Clique aqui para voltar à página inicialhttp://www.novomilenio.inf.br/cubatao/ch090d14.htm
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 02/01/13 22:51:33
Clique aqui para voltar à página inicial de Cubatão
HISTÓRIAS E LENDAS DE CUBATÃO - CUBATÃO EM... - 1839 - BIBLIOTECA NM
1839-1855 - por Kidder e Fletcher - 14

Clique na imagem para ir ao índice do livroEm meados do século XIX, os missionários metodistas estadunidenses Daniel Parrish Kidder (1815-1892) e James Cooley Fletcher (1823-1901) percorreram extensamente o território brasileiro - passando inclusive por Santos e por Cubatão em 1839 (Kidder) e 1855 (Fletcher) -, fazendo anotações de viagem para o livro O Brasil e os Brasileiros, que teve sua primeira edição em 1857, no estado de Filadélfia/EUA.

Kidder fez suas explorações em duas viagens (de 1836 a 1842), e em 1845 publicou sua obra Reminiscências de Viagens e Permanência no Brasil (leia), sendo seguido por Fletcher (a partir de 1851), que complementou suas anotações, resultando na obra O Brasil e os Brasileiros, com primeira edição inglesa em 1857 e sucessivamente reeditada.

Esta transcrição integral é baseada na primeira edição brasileira (1941, Coleção "Brasiliana", série 5ª, vol. 205), com tradução de Elias Dolianiti, revisão e notas de Edgard Süssekind de Mendonça, publicada pela Companhia Editora Nacional (de São Paulo, Rio de Janeiro, Recife e Porto Alegre), publicada em forma digital (volume 1 e volume 2) no site Brasiliana, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ - acesso em 30/1/2013 - ortografia atualizada - páginas 289 a 307 do volume 1):

Leva para a página anterior

O Brasil e os Brasileiros

Daniel Parrish Kidder/James Cooley Fletcher

Leva para a página seguinte da série


Museu Nacional

Imagem: reprodução da página 299 do 1º volume da edição de 1941, da Cia. Editora Nacional

Capítulo XIV

Literatura brasileira.

Possuindo os brasileiros um governante dotado de tais gostos literários e científicos, certamente que terão feito maiores progressos nesse sentido do que antigamente.

Em virtude da política restritiva de Portugal, nenhuma tipografia pôde ser introduzida no país, até 1808. O gosto geral pelas leituras teve que principalmente se limitar aos periódicos e a traduções de novelas francesas. Os autores não são numerosos no Império; mas tem havido, nos últimos anos, certo número de histórias provinciais de valor, contribuições científicas e uma ou duas tentativas sobre história geral do Brasil. As livrarias estão cheias de obras francesas sobre ciências, história e demasiada "filosofia infiel".

Há contudo um editor oficial muito fecundo em detalhes interessantes. Refiro-me aos relatórios anuais dos Ministérios do Império, Finanças, Justiça, Negócios Estrangeiros, Guerra e Marinha. São todos bem escritos e bem impressos, contendo valiosíssima matéria para os estadistas os estatísticos e os leitores em geral.

O relatório do Ministro da Justiça deve ter exigido uma soma de trabalho desconhecida pelos funcionários dos Estados Unidos ou da Inglaterra; pois todos os casos, que são levados à Justiça, em cada uma das vinte províncias, deve receber sua revisão e ser colocado na própria mesa do ministro. Crimes, idades, sexo e nacionalidade dos criminosos, são dados juntamente com os castigos. Somados a isso, assuntos de disciplina penitenciária, e os vários interesses dos negócios eclesiásticos não são esquecidos.

Imprensa.

A literatura periódica do Rio, de poucos anos para cá, melhorou de aspecto, com a publicação de uma revista médica e uma publicação trimestral estrangeira e brasileira. Esta última tem sido dirigida com grande espírito de iniciativa literária, prometendo ser de grande utilidade para o país; mesmo assim, porém, destina demasiado espaço às traduções. Se os brasileiros tivessem tempo para escrever e fizessem um esforço de pensar por si próprios, os estrangeiros, em breve, achariam que a sua produção é interessante e valiosa, e atribuir-lhe-iam o valor que merece ter.

A imprensa, sendo livre, duvido que qualquer jornal dos Estados Unidos, da Inglaterra, ou de outros países da Europa, contenha tantos comunicados dos assinantes como os do Rio de Janeiro. Como esses comunicados devem ser acompanhados de dinheiro à vista, o jornalismo no Brasil é uma instituição bastante rendosa.

