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BAIXADA SANTISTA - LIVROS - Docas de Santos
Capítulo 46

Clique aqui para ir ao índicePublicada em 1936 pela Typographia do Jornal do Commercio - Rodrigues & C., do Rio de Janeiro - mesma cidade onde tinha sede a então poderosa Companhia Docas de Santos (CDS), que construiu o porto de Santos e empresta seu nome ao título, esta obra de Helio Lobo, em 700 páginas, tem como título Docas de Santos - Suas Origens, Lutas e Realizações.

O exemplar pertencente à Biblioteca Pública Alberto Sousa, de Santos/SP, pertenceu ao jornalista Francisco Azevedo (criador da coluna Porto & Mar do jornal santista A Tribuna), e foi cedido a Novo Milênio para digitalização, em maio de 2010, através da bibliotecária Bettina Maura Nogueira de Sá, sendo em seguida transferido para o acervo da Fundação Arquivo e Memória de Santos. Assim, Novo Milênio apresenta nestas páginas a primeira edição digital integral da obra (ortografia atualizada nesta transcrição) - páginas 344 a 354:

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Docas de Santos

Suas origens, lutas e realizações

Helio Lobo

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TERCEIRA PARTE (1906-1910)

Capítulo XLVI

Política e cais

Então, como nos anos anteriores, voltaram à tribuna do Senado, apesar de anteriormente desfeitas ou explicadas, aquelas mesmas impugnações surgidas desde 1894: aumento do capital inicial; soma dos outros como parte do definitivo até então aceito; capatazias; monopólio do porto; construção de um novo cais para contrapeso ao existente etc.

Com relação ao primeiro, a empresa, na voz acusadora, pedira, obtivera e fizera executar o aumento, como parte e autoridade ao mesmo tempo. Já o vimos atrás. Explicou Serzedello Correia, que referendou o decreto, como trabalhava, nas suas conferências, com seus assistentes sempre em torno, pois "tinha o costume de proceder a descoberto e na presença dos auxiliares".

E a isso opunha-se a concessão clandestina de um favor, mais ainda, a colocação sub-reptícia de um decreto "entre os demais papéis que podiam e deviam ser lisamente assinados". Teria Osório de Almeida ocasião de contestar a acusação depois, ao levantar-se de novo no Senado, em 1914.

Foi a esse ponto que se referiu então Severino Vieira. Fatos tão graves teriam tido o silêncio da bancada paulista? O próprio Alfredo Ellis falara, mas, como é de se lembrar, em defesa das obras, a propósito dos operários do Norte (11 de novembro de 1909):

O SR. SEVERINO VIEIRA – Parece que as razões expendidas pelo então sr. ministro Serzedello Corrêa eram de toda a procedência, nem de outro modo entendeu a ilustrada e prestigiosa representação de São Paulo, inclusive o sr. dr. Alfredo Ellis, então deputado legitimamente eleito por aquele Estado.

O decreto n. 942, de 15 de julho de 1892, foi publicado no Diario Official de 23 daquele mês, e nesse mesmo dia o ilustre senador a quem respondo, então deputado, respondia à chamada da Câmara, como respondeu nove dias seguintes, sendo certo que s. excia. não articulou um só fato sobre este escândalo máximo…

O SR. ALFREDO ELLIS – Não posso falar sobre todos os escândalos que se praticam neste país.

O SR. SEVERINO VIEIRA - … cujo cheiro desagradável parece que se foi tornando cada vez mais intenso, à proporção que aquele decreto ganhava em idade. Não se diga, sr. presidente, que o assunto escapasse de todo ao exame do então deputado por São Paulo…

O SR. ALFREDO ELLIS – Escapou; assim como têm escapado outros escândalos que estou disposto a referir, indicando os nomes de quem os praticou.

O SR. SEVERINO VIEIRA - … porque s. excia. teve ocasião de referir-se, pelo menos, aos pesados ônus que haviam assumido os empresários construtores das Docas de Santos.

Em 1896, que não viu a empresa contra seu direito? Agora, repetia-se a cena. A questão de capatazias sobre o café não podia deixar de renascer. Representou contra ela a Associação Comercial de Santos [156].

Valendo-se da velha argumentação de que antes do cais não se pagava essa taxa, o Commercio de São Paulo pediu a sua abolição [157], enquanto novo ensaio legislativo solicitou-se na Câmara do Estado a abolição [158]. Não era caso de apresentar também o senador paulista um projeto?

O SR. SEVERINO VIEIRA – Quando seu honrado amigo, o ilustre senador por São Paulo, combateu a especulação das Docas de Santos…

O SR. ALFREDO ELLIS – E tarifas de estradas de ferro.

