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BAIXADA SANTISTA - LIVROS - Docas de Santos
Capítulo 36

Clique aqui para ir ao índicePublicada em 1936 pela Typographia do Jornal do Commercio - Rodrigues & C., do Rio de Janeiro - mesma cidade onde tinha sede a então poderosa Companhia Docas de Santos (CDS), que construiu o porto de Santos e empresta seu nome ao título, esta obra de Helio Lobo, em 700 páginas, tem como título Docas de Santos - Suas Origens, Lutas e Realizações.

O exemplar pertencente à Biblioteca Pública Alberto Sousa, de Santos/SP, pertenceu ao jornalista Francisco Azevedo (criador da coluna Porto & Mar do jornal santista A Tribuna), e foi cedido a Novo Milênio para digitalização, em maio de 2010, através da bibliotecária Bettina Maura Nogueira de Sá, sendo em seguida transferido para o acervo da Fundação Arquivo e Memória de Santos. Assim, Novo Milênio apresenta nestas páginas a primeira edição digital integral da obra (ortografia atualizada nesta transcrição) - páginas 272 a 279:

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Docas de Santos

Suas origens, lutas e realizações

Helio Lobo

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TERCEIRA PARTE (1906-1910)

Capítulo XXXVI

Da grande à pequena guerra

Enquanto corriam os dois processos – um dos quais, o da União contra a empresa para exibição de seus livros, acabava de ser assim julgado -, outros aspectos menores da vida da Companhia eram de relevar-se.

Matérias de ordem administrativa retardavam-se, em consequência natural, quando não dificultadas pela fiscalização federal. Referindo-se a esses obstáculos, desabafou o Jornal do Commercio (29 de abril de 1908):

Tudo isso, com os destampatórios de engenheiros fiscais, que se julgam importantes porque podem infelizmente embaraçar o andamento de um grande e utilíssimo mecanismo; e vê-se bem como ainda as mais sólidas empresas têm de lutar.

Sobre a demora, oficiava Candido Gaffrée ao Ministério da Indústria, Viação e Obras Públicas (24 de março de 1908):

Cumprindo ainda o que v. excia. me determinou na conferência que se dignou conceder-me ontem, venho comunicar a v. excia. quais os assuntos urgentes referentes às obras e serviços a cargo da Companhia docas de Santos que, sujeitos à aprovação desse Ministério, pendem da solução de V. Excia. que teve a gentileza de me prometer não demorá-la.

1º - O orçamento do canal e doca do mercado e o do escritório técnico, oficinas e mais edifícios e obras executadas nos Outeirinhos, datado o primeiro de 4 de junho e o segundo de 2 de julho de 1906, tiveram entrada na Secretaria da Indústria, com a informação do engenheiro fiscal, este a 6 de agosto e aquele a 30 de julho do mesmo ano. A aprovação de ambos subiu à promulgação em decreto de 24 de setembro daquele ano.

2º - Disposição as sobras de energia elétrica, pedida em ofícios de 7 de janeiro de 1904 e 18 de junho de 1906.

3º - Aprovação por decreto da planta que contém, além da indicação da posição do dique, a dos terrenos necessários à construção dessa obra e de suas dependências, assunto este tratado no ofício que, a 10 de junho de 1907, a Companhia Docas de Santos dirigiu a v. excia.

Veio a aprovação das obras de energia elétrica com o decreto já referido atrás, n. 7.108, de 10 de setembro de 1908, mas o despacho das outras providências levou ainda tempo. Apresentados os orçamentos dos armazéns ns. 13, 14, 15, 16 e 17, e pátios construídos e a construir dentro da faixa do cais, no valor de 4.285:721$592, foram eles reduzidos a 3.438:2426$008, pelo que pediu a Companhia as razões desta redução, pois não fora ouvida [102].

Mais tarde, revogada por um decreto (n. 9.798, de 26 de dezembro de 1907) uma cláusula do contrato de concessão, declarou a empresa não poder aceitar sem sua anuência essa disposição, pelo precedente que assim se estabelecia, embora a referida cláusula não tivesse mais razão de ser. Indeferido seu pedido, fez protesto judicial
[103].

Rezava a cláusula X do contrato de concessão:

Não será permitida a atracação de navios na parte do cais fronteira à Alfândega, senão quando tiverem de descarregar mercadorias destinadas aos respectivos armazéns. Fica expresso que não haverá dupla cobrança de taxas, devendo cessar pela Alfândega a cobrança das que passarem a pertencer aos concessionários.

