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HISTÓRIAS E LENDAS DE CUBATÃO - CUBATÃO EM... - 1839 - BIBLIOTECA NM
1839-1855 - por Kidder e Fletcher - 26

Clique na imagem para ir ao índice do livroEm meados do século XIX, os missionários metodistas estadunidenses Daniel Parrish Kidder (1815-1892) e James Cooley Fletcher (1823-1901) percorreram extensamente o território brasileiro - passando inclusive por Santos e por Cubatão em 1839 (Kidder) e 1855 (Fletcher) -, fazendo anotações de viagem para o livro O Brasil e os Brasileiros, que teve sua primeira edição em 1857, no estado de Filadélfia/EUA.

Kidder fez suas explorações em duas viagens (de 1836 a 1842), e em 1845 publicou sua obra Reminiscências de Viagens e Permanência no Brasil (leia), sendo seguido por Fletcher (a partir de 1851), que complementou suas anotações, resultando na obra O Brasil e os Brasileiros, com primeira edição inglesa em 1857 e sucessivamente reeditada.

Esta transcrição integral é baseada na primeira edição brasileira (1941, Coleção "Brasiliana", série 5ª, vol. 205), com tradução de Elias Dolianiti, revisão e notas de Edgard Süssekind de Mendonça, publicada pela Companhia Editora Nacional (de São Paulo, Rio de Janeiro, Recife e Porto Alegre), publicada em forma digital (volume 1 e volume 2) no site Brasiliana, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ - acesso em 30/1/2013 - ortografia atualizada - páginas 283 a 318 do volume 2):

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O Brasil e os Brasileiros

Daniel Parrish Kidder/James Cooley Fletcher

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Uma montaria

Imagem: reprodução da página 284 do 2º volume da edição de 1941, da Cia. Editora Nacional

Capítulo XXVI

Norte do Brasil — Magnificência da natureza

Rapidamente navegamos as quatrocentas milhas que separam Maranhão do Pará, alcançando os limites orientais do Norte brasileiro, a costa oceânica dessa vasta bacia que contém uma área igual aos dois terços da Europa. Estamos prestes a penetrar numa das regiões mais assombrosas da natureza, onde tudo é construído na mais elevada escala.

O rio mais poderoso do mundo nasce nas altíssimas montanhas da parte ocidental do continente sul-americano, e percorre milhares de milhas através de florestas sem rival em beleza, grandeza e fecundidade. É nessa região que a vitória-régia, gigante do reino da flora, recolhe-se ao seio das lagoas sombrias, ou repousa nas águas paradas, protegidas por alguma faixa de vegetação contra as águas velozes da corrente que incessantemente desce dos Andes.

Milhões de aves e insetos, das mais brilhantes cores, curiosos répteis e quadrúpedes, habitam essa quase terra incógnita. Talvez não haja no planeta outra região que, possuindo tantas maravilhas, seja tão acessível e tão pouco explorada.

Estamos, porém, nas vésperas de grandes transformações: o vapor está cumprindo a sua legítima missão, e as gerações presentes poderão ainda ver o Vale do Amazonas, se não como o de Mississipi, povoado por milhões de seres humanos, pelo menos conhecido na totalidade de seus vastos recursos. Muito de lendário se tem escrito a respeito do poderoso Orellana e aqueles que pensam contemplar as férteis margens do Amazonas daqui a meio século habitadas por ativa população e feliz sob o domínio da civilização, estão sem dúvida fadados a um desapontamento.

Mas, se é verdade que o Sul do Brasil é que será para sempre o campo apropriado às iniciativas dos europeus e norte-americanos, não deixará por isso de ter razão, em suas afirmações, o mais completo explorador do Vale do Amazonas, Wallace, quando escreve: "Pela riqueza de seus produtos vegetais e pela fertilidade do seu solo, é ele sem rival no globo, e constitui, na nossa opinião, a região natural que, numa mesma área, é capaz de sustentar uma maior população, proporcionando-lhe, da forma mais completa, a satisfação das necessidades e luxos da vida".

A Amazônia exige um volume inteiro; mas a presente obra ficaria incompleta sem algumas informações sobre essa porção do Império do Brasil, que excitou sempre um profundo interesse em ambos os continentes.


Ferry-boat de nova espécie

Imagem: reprodução da página 285 do 2º volume da edição de 1941, da Cia. Editora Nacional

A cidade do Pará

A cidade de Belém, ou Pará, é o ponto de partida habitual para os que visitam a região amazônica, vindos de Leste. Havia outrora uma via de comunicação, por terra e por água, do Maranhão até o Pará, que foi depois abandonada; segundo Southey, costumava ser transitada por canoas que atravessavam o continente, passando por nada menos de trinta e duas baías, muitas das quais tão grandes que a vista não podia totalmente abrangê-las.

Essas bacias se acham ligadas por um labirinto de canais e águas paradas, de forma que a viagem podia ser muito encurtada subindo-se um rio com a enchente, passando para um outro, e descendo com a maré. A distância assim medida é de cerca de 300 léguas, que podiam ser percorridas em 30 dias. O dr. Kidder escreve:

"
Encontrei um indivíduo que, na sua mocidade, havia percorrido essas passagens interiores, fazendo um percurso mais direto, empregando apenas 14 dias. Isso se deu na idade do ouro, quando o trabalho do índio era muito acessível e podia ser pago a quatro centavos por dia. Alguns anos depois, a mesma pessoa quis fazer de novo a viagem, mas teve que desistir pela dificuldade em achar canoeiros que o servissem pagando mesmo 50 centavos por dia.

Guardava a mais deliciosa recordação do percurso, que ostentava as belezas da natureza em seu primitivo encanto. Nada interrompia a segurança da viagem, e nada perturbava o silêncio desses recessos silvestres a não ser o tagarelar dos macacos e o canto das aves. A superfície prateada das águas e a magnífica folhagem das florestas tropicais, as mais pujantes que o globo possui, e cuja espessura é tal que quase anula a luz do sol, se combinam para incutir no espírito do homem que as contempla uma noção de grandeza inexprimível.

As canoas eram colocadas nas margens todas as noites, quando se desejava comer ou descansar, e os hábeis índios, em poucos minutos, asseguravam caça suficiente para a alimentação da comitiva. Assim a viagem se fez sem fadiga e mesmo divertidamente."

Em algumas regiões do Brasil, onde há tantos cursos d'água utilizáveis pela navegação, em certas ocasiões se improvisavam ferry-boats da forma mais primitiva. Um couro de boi constituía o principal material de construção, e um escravo servia de meio de propulsão.

Pará se acha situada no rio do mesmo nome, o qual, afirmam alguns, não passa de um prolongamento do Rio Tocantins, não constituindo, portanto, uma das bocas do Amazonas. Wallace inclina-se pela primeira opinião, mas geralmente se admite a última.


Pará (Belém)

Imagem: reprodução da página 287 do 2º volume da edição de 1941, da Cia. Editora Nacional

Entrada do Amazonas

Durante a predominância de certos ventos, e devido a fortes correntes que forçam as águas doces fluviais até bem dentro do mar, a entrada do rio Pará é muitas vezes difícil e perigosa. O meu colega assim descreve a sua experiência:

"
Entramos no estuário do Amazonas numa feliz conjuntura. O tempo estava tão claro que distintamente vimos as ondas se quebrarem tanto nas barrancas de Tijoca como nas de Bragança, e a maré estava justamente começando a subir. Durante quase uma hora, pudemos observar, bem em frente a nós, o conflito entre as águas ascendentes e descendentes. Afinal, prevaleceram as poderosas forças do oceano, e a corrente fluvial pareceu encolher-se diante delas.

Esse fenômeno é denominado, de acordo com a sua designação indígena, pororoca, que constitui um aspecto característico da navegação do Rio Amazonas, centenas de milhas acima da foz. Nenhuma embarcação a vela pode descer o rio quando o fluxo da maré sobe. Por isso, quer em sentido ascendente quer descendente, as distâncias se medem pelas marés. Por exemplo, Pará está a três marés do oceano, e uma pequena embarcação que entre com a maré, deve esperar no ancoradouro duas vazantes para poder chegar até à cidade.

Às vezes se veem canoas em perigo por causa da agitação das águas devida à pororoca e por essa razão elas costumam, precavidamente, demorar-se em certos pontos, chamados esperas, onde se sabe que as águas sofrem pouca agitação. A maior parte das embarcações usadas no comércio do Amazonas já são construídas levando em conta essa particularidade de navegação, sendo mais apropriadas a flutuar nas correntes do que a velejar na direção dos ventos, se bem que as suas velas entrem muitas vezes em serviço.

