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BAIXADA SANTISTA - LIVROS - Docas de Santos
Capítulo 23

Clique aqui para ir ao índicePublicada em 1936 pela Typographia do Jornal do Commercio - Rodrigues & C., do Rio de Janeiro - mesma cidade onde tinha sede a então poderosa Companhia Docas de Santos (CDS), que construiu o porto de Santos e empresta seu nome ao título, esta obra de Helio Lobo, em 700 páginas, tem como título Docas de Santos - Suas Origens, Lutas e Realizações.

O exemplar pertencente à Biblioteca Pública Alberto Sousa, de Santos/SP, pertenceu ao jornalista Francisco Azevedo (criador da coluna Porto & Mar do jornal santista A Tribuna), e foi cedido a Novo Milênio para digitalização, em maio de 2010, através da bibliotecária Bettina Maura Nogueira de Sá, sendo em seguida transferido para o acervo da Fundação Arquivo e Memória de Santos. Assim, Novo Milênio apresenta nestas páginas a primeira edição digital integral da obra (ortografia atualizada nesta transcrição) - páginas 164 a 171:

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Docas de Santos

Suas origens, lutas e realizações

Helio Lobo

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TERCEIRA PARTE (1906-1910)

Capítulo XXIII

Ofensiva violenta

Não foi do agrado do senador paulista a defesa do rio-grandense, não só pelos argumentos opostos, como por tratar-se de uma questão que julgava de São Paulo, na qual seus representantes estavam, mais do que ninguém, qualificados para falar. Era o ciúme de 1896 renovado.

Mesmo "arrastado por afeições do coração", como supunha ser o caso de Ramiro Barcellos, confessou Alfredo Ellis, malgrado a moderação da defesa, que tivera o desprazer "de ver o sr. senador pelo Rio Grande do Sul, de botas, esporas e rebenque em punho, entrar no meu Estado, para examinar, esmiuçar e criticar a nossa organização fiscal, censurar as tarifas das nossas estradas de ferro e as percentagens das casas comissárias, só com o fito e propósito de elevar e endeusar os serviços que a empresa das Docas presta ao Estado". S. Ex. não escondeu sua mágoa:

Porventura as informações pedidas pelos representantes do Estado de São Paulo, cumprindo deveres inerentes às posições que ocupam nesta Casa, atentavam, de leve ou de longe, contra qualquer interesse do heroico e glorioso e glorioso Estado do Rio Grande do Sul, atalaia da Federação Brasileira no extremo Sul?

Não, sr. presidente, não afetavam nem direta e nem indiretamente. Nós cumpríamos, desinteressadamente, os nossos encargos, ao passo que s. ex. foi naturalmente arrastado por afeições do coração; faço justiça a s. ex., apesar de s. ex., como o Senado tem visto, ter-me colocado no cavalete inquisitorial, neste recinto, para escalpelar à vontade o corpo, a alma e o coração de um colega que sempre o tratou com a máxima gentileza.

A ofensiva, então, nada poupou. Quatro sessões teve Ramiro Barcellos para sua defesa? Alfredo Ellis não discursaria menos de quatro outras em agosto, estendendo-se em setembro, para voltar finalmente à carga em outubro.

Entre as acusações já formuladas estava a cobrança das taxas, principalmente sobre o café, com esta argumentação:

Se tomarmos em consideração e compararmos esse dois fatores representativos do trabalho das duas empresas, estrada de ferro e Docas, chegaremos ao seguinte resultado: a proporção é esta: se a estrada de ferro transporta uma saca de café, gastando carvão ou lenha, material rodante, pessoal do tráfego e das estações, baldeações etc., enfim, se transporta uma saca de café por 6$000 em um percurso de 450 a 500 quilômetros, cobra apenas 20 vezes mais que as Docas que, por um percurso de 30 metros, exigem 300 reis por saca.

Por estes dados chega-se à conclusão de que a estrada de ferro se contenta com uma remuneração vinte vezes maior do que as Docas, fazendo, entretanto, um serviço 15.000 vezes superior.

