Clique aqui para voltar à página inicialhttp://www.novomilenio.inf.br/cubatao/ch016.htm
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 06/01/03 22:37:15
Clique aqui para voltar à página inicial de Cubatão
HISTÓRIAS E LENDAS DE CUBATÃO
A casa do principal escritor (1)

Considerado o maior escritor nascido em Cubatão, Afonso Schmidt descreveu em suas obras a casa em que morou, no tempo em que a então futura cidade era apenas um bairro suburbano de Santos. A partir desses relatos, entre outras indicações, foi possível reencontrar o local onde se situava essa casa, como é descrito na edição de 31 de outubro de 1982 do jornal santista A Tribuna:

As ruínas das fundações da casa do escritor poderão ser tombadas
Foto publicada com a matéria

Vereador redescobre as ruínas da casa de Afonso Schmidt

CUBATÃO - Era uma vez um garoto de 14 anos que saiu de casa, em Cubatão, e seguiu por aí viajando, até parar na Europa, onde viveu mais de um ano na maior das misérias. Em fins de 1908, ele retornou à sua cidade, então um bairro suburbano de Santos. Desceu no Porto de Santos, e tomou o trem para Cubatão. Da estação até o sítio onde seus pais moravam, ele andou pelos caminhos dos trilhos do trenzinho que levava a Itutinga. Para lá da ponte preta sobre o Rio Cubatão, ele avistou a sua casa, onde a mãe se assustou ao vê-lo.

O nome do menino se transformou, 70 anos depois, no maior orgulho de Cubatão: Afonso Schmidt. No livro A Primeira Viagem, Schmidt conta toda a aventura. Moradores antigos de Cubatão se deleitam ao ver a descrição de um caminho que muitos fizeram há menos de 30 anos, quando ainda existia o trenzinho que os levava da estação atual da Santos-Jundiaí até a adutora dos Pilões, em Itutinga.

Foi baseado nessa descrição, e também numa incrível coincidência, que o vereador Romeu Magalhães redescobriu as ruínas da casa onde Afonso Schmidt viveu e, possivelmente, nasceu, em Cubatão.

A casa fica logo depois da ponte preta, e o vereador vai pedir ao secretário de Educação e Cultura, João Peralta, que mande tombar o local, para que as futuras gerações possam preservar a memória do maior escritor que a Cidade já produziu.

No roteiro do livro - A ponte preta sobre o Rio Cubatão é muito conhecida pelos moradores mais antigos da Cidade, principalmente pelos que ainda possuem sítios de banana. Ela foi construída pelos ingleses da City, por volta de 1890, para suportar os canos da adutora que vem de Pilões e servir de passagem ao trenzinho de Itutinga. Esse trem, cuja locomotiva se encontra hoje no Parque Anilinas, transportava os sitiantes e trazia daquelas regiões banana que era exportada para a Argentina, mexericas e pedras.

Há alguns anos, Romeu Magalhães - que nasceu na Vila Fabril, em cujas terras se encontra a fazenda da família de Schmidt - arrendou um pequeno sítio, além da ponte, em sociedade com o médico Alberto Pessoa de Souza.

"Ao lado da casa de madeira, entre os bananais do sítio, há ruínas de fundações de uma outra casa. Alguns moradores mais antigos diziam que ali tinha vivido o escritor Afonso Schmidt. Não acreditei, mas por causa da insistência, resolvi investigar e descobri na Câmara um trabalho de Raul Leite, que dizia que, no livro A Primeira Viagem, Afonso Schmidt indicava exatamente o local onde seus pais haviam residido em Cubatão", conta Romeu.

Em sua Autobiografia, Afonso Schmidt afirma categoricamente: "Nasci em Cubatão, perto de Santos, a 29 de junho de 1890".

Em 1907, ele resolveu embarcar para a Europa, conforme conta no livro A Primeira Viagem. No capítulo XIX desse livro, ele conta como se deu o retorno.

"Quando o Oriana chegou a Santos eu me julguei em casa. Um guarda da Alfândega, meu conhecido, viu-me entre os passageiros.

- Você veio esperar alguém?

- Não. Estou chegando de viagem.

- Do Rio?

- Não. Da Europa.

- Mas, onde estão as malas?

- Não tenho malas.

- Ora, vá enganar o diabo...

E foi atender ao colega que o chamava do portaló. Desembarquei de mãos no bolso. Como àquela hora não houvesse trem para Cubatão, fui dormir numa pensão da Praça dos Andradas, onde dispunha de crédito..."

Na página 190, ele fala do retorno a Cubatão.

"À tarde, depois de uns expedientes felizes, tomo o trem para Cubatão. O bondinho da City, que trafega entre a estação e os Pilões, só funciona às terças, quintas e sábados".