Aludiu a isso a diretoria no seu Relatório de 1908:

Embora a referida cláusula X, agora anulada, não tenha mais razão de ser, por terem sido demolidos os armazéns da Alfândega que a ela deram causa, entende a Companhia Dicas de Santos que a simples aquiescência da administração pública na atracação dos navios na parte do cais fronteira à mesma Alfândega seria suficiente, como se tem feito até agora; ou, então, caso entendesse o Governo ser matéria para decreto, fosse este promulgado por acordo, mas nunca como ato exclusivo de uma parte, o que importa arrogar-se esta o direito de alterar o contrato sem o consentimento da outra parte contratante.

A permuta do terreno nos Outeirinhos pelo do extinto Arsenal de Marinha não motivou menos troca de correspondência, nesse período agudo, quando tudo era motivo para "chamar à lei a empresa". Mas, igualmente, com final reconhecimento da posição desta. É que havia o fiscal interino, Arthur A. De Oliveira Borges, por ordem do ministro de Indústria, Viação e Obras Públicas, cientificado à Companhia de que, não tendo sido ainda lavrada a escritura da permuta do terreno, conforme autorização pedida por ela e concedida desde 1901, ficaria exclusivamente a cargo da Companhia "qualquer responsabilidade proveniente da utilização deste último terreno, antes de ser pela mesma regularizada a respectiva aquisição e posse".

Explicou a empresa o pé em que estava a questão em São Paulo, onde os antigos proprietários do 2º Outeirinho haviam proposto ação judicial contra o Estado, porque este se não havia dele utilizado para forno de lixo, conforme fora expropriado, pedindo-lhe a restituição; enumerou seus esforços, a custo coroados de êxito, para ser admitida como assistente; e, afinal, provou que nem tinha culpa na demora, nem havia perigo para a União ou a empresa (19 de março de 1908):

Como se vê, não se acham em perigo direitos da União Federal nem da Companhia docas de Santos.

Esta não pode receber silenciosa qualquer ato do Poder Público que porventura pareça aos olhos dos interessados estabelecer-lhe responsabilidades.

A União Federal, intervindo na causa da qualidade de assistente na conformidade do aviso do Ministério da Indústria, Comércio e Obras Públicas n. 189, de 7 de novembro de 1902, dirigido ao sr. procurador da República na Seção de São Paulo, e a Companhia Docas de Santos, agindo, por sua conta, no mesmo sentido, não criaram responsabilidades para si; ao contrário, foi na defesa de interesses comuns que intervieram no mencionado pleito, promovido exclusivamente contra o Estado de São Paulo por fato anterior à autorização para a permuta dos terrenos.

Conquanto não fosse lavrada a escritura de permuta, a Companhia Docas de Santos, com a aquiescência dos representantes da Administração do Estado de São Paulo, de cuja palavra honrada não pode duvidar, entrou na posse do terreno compreendido na planta aprovada pelo decreto n. 4.088, de 22 de julho de 1901, e abriu mão da posse que tinha no terreno do extinto Arsenal de Marinha, situado também em Santos, hoje convertido em logradouro público
[104].

Houve ainda, de parte do Ministério da Viação, a alegação de que a empresa interpretara de modo diverso um traço a tinta azul, na planta dos terrenos adjacentes ao 2º Outeirinho, donde a intimação para que não alterasse traçados aprovados e, pois, sustasse a construção do cais assim construído irregularmente. Em conferência do presidente com o ministro explicou-se, porém, tudo, a contento de ambos. Resumiu-o ainda Candido Gaffrée, em comunicação ao ministro (23 de março de 1908):

Na conferência que se dignou conceder-me hoje tive a oportunidade de mostrar a v. excia. a série de documentos oficiais que provam e demonstram a legalidade do procedimento da Companhia Docas de Santos, construindo, como o está fazendo desde o começo do ano próximo findo, o prolongamento do cais a que se refere o aviso n. 80, de 7 do corrente, dirigido por v. excia. ao engenheiro fiscal das obras e por este comunicado à Companhia por ofício n. 18, de 14 do mesmo mês.

Outrossim, e em cumprimento do determinado na mesma conferência, comunico a v. excia. que a Companhia Docas de Santos não interrompe a execução da referida obra e que vai mandar confeccionar o seu orçamento a fim de submetê-lo à aprovação de v. excia.

