Clique aqui para voltar à página inicialhttp://www.novomilenio.inf.br/baixada/bslivros08a78.htm
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 08/04/13 20:55:35
Clique aqui para voltar à página inicial de Baixada Santista

BAIXADA SANTISTA - LIVROS - Docas de Santos
Capítulo 78

Clique aqui para ir ao índicePublicada em 1936 pela Typographia do Jornal do Commercio - Rodrigues & C., do Rio de Janeiro - mesma cidade onde tinha sede a então poderosa Companhia Docas de Santos (CDS), que construiu o porto de Santos e empresta seu nome ao título, esta obra de Helio Lobo, em 700 páginas, tem como título Docas de Santos - Suas Origens, Lutas e Realizações.

O exemplar pertencente à Biblioteca Pública Alberto Sousa, de Santos/SP, pertenceu ao jornalista Francisco Azevedo (criador da coluna Porto & Mar do jornal santista A Tribuna), e foi cedido a Novo Milênio para digitalização, em maio de 2010, através da bibliotecária Bettina Maura Nogueira de Sá, sendo em seguida transferido para o acervo da Fundação Arquivo e Memória de Santos. Assim, Novo Milênio apresenta nestas páginas a primeira edição digital integral da obra (ortografia atualizada nesta transcrição) - páginas 615 a 624:

Leva para a página anterior

Docas de Santos

Suas origens, lutas e realizações

Helio Lobo

Leva para a página anterior

SEXTA PARTE (1926-1935)

Capítulo LXXVIII

Rebate falso?

Logo que se assinou o contrato baseado no decreto n. 17.596, de 10 de dezembro de 1927, que aprovava o projeto e as despesas para as novas obras de Santos, negou-lhe registro o Tribunal de Contas, porque nem no termo, nem no decreto, havia qualquer referência à lei em que se amparava, ou a contrato anterior de que fosse subsidiário; e porque não constava tampouco a cláusula de somente entrar em vigor depois de registrado pelo Tribunal.

"Facílimo, exarou a diretoria, no seu relatório de 1927, é entretanto satisfazer a exigência do Tribunal. Todos os nossos contratos se baseiam na lei de 1869 e têm sido até agora registrados pelo Tribunal de Contas. Neste sentido estamos providenciando".

Mas logo no ano seguinte (1928) teve a empresa que declarar que a recusa do registro lhe trouxera "embaraços notáveis". O novo Governo Federal havia julgado conveniente não solicitar a reconsideração da decisão do Tribunal de Contas, conforme esta comunicação do chefe da Fiscalização do Porto de Santos (21 de março de 1927):

Comunico-vos, para os devidos efeitos, que o sr. inspetor federal de Portos, Rios e Canais informa que, por aviso n. 18, de 5 do corrente, o sr. ministro da Viação e Obras Públicas resolveu que as obras e instalações novas, neste porto, não podem ser iniciadas, visto o Tribunal de Contas haver negado registro ao termo de acordo de 11 de novembro de 1926, pelo qual foram aprovados os projetos e orçamento de tais obras e instalações, cuja autorização cessou assim por falta da formalidade do dito registro, que a tornaria válida e efetiva.

Acrescenta ainda que "o pedido de reconsideração ao Tribunal de Contas" só poderá ser feito depois de novo estudo do assunto, não só sob o ponto de vista legal, como, principalmente, tendo-se em vista os múltiplos interesses da União no porto de Santos.

Era claro que a propósito das exigências do Tribunal, entretanto de fácil satisfação, voltava atrás a União. Presidia o país Washington Luis Pereira de Souza, tendo Victor Konder como ministro da Viação. Seria a última campanha? Não se poderia escrever assim, porque a União voltaria logo atrás de sua negativa, e também porque não havia mais ambiente para a renovação das polêmicas anteriores. No próprio São Paulo, seu maior órgão de publicidade não podia compreender a atitude federal, que o Relatório da Companhia acabava de desvendar. "Suspender as obras – inquiriu o Estado de São Paulo -, mas por quê?" Continuando (6 de maio de 1928):

As obras em questão representam uma necessidade indispensável, sobre a qual estão todos de acordo. Eram consideradas urgentes, tão urgentes que o Governo anterior havia autorizado o início das mesmas ainda antes de preenchidas todas as formalidades legais. Não temos o direito de duvidar da palavra do dr. Guilherme Guinle quando, falando em nome da Companhia, afirmava: "Não se esqueça de dizer aos seus leitores que esse melhoramento da sua aparelhagem, as Docas o querem fazer sem ônus de espécie alguma, quer para o Governo, quer para o comércio, quer para as companhias de navegação".