O SR. SEVERINO VIEIRA - …como condição sine qua non de obrigá-la à redução de suas taxas, deve estar lembrado, teve ocasião de tratar, per summa capita, da questão das Docas, e procurou então mostrar que o Governo tinha andado muito mal, influindo, como influiu, de modo inconveniente no espírito da generalidade dos membros do Supremo Tribunal Federal.

E, realmente, o próprio ministro que tinha cooperado para conseguir, neste caso, a anuência daquele venerando tribunal, o fez por processos idênticos àqueles que foram empregados quando se procurou obter maioria para votar contra o habeas-corpus requerido pelos seus ilustres e distintos correligionários da Bahia.

Mais:

O SR. SEVERINO VIEIRA – Nessa ocasião até se mandou três oficiais buscar membros do Tribunal que se achavam em Estados diferentes, fazendo estação de águas em proveito de sua saúde. Disse então, realmente, que, para que o honrado senador chegasse a conseguir uma grande redução nas taxas que são cobradas hoje ou atualmente pelo serviços das Docas de Santos, não se precisava de nenhum exame da escrita da Companhia, nem de quaisquer outras providências judiciais, que afinal de contas foram tomadas em pura perda, porque, como disse em aparte o honrado senador pelo Rio Grande do Sul, a vitória do então sr. ministro da Viação nada mais foi que uma vitória de Pirro.

O SR. VICTORINO MONTEIRO – V. excia. consubstanciou muito bem, a vitória do então sr. ministro da Viação, nessa frase sintética.

O SR. SEVERINO VIEIRA – Desde que as taxas cobradas atualmente pela empresa Docas de Santos se desdobram em 150 réis por saca, correspondentes às taxas de embarque e desembarque, que são as taxas que estão sujeitas ao processo estabelecido no contrato de construção do porto, para diminuição da tarifa, e 300 réis como taxa de capatazia, desde que esta última taxa depende simplesmente do voto do Congresso, sem necessidade absolutamente de se proceder a exame nesse ou naquele livro da empresa, o honrado senador tem uma arena vasta e livre para operar, servindo-se do vigor do seu talento, porque para sanar tal mal nada mais falta que o voto do Congresso.

Estava no seu período agudo a questão da exploração do porto do Rio de Janeiro. Reportando-se ao pedido, anteriormente feito e não despachado, de um novo cais para São Paulo, clamou Alfredo Ellis contra o monopólio, ao que se respondeu, com referência ao mesmo cais do Rio de Janeiro e à lei de 1904, não haver quem construísse porto se houvesse a liberdade de atracação (A Imprensa, 4 de dezembro de 1909):

Construir o cais, aparelhá-lo convenientemente, dotá-lo de todos os elementos necessários ao tráfego, obrigar toda a gente, em geral, a servir-se dele, mas permitir que A, B ou C mantenham suas instalações próprias para embarque e desembarque das mercadorias de seu comércio, é criar para esses felizardos uma situação de privilégio, que se traduzem lesão dos interesses gerais.

Sustentamos irredutivelmente que as taxas a serem cobradas no porto devem ser medidas pela indispensável amortização do capital e pela justa remuneração do serviço, mas sustentamos, igualmente, que, nesse particular, a liberdade é uma burla, que não deve ser mantida, porque não a justificam nem a razão da economia para o comerciante, nem o interesse da Fazenda Pública, certamente lesada pelo regime que, sob essa invocação, se quer estabelecer.

A respeito desse novo cais, dissera Alfredo Ellias que não tocaria mais no assunto das Docas de Santos se o Governo Federal concedesse ao Estadual sua construção; e que, enquanto em Santos se construíram 5 quilômetros em 20 anos, no Rio se tinham feito 2 quilômetros em três anos. Comentou a Gazeta de Notícias (22 de outubro de 1909):

Que pretende o nobre senador? Que o seu Estado faça um porto para movimentar gratuitamente a sua importação e exportação? Evidentemente não. Essas obras são tão custosas que, necessariamente, carecem de ser remuneradas; e se a pretensão do nobre senador fosse beneficiar a produção exportável do Estado – em vez da gratuidade do serviço do porto, s. excia. teria outros muitos meios de assegurar esse benefício.