Casos de divergência técnica, como esse, ou de informação menos completa, pela paixão acaso existente, não surpreendiam. Que dizer de fatos banais de alfândega, elevados, como o da mina a arrebentar, a questão de interesse público, e, como tais, preocupando imprensa e opinião?

Para citar dois ou três, houvera a morte de uma menina no desabamento de madeira empilhada no cais; depois, a descortesia de um guarda aduaneiro do porto para com um médico ilustre, dr. Victor Godinho, quando de regresso do Rio da Prata; e, por último, a descarga de um cavalo, que se mandou desembarcar em gaiola coberta para despachar-se, devido à hora adiantada, no dia seguinte.

Era de se ver o escarcéu levantado. Dois longos artigos dedicou a Platéa (16, 17 de agosto de 1907) sobre aquele "abuso" da empresa; por sua vez, exclamou o Diario de Santos (17 de agosto): "Por estas e outras é que as Docas, que poderiam ter reunido em redor de si as melhores simpatias, se vão tornando alvo de justos rancores, principalmente pelo desprezo que demonstram para com os que as procuram".

A matéria dependia exclusivamente da Alfândega, nada tinha que ver com a fiscalização das obras, mas o fiscal interveio, alegando não ser a primeira vez que "fazia sentir seu desagrado"; ao que respondeu a empresa declinando de sua competência no caso. Se a cláusula IX do contrato dispunha que o serviço de carga e descarga ficava sujeito ao inspetor da Alfândega, a que vinha essa intervenção? "O vosso excesso de atribuição é manifesto, escreveu-lhe G. B. Weinschenck (19 de agosto), já então diretor. Muito menos a Companhia Docas de Santos reconhece a competência que arrogais de modificar artigos da Consolidação das Leis das Alfândegas, nem mesmo interpretá-las".

Havia escrito o advogado da empresa no Rio de Janeiro, a propósito da causa que lhe movia a União:

Quando se iniciou a perseguição oficial contra a Companhia Docas de Santos, era fiscal das obras hidráulicas o engenheiro Ewbank da Camara, que servia nesse cargo desde o ano de 1900.

Até 1907, durante sete anos, a Companhia Docas de Santos viveu exaltada pelo seu fiscal – obras magníficas, as melhores do mundo inteiro, sistema de construção nunca visto, administração honestíssima e exemplar.

Por todo aquele tempo, a correspondência da fiscalização com a autora não excedera de dez ofícios, sobre coisas simples, muitos de elogios e agradecimentos.

Entrou para o Ministério da Agricultura, Viação e Obras Públicas o dr. Miguel Calmon, e após uma conferência com o belo fiscal, eis tudo mudado. O monumental cais de Santos já é um paredão cheio de rachas, os armazéns são barracões que desvalorizam o café depositado, na Companhia Docas de Santos tudo é desonestidade, desídia e prepotência.

Também não foi vista ao tempo, na devida conveniência, a localização do edifício dos Correios e Telégrafos, que a Companhia tinha que construir. O local escolhido fora Paquetá, ainda quase deserto. Protestou o Diario de Santos [105], ao passo que um anônimo na Tribuna sustentava ter a Companhia com isso em mira "valorizar seus terrenos" e no Rio de Janeiro se levou tudo à conta de mais uma da empresa polvo [106].

A Associação Comercial e a Câmara Municipal também se alarmaram, representando em comum contra a escolha do local, com argumentos tais como distância do centro comercial, depreciação da propriedade urbana devido à deslocação violenta deste etc. Dizia esse documento (15 de junho de 1908):

Argumenta-se que na faixa do terreno conquistado pelo cais ao mar e que se estende do Paquetá aos Outeirinhos assentará, um dia, a cidade industrial e marítima de Santos. Não duvidam as corporações subsignatárias da realidade futura dessa afirmação, por isso que participam da mesma crença. Mas em que época se verificará essa demonstração do nosso progresso material? Dentro de quantas dezenas de anos será colimado esse ardente objetivo das Docas, no que ela é seguida por toda a população ativa e progressista?

Por último, a parede de 1908 não podia deixar, como as duas anteriores, de provocar as costumeiras críticas locais [107]. A causa aparente seria o salário, primeiro, e, depois, o número de horas de trabalho; mas a real estava no desaparecimento forçado de mais uma indústria, o serviço de transporte de café, feito até então por pessoal estranho à Companhia.