Esse fluxo e refluxo das marés do Amazonas são observáveis regularmente 500 milhas acima da foz, na cidade de Óbidos. A pororoca é muito mais violenta na parte Norte da ilha de Marajó, onde a embocadura é mais larga e a correnteza do rio diminui.

Subindo o grande rio, a cor das águas passa do tom escuro do oceano, que acabamos de deixar, para um tom verde-claro, e depois, gradualmente, para um amarelo-lamacento. Estamos à vista das barrancas e Sudeste do rio; depois de subirmos mais de 40 milhas, a Ilha de Marajó se torna visível da margem oposta.

No decorrer do dia, aproximamo-nos do continente, e as margens são uniformemente planas e densamente cobertas de manguezais. A única povoação que se distingue é Colares, que o nosso comandante, capitão Hayden, capturou durante a última revolução. Durante o dia todo, fomos impelidos pela ação combinada do vapor e do vento, mas a maré estava contra. À noite, uma clara lua cheia derramou do céu sem nuvens um novo esplendor no cenário já por si sublime. Uma aragem, das mais ricas em fragrâncias, vinda de terra, foi-se tornando mais sensível à medida que o rio se estreitava.

Duas embarcações foram apenas vistas durante a viagem. Finalmente, passamos pelo Forte da Barra, duas milhas distante da cidade de Belém, e fomos saudados à nossa passagem. As luzes da cidade, e os navios em frente dela, tornaram-se então visíveis. Descrevemos um semicírculo em volta do porto, passando entre dois navios de guerra, e ancoramos às dez horas.

As torres da catedral, do palácio e de várias igrejas, eram visíveis distintamente à luz do luar.

O segundo dia após a nossa chegada foi um sábado e, por gentileza do capitão Hayden, pude instalar um serviço religioso a bordo do navio maranhense. Alguns marinheiros americanos compareceram, assim como várias pessoas vindas de terra. Reunidas essas pessoas às de bordo, tive um auditório para quem anunciei as maravilhas do reino de Deus.

Aproveitando a circunstância de estar o navio sem os seus passageiros, devendo receber outros para se dirigir ao mar, servi-me da ocasião ótima para um serviço religioso, e senti verdadeira gratidão pela oportunidade — provavelmente a primeira que jamais tivera um ministro protestante — e preguei a palavra de Jesus e a ressurreição sobre as vastas águas do Amazonas. Realizei serviços religiosos no Pará, em sete sábados sucessivos, uma vez a bordo de um navio americano ancorado no porto, e as outras na residência particular de um amigo.

A situação geográfica do Pará, ou cidade de Belém, é 1º 28' latitude Sul e 48° 28' longitude Oeste. Sua posição ocupa um ponto elevado nas ribanceiras a Sueste do Rio Pará, que é a boca mais importante do Amazonas. A cidade está a oito milhas do oceano, e pode ser vista a longa distância por quem desce o rio. É de aspecto bastante imponente para quem navega e se aproxima nessa direção. Seu ancoradouro é muito bom, formado por uma curva rápida da corrente, permitindo ancorar os navios do maior calado. A grande Ilha do Marajó forma a margem oposta, a duas milhas distante, mas fica totalmente escondida da vista pelas pequenas ilhas que estão em frente dela.

O aspecto geral da cidade do Pará corresponde ao da maioria das cidades do Brasil, apresentando uma mistura de paredes brancas e telhados vermelhos. O plano em que foi construída não é falta de gosto e regularidade. Possui numerosas praças públicas e ruas que, embora não muito largas, são bem pavimentadas, ou antes macadamizadas. É grande a porcentagem de casas grandes e bem construídas, se bem que as ruas secundárias estejam cheias de casas de tamanho diminuto e construção pobre.

O estilo das casas de moradia é característica, e bem adotado ao clima. Uma ampla varanda é a parte essencial de toda habitação. Algumas vezes rodeia por fora toda a construção e, por dentro, há também uma construção semelhante que ocupa, pelo menos, três lados de uma área interior. Parte da varanda interna, ou um compartimento em ligação com a mesma, serve de sala de jantar, e quase sempre é bem arejada e agradável. Somente as salas da frente são de teto forrado, a não ser nos edifícios mais importantes em que todas as salas o são. Janelas com gelosias são mais frequentes do que com vidraças, porém, algumas casas têm esses dois complementos, dando-se preferência às gelosias na estação seca.

Em lugar de alcovas pequenas, escuras e mal ventiladas, e camas pouco asseadas para dormir, existem aqui redes suspensas presas a ganchos que se vem em todos os cantos das grandes salas, e atravessadas em toda a extensão das varandas. Algumas residências possuem esses dispositivos em número suficiente para se fixarem redes para cinquenta ou sessenta pessoas à noite sem o menor transtorno."

Revolução de 1835

"
Os efeitos da revolução de 1835, ainda são visíveis no Pará. Quase todas as ruas deixam ver maior ou menor número de casas com sinais de bombas e tiros de canhão. Alguns desses vestígios quase que se apagaram mas outros estão apenas levemente modificados pelo tempo. Repararam-se alguns estragos, mas outros foram deixados até agora. O Convento de Santo Antônio foi muito exposto ao canhoneio e conserva muitas marcas de balas em suas paredes. Um dos projéteis foi tão desastroso que destruiu uma imagem colocada num alto nicho na frontaria do convento".

Essa revolução de 1835 foi das mais sérias que tem havido no Pará pois, nela, os índios, guiados por chefes brancos, quase se assenhorearam do poder, e tiveram sob o seu domínio os descendentes de europeus. O Pará, embora presentemente gozando de prosperidade, foi singularmente prejudicado em seu progresso pela herança de muitas sublevações.

O forasteiro, ao entrar na cidade, fica impressionado pelo aspecto peculiar da população. Os descendentes dos portugueses e africanos não diferem, realmente, dos seus irmãos das outras partes do país; mas são aqui em número relativamente pequeno, ao passo que a raça indígena é predominante.

Os aborígenes do Brasil podem ser vistos aqui não só nos seus representantes puro-sangue, como em todos os possíveis graus de mistura com brancos e pretos. Ocupam todas as posições sociais, e podem ser vistos como vendedores, negociantes, marinheiros, soldados, padres e escravos. Nesta condição, inspiraram-me o maior dos interesses e simpatias.

A ideia da escravidão é sempre revoltante para uma mentalidade não afeita a ela, para quem a veja imposta à força num indivíduo de raça preta, branca ou vermelha. Mas, em relação aos índios, tem havido uma série de fatalidades que atingiram tanto os perseguidores como os perseguidos, e que empresta à sua servidão especial horror.

Quase todas as revoltas que ocorreram no Pará foram direta ou indiretamente inspiradas pelo espírito de vingança sempre associado às sangrentas expedições dos primitivos caçadores de escravos no pensamento dos nativos e mestiços que habitam toda essa região. A revolução brasileira nessas porções do Império foi recebida com maiores horrores do que em qualquer outra província.

Quando foi proclamada a independência do Brasil, o Pará ficou por algum tempo sujeito às autoridades portuguesas. Quando lorde Cockrane chegou ao Maranhão, despachou um dos seus oficiais, o capitão Grenfell, num brigue de guerra, para tomar posse do Pará.

Esse oficial recorreu a um estratagema que, embora bem-sucedido, não dá boa ideia de sua bravura e integridade. Aproximando-se da cidade do Pará, intimou a praça a render-se, afirmando que lorde Cockrane estava com a sua frota ancorada a pouca distância e que, em caso de resistência, imporia a sua autoridade, exercendo represália. Intimidada por essa ameaça, a cidade apressou-se em jurar fidelidade ao trono de d. Pedro I, e Grenfell tudo fez para que se expulsassem as pessoas mais perigosas antes que se conhecesse o seu estratagema.

A oposição, porém, logo se manifestou; organizou-se um partido com a intenção de depor a junta provisória. Esta, por fim, pediu a proteção de Grenfell, que desembarcou imediatamente com os seus homens e, reunindo-se às tropas do governo, facilmente conseguiu debelar a insurreição. Foram feitos muitos prisioneiros, e os cinco principais chefes dos revoltosos foram fuzilados em praça pública.

Voltando para sua frota, Grenfell, na mesma noite, recebeu ordens do presidente da junta para preparar um navio que pudesse receber duzentos prisioneiros. Um navio de seiscentas toneladas foi escolhido para isso. Depois se verificou que o número de prisioneiro mandados pelo presidente era de duzentos e cinquenta e três. Esses, na ausência do capitão Grenfell, foram postos à força num pequeno alojamento do navio-presídio, sob a guarda de quinze soldados brasileiros.

