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BAIXADA SANTISTA - BIBLIOECA NM - Lendas e Tradições
Lendas e Tradições de Uma Velha Cidade...

Clique aqui para ir ao índice do primeiro volumeEm maio de 1940, era publicada esta obra do historiador santista Francisco Martins dos Santos, reunindo uma série de histórias que ele havia publicado em jornais. Com 254 páginas e tiragem de 2.000 exemplares, Lendas e Tradições de Uma Velha Cidade do Brasil foi impresso na Empresa Gráfica da Revista dos Tribunais, na capital paulista, incluindo ilustrações de Wast Rodrigues e prefácio de Baptista Pereira.

O exemplar pertencente ao professor e pesquisador Domingos Pardal Braz, de São Vicente/SP, foi cedido a Novo Milênio para digitalização em 2015. Assim, Novo Milênio apresenta nestas páginas a primeira edição digital integral da obra (ortografia atualizada nesta transcrição) - páginas 1 a 5:

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Lendas e Tradições

de Uma Velha Cidade do Brasil

Francisco Martins dos Santos

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[01] A Fonte de São Tomé

Uma das lendas de Sumé, o falado Sumé indígena, pai da agricultura, teve origem em Santos. Sumé não era mais que o Tamandaré de algumas tribos e o São Tomé dos portugueses e talvez respondesse por sua ideia algum português dos primeiros tempos brasileiros, anterior de muito à colonização oficial, cujo contato com os tupis, a exemplo do "bacharel" famoso, se houvesse prolongado por muitos anos, e que talvez fosse ele mesmo, uma vez que veio em 1501 e que se uniu com uma filha de Piquerobi, o principal dos chefes guaianases, dominadores da região.

A fonte de São Tomé era na altura da atual Avenida Bernardino de Campos, em seu encontro com a Rua Floriano Peixoto. Havia ali, e existiu até o momento da expansão da cidade, um pequeno outeiro, cercado e bordado de pedrouços e lajes grandes, onde brotava um olho d'água cristalina. Perto do olho d'água, aparecia, estampada na pedra, bem marcada, a configuração de um pé humano, grande demais em relação a todos os pés conhecidos.

A lenda local nascera ali, daquele estranho decalque, curioso, mas evidentemente de natureza.

Ao meio do século passado, ainda as negras das primeiras chácaras da Barra Grande, usavam as águas daquela fonte, para serventia dos senhores e lavagem das roupas, até que canalizaram as da cachoeira do "José Menino" e destruíram o pequeno outeiro, para aterros e construções, destruindo o motivo da velha tradição popular.

Quando os homens de Martim Afonso chegaram à terra fvicentina, em grande parte operários, de pouca visão e nenhuma cultura, ignoravam que no lugar já existira uma pequena civilização, anterior àquela que eles vinham iniciar. Apesar disso, notaram que vários pontos da ilha e da região já haviam recebido sementes, encontrando o milho, a mandioca, o feijão, a cana de açúcar, a banana, e vestígios de criação antiga, porcos e galinhas. Daí o seu espanto natural, não dissipado pelo governador e seus nobres, que tudo faziam por esconder, da gente então trazida, uma vida anterior da colônia, encabeçada e dirigida por um degredado de Portugal, embora ilustre, que fora o "bacharel".

Por uma lei natural, tudo quanto o espírito não alcança, torna-se na mente do povo objeto de lenda ou superstição, e por isso mesmo prevaleceu na ideia dos operários de Martim Afonso a fábula alimentada por alguns guaianases fieis a Antônio Rodrigues, o solitário de São Vicente, que haviam ficado com ele naquele canto de Tumiaru, após o êxodo forçado do "bacharel", seguido por Piquerobi e toda sua gente.

Antônio Rodrigues, certamente a quem convinha explorar o fundo supersticioso do aborígene brasileiro, confirmou sempre a crendice, reforçando-a talvez com visões e coisas imaginárias, gratas ao sabor mental do povo simples e rude que o acompanhava durante tantos anos, e daí a transmissão da lenda, com foros de coisa verdadeira, aos europeus da colonização regular.

Sumé viera do alto, enviado por Tupã, das grandes florestas deliciosas do Toriba (paraíso), chegara àquela fonte cansado, parara para beber, e em sinal de gratidão à terra ue saciara a sua sede, deixara a impressão do seu pé na primeira laje vizinha. E fez mais: ele, que viera para ensinar a arte do trato da terra e que trazia, para isso, um grande saco às costas, repleto de sementes, resolveu iniciar sua obra naquela região que tão boa lhe fora e parecera. Anunciou-se por toda a ilha como enviado de Tupã; convocou os habitantes daquelas dezenas de ocas que se espelhavam por ali e, diante de todos, jogando ao chão um punhado de sementes, fez brotar muitas plantas que logo produziram alimento e riqueza, fartura para a tribo. Depois da experiência que deixou os circunstantes entusiasmados, Sumé distribuiu por eles alguns punhados dos preciosos grãozinhos, para que os plantassem, desaparecendo em seguida, em passadas lentas e solenes sobre o mar.

Crentes como eram, tão crentes quanto os próprios índios, os homens rudes de Martim Afonso acreditaram na fábula, e transmitiram às novas gerações surgidas, mestiços, europeus e novos colonos, a história que se contava a respeito da fonte.

E a lenda da Fonte de São Tomé atravessou assim algumas centenas de anos, servindo, quem sabe, à palavra cansada das pretas velhas adormecendo os filhos dos senhores, até perder seu prestígio com o arrasamento do outeiro em que se achava.

Hoje, a Fonte de São Tomé é apenas uma memória, conservada nos livros de alguns autores, e sua lenda, uma suave evocação dos primeiros tempos santistas e vicentinos, uma saudade perfumada da Santos antiga e ingênua.

...Perto do olho d'água aparecia, estampada na pedra, bem marcada, a configuração de um pé humano....

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