De fato, havia prevenido esta (23 de junho de 1908) de que do 1º de julho seguinte em diante "ia executar por pessoal seu todo o serviço de capatazias de café, como fazia com outros gêneros de exportação". Noutras palavras, o transporte das sacas de seus portões para os armazéns ou para bordo seria levado a efeito, não mediante pagamento de 20 réis por saca aos empresários de carroças particulares, mas por ela mesma, mediante o pagamento de 60 réis por saca ao trabalhador. Nada, pois, sofreria este. O empresário de carroças, sim, se via eliminado.

No Rio de Janeiro apareceu a iniciativa como um abuso a mais da Companhia
[108], mas na capital paulista o Estado de São Paulo, noticiando que alguns prejudicados incitavam o ânimo dos trabalhadores, fazendo crer que a Companhia queria obrigá-los a salários miseráveis, escreveu (23 de julho):

Indagando do que há, realmente sobre o caso, eis a verificação a que chegamos:

A Docas, já para atender a alguns proprietários de carroças, já para regularizar os serviços no cais, uniformizando-os e sujeitando-os à mesma disciplina, resolveu fazer por si mesma o serviço todo de capatazias do café, que até agora permitirá que outrem fizesse, mediante o pagamento de 20 réis, pago pelo empresário de carroças e com pessoal deste.

Agora, recebendo café em seus portões, ela se incumbe de conduzi-lo para os armazéns ou para bordo, com pessoal exclusivamente seu.

O trabalhador não é prejudicado, porque a Docas pagará 60 réis por saca de café que ele transportar, constituindo a tarefa diária de cada um o transporte de 83 sacas, correspondente a 5$000 réis. Este é o salário comum e diário do seu trabalhador. Todo o café que o operário transportar além das 83 sacas ser-lhe á contado à razão de 60 réis por saca.

Há carregadores que chegam a fazer 200 viagens por dia a duas sacas, ou seja o transporte total de 400 sacas.

Este caso é excepcional; mas pode ser adotado o transporte médio de 300 sacas por dia, cabendo ao carregador não cinco, mas dezoito mil réis. Daqui se deduz que o verdadeiro ganho do trabalhador depende exclusivamente do seu próprio esforço. É exatamente o que ora se passa.

Apesar disso, rebentou a parede dos carroceiros e carregadores a 10 de setembro, paralisando-se o comércio do café. Telegrafou a Associação Comercial ao Governo Federal. Despachou este para Santos, a Gustavo Sampaio, o que provocou do Correio da Manhã este desabafo no mesmo dia:

Não nos surpreende o que se está passando em Santos, nem surpreende a quantos conhecem o modo de proceder da antipática empresa em relação aos pobres trabalhadores. Odiada pelo comércio e odiada pelo público em geral, a prepotente Companhia é amaldiçoada pelos pobres homens que têm a infelicidade de servi-la. Arrogante, surda a todas as reclamações do comércio, zombando do público, ela considera o trabalhador humilde como uma besta de carga que pode maltratar à vontade, castigar à menor reação, eliminar quando se lhe torne imprestável.

Embora se procurasse, na própria Capital Federal, restabelecer a verdade [109], o pensamento era de que provinha tudo da empresa. Procurou a Associação Comercial, é certo, mediar, pedindo fosse o serviço de estiva restabelecido; mas isso não era possível, pois procedia-se com o café como se fazia antes com os outros gêneros.

E a prova de que não provinha a parede de seu pessoal estava em que, desde 14 de setembro, pode ele carregar café (apesar de haver-se generalizado o movimento aos empregados de bondes, pedreiros e outros operários), chegando, já com mais de mil homens, entre 12 a 22 de setembro, a descarregar 142.247 volumes diversos e 1.096.000 quilos de gêneros a granel; e a embarcar 142.463 sacas de café, e 129159 volumes diversos. Mais tarde, num só dia (2 de outubro) carregaram-se 82.282 sacas.

Mas, então, a situação da cidade já era de desordem. Paredistas atacaram vários armazéns, vaiando a polícia, atravessando fios de arame nas ruas e atirando duas bombas perto dos armazéns 1 e 2, com alguns feridos e danos materiais. Declararam-se solidários os operários de São Paulo.

