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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - Ribeiro Couto - BIBLIOTECA NM
Rui Ribeiro Couto (17-G)

Clique na imagem para ir ao índice desta obraUma das obras de Rui Ribeiro Couto é O Crime do Estudante Batista, aqui transcrita em primeira edição digital, a partir do livro publicado em 1945 pela Companhia Editora Nacional (São Paulo - Rio de Janeiro - Recife - Bahia - Pará - Porto Alegre), em segunda edição. A obra faz parte do acervo de Rafael Moraes transferido à Secretaria Municipal de Cultura de Santos e cedida a Novo Milênio pelo secretário Raul Christiano para digitação/digitalização (ortografia atualizada nesta transcrição - páginas 115 a 130):

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O crime do estudante Batista

Ribeiro Couto

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A Estúpida Aventura

Ao entrar no bonde com Roberto Rebouças e André Penaforte, naquela noite fria, voltando de uma visita num arrabalde, Paulo Soares não deu importância à mulher loura que era um dos raros passageiros. Tinham subido os três aos risos, falando alto, como se sacudissem dessa maneira o torpor das longas horas passadas na saleta do erudito dr. Moreira, que lera para eles uma extensa memória destinada à Revista do Instituto Histórico.

Espalharam-se no banco, à vontade. A mulher loura - uma rapariga magra, espáduas estreitas, pescoço fino - ia num dos primeiros bancos e voltara-se para Paulo Soares, sorrindo, uma ruga irônica a descer de cada alça do nariz. Ele não deu atenção àquela figurinha insignificante, vestida de negro, um chapeuzinho boêmio de veludo também negro a pôr em ressalte o amarelo artificial do cabelo. Não lhe deu atenção precisamente porque notou que aquele amarelo era artificial.

O bonde varava a quietação das ruas desertas, naqueles confins de São Cristóvão na noite morta. Os três conversavam escandalosamente alto. O gradual desentorpecimento das ideias, na ampla liberdade do bonde quase vazio, após tanto tempo de escuta fixa, em casa do erudito dr. Moreira, tornava a conversa animada. A rapariga de vez em quando voltava a cabeça e olhava Paulo Soares com o mesmo sorriso e as duas rugas irônicas, na magreza do rosto malicioso, a lhe talharem os cantos da boca...

- Está gostando da palestra. Mas olha apenas para o Paulo.

- Simpatizou contigo, Paulo.

Continuaram a palestra sem pensar mais na figurinha loura de negro. Apenas Paulo Soares, apesar do instintivo desagrado daqueles cabelos oxigenados, não pôde furtar-se, daí por diante, a olhar nos olhos a rapariga, quando ela, ao estalar de uma frase mais alta, ou de uma gargalhada, voltava a cabecinha artificial. E o ar levemente sarcástico da rapariga o intrigava.

Ao chegarem à cidade, a rapariga saltou na Rua Uruguaiana, e voltou pela última vez os olhos para Paulo Soares, com o inalterável sorriso de ironia.

- É desesperador! Quem é essa mulher?

- Seu tolo, vai atrás, anda! Pela cara vale a pena.

- Não, não vale a pena.

- Vai, seu idiota! Vai! Boa noite!

O bonde já estava em movimento e Paulo Soares saltou.A mulher ia na direção do Largo da Carioca. Paulo Soares foi empós. Ela entrou na Lallet e Paulo Soares entrou em seguida. SEntaram-se em mesas vizinhas, um em frente do outro.

O vago sorriso era o mesmo do bonde: indecifrável, irônico. Então ele se resolveu a uma audácia, a uma grande audácia: perguntou-lhe, com os olhos, se podia ir para a mesa dela. O sorriso continuou, fixo, em lugar da resposta... Paulo Soares sentiu um tédio misturado de despeito. Nesse momento entrou um homem alto, moreno, de bigodes, e sentou-se à mesa da mulher. Serviu-se das torradas e depois, só depois é que disse qualquer coisa, possivelmente "boa noite".