Alguns dos artigos editoriais, do Jornal do Comércio, do Correio [T52] e do Diário, podem ser favoravelmente comparados com os de Nova York ou Londres. O Correio tem um corpo editorial competente, e é uma folha de ótima leitura.

O aspecto dos periódicos do Rio é semelhante ao dos parisienses, apenas os diários brasileiros são maiores, em tipo mais claro e impressos em papel superior. O rodapé de cada folha contém a leitura leve, o que se chama aqui o folhetim; e, todos os domingos, o Correio Mercantil publica várias colunas de pacotilha, O Jornal do Comércio, o Mercantil, o Diário do Rio de Janeiro e o Diário Oficial são mais bem impressos do que os diários franceses.

A imprensa diária do Rio é muito prolífera. São diariamente publicados quatro jornais, além de vários trissemanais e um número variado de seis a dez folhas, semanais e irregulares. Durante as sessões da Assembleia Nacional, os relatórios verbais dos trabalhos e debates dessa corporação são publicados na íntegra, como os do Parlamento inglês e do Congresso Americano, na manhã seguinte em que são feitos.

O Jornal do Comércio, já referido, conta com a maior circulação e está sobre a direção do sr. Castro, o tradutor em português da História do Brasil de Southey, secretariado pelo sr. A. D. O Correio Mercantil é propriedade de Muniz Barreto e Cia., tendo como redator-chefe, o sr. Octaviano
[T53] um dos melhores escritores do Brasil. O sr. Barreto merece muito de seu país pelos esforços que tem feito para elevar o tom da imprensa.

O Diário do Rio de Janeiro é editado por Saldanha Marinho, eminente político do partido liberal, auxiliado por um eficiente corpo de redação. O Diário Oficial foi criado pelo governo em 1862. O seu atual editor é o sr. Tito Franco de Almeida, que outrora editava com grande capacidade o Jornal do Pará. Todos os principais diretores dos três últimos jornais são membros da Câmara dos Deputados.

O Anglo Brazilian Times é uma folha inglesa quinzenal, editada pelo sr. Soulley e possui mais vivacidade que as publicações brasileiras, sendo um valioso complemento dos jornais do Rio. Há um interessante diário agrícola, publicado sob os auspícios da Sociedade Imperial de Agricultura, que merece ter ampla circulação. A primeira publicação desse gênero, O Agricultor Brasileiro foi iniciada pelo sr. N. Sands. em 1854; só um volume foi publicado.

A tipografia mais adiantada é a dos irmãos Laemmert, na Rua dos Inválidos; a máquina impressora da Tipografia Universal produz belos trabalhos em artes gráficas.

O assunto das colunas de anúncios dos vários periódicos é renovado quase que diariamente e é muito lido por grande número de leitores em geral, pelo gosto picaresco e pela variedade que apresenta. Aí vêm noticiados vários costumes peculiares à sociedade brasileira, incluindo os avisos eclesiásticos e de irmandades, que já mencionamos no capítulo anterior, e o patrocínio das numerosas loterias autorizadas pelo governo.

Frequentemente fundam-se companhias para a compra de bilhetes e as pessoas distantes ordenam aos seus correspondentes a aquisição dos mesmos. A fim de evitar subsequentes trocas ou disputas, o comprador anuncia pelos jornais o número do bilhete comprado, e qual a quantia, como por exemplo: "M. F. S. comprou por ordem de J. T. Pinto, dois meios bilhetes números 1513, e 4.817 da Loteria em benefício do teatro de Itaboraí. O tesoureiro da companhia Amigos da Boa Sorte comprou, por conta dessa companhia, os meios bilhetes números 3.885 e 5.430 da loteria da Catedral de Goiás".

Segundo tais costumes, pessoas que desejam publicar objetos perdidos costumam anunciá-los em nome de uma companhia, para compra de bilhetes de loteria, e às vezes isso se estende por doze linhas.

Os brasileiros têm um modo muito eficiente de cobrar dívidas, que deve ser conhecido pelos credores das outras partes do mundo. O recibo se encontra no seguinte aviso:

"
O Sr. José Domingos da Costa é solicitado pagar, na Rua de S. José 35, a quantia de 600$000. E, no caso de o não fazer dentro de três dias, a sua conduta será exposta neste jornal, juntamente com a forma pela qual essa dívida foi contraída."

Um outro aviso mostra que até o clero nem sempre é poupado:

"
Sr. Editor: Depois que o vigário de certa paróquia, no dia 8 do corrente, terminou a missa, com toda a costumada afetação, voltou-se para o público, e disse com ar de mofa: "Como não temos festival, vamos ler a liturgia, etc. A isso responderei que o reverendo vigário conhece bem as razões por que não houve festival. Esteja ele certo, entretanto, que quando desaparecerem as intrigas, o festival se realizará, mas se está com pressa, que o realize à sua própria custa, já que quem reza o Padre Nosso é que deve ter os benefícios. Assinado: O inimigo da Hipocrisia."

