina, para a extração da qual teve a Companhia de mandar vir da Europa maquinismo especial que permitisse aos operários trabalhar na profundidade de 12 metros abaixo da água.

Esses trabalhos, difíceis e precários por sua natureza, executam-se há mais de dois anos e ainda consumirão muito tempo para serem terminados.

No mesmo trecho do prolongamento, pouco antes da rocha, encontrou a construção em um grande trecho de cerca de 400 metros um fundo de lodo indefinido, onde, tendo-se dragado até à profundidade permitida pela draga que ali funciona, não se encontrou terreno sólido. Esta circunstância tem obrigado a Companhia a fazer um terreno artificial jogando diariamente neste sorvedouro centenas de metros cúbicos de pedra, há mais de um ano, e só agora começa a encontrar a precisa resistência.

Ainda outra causa de força maior justifica a prorrogação do prazo que tanto escandalizou o nobre senador. Para as obras primitivamente contratadas, a Companhia tinha nos arredores de Santos, ainda com dificuldades, a quantidade de terra necessária para o complemento dos aterros.

Tendo-se, porém, aumentado extraordinariamente a importância da obra, e requerendo, só o prolongamento de Paquetá a Outeirinhos, um aterro de mais de seis milhões de metros cúbicos de terra, na falta desta, que só a grande distância, de mais de 20 quilômetros, ou por meios especiais para o aproveitamento da pouca que existe nos morros que circundam a cidade, é a Companhia obrigada a fazer, com grande dispêndio, com pedra, o que devia ser feito com terra.

E foi um desenrolar de acusações. Armazenagem? Lá vinha o aumento de 50%, obtido por astúcia, para prova do qual se exibia o caso de um automóvel:

Mas esta Companhia, que tinha o direito, por contrato, de cobrar um real por quilo de carga e descarga de mercadoria, hoje está cobrando dois e meio reis. Desde que ela se organizou, não cogitou de outra coisa senão de sofismar o contrato e as cláusulas contratuais em seu benefício.

Tinha o prazo de trinta e nove anos; tratou imediatamente de ampliá-lo, e isso conseguiu sob o Governo Provisório, com o decreto número 966, de 7 de novembro de 1890, assinado por Manoel Deodoro da Fonseca e rubricado pelo general Francisco Glycerio.

Esse decreto veio modificar o prazo de 39 anos para 90 anos, esse decreto veio dar tudo quanto a Companhia pediu, porém ela não ficou satisfeita. Apesar de prorrogado o prazo para a conclusão de suas obras, a Companhia não estava contente, porque não lhe bastava um real por quilo de carga e descarga.

Que fez então? Veio reclamar do Governo, ao tempo da administração do marechal Floriano, quando ministro o dr. Serzedello Corrêa, alegando dificuldades na construção do cais, devido à queda do câmbio, falta de pessoal e outras coisas.

O que é verdade é que o dr. Serzedello Corrêa atendeu, como todos os ministros tinham feito, às alegações da Companhia, e aumentou de 50% a taxa que tinha ela direito de cobrar de um real por quilo. Ficou com o de arrecadar um e meio reis por quilo.

Dragagem? Já tinha a empresa obrigação de fazê-la, obtendo, entretanto, para isso, mais um real por quilo de mercadoria, a que juntou 1$500 por tonelada, o que representava para o Estado a perda de mil contos anuais, no mínimo [03]. E este diálogo, restabelecendo a verdade:

O SR. BELFORT VIEIRA – Parece que há uma distinção a fazer entre a disposição anterior e a posterior. Uma se refere à dragagem do porto, a outra ao porto e canal.

O SR. ALFREDO ELLIS – Mas, nenhum vapor poderia entrar sem atravessar o canal. Nem se compreende, sr. presidente, que uma empresa se obrigue a fazer a construção de um porto inacessível à navegação.

Interesses regionais? Tudo fora subordinado ao mesmo capricho – trapiches, transporte de lixo urbano, isenção de impostos:

Como ninguém ignora, a Companhia Docas de Santos tomou conta daquele porto. Ninguém absolutamente pode chegar ao mar; ali ninguém pode penetrar, porque é proibido.