A construção da matriz no Rio de Janeiro assim se comentava:

Que fez o ministro? Atentou contra esta última cláusula, mandando a Companhia fazer serviços fora das obras do porto de Santos, e deu-lhe de presente, de mão beijada, um terreno na Avenida, onde ela está, segundo me consta, levantando um palácio principesco, com grandes vantagens para a Companhia, por quanto ela não paga direitos sobre os materiais importados, não paga selos de seus papéis e tampouco paga imposto algum. Não é privilegiada: é privilegiadíssima.

Os referidos direitos sobre um automóvel se pormenorizavam deste modo:

Sr. presidente, entre as várias asseverações que fiz, está, uma referente a um automóvel, que havia sido despachado, pagando a soma de 221$100, sendo 176$500 de armazenagem e 44$600 de capatazias.

De fato, sr. presidente, não sabia, quando me referi a este fato, que a Companhia tinha, como tem, o direito de cobrar esta pesada armazenagem. Indagando em Santos do pessoal da Alfândega, sobre esta exorbitância, referiram-me que havia grande abuso por parte da Companhia, abuso que não se podia evitar, porque ela procede despoticamente na zona pertencente à sua influência.

Das novas acusações, citavam-se entre as menores: a redução de taxas no Porto do Havre, comparado ao de Santos; a imposição de 200$000 de multa, por ter um vapor lançado cinzas e resíduos ao mar, multa que a Capitania já havia cobrado; a desistência de um cargueiro, o São Lourenço, de voltar a Santos para levar bananas a Buenos Aires, pelo exagero das taxas [06]; a isenção dos impostos locais [07]; a resistência à passagem do lixo pelo cais [08].

Dirigia a esse tempo em Santos a construção das fortificações federais o tenente-coronel Augusto Ximeno Villeroy, que, correspondendo a um apelo para tomar parte no combate à empresa, respondeu referindo-se à sorte de São Paulo, sustentando "esses dois enormes polvos que são a São Paulo Railway e a Companhia Docas de Santos"
[09].

Esta, que nada havia cobrado, nem cobraria ao Governo Federal pelas reparações eventuais, já várias, nos vasos de guerra nacionais ali de passagem, se criticava como transportando os tijolos de construção mais caro do que a empresa estrangeira
[10], o mesmo acontecendo a outros materiais, sobretudo cúpulas, caso em que as taxas subiam a mais de cem contos de reis [11]. Este diálogo mostrava a que minúcias descia o debate:

O SR. RAMIRO BARCELLOS – Não há navio da nossa esquadra, que vá a Santos, que não se aproveite da oportunidade, uma vez que os nossos arsenais nada fazem, para mandar fazer os reparos de que carece.

Apelo para o nosso ilustre colega, almirante em efetividade.

O SR. ALEXANDRINO DE ALENCAR – É exato. Comandando uma divisão de torpedeiras, tive ensejo de fazer reparos em todas elas no porto de Santos, sem despender coisa alguma.

O SR. RAMIRO BARCELLOS – A Companhia Docas de Santos nunca apresentou conta ao Governo Federal desses trabalhos, com os quais, aliás, tem despendido milhares de contos.

Posso citar ainda outro fato: o Barroso, um dos melhores navios da nossa esquadra, quando era novo, encalhou em Santos e não havia meio de safa-lo. A Companhia mandou procurar o falecido almirante Wandenkolk e ofereceu-se para por o Barroso a nado. As palavras daquele almirante, dirigidas, aliás, a um dos diretores da Companhia, de quem era amigo, foram estas: Vocês querem é comer algumas centenas de contos.

Não é nem para que v. ex. nos agradeça, quanto mais para sermos pagos, respondeu-lhe ele. O que queremos é por a nado um navio da nossa esquadra. E este serviço, senhores, nada custou ao Governo, como nada têm custado os consertos de todos os navios que vão a Santos. Além disto, durante a revolta, a Companhia forneceu ao Governo tudo o que precisou, não recebendo um real de indenização.