Que interesses, pois, seriam feridos com a execução dessas obras de imprescindível necessidade e das quais só vantagens poderiam resultar para as forças produtoras de São Paulo?

Mais:

Por que razão o Governo Federal, o "atual governo", assim se desinteressa de tão magno assunto e não julga "conveniente" solicitar a retificação dos termos do contrato para obter o seu registro pelo Tribunal de Contas?

Tem-se a impressão de que em tudo isto alguma coisa há oculta, que não está precisa, que não parece limpa.

É impossível crer que todo esse movimento não tenha passado de uma criminosa comédia. Mas, afinal temos o direito de querer saber quem é, e por que motivos, que está a brincar com os mais altos interesses das classes econômicas de São Paulo.

Falou-se mesmo na alienação da Companhia. Sobre ela não se havia pronunciado ainda a diretoria. À notícia se referiu Guilherme Guinle em assembleia geral (30 de abril de 1928):

Em seguida pediu a palavra o sr. dr. Guilherme Guinle e disse que não desconheciam os srs. Acionistas a notícia que tomou caráter público da venda da Companhia.

Ocorre somente que os acionistas que possuem ações que permitem o controle social receberam de um grupo de americanos do Norte, não uma proposta firme, mas uma consulta se estariam dispostos a vender-lhes essas ações.

Na qualidade de representante daqueles acionistas, declarou o orador que estudaria com os seus companheiros a proposta que se lhes fizesse, mas desde logo uma preliminar estabelecera, nestes termos, os compradores assumiriam o compromisso de pagar aos acionistas que não quisessem continuar na sociedade o mesmo preço oferecido e aceito por ele e seus companheiros. Eis o que há, e o orador precisava fazer essa declaração para tranquilizar todos os srs. acionistas.

Tinha comentado em telegrama do Rio um órgão paulista que não havia poupado a empresa (Gazeta, São Paulo, 7 de maio de 1928):

O sr. Guinle se desfaz, com pesar, da sua poderosa empresa, premido pelas exigências de toda ordem, que o Governo, a propósito de tudo e a propósito de nada, faz às Docas de Santos, deixando-a em desigualdade de condições de tratamento, perante companhias estrangeiras, da mesma natureza, estabelecidas o país.

O que se releva aos ingleses e americanos, que podem reclamar, por vias diplomáticas, não se dispensa à companhia nacional. A acusação não é feita a este Governo. Estende-se a todos os outros, por isso que é norma de conduta de todos.

Aborrecido, contrariado, cansado de uma situação desigual e vexatória, o sr. Guilherme Guinle se inclinaria por uma das muitas propostas que lhe têm sido endereçadas, impondo apenas aos proponentes a condição de não se interessar por nenhum negócio, desde que não sejam adquiridas as demais ações espalhadas na praça, a fim de evitar o prejuízo dos possuidores desses títulos, como aconteceu há tempos, com as ações da Companhia Jardim Botânico, quando a Light adquiriu o controle das mesmas.

Ainda no Estado, outro jornal lamentou a notícia. Como estavam os tempos mudados! (Diario da Noite, 9 de maio de 1928):

A Companhia Docas de Santos constitui inegavelmente um padrão de capacidade dirigente dos nossos homens de negócios e técnicos, pela atuação firme e profícua que nela se há verificado desde o início do seu funcionamento, e ainda, prova certa da tenacidade no levar por diante uma iniciativa das mais arrojadas, nascida com recursos modestos e realizada, entre outros embargos, ante a hostilidade da febre amarela, então endêmica e altamente letal no cenário dos seus trabalhos.

Santos era então uma paragem temida de estrangeiros e de nacionais, inúmeros dos quais pagaram com a vida a temeridade de aí se estabelecerem. O saneamento de Santos, ou o seu grande concurso para essa conquista, eis o primeiro fruto colhido dessa realização, que constitui um justo orgulho dos surtos nacionais.

Essa vantagem, entretanto, é apenas a moldura do quadro que se oferece aos nossos olhos hoje, na messe dessa expansão dia a dia dilatada, não só do nosso Estado, como daqueles que, por suas condições geográficas, tornam-se dependentes do grande porto brasileiro, para escoadouro, permuta de sua produção.