Admita-se, porém, esse curioso fenômeno dos portos paralelos. O porto n. 2 não poderia nascer armado e pronto. As suas seções, paulatinamente construídas, poderiam ir fazendo concorrência ao porto atual. Qual seria o resultado da concorrência? A diminuição das rendas, das rendas formadas pelas taxas que só podem ser reduzidas quando derem para beneficiar o capital com mais de 12%. Durante largos anos, até o dia em que se realizasse a ambição de fechar as portas do cais atual, é este cais que continuaria a fazer uma parte do serviço do Estado, com as mesmas taxas não passíveis de redução, porque o outro cais lhe desviaria os rendimentos, de cuja acumulação depende a revisão da tarifa.

Mais:

Ainda há dias o nobre senador se referia à existência de cinco quilômetros de cais feitos em vinte anos, em Santos, e de dois quilômetros de cais feitos em três anos, no Rio de Janeiro; mas, s. excia. esqueceu a diversidade fundamental entre uma e outra obra.

O cais de Santos começava com pequeno orçamento de três mil contos com capitais nacionais, sem recorrer ao crédito externo, e ia pouco a pouco prosseguindo suas obras, através de dificuldades de toda a ordem, entre as quais a de flutuações de Câmbio que oscilam de 28 a 6 d., com as taxas mais baixas exatamente em época de mais vigoroso trabalho; ao passo que, para as obras do porto do Rio, foi contraído de pancada um empréstimo de 8 ½ milhões esterlinos, dos quais apenas resta um saldo de 775.000 libras, tendo sido arrecadada a receita, papel, de 14.000 contos e a receita, ouro, de 25.000 contos provenientes da taxa de 2% sobre a importação do porto do Rio de Janeiro.

Refletindo um pouco nestas coisas, o nobre senador verá bem o que seria a aventura de um novo porto oficial para esmagar as Docas de Santos: e o seu espírito prático abandonará conosco essa irisada região dos sonhos, bolhas inconscientes que o mais tênue sopro do bom senso apaga e desfaz.

Disse também Victorino Monteiro (28 de outubro de 1909):

Mas, sr. presidente, parece que o espírito do honrado senador pairava nas regiões da fantasia, sempre enganadora, porque, respondendo a um aparte do meu querido amigo, senador por Mato Grosso, sr. A. Azeredo, em que dizia que o governo devia dar ao Estado de São Paulo a concessão do novo porto de Santos, s. excia. imediatamente serenou e exclamou: "Se isto se der, não direi mais nem uma palavra, não estará mais aqui quem falou, estará terminada a minha campanha e o Senado sabe que costumo desempenhar os meus compromissos".

Pois então, sr. presidente, o simples fato de uma concessão dada ao Estado do honrado senador era bastante para modificar toda essa campanha? Porventura, uma transação imoral dessa natureza seria suficiente para que desaparecessem todos esses impedimentos e o honrado presidente da República se transformasse em um benemérito da Pátria, em uma alavanca poderosa do progresso, merecendo as bênçãos do país?

A empresa iria adiantar-se a qualquer iniciativa, para o que se dirigiu ao Governo (27 de dezembro de 1909), mostrando "que o porto de Santos estava aparelhado para durante muitos anos oferecer ao comércio e à navegação um cais perfeito e suficiente, levando em conta o natural desenvolvimento da sua importação e exportação", e que "se, não obstante, o Governo pensasse diversamente e se achasse vantagem no prolongamento do cais atual, a Companhia estaria pronta para construí-lo, direito que lhe assegura o seu contrato de concessão". Estando montada a custosíssima instalação para a construção das obras então concluídas, poderia ser ela aproveitada. O Governo, porém, despachou (Diario Official, 9 de novembro de 1909):

Companhia Docas de Santos, pedindo ao Governo que lhe declare se pretende construir o prolongamento do cais atual naquele porto, para o que lhe dá direito o seu contrato e está devidamente aparelhada; sendo que, no caso contrário, terá de desmontar a custosa instalação feita para as obras já concluídas. Verificando-se que a capacidade do cais atual será atingida, na pior hipótese, em um período de 44 anos, torna-se por isso desnecessário cuidar do seu prolongamento dentro daquele prazo.

À vista do acordo com o Executivo, era evidente que ganhava em estabilidade a Companhia. A repercussão imediata seria em suas ações, que passaram de 318$000 (3 de agosto) a 350$000 (10 de outubro). Resenhando essa ascensão, ouviu o Senado:

O SR. ALFREDO ELLIS – Como dizia, sr. presidente, as ações das Docas tinham uma cotação de 320$000 e depois do decreto em poucos dias subiram a 350$000, com tendência para maior alta. São 9.000 contos que em poucos dias tiveram de valorização estas ações.