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Amontoados, sem quase poderem respirar, e sofrendo de sede e calor, os pobres desgraçados tentaram forçar caminho em direção ao passadiço, mas foram repelidos pela guarda que, depois de atirar sobre eles e fazer descer a escotilha passaram uma peça de artilharia atravessada, impedindo qualquer tentativa de fuga. A terrível sensação causada pela falta de ar levou essas vítimas aglomeradas a um estado de loucura, e conta-se que muitos deles feriram-se e mutilaram-se da mais horrível forma. A asfixia se seguiu, com todo o seu acompanhamento de agonias.

"Os velhos e os moços, os fracos e os fortes, os violentos e as suas vítimas, todos caíram exaustos nos estertores da morte. Para aliviar seus padecimentos, um jato d'água foi afinal lançado no interior do alojamento, e só pela madrugada cessou todo o tumulto, devido apenas à morte que não fora antecipada. De todos os duzentos e cinquenta e três, apenas quatro foram encontrados com vida, que escaparam da destruição geral por se esconderem por trás de um tanque d'água". (Armitage, vol. II, p. 108).

Essa terrível cena não tem talvez paralelo na história, ou só encontra um nos poços escuros de Calcutá. Sua única atenuante é ter sido causada pelo descuido e pela ignorância, sem a intenção de matar. Tem, entretanto, afinidade demais com o tratamento dos prisioneiros confinados em análogo local em revoluções civis posteriores. Grande número desses infelizes foram amontoados na prisão da cidade e na fortaleza, onde foram conservados, sem esperança de soltura, até que a morte os libertou. Além disso, um navio-presídio, denominado o Xim-Xim, ficou cheio de prisioneiros, além de sua lotação. O dr. Kidder avaliou que nada menos de três mil morreram a bordo. O meu colega assim se refere à última grande revolta no Pará:

"As desordens que irromperam no Pará em 1835 foram extremamente desastrosas. Principiaram no seio da tropa. Os soldados da guarda do palácio aproveitaram uma oportunidade favorável e, no dia 7 de janeiro, assassinaram simultaneamente o presidente da província, o comandante da guarnição e o capitão do porto. Um sargento, de nome Gomes, assumiu o comando, e iniciou uma perseguição indistinta contra os portugueses residentes no Pará.

Depois de mandar matar vinte ou trinta respeitáveis negociantes, os insurretos libertaram cerca de cinquenta prisioneiros, entre os quais figurava Felix Antonio Clemente Malcher, que havia sido eleito membro da Junta Provisória ao tempo da invasão de Grenfell e que fora posteriormente preso como instigador de uma rebelião no Rio Acará. Malcher foi então proclamado presidente, e foi formalmente feita uma declaração de que não se toleraria nenhum presidente designado pelo Rio de Janeiro, antes da maioridade de dom Pedro II.

Nenhum edifício ficou destruído nessa ocasião. A ordem foi logo restabelecida e a situação permaneceu calma até o dia 19 de fevereiro. Nessa data, Francisco Pedro Vinagre, o novo comandante da guarnição, tendo ouvido dizer que iria ser preso por um certo motivo, convocou os soldados e a população para atacarem o presidente. Malcher encerrou-se no forte do Castelo, e tentou defender-se. No prazo de dois ou três dias, duzentos homens foram mortos e o presidente foi capturado. Foi mandado para a fortaleza da Barra, por trás da cidade, como se fosse ficar prisioneiro, mas foi assassinado no caminho, sem dúvida por ordem de Vinagre, que então mandava sobre todos.

No dia 12 de maio, fez ele uma tentativa, sob as ordens do vice-presidente constitucional senhor Corrêa, para tomar posse da cidade, desembarcando tropas de uma esquadrilha de treze navios de guerra. A tentativa foi repelida e os navios afundados. Logo depois, um novo presidente (senhor Rodrigues) chegou, vindo do Rio de Janeiro. A 24 de junho, desembarcou com um corpo de exército composto de 250 homens, tendo os insurretos se retirado para o interior.

A desordem ainda imperava na Província, e a 14 de agosto, um batalhão de índios, comandado por Vinagre e outros, subitamente caiu sobre a capital. Conseguiram tomar posse da cidade, e iniciaram uma massacre indiscriminado de brancos. Os cidadãos se viram obrigados a defender-se como puderam. Vinagre caiu no meio de uma escaramuça de rua. Navios de guerra ingleses e franceses, surtos no porto, desembarcaram um batalhão de marinheiros, mas logo ordenaram a sua retirada em vista da pusilanimidade do presidente.

Os índios começaram a atirar sobre o palácio, das casas mais altas de que conseguiram apossar-se, tendo a artilharia do palácio tentado responder ao fogo. O presidente, porém, retirou-se e entregou a cidade à destruição. Muitas famílias conseguiram escapar a bordo dos navios que se achavam no porto, porém muitas outras foram vítimas da rapina e do assassinato.

Eduardo, o principal chefe depois da morte de Vinagre, comprometeu-se a proteger a propriedade dos estrangeiros e, até certo ponto, conseguiu-o; entretanto, os estrangeiros residentes se retiraram o mais depressa possível da cidade, considerando-se muito felizes por haverem escapado com vida.

O período que se seguiu pode perfeitamente ser chamado de terror. Mas não durou muito tempo. Irromperam desordens entre os rebeldes, e tornaram-se comuns os assassinatos entre eles. Os negócios foram realmente suspensos, e a cidade tornou-se deserta. Cresceu mato alto nas ruas e as casas rapidamente se foram arruinando.

O estado da Província toda era semelhante ao da capital. A anarquia dominou em toda parte. Somente uma vila no Alto Amazonas conservou-se fiel ao Império. A ilegalidade e a violência tornaram-se a ordem do dia. Queimaram-se plantações, mataram-se os escravos e o gado, e em alguns distritos nenhum branco pôde sobreviver.

Em maio do ano seguinte, o general Andréa chegou na qualidade de novo presidente, enviado pelo Governo Imperial, e forçou a sua entrada na capital. Decretou a lei marcial e, com grande firmeza e severidade, conseguiu restabelecer a ordem na província. Isso se deu, porém, à custa de muito sangue e muitas vidas. Foi acusado de tirania e desumanidade em seu modo de proceder para com os rebeldes e prisioneiros; mas as exigências do caso eram imperiosas e permitiam desculpa.

Uma das mais graves coisas de que o acusam e a seus oficiais foi o abuso de autoridade em mandar prender cidadãos inocentes, e também em prolongar a guerra até que seus egoísticos fins pudessem ser conseguidos. O certo é que o desperdício de vidas, a mina das propriedades e a relaxação da moral se somavam e lamentavelmente se continuavam; e ainda nesse estado de coisas nós vemos nada mais que os frutos da violência e afronta que, desde a primeira colonização do Pará pelos portugueses, foram praticadas contra os desprezados índios.

Em complemento às mais diretas consequências da desordem, a salubridade da província e da capital assustadoramente decaía. O rápido desenvolvimento e o igualmente rápido apodrecimento das matérias vegetais nas terras donde havia cessado o cultivo durante anos, trouxeram epidemias e outras doenças fatais, que varreram centenas de pessoas que haviam escapado à guerra. Assim, uma das mais ricas e belas regiões da terra ficou quase em completa desolação.

"Até 1848, foi só lentamente que o Pará se foi restabelecendo tão somente a extraordinária e espontânea fertilidade de toda essa região permitiu que a província, até certo ponto, fosse capaz de readquirir as suas relações comerciais. Não obstante todas as naturais belezas tão profusamente patenteadas no Pará, lembrando, a cada passo e a cada observação, a munificência gloriosa do Criador; poucos lugares há que sugiram mais tristes reflexões sobre a fraqueza e a miséria humana.

Até bem poucos anos, dificilmente se poderia apontar para um feito brilhante em sua história. Nos primeiros períodos de sua colonização pelos europeus, um contínuo cruzeiro foi empreendido contra os naturais da terra, com o propósito de reduzi-los à condição de escravos. Em vão as razões e o poder dos jesuítas se ergueram em oposição a isso. Em vão foi a escravidão africana introduzida para substituí-los. Os cruéis e sanguinários propósitos dos portugueses persistiram. Um povo inocente e inofensivo foi perseguido e caçado em suas próprias florestas como animais.

E assim triunfou a iniquidade; mas um terrível castigo se seguiu. As loucas paixões, que se haviam alimentado na perseguição dos índios, tornaram-se também maléficas, excitando os habitantes da região uns contra os outros por invejas recíprocas e diferentes condições de vida. Longo tempo antes da insurreição de 1835, os assassínios já estavam na ordem do dia. Raramente passava-se uma noite sem ocorrer um crime. Nenhuma vida humana estava garantida. A vingança armava sangrentos motins.