Mais.

Seremos justos, diremos bem afirmando pura e simplesmente que a Docas deve a sua prosperidade a São Paulo? Certo que não. Impossível ocultarem-se as vantagens bilaterais, conforme já ficou visto. Forçoso é confessar a intimidade de interesses e proveitos recíprocos entre as duas partes e, mais, que São Paulo não seria hoje, talvez, o que atingiu se, cerca de quarenta anos atrás, Santos não houvera recebido o marco primeiro da instalação portuária que possui, facilitando o intercâmbio da produção estadual, incrementada por isso mesmo, como é palpável, nas últimas três décadas, a sua atividade agrícola, a troco da qual, aquele porto tomou o segundo lugar na importação do país, nenhum outro lhe podendo deter o primeiro na exportação.

Poderosa, nababesca talvez, é a Companhia Docas de Santos. Nada a admirar; é a resultante do meio em que opera. Nada precisa pedir, antes renuncia, crescendo tão somente à sombra do seu trabalho, enquanto insufla prosperidade nos Estados seus clientes.

Mas o maior desabafo veio do amigo tradicional. Seria crível que, por culpa de São Paulo, passasse aquela Companhia para mãos estrangeiras? (Jornal do Commercio, 13 de maio de 1928):

As Docas de Santos constituem um dos mais justos motivos de ufania da nossa capacidade de realização técnica e da agudeza da visão financeira e econômica dos filhos deste grande país singularmente desajudado do Governo.

O poderoso espírito de iniciativa de Gaffrée e Guinle logrou, através de grandes esforços, conduzidos sempre com rara tenacidade e patriotismo, dotar o Estado de São Paulo daquele extraordinário melhoramento, aperfeiçoando todos os dias a notável obra e habilitando-a a ir servindo cada vez melhor os interesses do formidável progresso e desenvolvimento daquela importante unidade federada.

A empresa nacional, que aqueles dois saudosos compatriotas organizaram e dirigiram tão largos anos com a cooperação de outras sumidades brasileiras, continuou prosperando sob a direção dos herdeiros, entre os quais não é favor destacar a atividade sem par do sr. Guilherme Guinle, jovem milionário pertencente a uma família de eleição, cuja fortuna não conhece outro emprego que não seja o bem do Brasil.

Adiante:

Não pode deixar de espantar que os depositários desse legado de honra da brasilidade se disponham a cede-lo a estrangeiros, quando a situação da empresa toca o auge, e é plenamente capaz de se expandir até onde for necessário, sob direção nacional. Deve haver razões profundas e fundadas para o gesto de renúncia que se esboça, e cremos prestes a se confirmar. Para nós, esse gesto de renúncia há de ser também um movimento de cansaço diante das hostilidades surdas da administração nas suas relações com a empresa, e vai no fato uma prova mais da incompreensão que o Governo tem dos interesses nacionais.

Só poderia, noutras circunstâncias, lisonjear-nos o afluxo dos capitais estrangeiros, tomando aqui a iniciativa de empreendimentos lucrativos. Mas há de por força entristecer bastante todos os patriotas a facilidade com que estamos vendo o ouro americano aproveitar a situação do nosso decretado câmbio baixo para deitar mão às grandes empresas brasileiras, que o Governo do país, em vez de ajudar, persegue e destrata com toda a sorte de caprichos, exigências e alcavalas fiscais.

Mas foi breve a restrição. De 21 de março de 1928 datava a comunicação à empresa sobre a nova posição do Governo Federal. De 16 de junho – menos de três meses – se retomou o fio interrompido, com o decreto n. 18.284, que autorizou a reabertura do capital e a construção das obras de ampliação. No intervalo, havia a empresa representado ao ministro da Viação sobre a necessidade de se não interromperem os trabalhos, ainda que mesmo sob sua só responsabilidade (2 de maio de 1928):

Pelo ofício n. 69, de 21 de março próximo passado, o sr. chefe da Fiscalização do Porto de Santos comunicou a esta Companhia a resolução de v. excia., determinando que não fossem iniciadas as obras e instalações novas, naquele porto, visto haver sido negado o necessário registro, pelo Tribunal de Contas, aos termos lavrados em virtude dos decretos de apropriação dos primeiros projetos e orçamentos de algumas daquelas obras, ocorrência essa que v. excia. julgou bastante para tornar sem efeito a autorização, que esta Companhia recebera, para a execução do programa de obras e aquisições novas, estudado e adotado para a ampliação e modernização das instalações do porto julgadas de caráter urgente.