Um mestre-escola, depois de anunciar os seus predicados profissionais, assim conclui: (Os grifos são dele).

"Os alunos das primeiras classes, aprendem diferentes ramos de ciência e literatura, incluindo inglês, francês, português e latim. Os da segunda classe recebem uma educação completa, consistindo em leitura escrita, gramática, aritmética e doutrina cristã. Não estando o diretor habituado a fazer esplêndidos avisos e reclames na imprensa diária, para lançar poeira nos olhos do público, apenas pode prometer que, sendo pai de numerosa família, e sabendo os cuidados e atenções que as crianças exigem para a sua moral e educação, saberá cumprir o seu dever de acordo com isso." (N. E.: a edição brasileira de 1941 não marcou os grifos no trecho citado).

Uma última amostra ilustrará os casamentos precoces, que se realizam frequentemente no Brasil; eu desafio que em qualquer outro país se forneça um paralelo ao seguinte aviso, que apareceu no Jornal do Comércio do Rio de Janeiro em 1852:

"
Precisa-se de uma senhora, branca, de afiançada conduta, e com inteligência bastante para fazer companhia a uma menina casada de menor idade a qual precisa de algumas instruções próprias ao seu estado. Quem estiver nessas circunstâncias, anuncie por esta folha para ser procurada."

Distribuição de Bíblias.

Já fizemos várias alusões à completa liberdade de imprensa no Brasil e podemos agora mencionar, relacionadamente com isso, que há um interessante exemplo do uso dessa liberdade para os avisos em bem da propagação da Bíblia no Brasil assim como para boa execução dos esforços feitos para a difusão das Sagradas Escrituras. O meu colaborador, dr. Kidder, na primeira parte de sua tarefa religiosa no Brasil, empenhou-se pela maior circulação da Bíblia. Prefiro dar a sua opinião, com as suas próprias palavras. Depois de falar da influência geral de Portugal sobre o Brasil, ele escreve:

"
Portugal nunca publicou a Bíblia, ou permitiu a sua circulação, a não ser acrescida das notas e comentários, aprovados pelos censores inquisitoriais. A Bíblia não vem numerada entre os livros que podem ser admitidos em suas colônias, quando essas se acham sob seu absoluto domínio; todavia, os brasileiros, nos seus costumes políticos adotaram uma Constituição liberal e tolerante. Embora ela faça da religião Católica Apostólica Romana a religião do Estado, permite que todas as outras formas de religião sejam mantidas e praticadas, salvo em edifício "tendo a forma exterior de um templo". Também proíbe perseguição no terreno das ideias religiosas.

Gradativamente, as vistas esclarecidas dos grandes assuntos de tolerância e liberdade religiosa tornam-se mais disseminadas entre o povo e, por isso, muitos estão preparados para bem receber qualquer movimento que lhes prometa dar o que há tão longo tempo estão sistematicamente esperando: O Evangelho da verdade para o seu próprio uso pessoal. Exemplares expostos à venda, e anunciados nos jornais, encontram muitos compradores não só nas cidades como também nas províncias distantes.

Nas casas das missões, muitos exemplares são gratuitamente distribuídos; e em várias ocasiões, há o que se pode chamar uma verdadeira invasão de pedintes do volume sagrado. Uma dessas, ocorreu logo depois da minha chegada. Soube que havia chegado um suprimento de bíblias e que a nossa casa estava literalmente cheia de pessoas de todas as idades e condições de vida — desde o homem de cabelo grisalho até a buliçosa criança, desde o cavalheiro da alta sociedade, até o pobre escravo. A maioria das crianças e dos escravos vinha como portadores, trazendo pedidos escritos, de seus pais ou senhores.

Esses pedidos eram invariavelmente redigidos em linguagem respeitosa, e muitas vezes implorante. Várias foram as viúvas pobres que, sem dinheiro para comprar livros para seus filhos, desejavam o testamento para que eles o lessem na escola. Um outro pedido veio de um dos ministros do governo Imperial, pedindo fornecimento de bíblias, para toda uma escola fora da cidade.

Entre os cavalheiros, que compareceram em pessoa, viam-se vários diretores de colégios, e muitos estudantes de diferentes graus. Traduções em francês, em inglês, assim como em português, eram muitas vezes procuradas pelos amadores dos estudos linguísticos. Nós distribuímos os preciosos volumes de acordo com o nosso critério, com alegria mas também com temor.