A rapariga pôs-se a contar-lhe um caso e daí a instantes saíram, de braço. Tomaram um táxi e desapareceram.

Dias depois, Paulo Soares estava uma tarde, na Galeria Cruzeiro, quando um braço macio roçou por ele. Olhou e viu a seu lado a rapariga do bonde. Ela o olhava em silêncio, com a mesma expressão irônica da outra noite. Paulo Soares sentiu o desejo de agarrá-la pelo pescoço e bater-lhe com a cabeça - aquela cabecinha loura e artificial - contra uma parede. Afastou-se de repelão e perdeu-se na turba.

Na semana seguinte, na sala de espera de um cinema, a rapariga apareceu: estava toda de negro outra vez, como um mistério vivo. Paulo sentiu aquele sorriso pousar nele; irritado, saiu no mesmo instante da sala.

Pouco tempo depois fez uma viagem ao Paraná, por causa de uns negócios do tio, de quem era advogado. Essa viagem reteve-o dois meses no Sul. Quando voltou ao Rio, havia esquecido completamente a rapariga magra dos cabelos amarelos. E quando Julieta, a amante de Roberto Rebouças, lhe falou de uma certa Antoninha a quem ele olhava na rua sem dar importância, não pôde atinar com quem fosse.

- Antoninha? Não conheço nenhuma.

- Sabe o que ela me disse? Que você não se lembra dela porque não quer.

- Mas que história é essa?

- Essa que você vê...

- Pelo amor de Deus!

- Aliás, ela me disse ainda outras coisas. Não se zanga? Disse, por exemplo, que você antigamente não parecia lá muito inteligente... Que nunca pensou que você fosse capaz de escrever o drama. Ficou admirada de ver um dia o seu retrato aparecer pelos jornais, anunciando "O Filho".

- Minha querida Julieta, dou-lhe a minha palavra que não sei de Antoninha nenhuma. É bonita?

- Engraçadinha...

- Portanto medíocre. Já não me interessa. E como inteligência também não deve ser grande coisa, visto que chegou a se enganar a meu respeito...

- Não lhe digo mais nada. Se quiser, telefone. O número é Beira Mar 4481.

Paulo Soares levantou-se da mesa da Americana, onde os três tomavam o aperitivo, e caminhou para o telefone. Escutando a conversa com o olhar amortecido, ao lado, Roberto Rebouças fumava. Só então resolveu fazer um comentário:

- Ó Paulo! É a lourinha daquela noite.

Paulo Soares parou. Sentiu despertar a sua habitual sensação de despeito diante daquele sorriso irônico evocado. Mas, agora estava explicado o sorriso: aquela mulher assistira à sua peça e decerto o conhecia de vista. Mas, por que sorria com veneno? Então veio-lhe o desejo irresistível de ouvi-la, de quebrar o encanto daquela silenciosa ironia. E arrancou o fone do gancho, de ímpeto, para pedir a ligação.

Julieta, de longe, parecia deliciada com a aventura do tímido Paulo Soares. Roberto Rebouças, apenas, continuava indiferente.

Paulo pediu a ligação com impaciência. Depois, à pessoa que atendera, rogou fosse chamar madame Antoninha...

- É ela mesma quem fala.

Aquela voz! Aquela voz metálica, cruel! Aquele modo de precipitar as palavras! E teve a repentina revelação da mulher do sorriso irônico e cabelos amarelos: uma rapariga que cinco anos atrás o fizera sofrer horrivelmente, durante quinze dias, por uma paixão súbita de rapazola estreante.

Ela vivia num primeiro andar da Avenida Gomes Freire. Era pobre, mal vestida, um gênio intolerável, amante de um vago comandante português de navio do Lloyd. Ele dormira com ela uma noite - a primeira vez que passara a noite fora de casa por causa de uma mulher, a primeira vez que, ao despertar, vira ao seu lado, ainda tonto de sono e sem compreender bem, umas quentes espáduas de mulher cobertas de um perfumado cabelo castanho... Sentira, de manhã, que se habituara definitivamente àqueles cabelos. Não poderia mais acordar sem eles ao seu lado, exalando um cheiro amoroso.

