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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - O "Vulcão" - BIBLIOTECA NM
Martins Fontes (11)

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O livro Il Fioretti, foi editado em 1936 com impressão e composição de Elvino Pocai - Rua Rodolfo Miranda, 207, S. Paulo -, com desenhos de Paim e 51 páginas. A obra faz parte do acervo de Rafael Moraes transferido à Secretaria Municipal de Cultura de Santos e cedida a Novo Milênio em fevereiro de 2014, pelo secretário Raul Christiano, para digitação/digitalização (ortografia atualizada nesta transcrição):
 


Imagem: folha de rosto da obra

Il Fioretti

Versão de Martins Fontes

Imagem: reprodução da página 3 do livro

Dei Fioretti di Sancto Franciescho

 

- Nil jucundius vidi valle mea Spoletana -

- Secondo il Codice di Amaretto Mannelli -

13 - Luglio - 1396

- Biblioteca Fiorentina -

 


Imagem: reprodução da página 5 do livro

 

Fioretti, miracoli ed Esempii divoti del glorioso poverello di Cristo, messere Santo Francesco, e d'alguanti suoi santi compagni

 


Imagem: reprodução parcial da página 5 do livro

 

Laudato si mi Signore

per quelli che perdonano...

 


Imagem: reprodução parcial da página 7 do livro

 

 

Di seconda corona redimita

Fu per Onorio dall'eterno spiro

La santa voglia d'esto archimandrita:

.....................................................

(Parab. XI, - 97)

 

Sull'orizzonte dei montan paese

nel mite solitario alto esplendore

qual del tuo paradiso in su le porte,

ti vegga io dritto con le braccia tese

cantando a Dio: Laudate si Signore,

per nostra corporal sorella morte!

.................................................

 

becca

Due grani in tera é vola al cielo e canta.

......................................................................

 

O ignota ricchezza, o ben verace!

...............................................

 

La Provvidenza, che governa il mondo

......................................................

 

Perocchè andasse ver lo suo diletto

La sposa di colui, che ad alte grida

Disposò lei col sangue benedetto,

 

In sè sicura ed anco a lui più fida,

Duo Principi ordinò in suo favore,

Che quinci e quindi le fosser per guida.

......................................................

(Par. XI - 28 - 36)

 

Nè gli  gravó viltà di cuor le ciglia,

Per esser fi' di Pietro Bernardone,

Nè per parer dispetto a maraviglia.

 

Ma regalmente sua dura intenzione

Ad Innocenzio aperse...

...................................................

(Alighieri - Paradiso - Canto XI)

 

... la cui mirabil vita

Meglio in gloria del ciel si canterebbe,

.....................................................

 

Senno a me pare e cortesia-empazir per lo bel Messia

Ello me sa sì gran sapere - a che per Dio vol empazire.

En Parige non si vidde - ancor si gran filosofia.

 

Facopone

da

Todi

Imagem: reprodução parcial da página 13 do livro

Índice

Graça 15
A Tábula Redonda 17
Madonna Povertà 18
São Francisco Falando às Andorinhas 19
São Francisco e a Pastora Juvenilia 20
A Alma, Esposa do Corpo, e Ambos Desnudos 21
Liberdade, Igualdade e Fraternidade 22
Nosce te Ipsum 23
Letitia 24
Francesco in Santa Maria degli Angioli 25
Padre Nosso, que estais no Céu 26
Exaltação 27
Passagem 28
Mas a resignação doura e perfuma 29
São Francisco na Fonte de Perúgia 30
Clara! 31
Inocência 32
Vindima 33
Encantamento 34
Quis o Irmão Fogo devorar-me a túnica 35
São Francisco e o Rouxinol 36
A Santificação 37
Cantico de la Creature 40
Alvuras 41
Pôr do Sol 42
Bem-vinda sejas, minha Irmã, a Morte 43
Confraternidade 44

Imagem: reprodução parcial da página 15 do livro

 

Graça

 

Que este seja, Samuel

Teu livro de cabeceira.

Inspirou-o a Companheira,

Tua Noiva Verdadeira,

Que, durante a vida inteira,

Foi mais doce do que o mel.

A Tábula Redonda

A Goulart de Andrade

:: O Poeta Mestre. ::

Cavaleiros da Tábula Redonda,

Ou Sacerdotes da Rotunda Mesa,

Os tesouros de Ophir e de Golconda,

Desprezamos, sonhando outra riqueza.