Entre as acusações maiores, salientava-se o esbanjamento de capitais em despesas suntuárias ou inúteis, não só para se evitar que as taxas baixassem, como para impedir a concorrência no cais, uma vez que este era mais que suficiente, até Paquetá, para as necessidades do porto; a introdução, sem pagamento aduaneiro, dos gêneros vendidos nos armazéns que tinha a empresa para suprimento de seus operários; a proteção menos legítima do Banco do Brasil, no início da construção; a acumulação de rendas excessivas, nunca conhecidas.

Resumia-se assim a parte das rendas excessivas:

Com a declaração de que as obras continuam, sob título provisório, não é obrigada a declarar qual a soma que recebe ou percebe, das docas, das armazenagens, das capatazias e das dragagens. E, tratando eu de indagar a quanto montava esta soma, conferenciando com um dos mais altos representantes da Alfândega, obtive o seguinte resultado: em relação à armazenagem, a Companhia recebe 18.000:000$000, no mínimo, por ano, rendendo os armazéns 1.500:000$000 por mês. Se tratarmos de somar estas quantias às que produzem as capatazias, atracações, dragagens etc., infalivelmente chegaremos a um cômputo não inferior a 30.000:000$000.

A do intuito protelatório dizia:

Por quê? Porque não lhe convém acabar as obras. E por quê não lhe convém acabar as obras? Porque, enquanto elas não ficarem concluídas, enquanto o Governo não as declarar definitivamente aceitas, continuarão a ter, como em 1892, o caráter de provisórias, o que quer dizer, sr. presidente, que a Companhia não estará sujeita à fiscalização, e terá burlado disposições expressas da lei de 13 de outubro de 1869 e a do seu contrato, que determinam que, quando os lucros da empresa excederem de 12% do capital empregado, a revisão impor-se-á.

A do contrabando de gêneros foi esta:

O SR. ALFREDO ELLIS – A Companhia das Docas não paga impostos de consumo; o fiscal do Governo não tem a petulância de entrar nos seus armazéns para verificar se os gêneros são selados ou não; mas afirmou-me que o não são.

O SR. A. AZEREDO – Foi o próprio fiscal que informou a v. ex.?

O SR. ALFREDO ELLIS – Foi o próprio fiscal.

O SR. COELHO LISBOA - Isso é grave.

O SR. ALFREDO ELLIS – Outro, ainda mais grave: a Companhia Docas tem armazéns onde, à sombra, sob a máscara de uma cooperativa, importa todos os gêneros para o pessoal das Docas, sem pagar imposto algum.

De forma que um pessoal, composto de cinco a seis mil trabalhadores, recebe pagamento em gêneros nestes armazéns que recebem produtos de toda a ordem, por preços naturalmente inferiores; mas as Docas estão fazendo contrabando, porque recebem e importam produtos sem pagar direitos. De forma que temos aqui, às barbas do Governo,uma Companhia riquíssima que, ilegal e ilicitamente, explora o público arrecadando rendas que lhe não competem e ainda assim importando gêneros sem pagar impostos.

A propósito do afastamento de concorrentes, no porto, a acusação asseverou que se obtivera o prolongamento aos Outeirinhos a pedido da Intendência de Santos, mas de fato tinha nela a empresa pessoas suas:

Indo agora a Santos, verifiquei o seguinte, sr. presidente, que de fato, a Intendência daquela época havia pedido ao ministro da Agricultura a ampliação do prazo de 39 para 90 anos, limite máximo estabelecido pela lei de 13 de outubro de 1869.

Mas, indagando quais os membros da Intendência daquela época, me informaram que daquela Intendência faziam parte, desenvolvendo grande influência em favor dessa solicitação, os srs. dr. Carvalho de Mendonça, atual advogado da Companhia, Francisco Ribeiro, sócio da empresa, e Ernesto Candido Gomes, também sócio da empresa e presidente daquela Intendência.

