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HISTÓRIAS E LENDAS DE CUBATÃO - Os sambaquis
Montes de conchas contam a pré-história (20)

Cinco mil anos de presença humana
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Novas pesquisas nos sambaquis cubatenses apresentaram algumas revelações, divulgadas pelo arqueólogo Manoel Gonzalez, nesta matéria publicada pelo jornal santista A Tribuna em 26 de abril de 2009 (página A-11):

Sítio Cotia-Pará pode virar um parque arqueológico devido aos sambaquis existentes na região e que preservam informações sobre o passado

Foto: Paulo Freitas, publicada com a matéria

 

CIÊNCIA

Ocupação na região começou por Cubatão há cinco mil anos

Tese de pós-doutorado em Arqueologia, defendida no Museu Nacional de História Natural de Paris, altera visão do passado. Os primeiros habitantes ficavam nas proximidades da Serra do Mar apenas no verão e outono, aproveitando a abundância de alimento

 

Manuel Alves Fernandes

Da Redação

A ocupação humana na Baixada Santista começou por Cubatão, logo após o período de degelo terrestre. "Eu nasci há dez mil anos atrás (e não tem nada nesse mundo que eu não saiba demais)". O estribilho dos versos da canção de Raul Seixas e Paulo Coelho certamente poderia descrever a saga dos sambaquieiros, índios pré-históricos que viveram na Mata Atlântica entre 6 mil e 3 mil anos antes de Cristo, e vinham para o litoral no verão, a partir do recuo e, depois, do avanço do mar, de onde tiravam seu alimento.

Deixaram como testemunho do seu tempo os sambaquis (que, em língua tupi, quer dizer monte de conchas). Sob esses concheiros ou casqueiros (que na região batizariam o Rio Casqueiro), foram sepultados vários corpos desses habitantes de todo o litoral brasileiro, em  meio a materiais orgânicos e calcários que, empilhados ao longo do tempo e sofrendo a ação da intempérie, acabaram por sofrer uma fossilização química, petrificando os detritos e ossadas. Tudo isso é fato comprovado.

Mas agora o arqueólogo Manoel Gonzalez possui dados que mudam esta versão, a partir de análises que fez, na França, de otólitos, ossos petrificados de peixes que serviam de alimento para esses homens pré-históricos.

Os ossos de ouvidos de corvinas "contaram" que os primeiros cubatenses viviam na região só na primavera e no outono, e não no verão. Aproveitando a abundância de alimentos e com uma dieta equilibrada (caranguejos, mariscos, raias e tubarões, raízes e frutas).

5 metros

acima do nível atual, estava o mar na região, deixando Santos e S. Vicente submersos e Praia Grande, Guarujá e Cubatão parcialmente sob o oceano

 

Anéis de crescimento - Gonzalez passou três meses em Paris, onde fez pós-doutorado em Arqueologia no Muséum National d'Histoire Naturelle (Museu Nacional de História Natural de Paris), obtido neste ano, a partir da defesa de tese usando material arqueológico encontrado em Cubatão. Sua tese muda teorias sobre a pré-história brasileira.

"Eu trabalhei com anéis de crescimento dos otólitos (ossos do ouvido) de peixes encontrados no Sambaqui Piaçagüera (localizado próximo à antiga usina da Cosipa, hoje Usiminas), que têm datação de 5 mil anos antes do presente".

Nesse período geológico, o nível do mar na região estava cinco metros acima do atual. "Ou seja, Santos, São Vicente e parte de Praia Grande, Guarujá e Cubatão, não existiam. Estavam submersas. Foi o chamado ótimo climático. Ocorreu após a glaciação por volta de 10 mil anos antes do presente. Nessa época, ocorria o contrário. A região era mais ampla. A praia estava 30 quilômetros além do que está hoje. Com o derretimento das calotas, a água avançou até a base da Serra, em Cubatão".

Os otólitos examinados se constituem de ossos fossilizados de peixes, na maioria corvinas, encontrados nos monturos que caracterizam os sambaquis, depositados nessa área, juntamente com conchas, utensílios e restos humanos dos primitivos habitantes de Cubatão.

Todos esses ossos permanecem no local. "Dos otólitos, eu analisei os isótopos de Oxigênio 18 e Carbono 13, em sofisticados equipamentos instalados nesse museu, que me forneceram informações sobre o meio-ambiente da época".

Na primavera - Segundo o arqueólogo, quando esses pequenos caçadores e pescadores viviam na região, a água do mar estava em sua temperatura máxima com 32 graus e mínima de 24 graus. Foram essas águas quentes produzidas por influências climáticas na região central do Globo que contribuíram para o descongelamento.

"Esse descongelamento das calotas polares está relacionado com a temperatura das águas na linha do Equador e dos trópicos, pois a corrente que vem da África e se divide em duas no Brasil, leva a água quente para os pólos, causando o degelo".

As amostras coletadas por Manoel Gonzalez revelaram também que os homens do sambaqui, apesar de terem a prática de serem canoeiros, não pescavam no mar (raramente), e sim no estuário, próximo aos sítios. É outro ponto discordante das teorias atuais.

"A região era mais ampla. A praia estava 30 quilômetros além do que está hoje"

Foto: Paulo Freitas, publicada com a matéria

 

ENTREVISTA - MANOEL MATEUS BUENO GONZALEZ, arqueólogo

"Os sambaqueiros ensinaram o respeito à natureza"

O arqueólogo Manoel Gonzalez garante que os sambaquis encontrados na região indicam que o berço da civilização na Baixada Santista começou em Cubatão.