A Municipalidade de Santos viu-se, de um momento para outro, privada de grande parte de suas rendas, quais as que produziam os trapiches e os estabelecimentos que pagavam impostos de indústria e profissões. Então, a Câmara Municipal, julgando que podia também cobrar impostos de industriais e profissões sobre a Companhia Docas de Santos, acionou-a.

Café? Persistia a acusação de taxa abusiva que, entretanto, seria mantida sucessivamente, pelos ministros da Fazenda, alguns paulistas, até que uma decisão judicial a confirmasse para sempre:

A Companhia Docas de Santos, sr. presidente, digo-o bem alto, em lugar de cobrar um real por quilo, de acordo com a disposição terminante do primeiro contrato, está cobrando três reis, isto é, cerca de 200% mais!

Acredita o Senado que esta empresa ficou porventura satisfeita? Não, porque em relação ao café, só para que este produto possa atravessar a pequena faixa de 30 metros, que medeia entre o gradil e a muralha das Docas, paga 300 reis por saca, ou cinco reis por quilo.

De forma que, sr. presidente, só esta verba dá um rendimento à Companhia de 3.000:000$000, sendo certo que este ano, em que a safra parece ser grande, ela deverá contar pelo menos com 3.500 a 4.000:000$000.

Fixação do capital? Mas essa tinha sido impossível, prorrogado o prazo da concessão com obras que nunca mais se acabavam. Peça nova de acusação, ela ia formar o fundo da campanha, pois não estava claro que não se terminavam as obras para não se abaixarem as tarifas?

"Nesse crescendo, exclamou o orador, todos os cafezais de São Paulo,toda a rede ferroviária, todo o Estado não chegarão para pagar as obras do porto de Santos". Foram palavras suas, ainda com referência ao ministro da Viação:

Parece-me que s. ex. não conhece, não sabe que a Companhia é obrigada à revisão de suas tarifas. Para a revisão de tarifas, para que o povo possa almejar ou ter a esperança de uma redução das taxas que estão sendo exageradamente cobradas pela Companhia, era necessário que ela tirasse os 12%. Desde, porém, que o capital seja aumentado indevidamente, fora das obras do porto, naturalmente o povo perderá a esperança de conseguir o abaixamento dessas tarifas.

Não é de estranhar que s. ex. se mostre tão protetor desta Companhia, e acredito que, se fosse seu diretor, não lhe dispensaria mais zelo, mais carinho e mais amor.

Todo nós sabemos que a ela foi doado um terreno na Avenida Central, a título gratuito, e neste terreno está a Companhia levantando um palácio principesco, à custa daquele pobre povo tributário, que tão caro paga o embarque e desembarque das suas mercadorias.

Adiante:

Ouvi dizer, não sei com que fundamento, que esse terreno valia 400 a 500 contos. Acredito que não tenha esse valor, mas, naquele lugar,não pode valer menos de uns 300 contos.

Pois bem, sr. presidente, se fizermos a conta desse capital, durante o tempo que a empresa tem de gozo das obras do porto de Santos, e capitalizando os juros a 6%, chegaremos à conclusão de que o ministro da Viação fez presente à Companhia de mais de 20 mil contos.

E, o que representa um triste e doloroso contraste, é que, enquanto a feliz Companhia levanta palácios principescos na principal avenida desta Capital, o pobre lavrador, lá no interior, olha para o pobre casebre que serve de agasalho aos filhos, sem saber se pode contar com ele.

E em relação à terra, que lhe dá o sustento, também não sabe se no dia de amanhã não se vencerá uma execução hipotecária para a qual não há prorrogação. Na estrada, sem recursos e sem amparo; e, entretanto, o que é curioso é estar esse pobre e infeliz abandonado lá, nos nossos vales e sertões, ele que valoriza e transforma em ouro o produto das cargas que entram e saem pelo porto de Santos.