Para agradar à rapariga deu-lhe todo o seu dinheiro, que afinal de contas era o resto da mesada. Como, ao vê-lo sair, ela achasse curioso o seu alfinete de gravata - um alfinete de mais gosto, um pingente a balouçar - pediu-lho para ver... Ele arrancara o alfinete com alegria, satisfeito de que ela o quisesse.

- Não quero, não. Mas deixe aí.

À noite procurou-a pelo telefone: não estava. Até de madrugada ficara à porta para vê-la entrar. Não entrou... Na noite seguinte encontrou-a, mas Antoninha não queria vê-lo. Ele insistiu para ir lá, para conversar um momento apenas. Foi e portou-se de um modo ridículo. Antoninha era agressiva, áspera. Paulo Soares sentia fascinação por temperamentos assim.

Como ela o repelisse, mandasse-o embora, ele suplicou para dormir também aquela noite, ajoelhou-se, chorou... Quanto maior era a sua desmanchada humildade, mais a rapariga o empurrava para fora do quarto, como se sentisse um imenso enjoo daquele estudante sem vontade. Durante duas semanas Paulo Soares desesperou-se em telefonadas súplices para ela. A rapariga pedia-lhe:

- Por favor, não me chame a esta porcaria de aparelho!

Usava de expressões chulas que o feriam. E repelia-o sempre, num enjoo maior, insuportável... Paulo Soares, de madrugada, ia para debaixo da janela, ou para a calçada em frente, numa esperança dolorosa. Ficava até duas da manhã, até que um braço - da rapariga? do comandante português de navio do Lloyd? de outro homem qualquer? - até que um braço, refletido monstruosamente na vidraça, se erguia para a lâmpada; e o quarto do primeiro andar ficava de súbito às escuras. Vieram felizmente as férias e Paulo Soares deixou o Rio, levando na memória aqueles cabelos castanhos a cobrirem umas espáduas magras e nuas, encanto provisório de uma noite inesquecível.

Tudo isso ele recordou num segundo ao ouvir a voz metálica de Antoninha, a Antoninha de cinco anos atrás. Quando ele disse o nome, ela soltou uma risada. E depois, fazendo-se de ofendida:

- Então não me conhece mais, não é assim? Deixe estar.

Paulo Soares eu a explicação sincera:

- Não podia reconhecê-la com os cabelos cor de gema de ovo como você tem agora. Como é que eles mudaram de cor na minha ausência?

Ela deu outra risada:

- Coisas, meu filho.

Houve um momento de silêncio. Paulo Soares não sabia o que dizer àquela mulher. Sentia que ela exercia ainda uma sedução especial sobre os seus sentidos. Lamentável era o louro artificial... Na memória do seu desejo havia uns cabelos castanhos espalhados nos ombros magros, os ombros que cheiravam tanto, impregnando-lhe as narinas... Agora não seria a mesma coisa, talvez. Não obstante, por que se comovia ele? Por que o quase imperceptível tremor das mãos e aquela espalhada sensação de receio, como se estivesse diante de um perigo de morte, ou de uma mulher suprema? Ah! era apenas a Antoninha, da Avenida Gomes Freire. Mas a Antoninha continuava a exercer uma sedução especial sobre os seus sentidos...

Ela propôs:

- Precisamos conversar muito. Olhe, desculpe, mas eu não supunha que você fosse capaz de escrever aquele drama. Naquele tempo - e soltou outra risada - naquele tempo eu pensava que você fosse burrote, meu velho.

- Obrigado.

- Agora, sim. Aqui em casa as moças não querem acreditar que eu conheça você, nem que você tenha sido meu apaixonado.

- Que tolice, a daquele tempo, hein?

Antoninha riu novamente. E logo:

- Olhe, venha aqui amanhã de tarde.

- Você me desculpará, é impossível.

- Por quê?

Paulo Soares pensou um momento e repetiu:

- É impossível.

Ele percebeu do outro lado o despeito de Antoninha. Súbito, a voz dela, irritada:

- Onde é que você mora?