Sendo este o primeiro movimento geral do gênero, estávamos, às vezes, inclinados a recear que algum plano tivesse sido combinado para destruir os livros ou para nos envolver em qualquer dificuldade. Essas apreensões foram, porém, contraditadas, por todas as circunstâncias, que puderam ser por nós observadas; e todos aqueles que puderam fazer a sua aquisição apesar da nossa intransigência, ouviram, com profunda atenção, tudo o que tivemos ocasião ou habilidade de dizer a respeito de Cristo e da Bíblia.

Não se deve, entretanto, supor que tão grande soma de verdade evangélica pudesse ser espalhada de uma vez entre o povo, sem excitar grande ciúme e comoção entre alguns padres. Não obstante isso, contavam-se alguns dos representantes dessa classe entre os próprios candidatos a receber a Bíblia. Um sacerdote, já de certa idade, que nos procurou em pessoa, e recebeu exemplares especiais em português, francês, e inglês, ao retirar-se disse-nos: — "
Nunca vi se fazer coisa semelhante neste país".

Um outro enviou-nos um pedido em francês, para que lhe remetêssemos L'Ancien et le Nouveau Testament. Em três dias, foram distribuídos 200 exemplares, e as nossas reservas acabaram, mas os pedintes continuavam a chegar, podendo-se avaliar que quatro vezes aquele número podia ser atendido. Tudo que pudemos responder a essas pessoas era informar onde a Bíblia podia ser procurada ou vendida, e antecipar um novo suprimento no futuro.

Não ficamos desapontados com a oposição que surgiria ante essa manifestação do desejo do povo pelos Evangelhos. Uma série de baixos ataques foram feitos, contra nós por certa publicação, que pelo seu estilo, bem dizia do caráter dos seus autores
[T72].

"Essa espécie de oposição quase sempre teve o defeito de despertar maior procura pela Bíblia, sendo que muitos indivíduos, que vinham procurá-la em nossa casa nos declararam que a sua atenção tinha sido atraída pelas tentativas fanáticas e desarrazoadas dos opositores. Eles condenaram a ideia como absurda e ridícula, que os homens pudessem ditar-lhes o que deviam ler, fazendo uma cruzada inquisitorial contra a Bíblia. Desejavam poder mostrar que tinham liberdade religiosa e estavam decididos a tê-la. Expressaram a sua contrariedade em relação à ignorância e fanatismo, que caracterizam alguns desses pretensos juristas da religião, que devia orientar a sua vida pelas exigências da palavra Divina.

Os nossos amigos, consultados a respeito, quase que invariavelmente nos aconselharam não dar atenção aos baixos e virulentos ataques que nos foram feitos, com os quais o público de modo algum simpatizava, e que todas as pessoas inteligentes compreenderiam a sua injusta finalidade. Tais artigos se refutariam por si próprios, e iriam ferir mais os seus autores do que a nós.

Os resultados confirmaram essa opinião. Um cavalheiro, "um português", disse-nos com particular entusiasmo: — "
Não deem atenção a essas coisas, continuem na missão sagrada em que se empenham, espalhando a verdade pelo povo". — Com esse conselho concordamos, e fazemos agora a agradável reflexão que reservamos as nossas energias e o nosso tempo, a mais altos objetivos que a refutação das falsidades sem base e rancorosas, que foram ditas contra nós.

Sabemos bem que essa oposição não foi tanto contra nós, como contra a causa da Bíblia, com que nos identificamos, e ficamos satisfeitos de permanecer tranquilos, esperando a salvação de Deus". E mais agradável ainda foi assistir aos resultados da onipotente Providência que torna cada vez mais os homens tributários da palavra Divina.

A maldade desses opositores, infiéis à verdade, excitou a curiosidade de numerosas pessoas, em examinar se realmente a palavra de Deus não era proveitosa para a instrução e para a doutrina. Os resultados de semelhantes exames, em todas as mentalidades puras, pode ser facilmente previsto. Assim, as verdades inspiradas encontraram livre curso em centenas de famílias e dezenas de escolas, que puderam realizar a sua boa tarefa sobre a mentalidade e o coração do povo.

Alguns exemplos dos efeitos felizes e imediatos da propagação da Bíblia chegaram ao nosso conhecimento; mas está reservado à eternidade revelar a extensão total do benefício. Quando viajamos posteriormente, em províncias distantes, verificamos que os volumes sagrados postos em circulação no Rio de Janeiro, nos haviam precedido algumas vezes, e onde quer que hajam chegado despertaram um tal interesse que fizeram o público pedir novos exemplares.