Não deixou de responder o mesmo defensor de 1896, Ramiro Barcellos. Já agora falava do Senado. Que era que se construísse, complemento do cais, uma casa para Correios e Telégrafos, quando outras obras, mesmo municipais, já se haviam feito por autorização de um dos signatários do requerimento, Francisco Glycerio, como a doca para o serviço do mercado de peixe ou a canalização para esgotos, no interesse da higiene?

Não deixou de responder o mesmo defensor de 1896, Ramiro Barcellos. Já agora falava do Senado. Que era que se construísse, complemento do cais, uma casa para Correios e Telégrafos, quando outras obras, mesmo municipais, já se haviam feito por autorização de um dos signatários do requerimento, Francisco Glycerio, como a doca para o serviço do mercado de peixe ou a canalização para esgotos, no interesse da higiene?

O antigo ministro, pelo decreto número 966, de 7 de setembro de 1890, mandou fazer um mercado para peixe e canalização para esgotos, e o atual ministro mandou fazer um edifício para servir de repartição aos Correios e Telégrafos. Aquele, considerando as obras de utilidade federal, como tendo de reverter à União, mandou que se levasse a importância das mesmas à conta de capital da empresa; o de hoje não fez coisa diferente: mandou fazer obras federais, levando também o seu custo à conta do capital da empresa. Ora, por que razão o ilustre ministro daquele tempo, hoje senador, impugna e acha irregular ato semelhante do seu sucessor atual?

Chamado a debate, nominalmente, o velho líder contestou a analogia, recordando como em 1890, quando ministro do Governo Provisório, entendeu ampliar, aos empresários, e já vimos, a duração do contrato, sem sequer os conhecer de vista; não podendo, por isso, considerar-se como hostil à Companhia. No seu entender, Lauro Müller fora desatento, pois num momento daqueles, não se devia onerar o capital da construção com obras adiáveis [04].

Esse ministro, sob a direção ainda de Rodrigues Alves, tinha contudo, no seu rol de serviços, uma série de iniciativas e atos, que Ramiro Barcellos enumerou longamente: nas vias férreas, construção de um milhar de quilômetros, ligação da rede ao Norte; seu complemento no extremo Sul, prolongamento da Central, alargamento da sua bitola no ramal de São Paulo e da 4ª linha dos subúrbios da Capital Federal; nos portos: os contratos para a construção dos do Pará, Bahia e Vitória, adiantadas as negociações para os de Pernambuco e Rio Grande do Sul, inclusive a abertura da célebre barra ali; sem falar, ainda, quanto ao mesmo Rio de Janeiro, na Avenida Central, e na distribuição de energia elétrica, além dos estudos da bacia carbonífera do Brasil e da Exposição de São Luiz (16 de agosto de 1906):

Poderá o exigente espírito do nobre senador por São Paulo negar o benéfico reflexo que estes melhoramentos hão de produzir e já estão produzindo no engrandecimento de todo o país, em torná-lo mais conhecido e mais procurado pelo estrangeiro que daí se afastava temeroso como de um foco pestífero e de uma cidade feia e sem conforto?

Engrandecendo a nossa Capital, engrandecemos o Brasil ainda tão pouco conhecido no mundo. Esta foi, pois, uma das mais belas reações da "química do dr. Lauro Müller, graças à qual a Capital da República hoje transformada e amanhã aparelhada com um cais de primeira ordem, será, dentro de dois ou três anos, não só a mais bela, como a mais importante cidade comercial da América do Sul.

Não era, entretanto, esse rol de serviços que mais preocupava ao representante rio-grandense, pois estava acima de todo encarecimento, mas as acusações à Companhia de Santos. Fez s. ex., então e novamente, o histórico da concessão [05], para lembrar os tempos do Império, quando os "ministros da monarquia tinham o hábito de autorizar a construção de obras, cujas despesas deviam correr por outras pastas, à sombra das docas do porto", ou os da República, quando três presidentes, filhos todos de São Paulo, "tinham, uns após outros, entendido desenvolver a concessão, para adaptá-la às necessidades de Santos e do Estado".