O Governo Federal fez seguir o Riachuelo e o Floriano, com 100 praças para guarnecer o cais, providências que, combinadas com as tomadas pelo secretário da Segurança do Estado, Washington Luís, que foi especialmente a Santos, restauraram, dentro de poucos dias, a liberdade de comércio e a tranquilidade geral. Comentou o Jornal do Commercio (10 de setembro):

Apesar disso, o que estamos vendo é que já se recorre entre nós à dinamite como nas grandes capitais do Velho Mundo, sujeitas ao flagelo do anarquismo.

Não é a Companhia Docas de Santos que está em jogo; é a própria segurança pública que periga. É preciso que os anarquistas saibam que neste país de ordem e de liberdade os poderes do Estado não tolerarão atentados daquela natureza.

Dizendo-se sem garantias, havia a Tribuna suspendido por quatro dias a publicação. "É o cúmulo, escreveu na sua edição de 24 de setembro, a Companhia Docas de Santos consegue já pela mão da polícia paulista sufocar em Santos a imprensa independente que lhe profliga os desmandos". E, apesar de haver perdido na causa da exibição dos livros, a Companhia tinha, noutra voz oposicionista, o Governo nas suas mãos. Escreveu a Folha do Dia (21 de setembro de 1908):

O que se está passando atualmente em Santos é positivamente uma vergonha. A greve continua, o povo continua a ser barbaramente espancado nas ruas e a Docas não cede. Não cede porquê? E o próprio Governo é que a faz não ceder… Não cedeu porque ao seu mais leve gesto o Governo a ela se curvou, deu-lhe tudo quanto tinha de forte, deu-lhe prestígio, deu-lhe força, até vasos de guerra para assombrar ao povo com suas boas de fogo e os seus porões transformados em enxovias.

Lamentou por seu turno o Correio Paulistano (22 de setembro):

É a primeira vez que a principal praça do Estado, o porto de Santos, vê seu movimento comercial completamente paralisado, a ponto de decorrerem dez e mais dias sem se efetuar a compra de uma saca de café, ficando por esse modo interrompido o curso de grandes negociações daquela praça. De uma hora para outra, a vida comercial deste colosso, que é o Estado de São Paulo, fica interrompida porque os caprichos de uma poderosa companhia assim o querem! A praça de Santos se transforma em praça de guerra e o povo, o comércio e o próprio Governo, resignados, suportam tão calamitosa situação.

Voltou afinal tudo à paz com a admissão dos paredistas e aceitação dos 60 réis por saca carregada. Quanto ao regime de oito horas, dizia o comunicado operário: "Não foi possível consegui-lo agora, havendo esperanças de obtê-lo quando o serviço estiver regularizado". Na linguagem do velho órgão carioca, a questão das oito horas, se aceita, teria subvertido a economia nacional (Jornal do Commercio, 21 de setembro de 1908):

Já não se trata de salários; a questão agora é do número de horas de trabalho. Os paredistas fixaram o limite de oito horas, de acordo com o programa socialista que procuram fazer vingar com a ajuda de bombas de dinamite. Não sabemos o que o Governo pensa de tudo isso. O que sabemos é que o regime das oito horas seria a desorganização imediata do trabalho nacional [110].

Imagem: reprodução parcial da página 272


[102] "Tendo-se dado, deste modo, grande redução dos orçamentos apresentados pela Companhia Docas de Santos, sobre cuja redução não foi aliás ouvida, vem a mesma respeitosamente pedir a v. excia. que se digne mandar dar-lhe cópia dos orçamentos efetivamente provados, bem como dos perfis e mais elementos sobre que se baseou a redução feita, a fim de que, tomando conhecimento de tais elementos, possa justificar os orçamentos que apresentou, os quais representam as despesas dos serviços executados e a avaliação dos que têm de ser feitos". Ofício ao ministro da Viação, 3 de outubro de 1907.

[103] "Nestes termos e porque os contratos não podem ser alterados pela vontade de um dos contratantes, a suplicante vem perante v. excia. protestar contra o referido decreto n. 6.798, de 26 de dezembro de 1907, que não pode produzir qualquer efeito jurídico.

"Sobreleva notar que a suplicante traz em juízo uma ação de nulidade contra o ato anterior do Governo Federal, que arbitrariamente alterou e modificou o contrato de concessão de 20 de julho de 1888, o que revela o propósito deliberado de prejudicar a suplicante, embaraçando-a em seus serviços e ofendendo os seus direitos e interesses". Relatório da Diretoria, 1908.