Biólogo por formação, 34 anos, casado com a cubatense Milene Gonzalez, duas filhas (Manuela e Maria Antonia), Manoel Gonzalez possui graduação em Ciências Biológicas pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1995), doutorado em Arqueologia pelo Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (2005) e pós-doutorado em Arqueologia pelo Muséum National d'Histoire Naturelle de Paris (2009).

Seu objetivo agora é levar aos moradores da região o conhecimento do patrimônio cultural e pré-histórico existente em Cubatão, com a criação - já proposta à prefeita Marcia Rosa e à secretária municipal de Cultura, Marilda Canelas - de um parque arqueológico no entorno do Sítio Cotia-Pará e no Vale Verde.

Por que escolheu Cubatão como trabalho da tese?

Porque o sambaqui de Piaçagüera, estudado nas décadas de 1960 e 1970 pela professora Dorath Pinto Uchôa, tem comprovadamente 5 mil anos.

Qual o cerne da tese?

Desenvolver trabalho de reconstituição palioambiental, para tentar reproduzir como era o ambiente naquela época, quando o mar estava cinco metros acima do nível atual.

Como se pode ter certeza disso?

Há 10 mil anos era uma época de glaciação e o mar recuado permitia terra até a altura da Laje de Santos. A nossa tese é que nessa época já existiam os caçadores-coletores no planeta; e, na região, os pescadores-coletores, que construíram os sambaquis. Não plantavam nem caçavam. Viviam de uma economia perfeita. Coletavam frutos, comiam mariscos e pescavam só o que necessitavam para alimentar o corpo.

Como é possível provar?

Com o fim da glaciação, ocorreu o ótimo climático e o mar subiu cinco metros acima do nível atual. Os habitantes primitivos passaram a ocupar esta região. Deixaram seus mortos nos montes de cascas de marisco que seria mangue três mil anos antes do presente. Esses sambaquis, um deles recentemente descoberto por nós no Cotia-Pará 2 (região do atual parque ecológico), tinha 20 metros de altura, para ser visto de longe e permitir que os ocupantes também vissem os inimigos. Em maio vamos começar as pesquisas nesse sambaqui. Creio que é o maior sambaqui até agora descoberto em São Paulo. Todo o material será levado para o Centro Regional de Pesquisas Arqueológicas do Nupec, onde estará, após sua análise, disponível aos munícipes da Baixada.

Que mensagem os sambaqueiros deixaram?

Respeito à natureza. Retiravam do meio-ambiente só o que necessitavam para viver.

Glossário
Sambaquis - São montes de conchas, da sobra da alimentação. Os maiores do mundo estão no litoral de Santa Catarina. Chegaram a ter centenas de metros de extensão por 30 metros de altura e, aproximadamente, 5 mil anos.

Idade do peixe - Em peixes adultos, freqüentemente se reporta a presença de anéis de crescimento, que podem ser anuais ou com outra periodicidade, o que permite a determinação da idade de um peixe que se capture na natureza.

Sambaquieiros - As teorias indicam que os sambaquieiros ou sambaqueiros (construtores dos sambaquis) vieram do Sul do Brasil em busca de climas mais amenos. A diferença de hábitos culturais e alimentares levou à conclusão de que eram obra de uma sociedade distinta daquela dos Tupi-guaranis, que então povoavam toda a região costeira do País. Viveram na costa brasileira entre 8 mil e mil anos atrás. Ignoravam a agricultura. Viviam da coleta de frutos, mariscos e da pesca, e muito pouco da caça. Os esqueletos indicam que os homens tinham altura média de 1,60 m, e as mulheres 1,50 m. Viviam de 30 a 35 anos em média. Tinham, os homens, tórax e membros superiores bem desenvolvidos. Seriam bons nadadores e provavelmente remadores de canoas. São, ao que supõem os arqueólogos, antepassados dos Tupi, como os Tupinambá ou os Tupiniquins.

Destruição - A preservação dos sambaquis é hoje determinada por lei. Mas muitos sambaquis foram destruídos pela exploração inconseqüente das pessoas, ao longo dos séculos. No Século XIX, o imperador D. Pedro II visitou um sambaqui das proximidades como a área da antiga Companhia Santista de Papéis, na Vila Fabril, próximo ao Pinhal do Miranda. Os sambaquis que a USP redescobriu na ilha do Casqueirinho, próximo à Cosipa, serviram para produzir ligas de calcário (cal) nas construções de pedra desde a época de Martim Afonso de Souza.

Na Baixada - Restos dos antepassados dos cubatenses não faltam na crista dos mangues. Foram redescobertos cinco sambaquis na Ilha do Casqueirinho, na área da Cosipa. O primeiro, localiza-se na atual siderúrgica, num morro que dista 1 km, rumo Sul, da estação ferroviária. Há outros no Sítio Cotia-Pará, próximo à ila Natal e no Vale Verde. No momento, nenhum tem acesso à visitação pública.

Esqueletos - Estão preservados na ilha do Casqueirinho. Uma caveira retirada do local foi exposta em 1997 pela pré-historiadora Dorath Pinto Uchôa, em Cubatão. Ela exibiu, em uma exposição itinerante, restos dos sambaquis de Piaçagüera (5 mil anos antes de Cristo); Cosipa 1 (4 mil anos A.C.); Cosipa 3 (3.800 anos A.C.); Cosipa 4 (2.500 anos A.C.) e Cosipa 2 (1.100 anos A.C.)

FONTES: Manoel Gonzalez, Paulo Duarte, Dorath Pinto Uchôa, Wilma Terezinha de Andrade, Welington Ribeiro Borges, Novo Milênio, A Tribuna e Wikipedia

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