No mesmo sentido o Correio da Manhã (21 de outubro de 1909):

Porque em resultado do decreto assinado pelo sr. Nilo Peçanha, decreto que é todo um amontoado de favores à empresa, dotada de portas abertas à fraude e à exploração, as ações das Docas de Santos, que, em 2 de setembro, eram cotadas a 320$000, no dia 12 de outubro foram vendidas a 350$000, com tendências para chegarem a 400$000!

E com essas diferenças, a empresa enriqueceu-se com o melhor de mais nove mil contos! Assim, o Estado de São Paulo continuará sendo explorado, como até aqui, ela gananciosa firma, que constitui hoje um poder novo dentro do país, e ainda em compensação o presidente da República faz correr para os cofres dos proprietários e senhores da riqueza paulista a fabulosa soma representada pela imediata e súbita elevação das suas ações!

Indagou, a respeito, outro jornal carioca, se iriam a 400$000 as ações. Mal se sabia que, resistindo, depois, a um sindicato envolvente estrangeiro, se recusaria por elas cerca de um conto de réis. A confiança pública nos títulos da empresa era tanto maior, quanto mais árdua a luta que empreendia (A Noticia, 20 de outubro de 1909):

O caso da cotação das ações é que, permita o nobre senador, não é digno, nem do Senado, em que o argumento foi produzido, nem de s. excia., que o produziu. S. excia. cita a venda de ações de 320$000 a 325$000, em setembro, antes do decreto, e venda de ações a 350$000 depois do decreto, verificando-se assim uma alta de 25$000 em título. Ora, essa alta é insignificante em relação ao valor moral que a decisão do Governo deve exercer nos destinos de uma empresa que tem sido alvo das mais violentas perseguições; neste ponto, estamos de inteiro acordo com o nobre senador.

Mas o que s. excia. esqueceu de assinalar é a resistência formidável que o valor moral e material da empresa tem exercido contra essa obra de perseguição: partindo da cotação nominal de 200$000, elas foram subindo progressivamente até 307$000, em julho de 1906, quando o nobre senador começou a sua apaixonada campanha. Veio depois a perseguição desmascarada do Governo passado; e apesar dessa perseguição administrativa, apesar da fuzilaria parlamentar do nobre senador, as ações continuaram a subir.

A questão do porto do Rio de Janeiro ocupava de tal modo a imprensa, que corri quase sem eco público a campanha no Senado. Falando sobre o mesmo porto do Rio de Janeiro, não deixou Alcindo Guanabara, na Câmara, de dedicar duas palavras ao de Santos, quanto ao decreto Nilo-Sá. Seu diário, aliás, estranhava a violência, sem precedentes, das últimas orações naquele recinto, de conhecida moderação [159]. Depois de ler o parecer Bicalho:

Eis no que se resume a questão das Docas de Santos, que tão virulentas agressões tem valido ao sr. presidente da República.

Não se alterou em nada o seus ônus e as suas obrigações. Não se lhe concedeu favor algum.

Apenas, em vez de cada ano o Governo mandar verificar o que ela gastou no seu custeio, quanto à sua renda líquida, estabeleceu-se para ela o mesmo regime já estabelecido para as empresas estrangeiras que exploram o porto de Belém, o porto da Bahia, o porto do Rio Grande do Sul; assentou-se uma percentagem fixa sobre a renda bruta para esse custeio, permitindo-se assim facilmente, sem possibilidade de controvérsia, verificar se a renda líquida excede ou não 12%.

Escreveu o Jornal do Commercio (23 de outubro de 1909):

Os discursos do sr, senador Ellis, recentemente pronunciados e transcritos em nossa edição ineditorial, revestem-se de grande virulência no ataque que fazem ao Governo, por ter assinado o último acordo com a Companhia das Docas de Santos.

Sem entrar agora no de meritis da questão, podemos assinalar que ao Governo Affonso Penna, que s. excia. tanto elogiou pela sua atitude para com aquela empresa, cabe, pelo menos, a metade dos temerários insultos que, em nome do Estado de São Paulo, tem dirigido ao sr. presidente da República e seus ministros.

Sabemos que o atual acordo foi sugerido e proposto pelo sr. dr. Miguel Calmon, que deu as competentes instruções ao sr. dr. Bicalho, para prepará-lo, e que levou meses a se concluir. Organizado ele, aquele ex-ministro retocou ou suprimiu um dos artigos e o documento estava pronto para a assinatura presidencial quando ocorreu o falecimento do dr. Affonso Penna.

E foi, então, num crescendo o ataque. Severino Vieira explicou sua pobreza, nada devendo aos concessionários de Santos [160]. Falou-se em honestidade e o diálogo foi este (13 de novembro de 1909):

O SR. SEVERINO VIEIRA – É possível, sr. presidente, que tudo isto tenha sido errado; mas é o erro de todas as administrações, desde o antigo regime até às atuais.