Isso também se dava, e demais, em outras partes do país, na mesma época, mas no Pará pior do que em todas. Seguiram-se então as terríveis cenas já descritas, em que os índios longamente amesquinhados e oprimidos, capitaneados por homens facciosos e incitadores de lutas, conquistaram ascendência por seu turno e exilaram a população branca".

Efeitos da navegação a vapor

É um fato singular que o Brasil tivesse sido o primeiro país da América do Sul, e talvez para um Império tão vasto, o primeiro do mundo, a ligar as suas províncias pela navegação a vapor. Pará está agora colhendo os frutos dessas sábias medidas.

O velho convento de Sto. Antonio tem agora poucos frades, tendo cedido recentemente a maior parte de seus espaçosos terrenos à Cia. de Navegação Amazonas (companhia brasileira). Essa companhia está agora construindo em terrenos nas suas proximidades, grandes oficinas, depósitos de carvão, cais etc., em suma tudo que é essencial aos negócios da navegação a vapor.

Progressos urbanos

A alfândega foi outrora um grande edifício eclesiástico. E os quartéis de infantaria também já pertenceram à Ordem dos Carmelitas. Grande número de casas novas foram recentemente construídas, desde a alfândega até ao Forte do Castelo. E um molhe extenso foi construído no local onde antigamente só havia para desembarque as facilidades oferecidas por uma praia.

As ruas eram, há poucos anos atrás, do pior aspecto; porém, desde a data da inauguração das linhas regulares de vapores, do Amazonas (1853), tem havido grandes melhoramentos. Quase todas são macadamizadas e bem iluminadas, por canfeno. Antigamente a rede e os velhos veículos portugueses eram os únicos meios de transporte no Pará.

O sr. Henderson, a quem eu devo as informações mais recentes, informou-me que atualmente existem cerca de 50 carros (fabricados em Newark e Boston), que estão às ordens dos cidadãos e dos visitantes e, principalmente nos domingos estão acostumados a passear entre Pará e Nazaré, pela modesta estrada, e pela insignificante quantia de 25 réis por cada passageiro. Se senhoras antigamente faziam seus passeios e visitas carregadas numa liteira, hoje em dia passeiam num carro puxado por uma parelha de cavalos cinzentos.

Apenas alguns anos se passaram desde o tempo em que toda água era carregada, de uma forma verdadeiramente oriental. As seguintes belas descrições do dr. Kidder são ainda as mais fiéis que se conhecem; porém, em relação aos carregadores d'água, o pitoresco diminuiu, embora o conforto haja aumentado:

"
As cenas da tarde e da manhã, que se podem contemplar no Pará, são indescritivelmente belas. À noite, tudo está quieto, exceto o bafejo de uma brisa balsâmica; e à imaginação, a mais viva, não poderia representar-se cenário mais belo do que o que se observa, quando a lua passeia nos céus em todo o seu esplendor.

A folhagem, escura e luxuriante, coroando centenas de enormes árvores, fica como envernizada, com um suave lustro, que é tão característico que dificilmente pode ser retratado por palavras; as plumas ondeantes das numerosas palmeiras, lançando seus reflexos em direção ao observador, aumentam os encantos da paisagem. As floras abertas, de muitas árvores frutíferas, assim como as mais humildes enchem o ar de uma fragrância, que nem mesmo se mistura, como em algumas das grandes cidades, com cheiros mais ou menos agressivos.

A brandura do ar da tarde forma um delicioso contraste com os rigores do sol do meio-dia, e uma brisa periódica aumenta ainda os efeitos do pleno dia. Embora no correr da noite caia um copioso sereno, ainda assim, tão balsâmica e saudável é a atmosfera, que não há o menor receio de expor a doenças a delicada constituição. Este é o clima que, mais do que todos os autores, eu procuraria como um lenitivo para uma saúde fraca, especialmente para as afecções do peito.

A cena matutina não é de menor efeito. Algumas vezes saio para gozá-la, antes que os melancólicos raios da lua tenham perdido o seu encanto, diante dos poderosos raios do rei do dia, que num dado tempo, se levanta, em curto crepúsculo, apressando o seu curso radioso através do éter sem nuvens.

Os brasileiros são geralmente madrugadores, e pode-se observar que, nas suas cidades, as casas estrangeiras costumam se abrir depois das nacionais. Mesmo assim, há pouca gente passeando de manhã cedo, pelo simples prazer do exercício.

Quase as únicas pessoas que encontro, nos meus passeios matutinos no Pará, são os negros e os índios, em grande número, caminhando com os jarros de barro na cabeça, cheios d'água.

Não há uma fonte construída pelo homem em toda a cidade. A única fonte de água para beber é uma nascente, do lado Leste da cidade. Os jarros contendo essa água são carregados a cavalo, para venda, servindo àqueles que não podem ter grande número de escravos. Alguns poços nos subúrbios, juntamente com o rio, fornecem água, para a lavagem e fins semelhantes
".

Embora alguns cavalos trotões, e quase esqueléticos, possam ainda ser vistos, caindo ao peso de quatro pipas d'água, melhores dias chegaram para o Pará. O emprego de mais 200 carros d'água, puxados por bois, é um acontecimento que deve ser registrado como um progresso da civilização, e que mostra quantas melhorias as ruas macadamizadas e os veículos modernos podem acarretar.

O brasileiro é muito mais flexível ao progresso. Há poucos anos atrás, um benemérito cidadão dos Estados Unidos comprometeu-se à sua custa fornecer, aos camponeses de certas ilhas portuguesas, carros apropriados e civilizados, em substituição aos toscos veículos impróprios, que eles e seus pais, antes deles, usavam havia séculos. Esse empreendimento benéfico foi inteiramente frustrado, pois os portugueses não quiseram abandonar as suas antigas carroças. Em 1856, Portugal era o único país da Europa, exceto a Turquia, que não possuía estradas de ferro. Os carros d'água do Pará assemelham-se à forma que vem representada na figura da página junto. (N. E.: tal imagem não foi publicada na edição de 1943)

Ao passo que a cidade defronta o rio, os seus fundos são rodeados por uma estrada sombria, que dificilmente se encontraria tão bela em qualquer outro ponto do Brasil.

A estrada das Mangabeiras é um logradouro que se estende desde perto do Arsenal de Marinha, nas margens do rio, até o Largo da Pólvora, na extremidade oriental da cidade. É cortada por avenidas, que vão desde o Largo do Palácio até o Largo do Quartel.

O seu nome se deriva das mangabeiras que a sombreiam de cada lado. A casca dessas árvores sombrias, é de cor cinzento claro, regularmente estriada de verde; o seu produto é um algodão bruto, que pode ser usado para diferentes fins: o seu aspecto é, ao mesmo tempo, elegante e majestoso.

Nos terrenos do velho convento, atualmente Hospital de São José, foi construído um Jardim Botânico em 1797, mas foi abandonado, depois de muito descuidado, durante os tempos perturbados de 1823 e 1835.

Em 1854, durante a presidência do distinto e talentoso dr. Sebastião do Rego Barros, que já fora ministro da Guerra o local para um novo Jardim Botânico, foi escolhido, longe da cidade, com dimensões maiores. O governador mandou buscar, da Europa, cinco ou seis hábeis jardineiros profissionais, que desenharam um belo plano para as novas instalações, que sem dúvida estarão em breve terminadas.

Fora do atual recinto da cidade, pode o visitante mergulhar numa densa floresta, e tornar-se inteiramente alheio a qualquer indicação de habitação humana próxima.

A frescura dessa sombra silenciosa é sempre convidativa, porém o estrangeiro deve evitar perder o seu caminho, e está sujeito, com isso, a muitos aborrecimentos e dificuldades. Contavam-se antigamente muitas histórias, sobre pessoas que ficaram desnorteadas, na espessura dessas florestas, e embora a pequena distância da cidade, não puderam depois encontrar o caminho de volta. Várias pessoas, dizem, morreram dessa forma.

Todos os importantes postos na cidade estão regularmente guardados e quem quer se aproxime, depois das oito horas da noite, é saudado com um áspero chamado: — "
Quem vai lá?" A resposta apropriada é: — "Amigo" que muitos pronunciam devagar. Segue-se a isso, a condescendente permissão: — Um "Passe largo!" — é geralmente retrucado pelo soldado, e a pessoa vai-se embora.

O meu colega dr. Kider, descrevendo a sua estada no Pará, assim escreve:

"
Como a minha moradia estava em frente ao trem, ou Arsenal de Guerra, os meus ouvidos se tornaram familiarizados com essas exclamações que se ouvem vociferar durante toda a noite. Não somente estas, mas o penetrante grito, "Às armas!" que ressoa a toda hora, quando a guarda é substituída, e o toque de uma corneta, em intervalos frequentes, como, por exemplo, durante as Ave-Marias, hora em que todos os soldados tiram o seu boné em honra da Virgem, formam não pequenos aborrecimentos, finalmente, durante as horas destinadas ao repouso.