Acaso, para citar um só exemplo, os trabalhos ordenados pelo então ministro da Fazenda, Ruy Barbosa (pontes provisórias e outros) eram irregulares? Aumento de 50% nas taxas primitivas: seria preciso evocar a argumentação de 1896, para provar, mais uma vez, que não existia? Acusação fundada na aparência, só havia uma, a do despacho de um automóvel: e tampouco procedia, porque nas alfândegas do país, por força de lei aplicada em todas e não só em Santos, as mercadorias pagavam 1% do valor no primeiro mês, bastando para isso que ficassem dois dias no armazém, a fim de ser contado todo o mês.

Por fim, a taxa, tão acremente atacada, das capatazias sobre o café, e que era a mesma em todos os portos nacionais, não alcançava, com a de armazenagem, a ser 1 ½ % do valor total de uma saca, quando só de exportação o Estado cobrava 9% do exportador. Este diálogo esclarecia a resposta:

O SR. RAMIRO BARCELLOS – As duas taxas reunidas representam menos de um e meio por cento do valor de uma saca de café, mesmo ao baixo preço atual.

Se esta importância de 400 reis por saca é um ônus tão pesado que autorizou o nobre senador a qualificar de polvo a empresa das Docas, a que bicho, na escala zoológica, poderemos comparar os que oneram muito mais pesadamente a lavoura paulista?

Está em primeiro lugar o imposto de exportação cobrado pelo Estado, que é de 9% ad valorem.

O SR. FRANCISCO GLYCERIO – De que há de viver o Estado?

O SR. RAMIRO BARCELLOS – E com que há de a empresa remunerar o seu capital?

Vê o Senado que os tentáculos deste polvo sugam com maior intensidade do que os do outro.

O SR. FRANCISCO GLYCERIO – Este argumento não procede; todos os Estados vivem de impostos.

O SR. RAMIRO BARCELLOS – E todos os que empregam os seus capitais em melhoramentos diversos vivem das rendas desses capitais.

Se passarmos a apreciar os fretes que o café paga nas estradas de ferro do Estado de São Paulo, cuja média podemos calcular em 4$000 a saca, chegamos à conclusão de que as ventosas desse polvo são dez vezes maiores que as do porto.

Concluindo:

Além destes ônus apontados, há ainda a mencionar o que paga o café aos comissários, salientando-se entre estas despesas a do saco que, custando na fábrica ao comissário 450 reis, é revendido ao exportador por 1$700.

Temos assim que, cobrando o polvo das Docas de um a um e meio por cento pelos serviços prestados ao café e os outros cerca de 30 por cento, só o primeiro é que desafia as iras do nobre senador e é julgado o verdugo da lavoura paulista.

É bom que se note que, graças aos melhoramentos do porto de Santos, obra do esforço dos malsinados empresários, só a diferença de frete do café para os portos do consumo, comparada com o que foi antes do melhoramento do porto, representa uma quantia igual, pelo menos, à totalidade do que percebe atualmente a Companhia Docas.

A opressão da lavoura de São Paulo não provém, como acabo de demonstrar, do pequeno tributo que ela paga às Docas de Santos. As causas da má situação em que se encontra são, além das já apontadas, a falta de equilíbrio entre a produção e o consumo, os preços exorbitantes por que foram compradas muitas fazendas, os salários elevados, o alto juro do dinheiro nos bancos, as hipotecas e outros percalços que deixo de referir.

Imagem: reprodução parcial da página 155


[01] "Pois bem; além dos 12% que a lavoura dá – dá livre e nobremente, ao capital que está empenhado em servi-la – o sr. ministro da Viação trata de elevar os das Docas de Santos para o efeito, naturalmente, de não se fazer a revisão de tarifas, porque, firmado este precedente, não sei o que obsta que se levem à conta do capital da empresa outras obras públicas, como, por exemplo, as da fortaleza de Itaipu, deduzidos os 200 contos que o Estado de São Paulo deu, como auxílio, à União, para construção da mesma.