 

Sem que glória nenhuma corresponda,
À nossa glória, à nossa fortaleza,

Somos nós, através da vida hedionda,

Os heróis da bondade e da pobreza.

 

Doze apóstolos somos, doze pares,

Dessas Cavalarias exemplares,

Ao mar do mundo, em eio do escarcéu.

 

E a Porciuncula, a Porta Pequenina

De Assis, dourada pela paz divina,

Se abriu na terra, conduzindo ao Céu.

Madonna Povertà

 

Senhor, falaste pela sarça ardente

E eu, na ardência da sarça, hoje vos falo.

Nasceste humilde, num palheiro humente,

E a penúria foi sempre o teu regalo.

 

Se tudo te falhou, Jesus clemente,

Ela só, ela só, sem intervalo,

Misericordiosissimamente,

Não te esqueceu, quando cantava o galo.

 

Se água ela te negou, é que não a tinha,

Mas, no Golgota, à umbreira da espelunca,

Deu-te o pranto a beber, doce Princesa.

 

E Esposa e Noiva e Mãe, sendo Rainha,

Tu só, tu, puro amor,não faltas nunca,

Lírio da Perfeição, Santa Pobreza!

 

São Francisco Falando às Andorinhas

A Artidonio Pamplonae

:: Grande em tudo. ::

 homenagem da minha gratidão

Minhas irmãs, amadas andorinhas,

Em nossa natural simplicidade,

Abençoemos, das tímidas ervinhas,

Ao nosso irmão o sol na imensidade.

 

Que as vossas alegrias sejam minhas,

Sendo minha também vossa humildade.

Por serdes livres, nunca estais sozinhas,

No cristianismo da comunidade.

 

Todo o universo é um beijo. Essa virtude

É o segredo da nossa beatitude.

Unamo-nos. Amemo-nos. Oremos.

 

Orar é trabalhar. Só quem trabalha

Possui a graça, pelo bem que espalha,

Vive rindo e cantando. Trabalhemos.

São Francisco e a Pastora Juvenilia

À doce esposa de

João Luso :: Poeta

Quem falou de Jesus? Quem assim canta?

Ah! foste tu, minha galante amiga!

Vamos, canta de novo outra cantiga,

Que a poesia da música me encanta.

 

- Sobre Jesus, responde a rapariga,

Só guardei esta melodia santa.

Outras que sei falam de amor com tanta

Paixão, que acho melhor não vo-las diga.

 

Falam de amor? Então Jesus nos fala!

Canta-me! E a sua voz quero escutá-la

Seja o motivo lírico qual for.

 

Jesus e Amor trovam no mesmo arpejo,

E Ele é quem canta, perfumando o beijo,

Em todas, todas as Canções de Amor!

A Alma, Esposa do Corpo, e Ambos Desnudos

 

Largos veludos ou vistosas sedas

Usei. Gostava dos padrões listrados.

Meti-me em rixas, discussões azedas,

Entre moços estroinas e soldados.

 

Desvairado, entre aqueles desvairados,

Errei, perdido por paragens tredas,

Pelas vielas escusas dos pecados,

Pelas do mal terríficas veredas.

 

Despi-me em vida. E - ó mundo corrompido!

Isento de ilusões, tenho vivido

Bem mais feliz do que imaginas tu.

 

Longe do luxo frívolo e nefando,

Sem roupagens nenhumas, assim ando,

De alma e corpo, inteiramente nu.

Liberdade, Igualdade e Fraternidade

Ao Povo de Gubbio

Vinde aqui, meu Irmão, vinde, Irmão Lobo.

Por que é que sois carnívoro, homicida?

E assim viveis a praticar o roubo,

Viveis assim a profanar a vida?

 

Transformareis a cólera em arroubo,

Se domardes a fome desmedida.

Não queirais ser a maldição do globo,

Não queirais ser a fera enfurecida.

 

Crede. Como quem ama, bem confia,

Dai-me a pata. E que a sede vos não zangue,

Que a não tereis, vagando ao Deus-dará.

 

Porque eu vos juro que há de vir o dia

Em que a piedade, tendo horror ao sangue,

Em cordeiros aos lobo mudará.

Nosce te Ipsum

 

Quem serei? Quem sou eu? Não me conheço.