- Na Avenida Mem de Sá, 148.

- Amanhã à tarde vou lá! Adeus.

E desligou. Paulo Soares estava satisfeito. Vingara-se. Roberto Rebouças e Julieta, de braços cruzados diante do aperitivo, olhavam os bondes que passavam ali fora, cheios.

- Então? perguntaram.

- Uma paixão de menino, há cinco anos atrás... Nem me lembrava mais! As mulheres pintam o cabelo para ficar mais interessantes, às vezes ficam é irreconhecíveis.

- O que em certos casos é um progresso apreciável, concluiu Roberto Rebouças.

E Julieta, que usava os cabelos oxigenados, levantou-se de mau humor:

- Vamos embora.

***

Antoninha bateu maciamente à porta.

- Empurre!

Ela entrou, leve, com aquele sorriso marcado no rosto, os olhos pretos e pequenos brilhando com ironia na moldura do cabelo amarelo. Paulo apertou-lhe as mãos, olhando-a fixo, reprimindo a vontade forte de beijá-la na boca.

- Ponha aqui o seu chapéu.

Tomou-lhe do chapéu, pô-lo sobre a mesa. Ela exclamou:

- Que calor!

Pôs-se a olhar aquele gabinete de solteiro, sem flores nos vasos e com as coisas em desarrumação. Percorreu as estantes rapidamente, olhou os papéis da mesa de trabalho e sentou-se depois no velho divã.

- É bom, isto.

Paulo continuava olhando a mulher que fora o seu encanto de uma noite, o seu inesquecível encanto. O cabelo amarelo desfigurava um pouco a recordação. Mas eram aquelas mesmas espáduas estreitas, que davam o desejo de quebrá-las nas mãos. Teriam o mesmo delicioso cheiro?

Antoninha, agora, olhava-o também. Sorria sempre... Depois, sem assunto:

- Que me conta de novo?

- Nada.

Passados uns momentos ela tornou:

- Então, sinceramente, não me reconheceu? Fiquei muito diferente com os cabelos assim?

- Muito. Para mim, muito.

E sentou-se perto dela. Passou-lhe a mão pela cintura e ia beijá-la... Ela afastou-se um pouco, opondo-lhe a mão à boca:

- Juízo.

Depois, obedecendo a uma ideia secreta, pôs-se a rir:

- Fui ver "O Filho". E achei uma graça infinita... Ri-me como você não pode imaginar!

- Achou graça no meu drama?

Antoninha soltou uma gargalhada como aquelas da véspera, no telefone. Ele insistiu:

- Então você achou graça numa história assim? Um pai que vem a conhecer o filho vinte anos depois, naquelas circunstâncias dolorosas? Houve quem chorasse.

Antoninha riu novamente, com estrépito, inclinando-se um pouco para ele. Dos ombros dela vinha agora o antigo cheiro... Era de perturbar. Paulo Soares levou a mão aos olhos, contendo-se, porque queria ir até o fim, queria saber se aquela mulher era de fato uma bruta, uma insensível, ou que mistério de complicada psicologia ela encerrava.

- Eu ri-me tanto, no teatro! Fui lá duas vezes.

Paulo Soares levantou-se. Veio-lhe ao espírito, um pouco ridiculamente, o dilema terrível. Antoninha era uma esfinge barata, mas era uma esfinge, não havia dúvida. E sempre com aquele sorriso a cortar-lhe o rosto, de ambos os lados da boca!

- Sente-se aqui, filhinho.

Ele sentou-se, enfarado. Ela puxou então de um retrato e deu-lho. Paulo Soares olhou: era um menino de quatro anos, mais ou menos. Súbito, sentiu um choque: levantou-se, foi à janela para ver melhor na luz da tarde morrente...

- Mas sou eu aos quatro anos! Esse menino é meu filho!

- Nosso, meu bem.

Paulo Soares sufocou, de repente, no surto impetuoso de uma alegria sem palavras. Pôs-se a pular no meio do quarto, esfregando o cabelo com as mãos, num delírio.