Enquanto, pois, o nobre senador, com a sua sabedoria, não vier substituir estas normas da administração pública…

O SR. ALFREDO ELLIS – Sabedoria, não, honestidade, sim.

O SR. SEVERINO VIEIRA – Ora, v. excia. a falar em honestidade!

O SR. ALFREDO ELLIS – Não tenho sabedoria e nunca me presumi ser um sábio.

O SR. SEVERINO VIEIRA – V. excia. sabe até brocardos de direito e ainda anteontem citou um aforismo jurídico, no intuito de esmagar-me.

O SR. ALFREDO ELLIS – São citações corriqueiras. Para isso não é preciso ser-se um sábio.

O SR. SEVERINO VIEIRA – Sr. presidente, há muito que tenho honestidade sem andar a blasonar. E, por via de regra, não são aqueles que blasonam da sua honestidade, os mais honestos.

O SR. ALFREDO ELLIS – Não há dúvida nenhuma. Mas alguns que blasonam o são.

Logo adiante, referindo-se a acusações que tinham recaído sobre o representante paulista:

O SR. SEVERINO VIEIRA – Não veja o ilustre senador nenhuma referência à sua nobre e elevada pessoa. Mas isto é uma verdade. E ainda bem que não blasono da minha honestidade.

O SR. ALFREDO ELLIS – Entretanto, é v. excia. um dos membros desta Casa que mais tem sido acusado. Ainda o foi há dois meses, e nó vimos a defesa brilhante que aqui fez.

Nove dias antes, estas haviam sido as contas com o senador pela Bahia:

O SR. ALFREDO ELLIS – Sr. presidente, prefiro o lutador franco, o adversário leal que ataca pela frente, ao adversário que oculta as suas armas.

O SR. SEVERINO VIEIRA – Mas eu não estou neste caso.

O SR. ALFREDO ELLIS – Prefiro o punhal de Brutus à áspide insidiosa que feriu Cleópatra; desejo um adversário, como eu sou, que mantenha, em primeiro lugar, a máxima lealdade nos argumentos que produz.

O SR. SEVERINO VIEIRA – Se isto agora não é um ataque direto à minha pessoa, declaro que não compreendo v. excia.

Ou ainda:

O SR. ALFREDO ELLIS – E, a propósito dos apartes com que s. excia. se dignou honrar-me, lembro-me de que Du Chaillu já dizia que o que mais o incomodava na África não era o rugido do leão, nem o do tigre, mas sim o coaxar roufenho e infernal do sapo, e o uivo lancinante e guloso das hienas esperando o festim.

O SR. SEVERINO VIEIRA – V. excia. é sapo ou hiena?

O SR. ALFREDO ELLIS – Eu não disse que v. excia. o era.

O SR. SEVERINO VIEIRA – Se v. excia. não o disse, retiro a minha pergunta.

O SR. ALFREDO ELLIS – Não precisa retirá-la. V. excia. acabou o seu discurso tratando de História Natural e eu parafraseei suas palavras.

O que provocou esta reação:

O SR. SEVERINO VIEIRA – S. excia. concluiu o seu discurso, cheio de frases maliciosas e termos grifados, aludindo a uma comparação que me é muito grata. S. excia. fez-me lembrar os belos tempos em que os meus adversários políticos, menos cruéis, mais generosos, ou pelo menos mais condescendentes de que o ilustre senador, se limitavam, supondo que me amofinavam, a achar em mim semelhança com o humilde crustáceo, que denominam "espia-maré".

O certo é que esse inocente animal não frequenta senão as costas de areias límpidas, ruivas, de que falava o poeta, não é dos que habitam o mangue e o lodo. É um animal por demais minúsculo, humilde, inteiramente inocente, sem vírus, sem veneno, sem peçonha, incapaz de praticar qualquer, mesmo das mais leves, diabruras que, em loja de louça, podem ser atribuídas a um outro animal, mais pretensioso e, talvez por isso mesmo, mais daninho.

Por seu lado, o diálogo com Victorino Monteiro variava da aspereza para trechos como este:

O SR. ALFREDO ELLIS – Aproveitando-se também, sr. presidente, da ocasião, o ilustre senador, para não perder o vezo de faltar à verdade.

O SR. VICTORINO MONTEIRO – É privilégio seu. V. excia. é o discípulo mais eminente de Munkhausen.

O SR. ALFREDO ELLIS – Não tive a honra de ser colega de v. excia.