E tu, meu sósia, te conheces já?

Estudaste a tua alma pelo avesso,

Tua mortalidade que será?

 

Nota-me bem. Feito do mesmo gesso,

Que o mesmo em tudo seja. Oxalá!

E, sendo assim, contigo me pareço,

E, o que és, comigo se parecerá.

 

Verás, a olhar-me, tua imagem cara,

Que a face é minha, mas o rosto é teu,

E a exatez a aparência desmascara.

 

Relembrarás alguém que ontem morreu,

E, reencarnado em mim, hoje te encara,

Sem saber quem tu és, ou quem sou eu.

Laetitia

 

A alegria perfeita não se alcança

Desprezando as plumagens mundanais.

Não há ventura onde existir mudança,

E em procurar o Bem vos enganais.

 

Da vanidade tem a semelhança

Os temporais do mundo, temporais.

Quem aspirar à bem-aventurança,

Nunca se ilude, nem deseja mais.

 

Tudo, tudo é miragem fabulosa.

Tudo, tudo é ilusão, tal qual a rosa,

Que dura um dia, formosura em flor!

 

No sofrimento a redenção consiste.

E amarga embora, parecendo triste,

A perfeita alegria está na dor.

Francesco in Santa Maria degli Angioli

Giotto

 

Agradeço a meu Pai a homenagem prestada

Ao bom povo francês, chamando-me Francisco.

Eu que fui do rebanho a ovelha tresmalhada,

E por vãs seduções fugi do meu aprisco.

 

A França, minha Mãe, é uma Pátria adorada,

Misto de horto e jardim e vergel grato e prisco.

Não mereço este nome, eu que não valho nada,

E, a que riam alguns, por vaidade, me arrisco.

 

Costumo nos degraus da Alva Santa Maria

Dos Anjos, minha Igreja, implorando uma esmola,

Falando embora mal, suplicá-la em francês.

 

Perdoai-me a presunção desta ingênua mania,

Que do peito me sai e da boca se evola,

E a aspereza da voz torna doce, talvez.

Padre nosso, que estás no céu,

santificado seja o Teu nome.

Arestos!

Sol! quero celebrar-te enamorado,

Simbolizando o Amor Infinitude!

Consente que a fraqueza do pecado

O coração te oferte e te desnude.

 

Amo-te, Pai do Céu. E, iluminado,

Tanjo as cordas do místico alaúde,

Eu que sou como as urzes que há no prado,

Demonstrações de humílima virtude.

 

Nos teus reinos, Senhor, coisas ou seres,

Sem, primeiro, em teus banhos, os benzeres,

Não seriam aquilo que eles são.

 

És a Vida! E a Além-Vida! Porque a Glória

É o sol dos Mortos, luz propiciatória,

Ao teu milagre da Ressurreição!

Exaltação

 

Amo! Tento abraçar a imensidade,

As estrelas beijar, beijar as flores,

Concentrando na minha humanidade

A amplitude de todos os amores.

 

Amo, na criação, na eternidade,

Com a singeleza dos contempladores,

Tendo a mesma ternura na humildade,

Das gazelas, dos cães e dos pastores.

 

O amor se expande em mim, multiplicado.

E faz que, no esplendor, no ilimitado,

Não se divida nunca, mas se some.

 

Amo, acima de tudo, essas queridas

Florinhas, entre as ervas escondidas,

Que na sua pobreza nem têm nome.

Passagem

 

Loucos, alegres, num delírio infando,

À luz da ardente mocidade em flor,

Os rapazes passavam, gargalhando,

Embebedados pelo sol do amor.

 

E a fanfarra estrugia, e, temerando,

Cada qual deles, com mais vivo ardor,

Procurava mostrar-se do seu bando

O mais feliz, o mais assanhador.

 

E eis que encontram um frade numa lura.

E em desvairar o asceta se comprazem.

- "Tudo é mentira, nosso Irmão. Gozai!" -

 

E São Francisco, ouvindo-os, murmura:

- "Perdoai-lhes, não sabem o que fazem.

Na vossa graça os acolhei, meu Pai".

Mas a resignação doura e perfuma

a tristeza do termo do meu dia

::A Dona Ida

Barbosa Abrabão

Nada seremos, nós que nada fomos.

Morre o individuo, sendo a espécie tudo.

