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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - O "Vulcão" - BIBLIOTECA NM
Martins Fontes (B)

Clique na imagem para voltar ao índice desta obraO livrete Vivendo Martins Fontes, da escritora Edith Pires Gonçalves Dias, foi publicado em 2005 e teve a segunda edição em 2007, tendo sido composto e impresso nas oficinas da Gráfica Vice-Rei, com 36 páginas mais capas.

Marco Panchorra fez a produção e o tratamento das imagens, Marcelo da Silva Franco se encarregou da capa e do projeto gráfico, Carlos Fernandes fez a pesquisa e edição e Beto Iemini registrou a foto da autora. A obra teve o patrocínio da Sociedade Portuguesa de Beneficência, com apoios do Museu Martins Fontes e da Fundação Arquivo e Memória de Santos (ortografia atualizada nesta transcrição - páginas 7 a 24):

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Vivendo

Martins Fontes

Edith Pires Gonçalves Dias - SANTOS - 2007

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Martins Fontes

Homem Sol Poeta Coração! Poeta Mor! Vulcão de Santos! Poeta das Flores!

Era dessa maneira que os admiradores do grande poeta o designavam. Sua vida foi uma linda estória de amor, desprendimento, dedicação a Medicina e a Poesia.

José Martins Fontes nasceu em Santos, aos 23 de junho de 1884, na casa de seus avós maternos, Francisco Martins dos Santos e d. Josefina Olímpia Aguiar de Andrade Martins Fontes. Seu pai era natural de Sergipe. Quando formou-se em Medicina decidiu exercer sua profissão em Santos. Foi assim que conheceu aquela que se tornou sua grande companheira, a quem chamavam carinhosamente de d. Bebé.

Eles moravam na Praça José Bonifácio, ao lado do Teatro Coliseu. A chácara dos Martins, como era conhecida, reunia um grande número de intelectuais, republicanos e abolicionistas. Ali também era cultivada a Arte em todas as suas expressões. Foi portanto num meio favorável ao futuro que lhe estava reservado, que Martins Fontes nasceu e viveu os primeiros anos de sua vida.

Desde cedo ele revelou suas tendências literárias, participando com muito interesse dos saraus litero-musicais que ali se realizavam. Isso muito influiu na sua formação intelectual e moral.,

Seus primeiros professores foram seus pais. Dr. Silvério, além de médico era jornalista e sociólogo, possuindo uma incrível bagagem de conhecimentos e uma invejável biblioteca.


Casa de seus pais, uma das primeiras construídas na praia do José Menino

Foto publicada com o texto, na página 9

Zezinho ou Yéyé, como era chamado, adorava a leitura dos grandes autores, principalmente Júlio Verne.

Quando começou a estudar nas escolas de d. Leopoldina Tomaz Coelho e Eugênio Porchat de Assis, grandes educadores daquela época, surpreendeu-os com os conceitos que emitia.

Mais tarde, tornou-se aluno de Otávio Carneiro, que previu o sucesso que ele alcançaria como intelectual.

Por ocasião da Abolição da Escravatura e da Proclamação da República, apesar de estar apenas com 4 e 5 anos, participou com entusiasmo das comemorações que ocorreram em toda cidade, inclusive na chácara dos Martins.

Logo que aprendeu a ler e escrever, começou a compor versos que dedicava à sua avó que muito o incentivava. No dia em que seu pai inaugurou o Centro Socialista, ele estava com 8 anos e surpreendeu a todos lendo o seu Hino a Castro Alves, revelando-se um promissor orador.

Terminados os estudos primários, ele foi matriculado no Colégio Nogueira da Gama, em Jacareí, que à época projetava-se como um excelente educandário, com internato.

Profundamente afetivo, muito apegado à família, sofreu muito com essa separação, suportando-a apenas por um ano. Retornando a Santos, continuou seus estudos, preparando-se para o curso superior.