Há outros meios, além dos periódicos, para o progresso dos brasileiros em assuntos de ciência e belas letras. Aos vários colégios, escolas e academias descritas em outro capítulo, devemos acrescentar certo número de instituições públicas e associações cujo programa é cultivar a literatura e a ciência, bem como difundir conhecimentos.

Biblioteca Nacional.

A Biblioteca Nacional contem cem mil volumes. Consistem principalmente nos livros que pertenceram originalmente à Real Biblioteca de Portugal e que foram trazidos por d. João VI. A coleção é anualmente aumentada por doações e auxílio governamental. Foi mandada abrir ao público pelo monarca português e, desde então, recebeu um regulamento apropriado, livre de acesso a todos os que desejem frequentar o seu salão de leitura.

Essa biblioteca está aberta diariamente de 9 horas da manhã até às 2 da tarde; antigamente a sua entrada era pela rua que fica ao lado do Convento do Carmo; o governo, porém, acaba de adquirir a confortável casa de residência do sr. Viana [T54]. Otimamente situada nas proximidades do Passeio Público, onde as acomodações serão sem dúvida superiores às que até então tem tido.

Quando funcionava no velho edifício, apresentava um interessante aspecto ao visitante. Mesas cobertas de pano, sobre as quais se dispunha material para escrever, e armações para suportar grandes volumes, estendendo-se no salão de extremo a extremo. As prateleiras, erguendo-se do chão até o alto teto, estavam cheias de livros de todas as línguas e idades. Podia-se pedir qualquer obra que a biblioteca possuísse, e tomar um assento para ler e tomar notas à vontade. Os periódicos da capital e vários magazines europeus estavam sempre à disposição do leitor.

Não somente esse compartimento, como também várias alcovas e salas contíguas do outro lado, estavam repletas de livros. A coleção também tem sido aumentada com valiosas doações particulares, entre as quais a dos livros pertencentes a José Bonifácio de Andrada merece especial menção.

A franquia ao público de uma biblioteca como essa não pode deixar de exercer uma benéfica influência sobre os gostos literários e os conhecimentos dos estudiosos da metrópole, o que, gradativamente, se vai estendendo a toda a comunidade. Enquanto o estudioso do Rio de Janeiro encontra na Biblioteca Nacional quase tudo o que pode desejar no terreno da literatura antiga, pode também ter acesso às obras mais modernas por intermédio das bibliotecas por subscrição.

Os residentes ingleses, alemães e portugueses fundaram bibliotecas para seu uso exclusivo. A dos ingleses é bastante extensa e rica.

Museu Nacional.

Entre as instituições oficiais deve-se salientar o Museu Nacional, situado no Campo de Santana, e que é franqueado ao público, e grande número de pessoas utilizam-se dessa agradável e instrutiva instituição. A coleção dos minerais teve o seu valor aumentado com a doação feita pelos herdeiros de José Bonifácio de Andrada. Presentearam o Museu com toda a valiosíssima coleção que, na sua longa carreira pública o seu chefe teve a rara oportunidade de organizar.

No primeiro período de sua vida profissional, José Bonifácio foi professor de Mineralogia na Universidade de Coimbra, em Portugal, onde publicou vários trabalhos que lhe granjearam fama entre os cientistas da Europa. Durante toda a sua vida esforçou-se por colecionar modelos de máquinas e aparelhos mecânicos, juntamente com gravuras e moedas; seus herdeiros não poderiam ter disposto mais magnanimamente de tudo o que ele lhes deixou do que doando-o à nação.

A seção de Mineralogia é bem organizada, mas contém muito maior número de amostras estrangeiras do que nacionais. A mesma falta de curiosidades brasileiras faz-se também sentir em outras seções embora na das relíquias indígenas exista, desde a época da instalação do Museu, uma rica coleção de peças de vestiário e adorno feitas de penas provenientes do Pará e Mato Grosso.

Constantemente se estão fazendo acréscimos e melhorias nas coleções. Todavia, ainda se pode afirmar que, enquanto as coleções de Munique, Viena, Paris, São Petersburgo, Londres e Edimburgo foram enriquecidas com esplêndidos espécimes brasileiros, o Museu Imperial do Rio de Janeiro só dá uma pálida ideia dos produtos do maior interesse, minerais, vegetais e animais, em que é tão abundante o Império.

Foi aqui que contemplei um belo exemplar vivo da grande harpia das florestas amazônicas.

Academia Imperial de Belas Artes.