Antes dissera s. excia.:

O SR. ALFREDO ELLIS – Apelo para v. excia., sr. presidente, apelo para todos os meus colegas, para todos quantos acompanham os debates que são travados nesta Casa, a fim de que digam se, ocupando esta tribuna, alguma vez deixei transparecer ao menos, sentimentos menos nobres, sentimentos menos elevados.

No mesmo dia:

O SR. ALFREDO ELLIS – Teria eu a coragem de, depois de quatro anos, pois, que há tanto tempo venho palmilhando essa estrada cheia de dificuldades e embaraços, arrostando os maiores sacrifícios, concluir por patentear que o que me move é a paixão, é o ódio!

O SR. VICTORINO MONTEIRO – Isto não é coragem.

O SR. ALFREDO ELLIS – Sr. presidente, a paciência tem limites. Peço a v. excia. que me garanta a palavra.

O SR. VICTORINO MONTEIRO (com exaltação) – V. excia. foi que provocou esta minha reação, porque entende que deve dizer tudo e que ninguém tem o direito de lhe dizer coisa alguma

Nada afligia, com efeito, mais ao senador paulista que ser acusado de paixão. Exarou a Gazeta de Noticias a respeito, argumentando também com o paradoxo de paulistas no poder concederem o que paulistas fora dele combatiam (19 de outubro de 1909):

S. excia. dirá que essa paixão se legitima e há realmente paixões muito legítimas, porque ela é posta ao serviço de interesses superiores do seu Estado.

Mas, em primeiro lugar, esses interesses, quando existissem, não exigiriam como uma necessidade de defesa nem a agressão violenta, nem a injúria.

Em segundo lugar – e de novo fazemos apelo a um intervalo de reflexão de s. excia. mesmo – a empresa não começou hoje a sua vida, e sua vida vem de há vinte anos, numa superposição de obras e de atos do Poder Público.

Houve contra ela as lutas do Governo do honrado sr. dr. Prudente de Moraes e essas lutas acabaram – como acabou a fantasia da Alfândega na Capital – pelo statu quo, que caracterizava os direitos da Companhia. Sucederam-se os governos dos honrados srs. Campos Salles e Rodrigues Alves e ainda os direitos da Companhia foram mantidos.

Doze anos de governo de paulistas não alteraram esse statu quo. Pois os interesses do Estado de São Paulo, por mais forte que seja o monopólio de competência do nobre senador, serão defendidos por s. excia. e esquecidos por administrações federais de paulistas dos mais ilustres? Por que não reconhecer que, mais do que os interesses particulares de uma empresa, o que prevalece é a força inatacável, impessoal e permanente da justiça e do direito?

Ora, a empresa não era maior culpada (22 de outubro):

O SR. ALFREDO ELLIS – Não pretendo, como muitos julgam, atacar a diretoria da empresa. Entendo que a diretoria da empresa não deve absolutamente ser responsabilizada pela cornucópia de favores que o presidente da República acaba de derramar sobre ela. A empresa está no seu papel. O polvo nasceu para sugar, o tamanduá para asfixiar, o tigre para matar.

Seria inútil acusar, responsabilizar a empresa das Docas pelo fato dela querer empolgar mais do que lhe concedeu a lei. É esse o empenho de todas as empresas poderosas: - é sabido.

Não. Sr. presidente, eu não responsabilizo o beneficiado, responsabilizo, desta tribuna, o beneficiador.

Ora, respondia por tudo, nada empregando em obras filantrópicas. Então e de novo, tinham sido justos os favores iniciais (19 de outubro):

O SR. ALFREDO ELLIS – Suportamos há 17 anos as mesmas cláusulas do regulamento de 1892, e declaro, sr. presidente, que não oporia que se fizessem todas as concessões a esta empresa, quando ela as necessitava, na sua infância; quando dispunha de escassos recursos, e justo era, portanto, que nada se lhe negasse. Agora, porém, que outras são as suas forças e poderosas, e que não houve ainda negativa da parte de governo algum em relação aos seus pedidos, às suas exigências,não pode haver essa liberalidade.

É notório que seus empresários representam a maior fortuna deste país, e sabe-se que nunca, absolutamente, saiu daqueles cofres uma contribuição qualquer para um movimento de filantropia a qualquer instituição pia, segundo informações que me foram transmitidas.

Disse Alfredo Ellis ter empregado "até linguagem benévola de mais para com o sr. presidente da República". O Supremo Tribunal Federal? Devia ir funcionar num "dos quartos baixos do Catete". O chefe da Nação? Cedera à advocacia administrativa.