Verifica-se, portanto, sr. presidente, que o pedido de prorrogação de prazo não foi feito pela Intendência de Santos, mas pelos três intendentes, sócios da empresa, que, investidos do mandato popular, não curaram dos interesses públicos, mas dos da Companhia.

Depois, sr. presidente, quem não sabe que Carvalho de Mendonça, Francisco Ribeiro e Ernesto Candido Gomes são, no fundo, Candido Gaffrée? Quem não sabe quem são três pessoas distintas e uma só verdadeira – Candido Gaffrée?

Ainda:

Devo explicar ao Senado o que há sobre o porto de Santos. Nunca passou pelo espírito dos srs. Gaffrée & Guinle levar a muralha até Outeirinhos.

Eles, pelo contrário, têm preferência para as obras que tenham de ser realizadas no porto de Santos. A princípio eles se contentavam com um cais correspondente ao entroncamento da ponte Ingleza até a Capitania; quando verificaram, porém, que tinham aberto um verdadeiro filão de ouro inesgotável, trataram imediatamente de obter novas concessões para alargamento do porto, da faixa e da muralha, de forma que a faixa, que era primitivamente de 20 metros, foi alargada para 30; em vez de ir até à Capitania, conseguiram prolongá-la indo até Paquetá.

Ora, do Valongo a Paquetá são 2.500 metros e de Paquetá a Outeirinhos outros 2.500 a 2.600. Mas, não lhes passou pelo espírito levar a muralha a Outeirinhos, porque não havia necessidade de 5 ou 6 quilômetros de cais. Por que então resolveram prolongar a muralha de Paquetá a Outeirinhos?

Simplesmente por este fato: como a Estrada de Ferro Sorocabana tem concessão para ir a Santos, receosa de que ela o fizesse e pedisse a concessão desse trecho de cais, a Companhia Docas de Santos, com sacrifício próprio, mas com maior sacrifício do público, pediu, exigiu mesmo que lhe desse essa concessão, alegando, naturalmente, que tinha preferência pelo seu contrato.

A proteção do Banco do Brasil se descreveu desta maneira:

Todos sabem como se organizou a Companhia das Docas: frágil, quase sem recursos, foi se abrigar como uma andorinha forasteira ao beiral do telhado do Banco da República; ali encontrou alento, dali saiu pujante e foi, como uma revoada de pombas, levando ramos de oliveira nos bicos, para São Paulo, onde encontrou o agasalho que dispensamos a todos. Lá fez mil promessas de progresso, de desenvolvimento e de prosperidade, e depois, à medida que foi se tornando forte, de pombas inocentes que eram, se transformaram em milhares.

Ainda:

O Banco da República, como todos nós sabemos, foi, é e será uma sucursal do Tesouro. Todos nós conhecemos os grandes, os enormes sacrifícios que o Tesouro da República tem feito para manter aquele instituto de crédito; afirma-se que esta soma já ultrapassou de 300.000 contos.

Pois bem, sr. presidente, que se vê agora, fazendo o confronto? O Banco da República, que havia auxiliado a organização desta empresa, que lhe havia proporcionado meios e recursos para iniciar as obras e continuar o serviço, o Banco da República, ia, cada vez mais, por água abaixo e os seus recursos escasseavam, não obstante ter canalizado do Tesouro milhares e milhares de contos para as suas arcas; e, ao passo que se enfraquecia, a empresa das Docas de Santos prosperava, parecendo que se havia encaminhado o Pactolo para aquela pequena faixa de cais que rodeia a cidade de Santos.

Dizia Alfredo Ellis não ser pessoal sua campanha; e acreditava assim sucedesse. Mas o fato é que, pela exposição de suas primeiras críticas nesse ano, bem se via que, não desejando injuriar, realizava o oposto. Quando não bastasse a reputação dos dois fundadores da empresa, ali estavam os regulamentos, as leis, as decisões reguladoras da concessão, conjunto de disposições, já numerosas, que não se podiam fraudar facilmente.