Há uma Academia Imperial de Belas Artes, fundada em 1824, por decreto da Assembleia Nacional. Presentemente conta com um diretor e quatro professores — de pintura e paisagem, de arquitetura, de escultura e de desenho — e um número correspondente de substitutos. Esse estabelecimento é franqueado a quem deseje instruir-se em qualquer daquelas seções, sendo frequentado anualmente por cerca de setenta estudantes matriculados, o maior número na seção de desenho.

Essa Academia também custeia a estadia de certo número de seus melhores alunos em Roma, onde têm ampla oportunidade para estudar as produções clássicas e a arte antiga e moderna.

Conservatório de Música.

O Conservatório de Música é uma academia oficial onde se ministra instrução de música instrumental e vocal a ambos os sexos, por professores competentes. Há também um Conservatório Dramático, a cuja comissão de censura foram submetidas, em 1854, 250 peças, das quais 170 foram aprovadas, 24 emendadas ou rejeitadas, e 33 foram julgadas de qualidade tal que não somente foram rejeitadas como condenadas por inqualificáveis.

Associações — Instituto Histórico e Geográfico

As Sociedades Imperial de Agricultura, de Estatística e Auxiliadora alistam muitos cidadãos dedicados à causa pública assim como bons escritores. Mas a associação que, pelo seu caráter, dignidade e número de sócios, é a primeira de toda América do Sul é o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, fundado no Rio de Janeiro em 1838 e que, mais do qualquer outra associação, tem despertado o espírito literário do Brasil.

Esse Instituto adotou para programa fundamental colecionar, organizar, publicar ou conservar, os documentos ilustrativos da história e da geografia do Brasil. Várias personalidades de destaque profundamente se interessaram por essa instituição desde a sua fundação.

O governo lhe dá também valioso auxílio. A Assembleia Geral votou um subsídio anual para ajudá-la em seus propósitos, e o Departamento dos Negócios Estrangeiros envia instruções aos adidos das legações brasileiras na Europa para que procurem e copiem documentos de interesse existentes nos arquivos das diversas cortes europeias, relativos ao passado histórico do Brasil. Por esse meio, vem sendo despertada a iniciativa individual e o espírito de inquérito e pesquisa vem sendo animado nas diferentes partes do Império e do estrangeiro, tendo se conseguido já interessantes resultados.

No primeiro ano de sua existência, o Instituto contou com perto de quatrocentos membros efetivos e correspondentes, e conseguiu colecionar trezentos manuscritos. Os mais interessantes foram já publicados, juntamente com valiosos discursos e ensaios da autoria de seus membros. Duas sextas-feiras de cada mês são dedicadas às reuniões sociais; e nenhum de seus membros ou patronos é tão pontual e manifesta mais profundo interesse por todos os seus trabalhos do que dom Pedro II.

O órgão do Instituto é a Revista Trimestral, ou Jornal [T55] que publica por extenso as atas das sessões, juntamente com os mais importantes documentos lidos durante essas ocasiões. Tivemos particular interesse pelos artigos que ela encerra sobre as tribos aborígenes da América do Sul, assim como pelos esboços biográficos dos brasileiros mais notáveis. O presidente do Instituto é o visconde de Sapucaí.

Considerada em conjunto pode-se perguntar se a língua portuguesa possui mais valiosa coleção de miscelâneas que as que se acham reunidas nas páginas da Revista Trimensal ou Jornal do Instituto Histórico Brasileiro.

Funcionalismo.

Quase todos os homens de maior notabilidade do Brasil pertencem às profissões liberais. Qualquer coisa assim do gênero de um eminente mecânico ou comerciante ocupando alta posição oficial, creio que nunca se viu. Há certos funcionários que têm seus vencimentos pagos pelo Governo de acordo com um regulamento que merece ser aqui referido.

Os professores de alguns estabelecimentos oficiais, e possivelmente os adidos de algumas repartições do governo, recebem um determinado pagamento anual. Não devem ser muito elevados esses vencimentos; mas, depois de exercerem suas funções durante um dado número de anos, o funcionário, se a sua conduta foi correta, pode aposentar-se e recebe do Tesouro Imperial uma quantia igual aos vencimentos somados em todo o seu tempo de serviço. É um forte estímulo ao fiel cumprimento das obrigações, que evita talvez que os demagogos inescrupulosos andem em busca de empregos para recompensar atividades partidárias.

É assim que os funcionários de segunda categoria do governo brasileiro adquirem um perfeito conhecimento das difíceis formalidades dos vários departamentos administrativos; e as mudanças de ministérios não acarretam dificuldades para um novo Gabinete que tem de guiar a máquina governamental. A moda brasileira parece estar mais de acordo com bom senso do que o princípio de rotatividade que domina nos Estados Unidos.

Justiça.