De 23 de dezembro é o penúltimo discurso. Aos seus dois opugnadores:

O SR. ALFREDO ELLIS – Eis-me de novo na brecha, pronto a recomeçar o ataque!

Eu emprazo, portanto, os ilustres senadores a que venham provar que as minhas acusações são falsas. Eu os repto, eu os desafio! A luva está lançada. Apanhem-na suas excias.!

Tenham, ao menos, a coragem de vir, ainda uma vez, falar a verdade perante o Senado. Cesteiro que faz um cesto, faz um cento! Para que esses escrúpulos tardios? Para que a tranca na porta, depois da casa arrombada.

O SR. PRESIDENTE – Peço licença para observar que, nos termos do regimento, o sr. senador não pode atribuir a nenhum dos seus honrados colegas as intenções que lhes atribui. Eu reputo ofensivas a frase em que v. excia. declara que seus honrados colegas faltaram à verdade intencionalmente.

O SR. ALFREDO ELLIS – Não seria então intencionalmente? Não é fato que não era positivamente verdade o que suas excias. asseveraram?

A Nilo Peçanha:

O SR. ALFREDO ELLIS – Mas, como com amor, se s. excia. não tem feito senão despertar ódios, dos quais uns já explodiram devido à coragem cívica de muitos, e outros se acham ainda sopitados pela esperança de favores! Sou, pois, forçado a acreditar que, quando o "capo comico" anunciou, com o seu capadócio "Paz e Amor" que a Inana ia começar, fez, jesuiticamente, uma restrição mental, pensando com certeza no amor dos gatos!

Sim, Paz, mas paz aos tratantes. Sim, Amor, mas amor à bandalheira e à molecagem! Não ignoro, sr. presidente, que se tem censurado a veemência da minha linguagem, mas, médico, bem sei que, para certas chagas usando de desusada energia – só ferro em brasa. Ajudem-me, pois, srs. Senadores!

Tendo protestado não mais vir à tribuna, o representante do Rio Grande do Sul o fez, porém, para defesa do chefe da Nação. O da Bahia levantou também a voz, uma vez que a propósito das Docas de Santos a campanha senatorial se tornava pessoal e violentamente contra o presidente da República. Disse o primeiro, voltando atrás de sua deliberação (Senado, 25 de dezembro de 1909):

O SR. VICTORINO MONTEIRO – Mas, depois de receber o Diario do Congresso, depois de ler as acusações feitas pelo nobre senador ao sr. presidente da República, colocado no alto posto em que está pela confiança absoluta do grande Partido Republicano Brasileiro, darei a s. excia. resposta cabal e completa.

E não recuarei, sr. presidente, diante de qualquer linguagem enérgica e violenta, porque é preciso que todos se convençam de que sabemos dar a respostas pelo mesmo modo por que é feita a pergunta; é preciso que compreendam que não receamos de arreganhos irritantes de quem quer que seja, ainda mesmo que formulados em linguagem imprópria de uma corporação desta natureza, em que todos devemos provar, pela delicadeza do trato e correção do proceder, o respeito que mutuamente nos devemos e ao mesmo tempo à mais alta autoridade do país.

Orou o segundo (Senado, 11 de novembro de 1909):

O SR. SEVERINO VIEIRA – As injúrias que me foram lançadas pelo honrado senador por São Paulo merecem desculpa porque, embora não médico, quero induzir do modo inesperado, quase abrupto, pelo qual s. excia. se levantou ontem da sua cadeira, para ofender-me, que nos achamos em face de um caso patológico.

Não procuro, sr. presidente, absolutamente, retaliar as injúrias, as mais grosseiras que me foram assacadas pelo honrado senador por São Paulo e, não o faço por amor de mim mesmo e por decoro ao Senado; considero-me em minha consciência superior a elas, ou penso ainda que meus colegas assim me consideram pela estima que me dispensam.

Também, sr. presidente, não acompanharei os voos fantásticos, hoffmanicos, do ilustre senador; limitar-me-ei, terra a terra, a sustentar a boa razão, os fundamentos de defesa que, bom grado, mau gado do Governo, procurei fazer desta tribuna, não para ser agradável ao mesmo Governo, mas, antes de tudo, em satisfação da minha consciência e até mesmo como uma deferência ao ilustre senador, a quem me prezo de ter tratado com toda a cordura, com toda a amabilidade, de modo que, ao terminar as toscas palavras que proferi aqui, nenhuma perturbação senti que se pudesse dar, nem notei, nas boas relações que sempre mantive com s. excia. até hoje.