[104] Em consequência, o ministro da Fazenda oficiou ao presidente do Estado:

"Tornando-se preciso normalizar a situação em que se acham esse Estado e a União Federal, relativamente à permuta dos terrenos juntos ao Outeirinho II de propriedade desse Estado e o do extinto Arsenal de Marinha, de propriedade do Governo Federal, ambos na cidade de Santos, aqueles ocupados pelas obras do cais da Companhia Docas de Santos e este convertido em logradouro público pertencente à municipalidade da mesma cidade, lembro a v. excia., por não se ter ainda legalizado essa permuta, a conveniência de ser lavrada a respectiva escritura, ficando assim cada uma das partes na posse legal do terreno permutado". Diario Official, de 22 de maio de 1908.

[105] "Tira-se deste modo uma repartição do seio populoso, do centro comercial, do movimento, enfim, para instalá-la no extremo da cidade, perto de um cemitério, em distância que só pode ser vencida a bonde para economia de tempo". Diario de Santos, 3 de junho de 1908.

[106] "O fato atual vem patentear, ainda uma vez, o irritante desprezo da Companhia-polvo por tudo quanto não se relaciona imediatamente com seu aumento de lucros". Correio da Manhã, 12 de junho de 1908. No Senado Federal, apresentou Alfredo Ellis um projeto (2 de julho de 1908) autorizando pelo Ministério da Viação essa construção até 200 contos de réis, projeto de que discordou o referido Correio da Manhã por ser isso de obrigação da Companhia "que o ministro da Viação devia chamar à ordem".

[107] Seria de surpreender não aparecesse do novo, como em 1894 e 1896, a questão das capatazias. No Senado de São Paulo apresentou-se indicação (8 de outubro de 1907) a fim de que o Estado representasse ao Governo Federal "no sentido de fazer cessar a contribuição que, a título de capatazia, a Companhia Docas de Santos cobra de todos os gêneros por seu intermédio exportados". O argumento era o mesmo – o milho, o feijão, o arroz, não reclamavam guarda, acondicionamento, depósito etc. por parte da Companhia, e a resposta não variava: o cais, o pessoal da Companhia se empregavam na carga e descarga, como em todos os portos da República. A Tribuna de Santos argumentou que era o pagamento de lei e, sendo assim, só aos tribunais caberia decidir. Sylvio de Lores, 11 de outubro de 1907.

[108] Assim o Correio da Manhã, para quem a Companhia "entendeu que podia mais comodamente executar tal medida, evitando reclamações e dificuldades para admissão de trabalhadores, fazendo-os apoiar a um tempo pela força do Estado e pela força da União". 13 de julho de 1908.

[109] "Informações de boa fonte que temos fazem ver que esse movimento não representa senão a execução de um plano, que naturalmente não surtirá efeito. Parece que são diretores desse movimento os empresários de transporte de café e o que eles desejam é simplesmente tomar de novo conta desse serviço, para o que tentam obstar ou desorganizar os serviços das Docas". Gazeta de Noticias, 11 de setembro de 1908.

Ainda: "A verdade é que, nesse dia, um grupo de desordeiros invadiu o recinto de cais e, a tiros de revólver, impediu que eles prosseguissem no trabalho". Imprensa, 11 de setembro de 1908.

Também: "Parece que esses grupos obedecem a plano dos empresários de transporte de café, que procuram desorganizar os serviços da Companhia Docas para ver se conseguem se apoderar de novo desse serviço". Jornal do Commercio, 11 de setembro de 1908.

[110] A 19 de outubro de 1908 propuseram várias firmas exportadoras ação contra a empresa, pedindo 1.500 contos de indenização pela cessação do embarque de 741.000 sacas de café, durante a parede. Encabeçavam a petição Theodor Wille & Comp. E Prado, Chaves & Comp. Mas desistiram todos logo depois, devido à retirada dos segundos. Esse fato, explicou o advogado dos reclamantes no Estado de São Paulo (28 de outubro de 1908), constituindo o rompimento da classe no processo instaurado, determinou que "em reunião dos exportadores de café, fosse deliberado pela maioria não prosseguir na ação judicial, sem prejuízo do protesto público que deixava feito contra a empresa".