- Onde está ele? parou de súbito.

Antoninha olhava-o com o mesmo sorriso, que agora não tinha mais, para Paulo Soares, o mistério terrível...

-Onde está? Diga! Diga logo!

Então Antoninha contou que aquele português, comandante do Lloyd, seu amante até agora, se convencera de que era pai do menino e mandara-o para Portugal, para a casa de umas irmãs solteironas.

Paulo Soares quis falar e não pôde. Olhou o retrato longamente, com angústia, as lágrimas ardendo-lhe nos olhos. Depois, acalmou-se, quis explicações, numa dor que o abatia.

- Por que é que você nunca mais me procurou?

- Primeiro, porque não sabia que o menino fosse seu filho... Segundo, porque assim que ele completou um ano o comandante o carregou para Portugal.

- Então você não sabia que ele era meu filho?

Antoninha riu com cinismo.

- Não, minha flor. Quando recebi um retratinho dele, já com três anos, é que comecei a ficar desconfiada. Agora, com este último, tive a certeza. Os traços são os mesmos. Aliás, ainda assim eu duvidava. E sabe? Eu não tinha guardado bem a fisionomia de você... Quando vi o retrato anunciando a peça, comparei. Era... Era de fato... E o mais engraçado e que a sua peça tratava de um pai que só conheceu o filho muitos anos depois. Você deve concordar que isso tudo é muito engraçado...

Paulo Soares teve o antigo desejo de sacudir contra a parede aquela cabeça irônica e cínica. Antoninha era a mais insensível das criaturas. Não havia dúvida.

A noite viera de todo e na sombra do quarto o vulto dela se alongava no divã. Ele acendeu a lâmpada da mesa e o abajur vermelho espalhou uma penumbra harmoniosa no gabinete.

- Então? indagou Antoninha, quando o silêncio começou a fatigá-la.

Paulo perguntou:

- Como se chama ele?

- Vítor.

Houve um novo silêncio.

- Diga uma coisa: quando é que esse menino volta ao Brasil?

- Creio que não voltará nunca. O pai é português, quer que o filho seja criado pelas tias e cresça português...

- Esplêndido!

Ela soltou uma daquelas risadas e disse:

- Imagine: você, daqui a vinte anos, pai de um portuguesinho...

Súbito, ele sentiu uma antipatia tão veemente por ela que receou espancá-la ali dentro, naquela doce penumbra vermelha, sobre o divã.

- Adeus. Tome o seu chapéu.

E entregou-lhe o chapéu.

- Que é isso? Me toca? Por quê?

- É tarde. Vá-se embora. Tenho de sair.

Ela não disse nada, a sorrir o seu famoso sorriso. Pediu para arranjar o cabelo diante de um espelho. Ele apontou para o quarto de dormir, ao lado, e Antoninha desapareceu atrás do reposteiro de casa. Voltou dali a instantes, rogou que lhe abotoasse a blusa nas costas.

- É uma aventura estúpida! murmurava Paulo Soares.

- Hein? O que é que é estúpido?

- Nada.

- Diga logo, minha flor.

- Esta aventura. Você quer uma aventura mais estúpida?

- Ora... Abotoe a minha blusa, vá.

E sorria...

Paulo Soares então principiou a abotoar a blusa de Antoninha. Mas aquelas pequenas espáduas e o cheiro que emanava delas perturbaram-no mais uma vez. Sentiu que ia agarrá-las, beijá-las, mordê-las... Nesse instante, Antoninha bambeou o corpo, como se desfalecesse, e ele susteve-a com força, curvado como estava para abotoar a blusa.

- Espere, Antoninha. Não faça isso.

Ela perguntou ingenuamente, voltando o rosto para ele, torcendo-se toda:

- O que é, meu bem?

Dizendo isso, esticou os braços para trás, agarrou a cabeça de Paulo Soares, beijou-o na boca. Ele ainda murmurou, com os dentes esmagados pelos dela:

- É uma aventura estúpida!

E caíram sobre o divã, com raiva.