Servindo São Paulo, aprovadas e mandadas executar, nas suas linhas principais, por paulistas, as disposições referentes à Companhia Docas de Santos não constituíam um conjunto de favores ilícitos, ou de conhecimento clandestino. Ao contrário, porque sempre e cada vez mais combatida, era que a empresa não tinha reservas na sua organização.

Como pintá-la, pois, com essas cores estranhas, senão por força de preconceitos anteriores, a cada passo destruídos, e, entretanto, sempre vigilantes?

Prorrogar os trabalhos indefinidamente, para ter em segredo o rendimento do cais, era acusação temerária, que o tempo, como tudo mais, destruiria. Assim também o auxílio do Banco do Brasil, dado, é certo, quando o cais não retribuía os capitais que nele se iam empregando, porque ainda não inaugurado – concessão de um estabelecimento oficial a obras nacionais, que se podia criticar como favor, mas que nada tivera de ilícito.

Longos anos depois, tal a insistência da insinuação, explicou a Companhia tudo, paga integralmente com juros a soma recebida. E quando o banco, mais tarde, estivesse às portas de uma crise temerosa, seriam então os debêntures das Docas de Santos, títulos já sem competidor em segurança no país, que muito o amparariam.

Escreveria a empresa a propósito de seus primeiros debêntures, em 1924:

A Companhia Docas de Santos contraiu o primeiro empréstimo em obrigações ao portador no ano de 1893: 20.000:000$000 em 100.000 debêntures de 200$000 cada uma, juro de 6% ao ano, a partir de janeiro de 1894.

Estas debêntures não se lançaram de um só jato na circulação. A Companhia não tinha necessidade naquele momento da soma de 20.000:000$000; pretendia utilizar-se de uma parte para o pagamento de uma dívida de 14.000:000$000 e do restante à medida da exigência das obras, que construía no porto de Santos.

Assinada aos 8 de agosto de 1893 a escritura do empréstimo, a Companhia não abriu subscrição pública. Ainda não existia a lei número 177 A.

Entregou a 20 de dezembro todos os títulos a Gaffrée & Guinle, seus banqueiros, seus fornecedores de fundos, para se servirem desde logo de 70.000 para pagamento daqueles 14.000:000$000 ao Banco da República, ficando as restantes 30.000 à disposição desta firma para colocação oportuna.

Consta este fato da ata da sessão da diretoria realizada aos 9 de dezembro de 1893, que se acha junta neste processo devidamente conferida.

Essa ata dizia assim:

A diretoria, nas condições atuais da nossa praça, não poderá tão cedo vender estas debêntures, no entretanto, é indispensável obter recursos para a continuação das obras da Companhia que não foram interrompidas, porque não só foram-lhe aplicadas as rendas do cais em tráfego como, principalmente, tiveram suprimentos até agora de cerca de mil contos de reis da firma comercial Gaffrée & Guinle.

Assim, a diretoria propõe que essa firma Gaffrée & Guinle tome a si a totalidade do empréstimo dos cem mil debêntures para com eles fazer as operações de crédito que julgar mais convenientes, obtendo desse modo os recursos necessários para pagamento dos adiantamentos que fez até agora à Companhia, restituição das rendas aplicadas às obras e continuação destas.

Esta firma comercial, como sabeis, composta dos dois atuais diretores, possui, com estes, 90.995 (noventa mil, novecentas e noventa e cinco) ações da nossa Companhia e tem o máximo interesse na boa marcha dos seus negócios, como se seus fossem exclusivamente.

Aceitando esse encargo, declara a mesma firma que se servirá desde já de 70.000 destas debêntures pelo valor nominal de quatorze mil contos de reis, para pagamento ao Banco da República do Brasil da conta corrente da mesma firma garantida ali por oitenta e oito mil, novecentas e noventa e cinco ações desta Companhia, obrigando-se a não dispor destas ações senão na proporção da amortização do seu débito com a Companhia, que será inferior àquela soma de importância dos suprimentos por ela feitos [12].