Por alheia à matéria, no que se seguiu, ao escopo desta exposição, aqui a encerramos. Voltaria à tribuna no fim do ano seguinte, o senador paulista. A opinião pública já se havia habituado à sua combatividade. "Desta feita, disse um órgão da imprensa, fazendo a resenha dos trabalhos senatoriais (Gazeta da Tarde, 20 de outubro de 1909), a oratória opositora do respeitável senador Ellis não se esgota mais. S. excia. encheu ontem todo o expediente e, terminada a hora, prometeu continuar. A vítima é sempre as Docas de Santos".

Já no seu encalço, pelo referido atrás, não o deixava a Imprensa. E nas suas "Notas da semana", sob o título de "A 80 à hora", a pena do seu redator-chefe dele traçou retrato irreverente [161].

Imagem: reprodução parcial da página 344


[156] "Escusa esta Associação de encarecer a necessidade de ser urgentemente resolvida a controvérsia sustentada acerca da referida cobrança de 450 réis por saca de café, a título de capatazias devidas à Companhia Docas de Santos, pela utilização do seu cais em simples passagem do volume para bordo; crise que há muito assoberba a lavoura paulista, refletindo-se no comércio a ele vinculado por interesses diretos e imediatos, está a exigir esforços decisivos em ordem a limitar os ônus resultantes da exportação ao restritamente e positivamente fixado em dispositivos legais".

[157] "Nestas condições, cobrar a taxa de carga, cobrar a taxa de atracação, cobrar a taxa de dragagem do porto, tudo isso para embarcar o café, é sem dúvida muita coisa, mas enfim é legal; cobrar, porém, além dessas contribuições, a taxa alfandegária de capatazias, coisa que a própria Alfândega nunca fez, antes de haver sub-rogado seus direitos à Companhia Docas, é pretender o cessionário ter mais direitos que o cedente". Commercio de São Paulo, 1 de dezembro de 1909.

[158] "Indicação n. 2, de 1909 – Indico que a Câmara, por intermédio do Governo do Estado, represente ao Governo Federal no sentido de cessar a cobrança indevida da taxa de capatazia, feita pela Companhia Docas de Santos, dos cafés que transitam pelo cais sem se acharem na dependência ou a cargo da Alfândega. Sala das sessões, 3 de novembro de 1909. João Martins.

"Justificar a indicação supra é tarefa que não demanda muito esforço. A intervenção do poder público para fazer cessar o inqualificável abuso cometido pelas Docas com a cobrança de capatazias de cafés, é uma necessidade indeclinável. João Martins, Câmara dos Deputados do Estado de São Paulo" – Correio Paulistano, 6 de novembro de 1909.

[159] "As pessoas que, acaso, tenham ainda a paciência de acompanhar a última série dos discursos com que o senador Alfredo Ellis tem comentado o decreto de 4 de outubro terão, sem dúvida, admirado a violência da linguagem usada por s. excia. envolvendo injúrias, certamente sem precedentes, da tribuna do Senado, tradicionalmente austera e moderada". Imprensa, 22 de novembro de 1909.

[160] "O sr. Severino Vieira – Não devo aos concessionários das Docas de Santos nenhum favor; mantenho com eles relações de cortesia, e neste particular, não dou mais do que recebo destes ilustres cavalheiros. Vê, portanto, v. excia., que se às vezes me levanto para dizer algo – não tanto em favor da empresa das Docas de Santos, mas, ou contra o Governo, como fiz na sessão do ano passado, ou em favor do Governo atual, como agora achei que devia fazer, não me sinto absolutamente constrangido em minha consciência e nem receio que a fortuna desses cavalheiros possa corromper-me".Severino Vieira, Senado, 11 de novembro de 1909.

[161] "Estou só a pensar que esse senador há de morrer um dia. Vai para o céu. O Cristo abre-lhe as portas do paraíso com uma das suas bem-aventuranças. Chega. Toda a Corte está reunida em torno de Jeová. Faz uma curvatura respeitosa e ataca o primeiro motivo da sua apresentação: "Venerando sr. Jeová! A Companhia Docas de Santos…"

"Pasmo! Espanto! O velho Deus desmaia; Nosso Senhor murmura aos ouvidos de São José: "Meu pai, afastai de meus lábios esse cálice. Prefiro a cruz outra vez". As onze mil virgens fogem espavoridas e, em minutos, só, diante do Deus dos hebreus, que ronca profundamente, o pai conscrito agita os braços, declamando para os céus desertos, os seus discursos do Senado; aqueles discursos que encheram esta semana vazia e que tantas vezes fizeram o mais complacente dos jornalistas dobrar as esquinas apressado". Carlos Eduardo, A Imprensa, 25 de outubro de 1909.