Num outro capítulo se encontra o programa de estudos que se segue na principal escola de Direito do Império. A administração da justiça é muito mais simples do que na Inglaterra e nos Estados Unidos. Há quase que os mesmos magistrados e juízes, com denominações diferentes. O "delegado" ou "subdelegado" é nosso juiz de paz, o "juiz municipal" corresponde ao juiz circulante ou o juiz presidente da Corte das causas ordinárias; o "juiz dos órfãos" é o juiz de herdeiros; o "juiz de direito" é o juiz da Suprema Corte. Há juízes superiores distritais em todas as províncias, e um "Supremo Tribunal de Justiça", que corresponde à Suprema Corte dos Estados Unidos.

Da prática que teve o governador Kent em lidar com os tribunais brasileiros e da interessante correspondência do rev. Charles N. Stewart, escolho os seguintes fatos sobre a maneira de se conduzir um julgamento criminal no Rio de Janeiro.

A parte acusada é levada primeiro à presença do subdelegado, em cujo distrito foi cometido o crime. É sujeito a um interrogatório verbal, e suas respostas, juntamente com as perguntas, são registradas. Indagam do acusado a idade, profissão etc., tão minuciosamente como o entenda o magistrado. Não é obrigado a responder, mas o seu silêncio pode ser interpretado desfavoravelmente.

O interrogatório do detido é seguido pelo das testemunhas, que juram colocando a mão sobre uma Bíblia. O juramento é do mais solene e impressionante aspecto e, nesse assunto, pelo menos, os brasileiros nos dão uma bela e necessária lição. Todos se levantam — tribunal, funcionários, advogados e assistência — permanecendo de pé em profundo silêncio durante a cerimônia. Quando o júri se retira, há também grande manifestação de respeito — todos de pé até que os doze membros do júri tenham deixado a sala de julgamento.

O subdelegado, depois do interrogatório preliminar, decide se o acusado deve ser submetido a julgamento, e submete os papéis com a sua decisão a um funcionário superior que geralmente a confirma, e o acusado é solto ou mantido em prisão.

Nas causas cíveis, a não ser quando de grande importância, o júri não constitui uma parte da administração judiciária. É constituído, então, por doze cidadãos. "
Quarenta e oito são obrigados a responder ao termo, sendo a lista de jurados para cada julgamento escolhido por sorte, os números tirados por uma criança, que mostra a papeleta ao juiz presidente. Nas causas principais, a recusa pode ser feita sem motivo declarado. Juramentado e constituído o júri, o acusado é novamente interrogado pelo juiz — às vezes longa e minuciosamente — não somente quanto aos atos como quanto aos motivos.

"Passa-se então à leitura do relatório do processo inicial, inclusive as declarações de todas as testemunhas. Se uma das partes o deseja, a testemunha pode ser de novo inquirida, se estiver presente; mas não são as testemunhas obrigadas a comparecer ao tribunal, como no nosso país. Por essa razão, o interrogatório do acusado e das testemunhas no processo preparatório é muito importante e essencial. Em muitos casos, o julgamento se faz e decide inteiramente baseado no relatório apresentado" (de Brazil and La Plata).

A distribuição dos lugares na sala de julgamento é algum tanto diferente da que se observa geralmente nos Estados Unidos. O juiz, com o seu auxiliar, senta-se num dos lados da sala, e o promotor do outro. O júri, ao invés de estar dentro de uma divisão de madeira, toma assento em duas mesas semicirculares colocadas à esquerda e à direita do juiz. Os advogados não ficam de pé quando se dirigem ao corpo de jurados mas, como os professores em dia de exames, fazem seus discursos ex-catedra. Os advogados não empenhados na causa, que desejam assistir ao julgamento, ocupam uma espécie de assento reservado que se parece com a box destinada aos criminosos nas salas de julgamento inglesas e norte-americanas.

O veredito, que adiante transcrevemos, é o de um caso de homicídio ocorrido em 1851 no Rio de Janeiro. O julgamento se realizou na primavera de 1852, e a ata é transcrita de um dos diários da capital, e dá uma clara e concisa ideia da natureza das questões propostas pelo juiz, e da facilidade com que um júri pode chegar a uma rápida conclusão sobre a culpabilidade ou inocência de um acusado.

(No caso presente, o primeiro júri absolveu o réu. O juiz-presidente apelou para a Corte de Relação, composta de todos os juízes, em número de doze. Essa corte, ouvida a respeito, sustentou a apelação e ordenou novo julgamento).

1 — Matou o acusado B., em data de 23 de setembro do ano p. p., descarregando uma pistola, o italiano C., no hotel D.? Resposta: Sim (por doze votos).