Esta Companhia, lamentando a ocorrência, de que resultará uma demora na realização dessas obras e aquisições, se declara ciente da determinação de v. excia. e aguardará os resultados do novo estudo, que, pelo mesmo ofício citado, teve conhecimento, ser desejo de v. excia. mandar fazer, não só sob o ponto de vista legal, como, principalmente, tendo em vista os múltiplos interesses da União no porto de Santos.

Esta Companhia está pronta para prestar o auxílio, que lhe seja solicitado, para a realização dos novos estudos que v. excia. vai mandar fazer.

Mais:

Na conferência que v. excia. teve a bondade de conceder à diretoria desta Companhia em 10 de janeiro do corrente ano, teve ela a oportunidade de comunicar a v. excia. o que ocorrera em relação à execução das referidas obras novas e aquisições, autorizadas para a ampliação das instalações do porto de Santos.

As informações, que foram, então, prestadas a v. excia., estão resumidas em notas escritas, que foram deixadas em mãos de v. excia., e de que esta Companhia junta uma cópia, notas essas pelas quais se vê que algumas das mesmas obras e aquisições já tiveram início de realização, atendendo à urgência com que eram reclamadas.

Não parecendo conveniente suspender a execução das obras já iniciadas e que estão em franco andamento, nem deixar de utilizar, no tráfego do porto, a nova aparelhagem adquirida, parte da qual já se acha em uso, ou em Santos, e parte a chegar, esta Companhia pede a v. excia. que a autorize a prosseguir na execução dessas obras e a se utilizar da referida aparelhagem, ainda que sem o direito de solicitar a inclusão do respectivo custo na conta de seu capital, até que o Governo realize os estudos que pretende fazer sobre a ampliação das instalações do porto e que julgue as obras e a aparelhagem em questão úteis e necessárias ao serviço do mesmo porto, fazendo-as incluir no programa que vai ser organizado.

Ainda:

Entre as obras iniciadas estão as instalações para inflamáveis, da Ilha de Barnabé, de cuja execução resultará notável baixa no preço da gasolina, em todo o hinterland de Santos; está a construção de dois armazéns externos, isolados, que receberão gasolina e querosene em caixas, enquanto não se completem as instalações da Ilha de Barnabé, armazéns cuja necessidade acaba de ser provada, pois, por falta de qualquer outro espaço disponível, teve que ser utilizado um deles que já está concluído e que recebeu grande carregamento de gasolina em caixas, com prévia autorização do sr. inspetor de Portos.

Na aparelhagem nova, a chegar, estão os 36 guindastes novos, modernos, de rápida ação, com grande altura de elevação de carga e grande raio, indispensáveis no serviço de carga e de descarga dos novos e grandes transatlânticos, cuja altura torna inúteis os antigos guindastes em uso no cais.

Essa situação em que a Companhia se coloca, que é, sem dúvida, prejudicial a seus interesses, é, no entanto, a que lhe convém nesta emergência, à vista dos contratos de execução e de fornecimento que firmou. Ousa a Companhia solicitar essa providência, visto que dela resultará, sem ônus para o Governo e sem prejudicar os seus intuitos, a vantagem notável, para o porto, de se utilizar das instalações em realização.

Por fim:

E, para que, no futuro e na eventualidade de serem julgadas úteis e necessárias ao porto, as referidas obras e aquisições, possa o Governo ter, sobre elas, completas e fidedignas informações, esta Companhia ousa, ainda, pedir a v. excia. que autorize o chefe da Fiscalização do Porto de Santos a acompanhar as mesmas obras e aquisições, apesar de realizadas por conta e risco desta mesma Companhia, da mesma forma que o faria se se tratasse de obra em execução normal.

A autorização que fora dada pelo Governo par a execução das obras e instalações novas resultou de um acordo em que, para atender aos objetivos do mesmo Governo, naquela ocasião, e à vista da urgência com que essas mesmas obras e instalações eram reclamadas, concordou esta Companhia em assumir novos encargos e riscos, que não lhe são determinados por seus contratos, sem entretanto, qualquer nova vantagem ou proveito.