Martins Fontes, quinto ano de Medicina

Foto publicada com o texto, na página 10

A inclinação para a Poesia tornava-se cada vez mais forte, o que criou um conflito entre ele e seu pai. Apesar de se revelar uma reprodução do dr. Silvério, eram contudo personalidades diferentes. Zezinho era um sonhador, podemos dizer que não tinha os pés no chão. Flutuava ao sabor de seus devaneios. Dr. Silvério era um realista, sabendo pelas experiências da vida que a poesia não lhe daria meios de sobrevivência. Por esse motivo, procurava dissuadi-lo do cultivo dessa arte. Mas Zezinho não pretendia abandonar aquilo que já criara raízes dentro de si.

Dr. Silvério desejava que ele seguisse a Medicina, dando continuidade ao trabalho que ele desenvolvia com grande devotamento. Zezinho reconhecia que atendendo ao desejo de seu pai estaria dando provas da admiração que lhe devotava. Sabia que isso lhe daria uma grande satisfação.

Com o progresso que se fazia em Santos, que já contava com um transporte coletivo que ia até as praias, as famílias que residiam no centro da cidade começaram a entusiasmar-se com a ideia de se transferirem para aqueles bairros. Dr. Silvério foi um dos pioneiros, construindo sua residência no José Menino. Um enorme casarão, estilo colonial, rodeado de enorme jardim onde flores variadas tornavam-no um encanto.

À semelhança da chácara dos Martins, a casa do dr. Silvério tornou-se ponto de encontro de pessoas amigas. As portas de sua casa, como as do seu coração, estavam sempre abertas a quem necessitasse de hospitalidade, principalmente os seus conterrâneos. Por esse motivo era chamado de "O consulado de Sergipe".

Com a continuidade das reuniões literárias, Martins Fontes foi se aprimorando cada vez mais na sua arte. Em 1896, em pleno arrebatamento de uma juventude agitada e idealista, lançou um pequeno jornal, A Metralha, que saía aos domingos. Logo depois, de parceria com Carvalhal Filho, fundou O Democrata. Ambos tiveram duração efêmera.


Sentados - o casal Silvério Fontes e seus filhos Velsírio ao centro, Alvaro e Belisa. Em pé, Martins Fontes e Elisa

Foto publicada com o texto, na página 13

Em 1900, por ocasião das comemorações do 4º centenário do descobrimento do Brasil, na inauguração do monumento da Praça da Biquinha, em São Vicente, ele, que não estava inscrito entre os oradores da solenidade, novamente surpreende a todos, lendo uma ode de sua autoria. Todos os discursos ali lidos estão encerrados numa urna na base do monumento.

Chegado o momento de transferir-se para o Rio de Janeiro, onde cursaria a Faculdade de Medicina, dr. Silvério embarcou com ele para a capital. Antes ele deveria fazer um curso preparatório no Colégio Alfredo Gomes.

Depois de tomadas todas as providências necessárias, Zezinho pediu ao pai que o levasse a Confeitaria Colombo, conhecida como ponte de encontro dos intelectuais. Isso aconteceu no dia 3 de janeiro de 1901 e Martins Fontes pôde conhecer pessoalmente seus ídolos: Olavo Bilac e Coelho Netto. Estimulado pela receptividade carinhosa que lhe deram, leu alguns de seus versos, que foram muito elogiados. Passou a conviver com Emílio de Menezes, Raimundo Corrêa, Guimarães Passos, Aloísio de Azevedo, Bastos Tigre, Goulart de Andrade, Olegário Mariano, Oscar Lopes, Augusto Maia e outros. Com essa convivência desenvolveu-se nele, com maior fidelidade, a inspiração poética.


O poeta, acompanhado de seu amigo Oscar Lopes - Paris, 1905

Foto publicada com o texto, na página 15

Apesar de muito jovem ainda, passou a ser considerado, pelos novos companheiros, como um dos valores que viria enriquecer o patrimônio cultural do nosso país.

Dono de um magnetismo excepcional, de um carisma que a todos encantava, transformava os que o rodeavam em uma plateia atenta, sequiosa de absorver toda beleza que emanava de seus versos.

Ingressando na Faculdade de Medicina, revelou-se um aluno brilhante. Bastante responsável, conseguia uma perfeita harmonia entre o estudo e a poesia. Estabelecia horários e limites.