À proporção que passavam os dias, mais vivas foram as imputações [13]. Dir-se-ia que o ambiente, em que caíam, as relevavam pelo contraste. Na Câmara Alta, nem mesmo a voz de Ramiro Barcellos, ou os ímpetos de Victorino Monteiro; apenas apartes isolados, a favor ou contra.

Fora, a imprensa carioca, ocupada, ainda a esse tempo, com a distribuição da energia elétrica no Rio de Janeiro, pouco eco dava ao ocorrido no Senado
[14]. As Docas de Santos entravam indiretamente em cena, apesar de Gaffrée & Guinle disputarem, como já vimos, a concessão do serviço, a qual enchia os editoriais e as seções retribuídas dos diários.

Alegou, a este propósito, o senador paulista que, não tendo ao seu dispor os cofres da empresa, seus discursos seriam pouco divulgados [15]; mas a verdade era que, sem ficar estranha à questão, o ambiente nela pouco se interessou. Quando correr o tempo, e a censura da mesma tribuna se tornar ainda mais ardente, os discursos de s. ex. serão na íntegra publicados, em entrelinha, no Jornal do Commercio, tais como os da Companhia.

"Guardadas as devidas proporções e ressalvados certos processos, disse Alfredo Ellis, referindo-se à empresa (13 de agosto), se me afigura um pequenino Panamá". Já dez dias depois, a analogia era com a "Tammany de New York"
[16]. Declarou s. ex. admirar o advogado "que estende a mão e o manto protetor, para impedir a opressão e restabelecer a lei, a equidade e a justiça", mas não ao que "empresta o seu talento e se transforma em cadeado dessas repartições escusas, dessas estufas de vidros foscos e embaçados, onde, ocultamente, proliferam os milionários e os ricaços". E acrescentou:

Quem se arriscar a perlustrar as galerias negras e escuras precisa se munir de uma lâmpada de Humphrey Davis, lâmpada de segurança, contra o inimigo, oculto e traiçoeiro – o grisu.

As Docas de Santos se assemelham e têm pontos de contato com as minas de carvão de pedra.

Felizmente, sr. presidente, eu já me preveni, e declaro a v. ex. que estou munido da lâmpada de segurança, e pretendo pesquisar todos os recantos e galerias esconsas, para vir narrar, feito o roteiro, todos os abusos e escândalos que conseguir descobrir.

Para concluir no dia seguinte:

Detesto, sr. presidente, esses que se transformam em cloroformizadores para anestesiar o povo, pois, enquanto o povo está anestesiado, os Gaffrées podem aplicar as ventosas para fazer a transfusão do sangue e encher as burras que regurgitam de ouro.

Para os primeiros, toda a minha admiração, toda a minha veneração, todo o meu respeito; para os outros… o melhor é o silêncio, ou então colocá-los diante de um espelho que não mente, que é o espelho da própria consciência.

A campanha não terminou, nessa fase, senão num ambiente ingrato:

O SR. ALFREDO ELLIS – Devo declarar ao honrado senador que, desde o primeiro dia que ocupei esta tribuna, afirmei que não cogitava de melindrar a suscetibilidade de quem quer que fosse.

O SR. RAMIRO BARCELLOS – V. ex. acaba de dizer que o ouro das Docas tem feito silenciar a imprensa e tem arranjado advogados para o contrato.

O SR. ALFREDO ELLIS – Não disse isso…

O SR. RAMIRO BARCELLOS – V. ex. não tem mais honra do que os diretores das Docas.

O SR. ALFREDO ELLIS – Eu não disse isso. O que afirme foi…

O SR. RAMIRO BARCELLOS – V. ex. não tem melhores qualidades. Não pode estar dizendo que o ouro das Docas tem comprado tudo.

O SR. ALFREDO ELLIS – Sr. presidente, se, para tratar de assuntos referentes a São Paulo, necessito pedir habeas-corpus ao Senado, eu me sento.