Com a resolução de v. excia. tornando sem efeito aquela autorização, pensa esta Companhia haver o Governo desistido das vantagens conseguidas no referido acordo, estando ela, assim, exonerada daqueles encargos e riscos, que assumira.

Havia a Companhia pensado executar as obras de ampliação sob o mesmo regime que prevaleceu até o encerramento do capital em 1922, cláusula que também aceitou em 1926, atendendo ao apelo então feito pelo ministro da Viação; do mesmo modo anuiu a empresa a construir o edifício da Alfândega de Santos e ouras obras federais até o máximo de 10.000 contos de réis, segundo o mesmo regime pelo qual se construíra e entregara ao Governo o edifício para os Correios e Telégrafos.

E não podia haver dúvida de que apreciaria a União essa atitude, assumida sem novas vantagens e correndo novos riscos. Com efeito, reabriu-se o capital, autorizaram-se essas novas obras. O decreto n. 18.284, de 16 de junho de 1928, assim dispôs:

O presidente da República dos Estados Unidos do Brasil, atendendo à necessidade de serem ampliadas as instalações do porto de Santos; atendendo à necessidade de serem aprofundados o ancoradouro, o canal de entrada e a barra do mesmo porto, de modo a garantir acesso franco para transatlânticos de calado até dez metros; atendendo à conveniência e oportunidade de ser construído um edifício novo para a Alfândega de Santos, assim como as instalações indispensáveis para a defesa sanitária do porto, para o serviço da Inspetoria de Imigração e para o expurgo de produtos vegetais importados; tendo em vista o que requereu a Companhia Docas de Santos, concessionária das obras de melhoramentos do mesmo porto, as informações prestadas pela Inspetoria Federal de Portos, Rios e Canais e de conformidade com o disposto na lei n. 1.746, de 13 de outubro de 1869, lavrado em virtude do decreto n. 7.578, de 4 de outubro do mesmo ano, decreta:

Artigo único. Fica autorizada a Companhia Docas de Santos a realizar as obras e aquisições necessárias à ampliação das instalações do porto de Santos, ao aprofundamento do ancoradouro, canal e barra do mesmo porto, à construção do novo edifício para a Alfândega, as instalações para a defesa sanitária do referido porto, para os serviços da Inspetoria de Imigração e para os de expurgo de produtos vegetais importados, mediante as cláusulas que com este baixam, assinadas pelo ministro de Estado da Viação e Obras Públicas.

Estas foram as cláusulas do decreto:

Cláusula 1 – Fica autorizada a Companhia Docas de Santos, concessionária das obras de melhoramento do porto de Santos:

a) A ampliar suas instalações nesse porto, realizando as obras e aquisições que constam da relação que a esse acompanha, rubricada pelo diretor da Diretoria Geral desta Secretaria de Estado;

b) A aprofundar o mesmo porto e seu canal de entrada, assim como o banco da barra, de modo a dar franco acesso a transatlânticos com calado de dez metros;

c) A construir, na área de terreno pertencente ao Governo Federal, e que está, em parte, ocupado pelo atual edifício da Alfândega, um novo edifício, que será entregue ao mesmo Governo e onde voltará a ser instalada essa e outras repartições federais;

d) A construir no local denominado "Itapema", em terrenos pertencentes ao Governo Federal, a estação sanitária de Santos, que será entregue ao mesmo Governo, logo que seja concluída, e para cujo serviço construirá e conservará uma ponte de atracação para os navios que necessitarem de expurgo, ponte que, quanto à movimentação e guarda das mercadorias, que ali tenham de ser desembarcadas, será considerada como parte do cais em tráfego, e, como tal, sujeita aos regulamentos, quer fiscais, quer dos serviços da Companhia, que regem essa movimentação e guarda de mercadorias naquele cais;

e) A construir e entregar ao Governo Federal um pavilhão com as necessárias instalações para o serviço de Inspetoria de Imigração;

f) A construir e entregar ao Governo Federal uma câmara, com as necessárias instalações, para o expurgo de produtos vegetais importados.

Cláusula II – Fica reaberta a conta de capital da Companhia Docas de Santos, que foi encerrada pelo aviso n. 252, de 18 de dezembro de 1923, para que lhe sejam incorporadas as despesas com a realização das obras e aquisições a que se refere a cláusula I.