Outro costume peculiar do Pará, é o toque dos sinos, e a descarga de foguetes, muito cedo pela manhã. As vezes ouvi-as às quatro da madrugada, e mais frequentemente às cinco". (Em 1862, J. C. F. morou nesse mesmo quarto).

As canoas

Poucas coisas atraem mais a atenção, no Pará, aos olhos do estrangeiro, que as belas embarcações do rio. Embarcações de todos os tamanhos, desde a chalupa até a catraia, são ai chamadas canoas. Entretanto, poucas canoas de fato são usadas. A montaria vista e descrita no Maranhão é muito comum nesse porto.

As grandes canoas, destinadas a fazer fretes, no rio, parecem construídas para outro qualquer fim menos o de navegar sobre água. Tanto a popa como a proa são quadradas. As torres se erguem acima das águas, como as de um junco chinês. Por cima do passadiço constroem uma espécie de toldo, arredondado, geralmente feito de hastes de palmeira, para proteger o viajante contra o sol, de dia, e contra o sereno, de noite; e, pode-se também acrescentar, contra a lua, porque os paraenses são muito supersticiosos no que diz respeito com os prateados raios lunares.

Às vezes, um toldo semelhante a este e construído, por cima dos arcos, dando alguma homogeneidade aos aspecto da embarcação. Esse dispositivo torna necessário a existência de um portaló, em que se possa executar os trabalhos de navegação. O timoneiro, geralmente, fica encarapitado no teto do toldo de trás.

Uma ideia que constantemente me perturbava o espírito, era como podiam essas canoas, assim tão altas e pesadas, na parte superior, conseguir flutuar quando expostas a uma rajada de vento. Julga-se porém, que assim construídas, elas possam corresponder muito melhor à sua finalidade de flutuar durante a enchente.

Além disso, uma vantagem especial do toldo é fornecer local apropriado para se suspender as redes, e assim permitir que os canoeiros não tenham o trabalho de ir à margem para suspendê-las nas árvores. O sr. Mawe diz que, quando descia o Amazonas, encontrou um homem que tinha ancorado a sua canoa, para estender a sua cama nos ramos de árvore por cima da água, e fazer uma soneca!

As ruas que correm paralelas ao rio, e se ligam aos vários desembarcadouros em que se passam todos os principais aspectos do comércio, em certas horas do dia, apresentam um aspecto encantador.


Canoa do Amazonas

Imagem: reprodução da página 300 do 2º volume da edição de 1941, da Cia. Editora Nacional

Produtos do Pará

Vários objetos e costumes, que se podem observar no Pará, são peculiares ao lugar. Num bairro da cidade, onde os animais são mortos para o mercado, veem-se numerosos abutres, pousados nas árvores, ou volteando preguiçosamente pelo ar.

Ao longo da margem do rio, tanto de manhã como de tarde, veem-se muitas pessoas tomando banho. Nenhuma cerimônia se observa, nestas abluções, realmente necessárias, e sem dúvida muito agradáveis. Homens, mulheres e crianças — pertencentes já se vê às classes inferiores — podem ser vistos por essa ocasião, boiando, mergulhando e nadando em diferente direções.

Há, geralmente, muitas canoas aglomeradas, em volta da Ponta da Pedra, a principal praça de desembarque. Essas, juntamente com uma multidão de índios apressados de lá para cá, falando os dialetos misturados do Amazonas, são característicos do Pará.

Aqui se podem ver carregações de castanhas do Pará, cacau, baunilha, abacaxis, salsaparrilha, canela, tapioca, balsamo de copaíba em potes, peixes secos em pacotes, e cestas de frutas, de infinita variedade, tanto maduras como verdes.

Há também aí, papagaios, araras, e outras aves, de brilhante plumagens e, às vezes, macacos e serpentes, juntamente com sapatos de borracha, que são geralmente levados ao mercado suspensos em longas varas para evitar o contato de uns com os outros. Esses sapatos antigamente chegavam em imensas quantidades; mas, atualmente, a borracha é principalmente trazida ao mercado sobre a forma de pequenas placas.

A produção indígena da província do Pará, existe em abundância, e possui grande valor. Mesmo aquelas pessoas que conseguem apenas recolher o que fornece a natureza tão generosamente, aqui não podem deixar de enriquecer. Se se acrescentar, a esse grau de indústria, um cultivo empreendedor, não há limites, na riqueza vegetal que possam ser esgotados nos reservatórios da natureza.

Arroz, algodão, açúcar e peles, exportam-se em menor quantidade e são produzidos pelos métodos comuns. O comércio de goma elástica, cacau, salsaparrilha, cravos da Índia, urucu, castanhas do Pará, é mais peculiar desta região.

A borracha

O uso da borracha, goma elástica (ou caucho), foi aprendido dos índios Omagus. Esses selvagens usavam-na sob a forma de garrafas e seringas (daí o nome seringueira dado à árvore.) Era seu costume oferecer uma dessas garrafas ao seus hóspedes, no início das festas.

Os colonizadores portugueses, no Pará, foram os primeiros que souberam aproveitar a goma elástica para outros usos, convertendo-a em sapatos, botas, chapéus e ornamentos. Acharam-na particularmente útil para um país tão exposto às chuvas e enchentes, como o Amazonas. Mas, finalmente, os progressos da sua manufatura estenderam grandemente o seu uso, e tornaram a borracha essencial ao bem-estar e ao conforto de todo o mundo civilizado.

O nome indígena dessa substância era caucho, que os ingleses representam, aproximadamente, com a palavra caoutchouc. No Pará, chamam-na geralmente seringa e, algumas vezes borracha. É o produto da Siphilla elastica, árvore que cresce até uma altura de 80 e às vezes cem pés. Geralmente eleva-se verticalmente até uma altura de 40 ou 50 pés, sem galhos. O seu cimo e espalhado e ornamentado com uma folhagem espessa e vistosa. A mais leve incisão produz a exsudação da goma, tendo a princípio a aparência de um creme amarelo e espesso.

As árvores são geralmente perfuradas de manhã, recolhendo-se aproximadamente um gill (oitavo de litro), de cada incisão, no intervalo de um dia. A goma é apanhada em pequenas vasilhas de barro, moldadas à mão para esse fim. Elas são esvaziadas, de sua goma em um jarro. Tão depressa a goma é recolhida, ela é preparada para uso imediato. Formas de várias espécies, representando sapatos, garrafas, brinquedos, etc.... e estão a disposição do fabricante, todas elas feitas de barro.

Sapatos do Pará

Quando os rústicos sapatos do Pará são manufaturados, é uma medida de economia dispor de formas de madeiras. Essas são, no começo, revestidas de argila, para mais facilmente poderem ser retiradas. Às vezes, para conveniência da operação, é-lhes fixado um cabo.

O fluido é derramado na forma, e uma delgada capa imediatamente adere à argila. A operação seguinte consiste em expor a goma à ação da fumaça. A substância queimada para esse fim é o fruto da palmeira vassou. Essa fumaça serve para o duplo propósito de secar a goma e dar-lhe uma cor escura. Quando uma camada está suficientemente endurecida, acrescenta-se outra, e defuma-se de novo. Assim podem-se produzir placas de qualquer espessura. É raro que um sapato receba mais de doze capas. O trabalho, quando terminado, é exposto ao sol.

Durante um dia ou dois, o sapato fica macio suficientemente para receber impressões permanentes, recebendo então, os sapatos, desenhos de acordo com a imaginação do operador, que usa um estilete ou uma ponta. Conservam sua cor amarelada, ainda algum tempo depois que se fizeram os últimos desenhos, e são dados como prontos para irem ao mercado.

Realmente, são usualmente vendidos, quando a goma elástica ainda está tão fresca que os sapatos precisam ser guardados uns separados dos outros: por isso, veem-se pares de sapatos geralmente amarrados e suspensos em longas varas. Podem ser vistos diariamente no Pará suspensos sobre os passadiços das canoas, que descem o rio, e nos ombros dos homens que os levam para o mercado. Quem compra os sapatos para exportação, geralmente os cobre com graxa seca, para conservar as dimensões.

Várias pessoas que moram nos subúrbios do Pará recolhem goma elástica e fabricam objetos com ela, em pequena escala; é porém, das florestas da região circundante, onde os habitantes quase que só se dedicam a esta tarefa, que o mercado é principalmente suprido.

A goma pode ser recolhida durante todo o ano; mas é mais facilmente recolhida e mais facilmente trabalhável durante a estação seca. Os meses de maio, junho, julho e agosto são principalmente apropriados ao seu preparo. Além de grande quantidade dessa substância, que o Pará exporta sobre outras formas, têm sido exportados, de alguns anos para cá, cerca de 300 mil pares de sapatos de borracha, anualmente.