Tornou-se o orador da turma em todas as oportunidades. Quando realizou-se o 1º Congresso Internacional de Estudantes Americanos, em Montevidéu, ele, juntamente com Maurício Lacerda, foram escolhidos para serem oradores oficiais. Apesar de discorrerem sobre temas diferentes, ambos dominaram a assistência. A riqueza de seu vocabulário impressionava a todos. Citava datas e fatos com precisão absoluta.

Passou a escrever para vários jornais e revistas. Contava com o apoio total de Olavo Bilac. Quando alguém dizia que Martins Fontes era um exagerado, Bilac protestava dizendo ser o exagero a característica primacial do jovem poeta. Na verdade, o que alguns qualificavam como exagero, era esplendor, exuberância. Ele era absolutamente autêntico. Temperamento apaixonado, amava a vida, o belo. Costumava dizer: "Só não ama a terra quem não a compreende. Ela é harmonia, exemplo de trabalho, ela é lição de ventura".

Conversava muito com Bilac, sobre as belezas do Universo. Esse grande amigo dava-lhe muitos conselhos e orientações. Certo dia escreveu num álbum de Martins Fontes essas palavras: "Ama a tua arte sobre todas as coisas e tem a coragem que eu tive, de morrer de fome para não prostituir o teu talento".


Fontes, em companhia do ator Leopoldo Fróes e do poeta Goulart de Andrade

Foto publicada com o texto, na página 16

Quando Martins Fontes começava a falar, fazia-se silêncio total. Era realmente um iluminado. Suas palavras assemelhavam-se às luzes que dominam as sombras.

Bilac dizia: "Temos que aceitar Martins Fontes como ele é. O seu entusiasmo assume proporções gigantescas. O seu verso é espontâneo e nobre, generoso e simples, piedoso e purificador. A Poesia é a sua febre, o delírio de suas horas".

Martins Fontes amava o perfume e se inebriava com o que fluía da natureza, bem como o que vinha da essência química. Seus sentidos eram muito apurados. Quando tomava um bom vinho, o fazia lentamente apreciando com real paladar.

A ideia universal da fraternidade humana o empolgava. Dizia sempre: "Amar, conhecer e servir a Humanidade é o interesse de todo homem. Amemos".

Ninguém exaltou tanto o Universo como ele. Usava um fraseado admirável, de uma riqueza assombrosa. Foi um dos maiores defensores da língua portuguesa.

Martins Fontes chega ao final do curso na Faculdade de Medicina e aos 30 de março de 1908 defende a tese de doutoramento "Da imitação em síntese", com grande brilhantismo, sendo aprovado com o grau 10. O sucesso de sua tese foi tão grande que uma editora resolveu publicá-la. Apesar do grande número de exemplares, rapidamente se esgotou.

Ele estava tão adaptado à vida do Rio de Janeiro que se sentiu triste por ter de deixá-lo. Lá estavam os amigos que tanto amava, as rodas literárias que alimentavam o seu ideal de poeta. Contudo, ele reconhecia que devia voltar ao carinho de seus familiares, a quem amava com verdadeira idolatria.


Rosinha, Evelina Alca e familiares

Foto publicada com o texto, na página 17

Chegou em Santos vitorioso, trazendo nas mãos o diploma conquistado com galhardia. Na sua bagagem, além dos livros, os manuscritos de suas poesias, já suficientes para editar o seu primeiro livro.

Dr. Silvério, porém, foi taxativo ao dizer-lhe que com poesias ele não pagaria as contas do armazém. Que guardasse no fundo da gaveta a sua lira romântica e adquirisse, o quanto antes, um termômetro profissional.

Martins Fontes decidiu voltar ao Rio de Janeiro e ali iniciar o seu trabalho como médico.