Cláusula III – A incorporação de despesas à conta de capital da Companhia Docas de Santos, a que se refere a cláusula II deste decreto, será feita de conformidade com o disposto na cláusula IV das que baixaram com o decreto n. 7.578, de 4 de outubro de 1909.

Cláusula IV – Terminadas as obras e aquisições a que se refere a cláusula I desse decreto e incorporadas as despesas com sua realização à conta de capital, recalculando-se, então, a quota destinada à formação do fundo de amortização, a que se refere o § 4º do artigo 1º da lei número 1.746, de 13 de outubro de 1869, tomando-se em consideração o novo capital que tiver sido incorporado aquela conta e o valor que, nessa ocasião, apresentar o referido fundo de amortização.

Essa nova quota, que substituirá a que foi determinada em 1923, e que vem sendo, semestralmente, deduzida dos lucros líquidos da Companhia, deverá permitir que aquele fundo de amortização, a cuja formação se destina, reproduza, no fim do prazo da concessão, o capital que acusar a referida conta de capital, na ocasião de seu novo encerramento.

Cláusula V – As novas obras e aquisições, a que se refere a cláusula I, deverão ficar concluídas dentro do prazo de sete anos, contados da data do presente decreto. Novamente encerrada a conta de capital da Companhia Docas de Santos, nenhuma obra nova ou aquisição poderá ser feita sem prévio acordo entre o Governo e a mesma Companhia.

Cláusula VI – De cada uma das obras e aquisições, a que se refere a cláusula I deste decreto, a Companhia Docas de Santos submeterá à aprovação do Governo os respectivos projetos e orçamentos, com a indicação do prazo necessário à sua realização, fazendo acompanhar esses documentos, quando necessário for, com especificações e memórias justificativas.

Cláusula VII – Constituindo as obras e aquisições a que se refere este decreto, dependências das obras de melhoramentos do porto de Santos, sua execução continuará sujeita aos contratos vigentes da Companhia Docas de Santos, salvo o que achar diversamente estabelecido nas presentes cláusulas, ficando assim bem entendido que a referida Companhia anui em realizar as mencionadas obras e aquisições sem modificação no prazo de sua concessão, fixado na cláusula VI do decreto n. 966, de 7 de novembro de 1890, nem na faculdade que o Governo tem, desde 7 de novembro de 1922, de encampar, em qualquer tempo, as obras, instalações e demais propriedades da mesma Companhia.

Cláusula VIII – O custo das obras e instalações, que a Companhia fica autorizada a realizar, em proveito dos serviços federais no porto de Santos, e que estão previstas nas letras c, d, e e f, da clausula I deste decreto, não excederá a importância máxima de dez mil contos, salvo acordo entre o Governo e a mesma Companhia.

Cláusula IX – Continuam em vigor as cláusulas dos decretos anteriores não modificadas pelas do presente decreto.

Como resumo geral das obras e aquisições, esta enumeração:

Resumo geral das obras e aquisições necessárias à ampliação das instalações do porto de Santos, a que se refere a letra a da cláusula I do decreto n. 18.284, de 16 de abril de 1928:

1. Preparo e equipamento de um pátio para o depósito de volumes pesados.

2. Instalações para inflamáveis, explosivos e corrosivos, na Ilha de Barnabé.

3. Ampliações dos carregadores mecânicos de café.

4. Aumento do número de guindastes elétricos do cais, com 12 de três toneladas e 24 de seis toneladas, trabalhando estes com garras para a descarga mecânica do carvão.

5. Aquisição de seis locomotivas a vapor para o serviço do tráfego.

6. Construção de 30 vagões de oito rodas.

7. Construção dos armazéns externos ns. XVII, XVIII, XIX e XX, com 240 por 40 metros, e de dois outros com 100 por 40 metros, com pátio intermediário, coberto, medindo 40 metros de comprimento.