Há, contudo, algumas variantes na forma de sua exportação; há poucos anos passados, um americano, residente no Brasil, tirou uma patente, garantindo uma invenção para exportar borracha sob a forma líquida. A região Amazônica satisfaz atualmente, e provavelmente ainda por muito tempo, em grande escala, a atual e rapidamente crescente procura dessa substância.

Várias outras árvores, a maioria delas pertencentes à tribo das Euphorbiaceae, produzem uma goma semelhante, porém nenhuma delas é capaz de competir com a árvore da borracha do Pará.

Certas árvores, que não são raras na província, denominadas maçaranduba, produzem uma secreção diferente, tão parecida com o leite que é muito estimada como alimento. Forma, quando coagulada, uma espécie de placa de gesso, a que se dá muito valor. Essas árvores produzem o líquido em grande profusão. Os seus caracteres botânicos, nunca foram propriamente pesquisados. Diz-se que a resina da árvore da borracha é também, às vezes, usada como leite, e que os negros e os índios que trabalham no seu preparo, gostam muito de bebê-la; entretanto, uma jovem senhora, que a foi beber no Pará, morreu dos efeitos da coagulação da goma em seu estômago.

O anato, ou urucu, é um outro produto valioso do Pará. É uma matéria corante, de cor alaranjada, muito conhecida, produto da árvore denominada pelos botânicos Bixa orelana; essas árvores crescem comumente até cerca do tamanho de uma romãzeira e produz frutos vermelhos e flores brancas. A sua matéria corante era muito usada pelos indígenas na época da descoberta; com ela, fabricavam várias espécies de pinturas, e compraziam-se em besuntar toda a superfície do corpo com essa matéria corante.

A preparação usada no comércio é a polpa oleosa da semente, que é raspada e deixada fermentar. Depois da fermentação, é enrolada em tabletes, pesando de duas a três libras, sendo exportada sob essa forma.

O cacau, a substância com que se prepara o chocolate, é um produto comum e precioso do Pará. É feito com as sementes da Theobroma cacau.

Seria tão interessante quanto infindável tentar investigar a botânica do Amazonas; ainda não foram colhidos os louros nesse campo da ciência; e não é elogiar os botânicos americanos, dizer que eles não se entregaram ainda a semelhantes estudos. Ouvi falar que Burchell residiu por algum tempo no Pará; mas receio que, durante essa estada aí, a sua idade avançada não o tenha deixado estar à altura da sua própria reputação ou dos intermináveis domínios naturais que se abriam diante dele.

O Rio Amazonas — Wallace

A mais completa exploração do Rio Amazonas foi feita por um inglês, Alfredo R. Wallace
[T89], cujas atenções foram dirigidas para o Norte do Brasil pelo pequenino livro de Edward A Voyage up the Amazonas [T90]. Com o entusiasmo que todos reconhecem num naturalista, ele penetrou nesses quase inexplorados domínios, em 1848 e, depois de se devotar ao estudo dos assuntos estranhos e belos que abundam nas mais remotas regiões do interior, em 1852, ele dedicou a sua vida perambulante e romântica aos quase desconhecidos indígenas dessa região, e voltou à Inglaterra carregado dos mais ricos despojos da flora. Mas, infelizmente, o incêndio do navio em que viajava de volta, não somente causou a perda de todas as suas coleções como também bem, durante muitos dias, expôs a sua vida num bote abandonado na imensidão do Atlântico.

Não obstante essa grande perda de material, que todo naturalista e viajante pode avaliar, ele preparou sobre o Norte do Brasil os dois mais interessantes volumes que se conhecem. Não se dedicou ao estudo do governo e do povo, porém ao dos índios, das florestas, das flores, das aves, e dos animais ferozes do Amazonas. Quem desejar ler um livro cheio de novidade e fidelidade sobre a natureza, pode voltar-se com segurança para Wallace e ler a sua obra Narrative of Travels on the Amazon and Rio Negro. Livro profundamente interessante para a generalidade dos leitores, ou então, Palms of the Amazon pequeno volume, que o naturalista contará entre os seus melhores tesouros.

As águas do grande rio são apenas um pouco menos fecundas que o solo de suas margens. Inúmeras espécies de peixes e anfíbios aí abundam. Várias espécies de grandes peixes são salgadas e secas para o consumo, mas o comércio desse artigo alimentício não passa além do litoral. Devido à forma de preparação ou à má qualidade do peixe, os estrangeiros não lhe dão valor. Os mais notáveis habitantes dessas águas são as vacas-marinhas, comumente chamadas pelos portugueses peixe-boi. Esse nome foi evidentemente dado pelo tamanho do animal, mais do que pela sua semelhança com um boi, a não ser por se tratar de um mamífero.

Peixe-boi.

A vaca-marinha não pode ser propriamente chamada um anfíbio, pois nunca deixa as águas. Alimenta-se principalmente de uma planta aquática cana-brava, que flutua à beira d'água. Levanta muitas vezes a sua cabeça acima das águas, tanto para respirar como para se alimentar dessas plantas. É nesses momentos que é atacada e capturada.

Tem apenas duas barbatanas, pequenas e situadas perto da cabeça. As mamas da fêmea ficam por baixo dessas barbatanas. É conhecido como o mais volumoso mamífero que habita a água doce; porém, apesar de suas colossais dimensões, medindo, segundo várias opiniões, de oito a 17 pés de de comprimento e dois a três a pés de largura, no seu maior diâmetro, seus olhos são extremamente pequenos, e os orifícios de suas orelhas maiores apenas que uma cabeça de alfinete.

A sua pele é muito espessa e dura, não sendo facilmente furada por bala de mosquete. Os índios costumam utilizá-la em seus escudos, para se defenderem na guerra. Sua gordura e sua carne foram sempre muito estimadas; substitui esta a carne de vaca para os índios. Não havendo sal para conservá-la, usam a carne defumada.

As águas do Amazonas, desde a sua nascente nos Andes, são habitadas por várias espécies de cetáceos, de que temos muito poucas informações. O sr. Nesbitt, que foi engenheiro-em-chefe dos vapores do governo peruano, construídos em Nova York, e que navegam no Amazonas, tendo vivido muitos anos nos domínios do "Rei das Águas" e seus afluentes, bondosamente me forneceu várias informações a respeito da fauna dessa região.

Há milhares de porcos marinhos, no Amazonas e seus afluentes, e até no sopé dos Andes. Tenho visto, com efeito os maiores cardumes desses animais, em Hallaga, como vi no Rio Hudson, apresentando enormes dimensões. Abundam grandemente, nos rios e nos lagos, peixes de toda espécie.

Nas quedas do Rio Madeira, o viajante estaca e contempla com admiração a vasta multidão de seres de toda espécie e tamanho, desde o gigantesco peixe-boi, até à pequena sardinha, lutando com energia e decisão para subir a corrente espumante, sem a menor esperança de sucesso. Alguns desses monstros tomam banho em bandos, com representantes de espécies pequenas congêneres, quando subitamente aparece um cardume de todas as variedades e tamanhos de peixes, saltando no ar, e tentando evitar os seus perigosos perseguidores.

Quem deseja pescar, basta apenas tomar do remo, e bater com ele para a direita e para a esquerda, pois certamente atingirá algum; não há meio de enganar-se. Aqui se encontram sempre muitos índios pescando, salgando e secando peixe. O peixe-boi é excelente para alimentação; pode logo ser levado à mesa, partido em postas, ou inteiro, como a melhor vitualha; realmente, podia substituir qualquer outro alimento, e é igual à melhor das carnes secas, pelo custo, segundo a opinião de muitos.

Tartarugas

Em relação a esse assunto, podia-se mencionar as tartarugas do Amazonas; são encontradas aos milhares em quase todos os afluentes do grande rio, especialmente no Madeira, Purus, Napo, Ucaiali e Huallayga.

Na estação em que põem os ovos nas praias das margens, os vapores podem perfeitamente pescá-las batendo com as rodas sobre as suas carcaças espessas, nas próprias praias arenosas em que vivem; para isso, segundo afirmam os naturais da região, a tartaruga não deposita seus ovos senão no local em que sabe poder escondê-los.

Põem de 80 a 120 ovos por ano. Disso estou seguro por informações de pessoas que praticaram posturas artificiais, e tiveram ovos, o ano inteiro, para a sua alimentação. Setembro e outubro são os meses de postura dos ovos da tartaruga.