Quanto mais entardece e mais estudo,

Mais me convenço de que nada somos.

 

Por que, pois, tantas cóleras e assomos?

Por que tanto furor e ódio sanhudo?

Da inanidade o mundo é o conteúdo,

E imortais, entretanto, nos supomos.

 

Transmudemos os males em carinhos.

E, entre desilusões e dissabores,

Esqueçamos que as rosas têm espinhos.

 

E a bondade sonhemos, sofredores,

Das roseiras ocultas nos caminhos,

Que nem ao menos sabem que dão flores.

São Francisco na fonte de Perúgia

Cimabue

- Nele, as vozes menores ou melhores

Da Natureza, ecoam...

Esta consolação, dentro da mata,

Faz ponderar que há vidas paralelas,

Que a mesma sorte têm, de forma exata,

Embora sejam nobres ou singelas.

 

Olhai: nela a floresta se retrata.

Dá de beber às aves tagarelas,

Tendo, às vezes, o espelho cor de prata,

Todo cheio de folhas amarelas...

 

Sombra, silêncio e sonho... Raramente,
Na linda Itália, rosedal florente,

Água se encontra de tão leve gosto...

 

É a fonte. Ora descanta, ora soluça.

E se Francesco nela se debruça,

Sorri, surpreso, porque vê seu rosto...

Clara!

À Dona Rosa Gonçalves

Clara! Noiva de Deus! Cândida Clara!

Por predestinação do sentimento,

O nome que vai ter vosso convento

À clareza das virgens se compara!

 

Ao relembrar-vos a expressão preclara,

É inexprimível o contentamento,

O êxtase divinal que experimento,

Vindo da vossa claridade rara!

 

Este batismo, esta clarissonância,

Tem na alveza perfeita e na constância

A brancura das almas das noviças!

 

Nunca vos esqueçais de que a estas freiras,

Sendo nossas irmãs e companheiras,

Mas vossas filhas, eu chamei: Clarissas!

Inocência

Certa vez, como tantas, mas tantíssimas,

Numa aldeia, ao sopé do Monte Alverne...

Que cena, Egydio! Olhai! Não façais bulha...

Vede a alegria que há naquele bando

De crianças ao sol, rindo e cantando,

E como a seiva em torno remurmulha!

 

Em cada face brilha uma fagulha

Da ingenuidade em flor... Vamos andando...

Foram. E, São Francisco, eis, senão quando,

Lhes diz assim, como uma pomba arrulha:

 

- Meus sadios, caríssimos bambinos,

Consenti que eu comparta dos divinos

Folguedos vossos e das vossas danças...

 

E a dedilhar uma infantil viola,

Feita por ele e envolta na sacola,

Baila e toca, a brincar entre as crianças.

Vindima

 

Ora, em Rieti, na quinta de Ugolino,

São Francisco rezou. E eis que o sombredo,

Abrigador do meigo peregrino,

Se transforma, de súbito, em vinhedo!

 

E, milagre ou doçura do destino,

Nunca mais, nunca mais esse segredo,

Cheio de graça, de tão alto ensino,

Deixou de transmudar todo o arvoredo!

 

E - ó Vinha do Senhor, maravilhosa,

Tu que sabes a mel, cheirando a rosa,

multiplicadamente refloriste!

 

Na terra em que pousou sua sandália,

Aromando os vinhais de toda a Itália,

A uva azul se tornou - Lacrima Christi!

Encantamento

In foco l'amor mi mise

A Santa Fernandina

Como é belo o cantar dos trovadores,

A canção dos troveiros provençais!

Os versos para mim são como as flores,

Têm o perfume que há nos roseirais!

 

Em vários metros, com diversas cores,

Conseguirás prodígios musicais,

Se alterando, consonando fores

Os semitons sonoros das vogais.

 

As estrofes que eu amo, as que prefiro,

São as que me parecem um suspiro,

Um olhar, um sorriso, uma oração,

 

Porque a Poesia é para nós o trigo

Espiritual, e, com fervor, te digo,

Mais necessária do que o próprio pão.

Quis o irmão fogo devorar-me a túnica,

e eu, por mero descuido, a retirei...

 

Não apagueis jamais uma candeia,

Nada que fulja, onde rebrilhe o fogo,

Onde corusque o Espírito, no jogo

Das mil cores em que ele se abraseia!