Estaleiro para a construção dos blocos da muralha do cais de Paquetá aos Outeirinhos (1902)

Foto: reprodução da página 170-a


[06] "Sabendo que a Companhia Docas de Santos cobrava 50 reis por cacho de bananas que fosse embarcado pelas suas docas, perguntou o comandante daquele navio se, fazendo o embarque ao largo, pagaria ainda assim aquela taxa, e como lhe respondessem afirmativamente, sujeitou-se e fez esse carregamento, mas não mais voltou, declarando que, com semelhante taxa, não tiraria resultado algum, apesar do preço relativamente elevado por que são vendidas as bananas em Buenos Aires e apesar da maneira de fazer o carregamento". Alfredo Ellis, Senado, 24 de setembro de 1906.

[07] "A Câmara Municipal de Santos pretendia cobrar impostos de indústrias e profissões, conforme a representação que ontem li, dos armazéns que a Companhia de Docas tinha feito, fora da faixa, que lhe foi concedida, pelo decreto de 1888. A Companhia, não querendo pagar esses impostos, reclamou do ministro.

"Note-se, sr. presidente, que tratava-se de pequena parcela. Note o Senado que se tratava de pequena parcela, conforme mostrei, ontem, lendo a representação da Câmara Municipal, tratava-se de uma quantia de cento e poucos contos, devida à Câmara Municipal, e impostos de indústrias e profissões, por ela cobrados dos inquilinos, que ocupavam os armazéns da empresa, construídos fora da zona do cais". Alfredo Ellis, Senado, 24 de agosto de 1906.

[08] "A Câmara Municipal, cônscia de seus deveres, por intermédio de seu intendente, pediu, depois de detidos estudos e de verificar que nas proximidades da cidade não havia um lugar adequado para depósito de lixo, e, sendo conveniente que a sua remoção fosse feita para um lugar, o mais distante possível, do outro lado do canal, em outra havia um lugar adequado para depósito de lixo, e, sendo conveniente que a sua remoção fosse feita para um lugar, o mais distante possível, do outro lado do canal, em outra ilha, pediu à Companhia que lhe desse um pequenino lugar no cais, onde pudesse embarcar esse lixo, a fim de ser transportado para o ponto designado.

"Quem ouviu o nobre senador pelo Rio Grande do Sul não pode absolutamente supor que essa Companhia não fosse ao encontro, dos desejos desse intendente, tão zelador da saúde pública. Não é verdade?

"Pois assim não foi. A Companhia terminantemente declarou que não concedia e, possuidora absoluta de toda a faixa, desde o Valongo até Outeirinhos, não permitiu o embarque ou serviço do lixo, nessa zona". Alfredo Ellis, Senado, 23 de agosto de 1906.

[09] "Tenho a honra de responder à carta de v. ex., datada de 4 do corrente, pedindo o meu concurso na campanha empreendida por v. ex., no intuito de fazer a Companhia Docas de Santos entrar no caminho do bem público; não negarei o meu fraco auxílio, embora esteja convencido da inutilidade dos meus esforços: esta Companhia tudo pode e creio não errar afirmando que não há nenhuma outra cumulada de tantos favores e privilégios, e tão bem aparelhada para sugar o público. E que infeliz é esta terra, que lhe coube em sorte sustentar estes dois enormes polvos, que são a São Paulo Railway e a Companhia Docas de Santos". Alfredo Ellis, Senado, 24 de setembro de 1906.

[10] "Ora, sr. presidente, as Docas, que recebem do Governo Federal todas as concessões e a quem ele não pode absolutamente e nem tem até recusado coisa alguma, exigem do Governo Federal, para construção de uma fortaleza, que tem também por fim defender as próprias obras das Docas, 28$000, ao passo que a companhia de estrada de ferro, estrangeira, tendo de transportar os tijolos em um percurso de oito quilômetros, exige apenas 7.500!" – Alfredo Ellis, Senado, 24 de setembro de 1906.