Manteiga de tartaruga

O dr. Kidder escreve: "
A manteiga de tartaruga do Amazonas é uma substância inteiramente peculiar a essa região do globo. Em certas estações do ano, as tartarugas aparecem aos milhares nas barrancas dos rios, a fim de depositarem os seus ovos na areia. O ruído de suas cascas, umas contra as outras, é ouvido à longa distância, segundo afirmam alguns. Esse trabalho começa na vazante e termina na enchente seguinte, quando elas se retiram d'água.

Durante o dia, os habitantes recolhem esses ovos e os empilham como balas de canhão vistas no passadiço dos navios. Esses ovos têm, às vezes, vinte pés de diâmetro, e uma altura correspondente; quando ainda frescos, são levados por canoas de madeira, ou por grandes embarcações, quebrados a pau e esmagados com os pés. Joga-se, então, água em cima deles, e tudo é exposto aos raios do sol. O calor traz a substância gordurosa dos ovos para a superfície e é então recolhida em cuias e conchas.

Depois disso a gordura é sujeita a um calor moderado, até que fique pronta para ser usada. Quando clarificada, tem o aspecto de manteiga derretida. Conserva sempre o gosto de óleo de peixe, mas é muito estimada como condimento pelos índios e por aqueles que se habituaram a usá-la.

É mandada ao mercado em vasilhas de barro. Outrora, avaliava-se que cerca de 250 milhões de ovos de tartaruga eram anualmente destruídos para a preparação dessa manteiga. Recentemente, o número é menor, devido à destruição gradativa feita contra a raça das tartarugas pelo avançar da civilização."

O governo agora, porém, regulamenta a pesca dos ovos de tartaruga, a fim de que a sua quantidade não diminua tão rapidamente. Há grandes praias que fornecem cerca de dois mil potes de óleo anualmente: — cada pote contém cinco galões, e exige cerca de 2.500 ovos, o que perfaz cinco milhões de ovos destruídos em cada localidade.

Na verdade, é de admirar como as tartarugas possam chegar à maturidade. Quando saem dos ovos, e põem-se a caminhar n'água, muitos são os inimigos que estão espreitando. Enormes crocodilos engolem-nas às centenas, os jaguares
[A62] delas se alimentam, as águias, os gaviões e os grandes Ibis da floresta são seus devoradores. E quando escapam desses inimigos terrestres, muitos são os peixes carnívoros que estão prontos para agarrá-las na própria corrente do rio. São as tartarugas, no entanto, tão prolíferas, que ainda sobram para o seu mais fatal inimigo, que é o homem, que visivelmente tudo faz para diminuir o número delas.

Os índios apanham a tartaruga adulta num cesto, ou aprisionam-na com uma vara ou, então, atiram nela com a flecha. Este último é um processo engenhosíssimo que exige mais habilidade do que atirar num pássaro voando. A tartaruga nunca mostra acima d'água a sua parte posterior, porém, subindo para respirar, as suas narinas apenas ficam fora da superfície da água; tão rápido, porém, é esse gesto, que somente os índios habilidosos o podem perceber.

A seta, arremessada obliquamente, pode, entretanto, alcançar a parte mais macia do casco; por isso, os índios apontam para o ar, parecendo que atiram a seta por acaso mas, no entanto, enviam o seu projétil com tão maravilhosa perícia, que a flecha descreve uma parábola, e cai quase que verticalmente sobre a parte traseira da tartaruga (Wallace).

A extremidade da seta está frouxamente amarrada à embarcação, por uma longa corda cuidadosamente enrolada na madeira do arco, de modo que, quando a tartaruga mergulha, a ponta da seta desce, a corda se entesa e a leve embarcação forma um corpo flutuante que boia sobre as águas, que o índio sustenta e, com a corda puxa a presa para a sua canoa.

Quase todas as tartarugas, que se vendem no mercado, são pescadas por esse sistema, e o pequeno orifício quadrado e vertical, feito pela ponta da flecha, pode ser visto geralmente no casco. Nesse assunto ainda, pode-se mencionar a arte de flechar de alguns índios civilizados em várias regiões do Império. Encurvam com as pernas um arco de grandes dimensões e potência e, desse modo, são capazes de caçar a grandes distâncias.

Aves e insetos do Amazonas

As aves do Amazonas são mais brilhantes sempre do que as aves de qualquer outra parte do mundo. Algumas delas, como o galo dançarino dos rochedos, e a curiosa e pouca conhecida ave denominada chapéu-de-sol são muito difíceis de obter; podemos apenas mencionar esta última.

É uma ave singular, aproximadamente do tamanho de um corvo, com semelhante coloração preta; mas as suas penas têm um colorido mais variado, ornadas com diferentes tons de azul brilhante. Na sua cabeça leva uma crista, diferente da de todas as outras aves; essa crista é formada de penas, de mais de duas polegadas de comprido, formando um tubo muito espesso e com plúmulas que se curvam nos bordos; esse penacho é guardado por trás da cabeça de modo a tornar-se dificilmente visível, ou então levantado e jogado de todos os lados, formando, como já foi descrito, uma "abóboda semiesférica, ou antes semielipsoidal", que cobre toda a cabeça, chegando mesmo a ultrapassar a ponta do bico."

Habita as ilhas alagadas dos rios Negros e Solimões, nunca aparecendo em terra firme. Alimenta-se de frutos, e solta um grito alto e áspero, como de algum instrumento musical, donde deriva o seu nome indígena ueraminbé ou "ave trombeta".

O que se pode dizer das tribos incontáveis de insetos que pululam nas florestas Amazônicas. O meu primeiro conhecimento com essas ricas gemas vivas do Brasil foi feito na retirada residência do sr. G. na linda Laranjeiras no Rio de Janeiro e, depois, em várias localidades do Império. Nunca cessei de admirar esses inúmeros e brilhantes representantes dos lepidópteros, coleópteros, neliconídios etc, etc.... Exigiriam volumes para serem descritos. Nas vizinhanças do Pará há uma vasta oportunidade para o seu estudo.

Visita a um moinho de arroz

O dr. Kidder visitou os moinhos de arroz americanos, situados a 20 milhas de distância da cidade, e assim descreveu a sua excursão:

Excursão pela floresta

A nossa estrada nos conduz a uma floresta escura e fechada, de espessura e grandeza tais como nunca penetrei em outra, e de que apenas fazia uma fraca ideia. Apesar disso, essa estrada é uma das mais frequentadas pelas pessoas que vão e vêm da cidade, sendo porém carroçável somente até um pequeno trecho.

De fato, os galhos das árvores não raramente interrompem a passagem dos cavaleiros. Tem-se que mandar na frente um negro, para periodicamente limpar a facão as folhagens e os galhos que crescem, a fim de que não fiquem crescidos demais, e assim conservar a estrada aberta e convidativa.

Não obstante o calor do sol, ao meio-dia, nessas zonas, e o perigo de muito nos expormos aos seus raios, o frescor agradável sempre domina nesses refúgios da floresta amazônica, cuja abóbada, elevada e sombria, é quase impenetrável. O brilho do sol é atenuado pelos inúmeros reflexos sobre a superfície lustrosa das folhas.

A maioria das árvores é notavelmente vertical, e de grande altura algumas delas; são ornadas de alto a baixo, de esplêndidas flores e lindas parasitas, enquanto que o tronco e os galhos são quase todos entrelaçados de inúmeras lianas e trepadeiras.

Essas plantas formam um aspecto singular nas mais férteis regiões do Brasil. Mas, nas margens do Amazonas é que elas se mostram com o máximo de seu vigor e fecundidade. Enroscam-se em volta das árvores, trepando nelas até o alto, depois crescem para baixo até o solo e, constituindo raízes, sobem de novo e cruzam-se de galho em galho e de árvore em árvore, onde quer que o vento lance as suas pontas recurvadas, até que toda floresta se encha de suas guirlandas pendentes.

Essas cordas vegetais apresentam-se algumas vezes tão estreitamente entrelaçadas que dão a aparência de uma rede, que nem as aves, nem os animais, podem facilmente romper. Alguns galhos são da grossura do braço de um homem; são redondos ou quadrados e, às vezes, triangulares ou mesmo pentagulares.

Crescem em forma de nós ou em espiras ou, para ser mais verdadeiro, acompanhando todas as possíveis contorções em que se possam dobrar. Parti-los é impossível. Algumas vezes, matam a árvore que os suporta e, outras vezes, ficam pendentes, de pé, como uma coluna torsa, depois de terem estrangulado o tronco, esmagando-o, dentro de suas dobras.

Os macacos gostam de dar suas cambalhotas, nessas redes primitivas, mas atualmente rareiam muito nas vizinhanças do Pará. Uma vez ou outra, seus guinchos são ouvidos à distância, de mistura com o estridente pio das aves; mas, em geral, domina um profundo silêncio aumentando a grandiosa majestade natural dessas florestas.