 

Atendendo aos conselhos do meu rogo,

Quando a flama oscilar, erguei-a, erguei-a,

Atiçai-a, tornando-a viva e cheia,

Deixando-a arder, em pleno desafogo!

 

Há no incêndio o esplendor da liberdade,

O calor de arrebato, a claridade

Que a fé somente exprime ou bem traduz.

 

Quem, soprando-o, extinguindo-o, não pondera

Que um hálito humanal, nessa cratera,

Pode, talvez, contaminar a luz!

São Francisco e o Rouxinol

Poverello! Asignolo!

Um rouxinol cantava. Alegremente,

Quis São Francisco, no frutal sombrio,

Acompanhar o pássaro contente,

E começa a cantar, ao desafio.

 

E cantavam os dois, junto à corrente

Do Arno sonoro, do lendário rio.

Mas São Francisco, exausto, finalmente,

Parou, tendo cantado horas a fio.

 

E o rouxinol lá prosseguiu cantando,

Redobrando as constantes cantilenas,

Os trilados festivos redobrando.

 

E o santo assim reflete, satisfeito,

Que feito foi para escutar, apenas,

E o rouxinol para cantar foi feito.

A Santificação

:: À Esposa de Plinio Barreto ::

Senhora Dona Cecy:: tão doce Amiga!

Irmão Leão, durante esta jornada,

Durante as quatro léguas desta estrada,

Ide um pouco na frente, Irmão Leão.

E vos peço, com toda a devoção,

Que repitais as frases que vos digo,

Acrescentando mais justiça, amigo,

Ao que eu disser, por minha salvação.

- Assim juro, Francisco, meu Irmão. -

Eu bem mereço as punições do inferno,

Da dor perpétua, do castigo eterno.

Tenho horror de mim mesmo, e, sem perdão,

Suplico a Deus a sua compaixão.

- Tu bem mereces pelo teu sorriso,

A doce paz do amor, no Paraíso. -
Irmão Leão, Leão, Irmão Leão:

Como se explica a vossa confusão?

 

Não ouviste aquilo que vos peço?

Sede severo, sim, que este processo

É o que convém à minha execração.

Não me poupeis jamais, Irmão Leão.

Prossigamos. Não houve neste mundo

Ser mais vil, ou pior, ou mais imundo

Do que eu, Francisco, escorraçado cão

Do pecado mortal, da tentação.

- Nunca na terra se viu flor mais pura,

De mais fragrância e de maior doçura,

Do que Francisco, nosso amado Irmão. -

Enlouquecestes, que dizeis, Leão?

O que escutei faz-me tremer de frio.

Sinto gelar-me o horror do desvario.

Está possesso o meu antigo Irmão!

Irmão Leão, Irmão, Irmão Leão!

 

Contradizeis o que me prometestes!

É o contrário o que eu sou. Não me entendestes?

E a São Francisco disse o Irmão Leão:

- O que supondes alucinação,

Provém dos ecos, vem da ressonância

Dos entes e das coisas, à distância,

Das mil vozes de toda a Criação!

Jesus vos fala! É a Santificação! -

E assim foi que, no Calvo, entre os valados,

Nesse alvorar, choraram abraçados,

Confundindo num beijo o coração,

São Francisco de Assis e o Irmão Leão.

Cantico de le Creature

Comunemente Detto

:: De Lo Frate Sole ::

À minha Prima Dona            

Beatriz Jardim Silveira            

Ao altíssimo e bom, justo na onipotência!

Que toda a criatura ame ao seu Criador!

Fraternalmente cante, abençoando a existência,

Tudo, tudo o que vive e vos sente, Senhor!

 

Sem que nada consiga expressar vossa glória,

E sem que homem nenhum seja merecedor

De compreender quem sois, na vida transitória,

Eu, pelos meus Irmãos louvar-vos hei, Senhor!

 

E especialmente pelo Sol, frater celeste,

Em cuja luz sem par sinto o vosso esplendor,

No qual a irradiação de purezas se veste,

Eu vos amo, Deus meu, eu vos louvo, Senhor!

 

Por nossa Irmã a Lua e as Sorores Estrelas,

Sem iguais na beleza e no doce candor,

Pela graça jovial de nós podermos vê-las,

E adorá-las também, eu vos louvo, Senhor!