[11] "A verdade é que a importância a pagar pela armazenagem das cúpulas é tal que o Governo resolveu deixar que elas fossem levadas a leilão, porque, então, não tendo concorrente, pode arrematá-las por preço inferior ao que teria de pagar pela armazenagem. Isto é único. A ser real tal coisa, não sei se era motivo para deplorar ou para ridicularizar o Governo que faz presente de 20.000 e tantos contos e se vê escravizado a uma armazenagem, quando se trata de material de guerra destinado à defesa nacional". Alfredo Ellis, Senado, 25 de setembro de 1906.

[12] Recurso da Companhia Docas de Santos ao ministro da Fazenda de um despacho do diretor da Recebedoria (Selos de ações ao portador e debêntures). Rio de Janeiro, Typ. Do Jornal do Commercio, de Rodrigues & C.., 1924.

[13] Pediu s. ex. uma comissão que examinasse os negócios da Companhia, apresentando o seguinte requerimento:

O Congresso Nacional resolve: artigo 1º. Fica o Poder Executivo autorizado:

1º. A nomear uma comissão mista de engenheiros e empregados do Tesouro para examinar e dar parecer sobre as obras do Porto de Santos e sua escrituração.

2º. A aceitar como concluída, para os efeitos da lei de 13 de outubro de 1869, a seção do cais do Valongo a Paquetá.

3º. A nomear um fiscal para a arrecadação das taxas, multas e fiscalizar o movimento financeiro da empresa.

4º. A prorrogar o prazo necessário para a conclusão final das obras sob pena de multas, se for excedido, e incidência na disposição que autoriza o Governo a mandar concluir as obras.

5º. A pedir ao Poder Legislativo a verba necessária para o pagamento desse segundo fiscal, com atribuições especiais, e para o da comissão que tiver de nomear.

Revogam-se as disposições em contrário. Sala das sessões do Senado, 24 de agosto de 1906. Alfredo Ellis.

[14] Apenas o Correio da Manhã (12 de julho). "O decreto que concede novos favores à Companhia Docas de Santos está já promulgado: é, portanto, um mal sem remédio. Antes, porém, de dizermos o que se passou ontem no Senado Federal, precisamos chamar para essas vergonhas a atenção do futuro presidente da República. Examine o conselheiro Affonso Penna todas essas misérias e veja se consegue atravessar o seu quadriênio sem deixar registrada no Diario Official uma nova concessão à feliz e poderosa Companhia".

Em São Paulo se escreveu: "O mal não está, pois, na maneira pela qual a Companhia Docas cumpre o seu contrato e os seus deveres para com o público, porquanto ela o faz exemplarmente. Exige as rendas que lhe são devidas, nem um centil a mais, nem um centil a menos. O mal está no contrato, que ela conseguiu obter, no que fez muito bem, mas que o Governo não deveria ter concedido nos termos em que o fez, com as exageradas vantagens e absurdas concessões, que outorgou à feliz e poderosa Companhia". No Commercio de São Paulo, 25 de setembro de 1906.

[15] "O Senado sabe que tiveram toda a divulgação os discursos do honrado senador pelo Rio Grande do Sul, cuja ausência hei de sempre deplorar; os seus discursos tiveram toda a divulgação, foram todos publicados em vários jornais desta Capital; o Senado sabe que os argumentos do honrado senador pelo Rio Grande do Sul foram por mim rebatidos com grande vantagem; entretanto, os meus discursos não foram nem serão publicados. Por quê? É muito simples. Não tenho atrás de mim a Companhia das Docas, para fazer a sua publicação, e v. ex. sabe que o subsídio do humilde senador não bastaria para a publicação de meus discursos". Alfredo Ellis, Senado, 24 de agosto de 1906.

[16] "Não há dúvida alguma que foi preciso uma administração realmente muito sábia para anular certas cláusulas do contrato e para poder obter dos ministros tudo que queria, para ter a audácia de vir até ao Poder Legislativo e conseguir, em uma lei ânua, prorrogação do prazo por cinco anos. É preciso sabedoria! Mas é a mesma sabedoria que tem a Tammany Hall, de Nova York". Alfredo Ellis, Senado, 23 de agosto de 1906.