2 — Cometeu ele o delito durante a noite?
Resposta: Sim (por oito votos).

3 — Cometeu o acusado o crime com superioridade de armas, de forma que a vítima C. não se pôde defender com probabilidade de repelir a agressão? Resposta: Sim (por onze votos).

4 — Cometeu o acusado o crime empregando disfarce ou surpresa? Resposta: Não (por sete votos).

5 — Há circunstâncias atenuantes do crime em favor do acusado? Resposta: Sim (por oito votos).

Pelo artigo 18, par. 3, do Código Criminal : "Se o acusado comete o crime em sua própria defesa", e mesmo, par. 4: "Se o acusado comete o crime ou agressão em represália ou vingança de injúrias ou ofensas que haja sofrido".

6 — Reconhece o júri que o acusado cometeu a ação (ou agressão) em defesa própria?
Resposta: Sim (por sete votos).

7 — Estava o acusado certo do perigo de que pretendia escapar? Resposta: Sim (por sete votos).

8 — Estava o acusado absolutamente sem outros meios de defesa menos perigosos?
Resposta: Não (por oito votos).

9 — A ocasião para o conflito foi provocada pelo acusado? Resposta: Não (por oito votos).

10 — Teria o acusado praticado qualquer ato que motivasse o conflito?
Resposta: Não (por oito votos).

11 e 12 — como (9 e 10), relativos à família do acusado, se algum de seus membros provocou, etc., respondidas: "Não" (por doze votos cada uma).

Diante desse veredito, a Corte julgou B. culpado, sentenciando-lhe doze anos de prisão com trabalhos forçados e custas.

Foi feito novo apelo à mesma Corte da Relação; foi perdoado pelo imperador, em 1852, a pedido do ministro plenipotenciário do seu país, secundado por outros.


O seguinte caso oferece certo interesse legal: em fevereiro de 1853, um preto foi levado a julgamento pelo júri pela acusação de usar uma navalha. Não consta que o preto tenha praticado ou tentado praticar qualquer agressão; mas o seu crime foi de usar arma proibida. Durante o julgamento, apareceu um homem de cor branca, reclamando o negro como seu escravo. Essa reclamação fez parte do processo em julgamento, e o júri foi instruído para decidir se o acusado era livre ou escravo do reclamante. Decidiu, pelo voto de desempate do juiz, que era livre e, por dez votos, que era culpado pelo crime. Foi condenado a um mês de prisão como homem livre. Assim, obteve ele uma sentença que lhe garantia a liberdade e teve que passar um mês como hóspede de uma prisão. Feliz navalha para ele!

É impossível, numa obra como esta, entrar na plena apreciação do modo pelo qual se cumprem as leis no país. De tempos a tempos, surgem muitas acusações de corrupção, contra os membros da administração, e em alguns casos é fora de dúvida que existe corrupção. Pessoas que têm tido seus bens aguardando decisão dos Juízes de Órfãos queixam-se de que esses bens ficam muito reduzidos até que a decisão do juiz se torne conhecida. Há estrangeiros que se queixam do que eles qualificam como má-fé, insinuando mesmo que alguns magistrados não estão acima da corrupção.

Não seria também justo comparar a administração das leis no Brasil e na Inglaterra; mas não receio em dizer que em nenhum outro país da América do Sul há maior segurança pessoal e mais correta distribuição da justiça que no Império do Brasil. De ano em ano os diferentes códigos vêm sendo mais bem assimilados; o número de homens eminentes na profissão do direito tornou-a, no ponto de vista da capacidade mental, uma das primeiras entre as profissões liberais.


Notas do tradutor:

[T72 - Nota originalmente no Tomo 2]: Refletindo o ambiente da época, aqui damos a relação das publicações de um dos principais defensores da Igreja oficial: Desagravo do Clero e do Povo Católico Fluminense ou Refutação das Mentiras e Calunias do Impostor que se intitula Missionário, 1837; Antídoto Católico contra o veneno metodista ou Refutação do Relatório de P. G. Tilbury 1838; O Católico e o Metodista ou Refutação das Doutrinas Heréticas e Falsas, 1839, ed. I. P. da Costa, Rio.

[T52] Correio Mercantil.

[T53] Francisco Otaviano de Almeida Rosa.

[T54] João Pereira da Rocha Viana, que alugou o prédio de sua propriedade, no Largo da Lapa (então número 46), para nele se instalar em 1858 a Biblioteca Nacional, tendo esta ocupado, a princípio, salas do então Convento do Carmo, na rua do Carmo, com entrada por um beco que ia ter à então Rua Direita.

[T55] Revista Trimensal de História e Geografia ou Jornal do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.