 

Pela frescura do ar, por nosso Irmão o Vento,

Que o sereno produz, sempre embalsamador,

E na sua virtude é constante alimento,

Sendo hálito divino, eu vos louvo, Senhor!

 

Pela preciosa e casta, útil e alva, a Irmã Água,

Nosso supremo bem, nosso melhor penhor,

Que, chorando, nos lava a amarugem da mágoa,

Do imo do coração, eu vos louvo, Senhor!

 

Por nosso Irmão o Fogo, esplendente e jucundo,

Forte e bravo e robusto e purificador,

QUe, iluminando a noite, esclarecendo o mundo,

É vital e imortal, eu vos louvo, Senhor!

 

Por nossa Mãe comum, amantíssima, a Terra,

Que se o fruto nos dá, nos deu antes a flor,

Em cujo seio eterno a piedade se encerra,

Eu, de joelhos, vos beijo, eu vos louvo, Senhor!

 

Oh! louvado sejais, pelas bênçãos imensas

Dos que sofrem com fé, dos que esquecem a dor,

E, entre as tribulações, desventuras, doenças,

Nunca deixam de orar e sorrir-vos, Senhor!

 

Por nossa Irmã a Vida e nossa Irmã a Morte,

Que não poupa a ninguém, a nenhum pecador,

Mas que concede a paz e que permite a sorte

De alcançar vosso reino, eu vos louvo, Senhor!

 

Padre nosso que estais no Céu, e, cada dia,

Nos dais o pão do corpo e o das almas - o Amor!

Rojado a vossos pés, a chorar de alegria,

Eu vos amo, Deus meu, eu vos louvo, Senhor!

Alvuras

 

Ofertou-lhe uma túnica um vizinho,

Ampla, de larga roda e alto capucho.

E ele a vestiu, sem lhe notar o luxo,

Grato a essa utilidade e a esse carinho.

 

E saiu. Mas, na curva de um caminho,

Topa com um velho anão, tardo e gorducho,

Tipo de serviçal, talvez de bruxo,

Que ia à feira vender um cordeirinho.

 

Logo o Santo lhe diz que trocaria

Sua túnica pelo companheiro

Anho, que, nos seus braços, não balia.

 

E, unidos por afeto verdadeiro,

Não mais se separaram, nem um dia,

São Francisco de Assis e o seu cordeiro.

Pôr do Sol

 

Cansadissimamente, moribundo,

À hora reveladora do sol posto,

Desnudado, ao ar livre, ao vento exposto,

Quis ver a Criação, olhar o mundo.

 

A tudo amou, menos a si. Seu rosto

Mostrou-lhe o pensamento, num segundo.

Num ai mais forte, num suspiro fundo,

Gemeu, sentindo o sacrifício imposto.

 

- Bom caminheiro e servo dedicado

Foste. E és tu, na verdade, o único irmão

A quem somente penas tenho dado.

 

E, também, com doçura e compaixão,

À carne enferma, ao corpo fatigado,

São Francisco de Assis pediu perdão.

Bem-vinda sejas, minha Irmã, a Morte.

- Bene veniat

Soror mea

Mors -

 

Ângelo, Irmão, adeus. Falta-me pouco

Para a morte corpórea. E eu, entretanto,

Ainda tenho um desejo ardente e louco,

E de ter um desejo ainda me espanto.

 

Vês? não posso falar, sinto-me rouco,

E queria escutar agora o canto

De um velho frade, ou meigo farricoco,

De qualquer coração sonoro e santo.

 

Sim, preciso ouvir música, preciso
Das harmonias que há no Paraíso,

E em crescentes ternuras se levantam.

 

E eis que, sob a janela, em vozes de ouro,

Se ouve romper o incomparável coro

Que, no Céu, junto a Deus, os Anjos cantam!

Confraternidade

 O Irmão da Cinza

- A consciência interpreta a infinidade.

Somos, como demonstra o pensamento,

Conjugações do eterno movimento,

Revelações esparsas da vontade.

 

Seja qual for a essência do elemento,

Seja qual for nossa modalidade,

Somos a variedade da unidade,

Contingentes produtos do momento.

 

Forças ou formas, desde a flor ao lodo,

A nascer, perecer, nos agitamos,

Cosmicamente renascendo assim,

 

Sendo as mesmas moléculas do todo,

Que pelas mesmas leis nos governamos,

Rolando sempre para o mesmo fim. -

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