"Não sei também porque não se lembrará o ministro de mandar construir uma bateria mascarada com cúpula e canhões que atiram por elevação; não sei porque não aproveitaria a ocasião para mandar fazer um quartel para a força federal e, se s. ex. se lembrasse do afeto que os paulistas lhe tributam e lhe tributaram sempre, podia também autorizar a empresa a pagar o que a União lhe deve, mandando levar a importância à conta do capital da mesma". Alfredo Ellis, Senado, 11 de julho de 1906.

[02] O texto dos discursos aqui referidos é o do volume Senado Federal, Discursos pronunciados sobre as Docas de Santos pelo Senador Alfredo Ellis, Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1906.

[03] "Sou sincero, sou franco e falo perante o presidente do Senado, que poderá me contestar; mas o fato é que s. ex. concedeu mais um real por quilo para a dragagem do porto de Santos, quando a Companhia era obrigada a fazê-la. Assim, o povo, em vez de pagar um e meio reis por quilo, ficou pagando dois e meio por um serviço que a Companhia era obrigada a fazer ex-vi do contrato. Custa isso ao Estado de São Paulo no mínimo mil contos anuais". Alfredo Ellis, Senado, 13 de agosto de 1906.

[04] "O SR. FRANCISCO GLYCERIO – A produção do Estado de São Paulo, do Estado de Goiás e do Sul de Minas serve-se das Docas de Santos. Quanto maior for o capital das Docas, tanto menor será a probabilidade do abaixamento das tarifas; quanto menor for o capital, tanto maiores vantagens terá a produção desses Estados, uma vez que têm grande interesse na redução das tarifas.

"As Docas de Santos nada têm a ver com isto. Desde que se lança sobre a Companhia um encargo de uma benfeitoria que não estava no contrato nem por seus intuitos comerciais, é claro que a empresa tem o direito de pedir uma compensação.

"Mas não se trata disto; trata-se do critério do Governo, que, em um momento destes, em que a produção daquela região não produz para remunerar o seu capital, em um momento em que o lavrador produz apenas para pagar o imposto de exportação, os fretes das estradas de ferro, os colonos que trabalham e os comissários que recebem as mercadorias, nada lhes restando para a educação de sua família e sua subsistência, lembra-se de fazer acrescer os ônus que suportam com a construção de uma obra que concorre para impedir o abaixamento das tarifas das Docas de Santos.

"É disto que se trata, sem ofensa, sem injúria a ninguém. O ministro, que assim procedeu, atendeu às circunstâncias atuais que chamam a atenção do administrador para a produção do Estado? Sim ou não? A mim me parece que o ministro foi desatento. A obra dos Correios e Telégrafos de Santos podia ser perfeitamente adiada; e se o nobre ministro da Viação quisesse por força conseguir essa obra, tinha na receita geral meios de atendê-la". F. Glycerio, Senado, 11 de julho de 1906.

[05] "O SR. RAMIRO BARCELLOS – Agora, depois que, logo após os editais publicados pelo sr. dr. Antonio Prado, se fez o contrato das Docas de Santos, passaram-se justamente outros 18 anos. Mas o que está feito? Pergunto aos ilustres representantes de São Paulo, peço a todos que têm por ali passado que atestem quais os serviços prestados por aquela Companhia à população, ao comércio, aos consumidores, aos armadores…

"O SR. ARAUJO GÓES – Ao Tesouro Nacional.

"O SR. RAMIRO BARCELLOS - … ao Tesouro Nacional e a todos que têm interesse naquele porto e principalmente à União, na arrecadação de suas rendas. É preciso lá ir para julgar.

"Estabeleço, pois, a comparação para de certo modo atenuar a antipatia que procuram levantar contra a empresa atual os representantes daquele mesmo Estado, que têm gozado de um benefício que falta ainda à maior parte dos portos que estão na costa brasileira e que não souberam aproveitar quando senhores da concessão". Ramiro Barcellos, Senado, 17 de agosto de 1906.