8. Construção de um armazém para couros, à margem da linha férrea da Alamoa.

9. Ampliação do armazém frigorífico.

10. Instalações para descarga mecânica do trigo a granel.

11. Transformação do armazém interno n. 16 em armazém de bagagem.

12. Aquisição de pequena aparelhagem auxiliar para a movimentação de mercadorias.

13. Novas linhas férreas e desvios, necessários ao tráfego.

14. Obras complementares de calçamento, água, esgoto, drenagem de águas pluviais e fechamento.

15. Construção do edifício e aquisição do necessário aparelhamento para a extinção de incêndios.

16. Colocação de cabeços de amarração do tipo dos do cais do Rio de Janeiro.

17. Construção de flutuantes para afastar do cais os vapores que atracam.

18. Ampliação dos edifícios e das instalações das oficinas mecânicas e elétricas e da carpintaria.

19. Ampliação da casa de guinchos da Mortona.

20. Ampliação da rede de distribuição da energia elétrica.

21. Ampliação da rede telefônica e instalação de avisadores de incêndio.

22. Ampliação e melhoramento na instalação hidrelétrica de Itatinga, reforço das linhas de transmissão e construção da linha de emergência até à Usina de Cubatão.

23. Ampliação e melhoramento das instalações de pedra e terra.

24. Aquisição de novas embarcações de serviço.

25. Instalações completas para a descarga e armazenagem de trigo a granel.

26. Aterro dos terrenos baixos do Valongo, criando a área necessária para desvios de triagem, carvoeiras e depósitos diversos.

27. Alargamento da faixa do cais, entre os armazéns internos números 7 a 12.

28. Aquisição de uma cábrea flutuante para 150 toneladas.

29. Aquisição de um rebocador de alto-mar, aparelhado par salvamento.

30. Instalação de um aeroporto.

Diretoria Geral de Contabilidade do Ministério da Viação e Obras Públicas, 16 de junho de 1928. Bernardo Marianno de Oliveira, diretor geral interino.

O contrato entre o Governo Federal e a Companhia, com as cláusulas deste decreto, foi lavrado no Ministério da Viação aos 3 de setembro de 1928 e registrado pelo Tribunal de Contas na sessão de 24 do referido mês.

Ocorrendo, depois de 1930, a crise internacional de câmbios, moedas e exportações, na qual o café ia sofrer grande golpe, bem claro era que todas essas obras só podiam levar-se a termo com prudência, dentro dos anos marcados. Parte delas vimos que se tinham iniciado após o decreto n. 17.457, de 6 de outubro de 1926, que as autorizou; e outras logo depois do decreto n. 18.284, de 16 de junho de 1928, que as reabriu.

Desde então, até fins de 1929, a cadência na construção foi acelerada, executando-se no correr de ano e meio, isto é, em um quarto do prazo fixado, mais de um terço dos trabalhos. Em 1930, porém, só tiveram início as obras de absoluta urgência, despendendo-se, apesar disso, 11.500 contos, o que já elevava a 41.000 contos o custo das obras e aquisições realizadas, com entrega ao público de algumas importantes, entre as quais a instalação para descarga pneumática do trigo
[21].

Em 1931 as despesas subiam a 50.000 contos, despendendo-se soma relativamente pequena, pela prudência com que se prosseguiam os trabalhos. Construiu a Companhia, a pedido do Instituto de Café, em seis meses, armazéns externos com a área total de quase 50.000 metros quadrados
[22].

Em 1933 não se iniciaram obras novas, prosseguindo a empresa apenas nas em andamento. Apesar disso, elevou-se o custo total a 55.000 contos. Em 1934, já era esse custo de 58.000 contos, mantido o critério de construção lenta.

Dentre as grandes obras que a Companhia Docas de Santos então realizou, avultam as novas instalações para descarga e armazenamento de inflamáveis, explosivos e corrosivos na Ilha de Barnabé. A antiga instalação, que a Companhia possuía, estava localizada no bairro denominado Alamoa, à margem da Estrada de Ferro São Paulo Railway, local este que, com o desenvolvimento da cidade, se tornou um bairro de armazéns, o que redundava em grave risco não só para a segurança do seu depósito como da própria cidade.

A necessidade de se construírem instalações próprias para a descarga e armazenamento de gasolina a granel levou Oscar Weinschenck a projetar as instalações de Barnabé, reunindo assim, em um só trecho do porto, a descarga e armazenamento de inflamáveis, explosivos e corrosivos, como aconselha a boa técnica portuária moderna e a própria segurança do porto e da cidade que este serve.