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Em nossas viagens para Maguari, fiquei surpreendido por ver terras que, dez ou doze anos antes, estavam plantadas com cana-de-açúcar, e que, presentemente, se achavam cobertas por árvores de grandes dimensões. Apenas, poucos acres, imediatamente em volta do engenho, ficaram livres dessa pujança da vegetação.

Nesse ponto fora localizado o primeiro moinho para beneficiar arroz que se construiu nos arredores do Pará. Foi construído por uma empresa norte-americana. Existia no local pequena força d'água, porém, depois que o moinho foi construído verificou-se que essa força não era suficiente na estação seca; importou-se, por conseguinte, dos Estados Unidos, uma máquina a vapor de 16 cavalos, que vem prestando bons serviços. A máquina a vapor é posta a funcionar continuamente e, nas estações apropriadas, também entra em cena a força d'água. E ambas são suficientes para a soma de trabalhos que lhes é exigida.

Mecânicos americanos estão empregados nesse estabelecimento que, pequeno como é, sofre vantajosa comparação com qualquer oficina mecânica da província. Um canal liga o engenho ao rio principal, fornecendo condução barata para as cargas que vêm e vão para a cidade.

O bispo do Pará e o dr. Kidder

O meu colega dr. Kidder teve também alguma experiência do Pará, é verdade que não tão agradável como a que teve atravessando as florestas do Amazonas.

"
Logo depois da minha chegada, em companhia do cônsul norte-americano, visitei o sr. Franco, presidente da província, para quem levava uma carta de recomendação. Esse senhor tinha sido, em outros tempos, empregado de uma firma comercial inglesa no Pará, tendo sido depois educado como pensionista da província, da qual se tornou o primeiro magistrado. Recebeu-nos com grande cortesia e, em pessoa, fez-nos percorrer o seu palácio.

Achei esse edifício um dos mais belos do gênero, no Brasil. Foi construído, bem como a catedral e algumas das igrejas, na época em que o talentoso Marquês do Pombal, porém, ambicioso primeiro ministro de Portugal, acariciava a ideia de transferir o trono de Portugal e todos os seus domínios, das margens do Tejo para as margens do Amazonas. Tal circunstância explica as amplas e magníficas proporções dessas construções numa cidade de pequena extensão.

Na hora oportuna visitei o juiz de Direito, primeiro oficial da polícia, para exibir meus passaportes e obter uma licença de residência na muito leal e heroica cidade do Pará, e na província de que ela é a capital. Não encontrei embaraços no meu caminho, nem demoras. Obtive a licença pedida, e guardei-a até poder obter um novo passaporte no dia da minha partida.

Entretanto, aconteceu que, durante algum tempo, esteve ameaçada a minha tranquila estada na cidade do Pará. O velho bispo do Pará, parece ter recebido contágio do alarma do seu colega no Maranhão, e ambos os prelados, indo além do que o sereno julgamento lhes teria permitido pensar a respeito de certas informações infundadas e maliciosas, que lhes chegaram de alguma parte, escreveram ao sr. Franco, sobre a minha pessoa, dizendo-lhe que eu era um indivíduo muito perigoso, que não devia ter permissão para desembarcar na província.

O presidente, provavelmente, ficou satisfeito a este respeito com a visita que lhe fiz; e embora deva muito da sua posição política ao seus padrinhos eclesiásticos, conseguiu, mesmo assim, acalmar suas apreensões com uma carta curta e formal do cônsul americano. Ninguém mais interferiu comigo, ou com qualquer dos meus propósitos."

A diocese do Pará certamente ficou muito mais apreensiva com a Bíblia como podemos avaliá-lo pela pastoral publicada no Diário do Comércio (8 de abril de 1857), de autoria de d. José Afonso de Moraes Torres, "
pela graça de Deus e da Santa Sé Apostólica, bispo do Grão Pará".

O bom do bispo parece ter ficado terrivelmente excitado diante daquilo que ele denomina "uma sociedade bíblica ultimamente criada com o nome de Aliança Cristã". Afirmou, na pastoral que os seus emissários fazem circular livros, entre os quais — um catecismo — que ele havia lido, e em que havia encontrado "uma doutrina inteiramente oposta ao credo da Igreja de Jesus Cristo."

O que principalmente atiçou a sua ira, foi ensinar o pequeno livro como sendo idolatria a adoração de imagens. Insistiu depois que semelhante culto está inteiramente certo, apenas a operação interna do espírito não é exatamente a mesma quando se adoram imagens e quando se adora Deus. Não apenas lançou suas invectivas contra o pequeno livro e os heréticos, como também pretendeu provar pelas Escrituras, que os homens podem estar prestando serviços a Deus pela adoração de suas criaturas. Acrescenta ele, com visível ênfase, que Abraão adorou os anjos, e adorou também os filhos de Heth (!). (Genesis, XXIII, 7).

A verdadeira razão, pela qual ele se ofendeu com o pequeno catecismo, é que o mesmo continha os dez mandamentos não mutilados. Tenho em mãos os dez mandamentos como vêm impressos em todos os livros de ensino religioso adotados em Portugal e em alguns pontos do Brasil: aí se vê que o segundo mandamento foi omitido; e, para completar o decálogo, o décimo mandamento ficou assim dividido: — "Não cobiçarás a casa do teu vizinho," - figura como nono e, "Não cobiçarás a mulher do teu próximo, etc, etc...., nem qualquer coisa que seja de teu vizinho." — figura como o décimo.

A situação da religião do Pará não é absolutamente lisonjeira, e o coração está longe de ser alcançado pelas formas vazias e as pompas vistosas, tanto no Amazonas como no Tibre ou no Danúbio. A grande festa anual de Nazaré atrai sempre, da cidade, uma imensa multidão, que não comparece para se edificar na religião, mas por causa dos nove dias de festas, danças, fogos de artifício e folguedos populares.

Parece desnecessário um comentário geral a respeito do caráter e das tendências de tais festividades tão absorventes de toda uma comunidade, e de tão longa duração. Se não tivessem finalidades religiosas, seriam mais escusáveis; mas um povo ser levado a pensar que se pode misturar o serviço de Deus com tais divertimentos e loucuras, é um fato tristemente lamentável
[A63].


Nota do Autor

[A62] "O jaguar, dizem os indígenas, é o mais esperto dos animais das florestas; pode imitar as vozes de quase todas as aves e outros animais tão exatamente que os atrai para junto dele; pesca nos rios, sacudindo a água com a sua cauda para imitar um fruto caindo e, quando o peixe se aproxima, apanha-o formando um anzol com as suas garras. Agarra e come tartarugas, e eu mesmo tenho encontrado as cascas partidas desse animal, que o jaguar, com as suas patas, limpou completamente. Ataca o peixe-boi em seu próprio elemento, e uma testemunha ocular me assegurou que ele havia atraído um desses animais para fora d'água, mugindo como uma vaca." Wallace.

[A63] Nota de 1866: — A cidade do Pará voltou ao seu estado anterior, a sua população sendo agora tão grande, se não maior como o era antes dos desastrosos dias de 1835-38. Em 1862, o segundo autor desta obra pôde ainda ver alguns poucos vestígios da rebelião nas fachadas de alguns prédios e, embora os habitantes mais antigos tenham inapagáveis recordações da revolta e das suas cenas sangrentas, a grande maioria da população cresceu sem essas tristes recordações.

Muitos melhoramentos se deram. Um dos mais importantes no ponto de vista material foi o realizado pelo sr. Pimenta Bueno, gerente da Amazonian Navigation Company. As firmas James Bishop & C. (J. C. Bond), H. K. Corning & C. (sr. Moran) e Burdett & Everett (sr. Pond), são as ativos representantes dos interesses norte-americanos no Pará. O presidente Brusque, que presidiu a Província do Pará em 1861, 62 e 63, tomou grande interesse em publicar os produtos naturais da província, e seus Relatórios estão repletos de valiosas informações.

O mais recente e fiel dos livros ingleses sobre o Amazonas é o Naturalist on the Amazon, por Henry Bates, Esq., Londres, 1863. É uma obra das mais encantadoras e valiosas. O sr. Bates viveu cerca de dez anos nessas regiões equatoriais ainda por conhecer, e deu ao mundo muitos fatos importantes relacionados com o grande vale, além das informações que dizem respeito com a sua história natural.

Apenas um defeito, para muitos, é o que se pode ver em suas opiniões darwinianas; porém essas são enunciadas tão modestamente, e suas investigações são tão melhores que a sua teoria que o leitor fica tão somente interessado pelo grande tema do livro, o Rei das Águas.

Notas do tradutor:

[T89] Sobre Wallace, ver nota nº 75.

[T90] Sobre Edwards, ver nota nº 76.