Detalhe: o bondinho a que Schmidt se refere é o trenzinho de Itutinga, de cuja passagem ainda se encontram trilhos em alguns pontos da Cidade. Ia desde a estação da Santos-Jundiaí, na Avenida Nove de Abril, seguindo pela atual Avenida Martins Fontes, em Cubatão, até a Olaria, e daí margeando a atual Estrada de Itutinga, na direção da ponte preta.

Schmidt continua a descrição:

"Mas, estamos numa sexta-feira. Tenho, pois, de fazer a pé o caminho de casa, quatro quilômetros e meio, bem puxados. Vou andando sobre os dormentes. A estrada está limpa e deserta. Uma rajada arrebatou-me o chapéu, atirando-o na água verde dos valos; tive de pescá-lo com a ponta de uma vara.

Quando cheguei à Olaria, vi as duas pequenas locomotivas recolhidas no galpão negro. Olhei para dentro e arrisquei um cumprimento, mas ninguém respondeu. Logo adiante, um cachorro atirou-se sobre mim, tive de apanhar uma pedra e atirar nele. O bicho saiu ganindo. O dono apareceu na embocadura de um caminho e olhou-me de cara feia.

Mais um estirão. A serra colocou-se à minha frente. Escurecia. O noroeste amainara. Por fim, cheguei à ponte sobre o Rio Cubatão".

Detalhe: era a ponte preta. Schmidt continua:

"Do outro lado da ponte, descortino a minha casa. É um chalé cor-de-rosa, perdido num mar de tangerineiras. De longe, vi mamãe, de vestido preto e matinê rendada. Ela estava no terreiro e, com improvisada vassoura de guanchumas, ajuntava as folhas secas derrubadas pelo vento. Meus irmãos acendiam uma fogueira.

Fui andando, fui andando. Cheguei à porteira e entrei. Ela só me reconheceu quando eu estava já a duas braças de distância. Parou. Apoiou-se no cabo de vassoura e ficou a olhar-me, a olhar-me...

Tinha os cabelos mais brancos, o rosto mais pálido.

- A bênção, mamãe...

- Então é você, seu mestre?"

A confirmação - Embora a indicação seja mais do que precisa, Romeu foi buscar no testemunho do historiador Jaime Franco (colaborador de A Tribuna, a exemplo do próprio Afonso Schmidt, repórter deste jornal entre 1915 e 1918), que confirmou o fato.

Na revista Fundamentos há um desenho da casa de Schmidt, um escritor curiosamente atual por ter lutado contra a ameaça da bomba atômica. Chegou a assinar o famoso "apelo de Estocolmo", contra a ameaça nuclear. Schmidt chegou a ser redator-chefe da Fundamentos.

Romeu acha que é a mesma casa descrita por Schmidt em A Primeira Viagem, e quer preservar as ruínas, e, se possível, reconstruir o local. Tentativa semelhante foi feita, sem sucesso, por Raul Santana Leite, em 1967.

Pode parecer coisa sem importância para quem não conhece o valor de Schmidt para a literatura nacional. Trata-se de um dos maiores escritores paulistas, premiado pela Academia Brasileira de Letras e pela revista O Cruzeiro, em 1948, na época o maior prêmio literário do Brasil, com a obra O Menino Felipe. Hoje, essa obra serve de modelo para um troféu instituído pela Prefeitura para premiar pessoas de destaque na Cidade.

Romeu lembra que, em breve, a Prefeitura iniciará, na área onde está o sítio dos pais de Schmidt, a construção de um bairro, com casas populares. Seria a oportunidade ideal de reerguer o sítio, seguindo o modelo fotográfico da revista Fundamentos.

Schmidt fala da ponte preta ao descrever o seu retorno
Foto publicada com a matéria

Schmidt (Afonso), escritor brasileiro (Cubatão SP 1890 - São Paulo SP 1964). Pré-modernista na poesia, filiou-se ao Modernismo na prosa de ficção, tendo participado da Semana de Arte Moderna. Sua obra revela admiração pelos humildes e desprotegidos, atitude que lhe causou vários dissabores e prisões por motivos políticos. Membro da Academia Paulista de Letras.

Sua obra poética é extensa: Lírios roxos (1904); Miniaturas (1905); Janelas abertas (1912); Lusitânia (episódio patriótico em versos, 1916); Mocidade (1921); Garoa (1932); Poesias (1934), e Poesia (1945).

No campo da prosa, deixou, entre vários outros: Os impunes (1926); O dragão e as virgens (1926); Curiango (1935); A marcha (1941); Pirapora (1933); O assalto (1945); O retrato de Valentina (1948). Escreveu, ainda, a peça Carne para canhão (1933), traduzida para o espanhol e italiano.

Verbete da Grande Enciclopédia Larousse Cultural
(Ed. Nova Cultural Ltda./jornal Folha de São Paulo, São Paulo, 1998)

Leva para a página seguinte da série

QR Code - Clique na imagem para ampliá-la.

QR Code. Use.

Saiba mais