A razão de ter sido escolhida a Ilha de Barnabé é que, além de estar situada na margem oposta da cidade, distante desta cerca de 500 metros, permite, por sua própria topografia, colocar entre a cidade e os tanques de gasolina uma cortina natural, constituída pelos morros nela existentes, que se desenvolvem paralelamente ao seu litoral, defendendo igualmente os navios que a ela estiverem atracados, de qualquer acidente nos tanques. Foi construído um cais com 300 metros de extensão e 10 metros de profundidade em águas mínimas; este comprimento permite a atracação simultânea de dois navios tanques, dos maiores atualmente existentes. O cais está aparelhado com 4 guindastes elétricos, com a capacidade de 3 toneladas cada um.

Para depósito de gasolina, querosene e gasóleo a granel, foram construídos grandes tanques metálicos. Todos os tanques são protegidos por muros de recinto em concreto armado, que formam verdadeiras bacias de volume igual ao do tanque, a fim de conter o líquido em caso de acidente.

Os tanques possuem instalações próprias para lavagem e para enchimento automático de tambores, vagões e autotanques. Cada tanque está ligado diretamente a suas caixas de válvulas no cais por canalizações subterrâneas independentes. Aí, com mangotes flexíveis, é feita a ligação dos encanamentos de terra com a bomba de bordo, sendo o líquido bombeado diretamente do navio ao tanque.

Na faixa do cais existem dois armazéns de concreto armado, de 100 x 20 metros, separados por um pátio de 30 metros; cada armazém tem a capacidade de armazenamento de 80.000 caixas de gasolina ou querosene.

Tanto os tanques como os armazéns são servidos por linhas férreas de 1,60 m de bitola e ruas calçadas a paralelepípedos. O tráfego entre a ilha e a cidade é feito por dois ferry-boats, com a capacidade de 5 vagões, dos maiores atualmente em tráfego, e dois automóveis-tanques. A duração da viagem entre a cidade e a ilha é de 15 minutos apenas, compreendidas as respectivas manobras de atracação e desatracação nas respectivas pontes.

Curioso é acentuar que Guilherme B. Weinschenck construiu toda a muralha do cais de Santos, cuja espessura é de 4 metros; cerca de 20 anos depois, um novo material de construção – o concreto armado – veio permitir ao filho, Oscar Weinschenck, construir a muralha do cais de Barnabé com apenas 40 centímetros de espessura, ou sejam 10 vezes menos.

Imagem: reprodução parcial da página 615


[21] "Encontrareis no relatório do sr. inspetor geral completas informações sobre essas obras e aquisições. Desejamos, contudo, mencionar aqui que foram entregues ao tráfego as instalações para inflamáveis da Ilha de Barnabé, onde novos tanques de gasolina, óleo e querosene estão ainda em construção, exigidos pelo rápido desenvolvimento que tem tido a importação desses combustíveis pelo nosso porto; foi também entregue ao tráfego, depois de devidamente alfandegado, o pátio de volumes pesados; do mesmo modo, entrou em funcionamento a instalação para descarga pneumática de trigo, que serve ao Moinho Paulista; chegaram e entraram em serviço duas barcas d'água, destinadas ao abastecimento rápido dos vapores correios, bem como o grande rebocador de alto mar, perfeitamente aparelhado para salvamento, adquirido par atender às exigências do serviço da Companhia e para preencher uma grave lacuna que se observava no porto de Santos". Relatório da Diretoria, 1931.

[22] "O programa traçado para as obras e aquisições a se realizarem em 1931 exigia soma bastante inferior à que foi despendida, mas, vimo-nos na contingência de atender à conveniência do Instituto de Café, que precisava de pronto depósito, em Santos, de 3.000.000 de sacas no mínimo. Para tal fim não dispúnhamos de espaço, de forma que foi necessário empreender a construção de novos armazéns externos, que oferecessem a área de 66.800 metros quadrados, assumindo a Companhia a obrigação de entregar, no mínimo, 24.500 metros quadrados, em 180 dias.

"Nessas condições, em relação à construção de armazéns externos, fomos forçados, não só a dar grande intensidade ao trabalho, como a aumentar a área a construir. O Instituto de Café tomou,em locação e por contrato, a área total exigida. A Companhia cumpriu o compromisso assumido, entregando, em 180 dias, 31.300 metros quadrados, e até ao fim do ano de 1931, mais 28.700 metros quadrados, restando apenas um armazém, com 6.800 metros quadrados, que ficou concluído e foi entregue já no ano corrente. A obra vultuosa, realizada em tão curto prazo, é um atestado valioso da capacidade e eficiência de nossa organização". Relatório da Diretoria, 1932.