Começou a trabalhar no Hospital dos Alienados, na clínica do dr. Juliano Moreira. Dedicava o melhor de si em suas atividades. Talvez por esse motivo, foi convidado a participar da Comissão do Engenheiro Bueno de Andrade, que partia para o Acre, onde um trabalho árduo os aguardava. Até mesmo a viagem foi muito penosa e feita em duas etapas. A primeira, num navio do Lloyd que partiu de Santos com destino a Manaus, viagem um tanto demorada por parar em todos os portos. A segunda, numa embarcação chamada "gaiola" que, vagarosamente, subiu o Rio Amazonas e o Rio Juruá até chegar ao Acre. Aquele território encontrava-se em total primitivismo. Apesar do desconforto das acomodações, Martins Fontes enfrentou o trabalho e as dificuldades de vida, com coragem e entusiasmo. Adquiriu grandes conhecimentos e publicou um importante estudo sobre higiene rural.

Como ganhava bem, pôde ajudar seu pai que passava por dificuldades financeiras. Ficava apenas com o necessário para seu sustento e o restante enviava ao dr. Silvério que, a princípio, não queria aceitá-lo, mas acabou cedendo à insistência do filho, o que lhe foi de grande valia.

Ali permaneceu durante dois anos. Não suportando mais esse exílio, decidiu retornar ao Rio de Janeiro.

Foi designado como chefe da Assistência Escolar da Prefeitura. Trabalhou também ao lado do grande sanitarista dr. Oswaldo Cruz, com quem aumentou consideravelmente os seus conhecimentos. Como seu auxiliar, tornou-se muito querido por ele.

Mas a saudade da família o atormentava. Decidiu retornar a Santos. Aos 20 de dezembro de 1910 começou a trabalhar na Santa Casa de Misericórdia como diretor da Enfermaria de Tuberculosos. Fazia de seu trabalho um sacerdócio. Logo foi solicitado por outros hospitais, pois já adquirira um bom nome como médico, cujo talento e humanitarismo eram insuperáveis.


Verão - o primeiro livro de poesias de Martins Fontes

Foto publicada com o texto, na página 18

Montou o seu consultório particular e logo formava uma grande clientela. Conquistava a todos com sua maneira afável, bondosa, sem qualquer preconceito. Por se um sábio, era notadamente humilde. Com sua bela figura, cabelos ondeados emoldurando um rosto terno e meigo, irradiava luz que jorrava de seu coração e beleza interior.

Com palavras dotadas de encanto e esperança, confortava os que se achavam angustiados. Podemos dizer que era também um médico de almas. Ele cultivou no superlativo todas as boas qualidades.

Nele se plasmaram, numa harmonia maravilhosa, as personalidades paterna e materna. Como seu pai, possuía espírito de luta, de tenacidade, posto em prova em momentos difíceis de sua vida. A mesma rigidez de caráter, a nobreza de sentimentos, entre os quais se destacava a defesa dos menos favorecidos e a luta pela justiça social.

De sua mãe herdou a bondade, a compreensão,a maneira de amar, estendendo a tudo e a todos esse sentimento que é a alavanca do mundo. D. Bebé tinha uma extraordinária capacidade de servir, de doar-se aos seus semelhantes. Martins Fontes assimilou todas essas qualidades. Ele costumava dizer: "Tudo que sou, à minha mãe o devo. Tudo, tudo que sei, devo a meu pai".

Apesar de ter a maior parte de seu tempo absorvido pelo trabalho profissional, não descuidava de sua vida social. Frequentava o Clube Internacional de Regatas, onde sua presença tornava o ambiente alegre e descontraído. Gostava de pilheriar com os amigos. Tinha sempre uma anedota aflorando nos lábios. Ia também ao Clube XV. Ali ele encantava o elemento feminino com a beleza de seus versos. Ele costumava dizer: "Foi no Clube XV que me tornei poeta, porque, precisamente num dos seus bailes fidalgos, fiz a minha primeira declaração enamorada".

Esse clube era frequentado por muitos intelectuais que chegaram a fundar um jornal, A Luva, por iniciativa do poeta Freitas Guimarães, Azevedo Junior e João Baptista Coelho.

Como grande intelectual que era, Martins Fontes recebia muitos convites para conferências e palestras. Certa vez, foi convidado pela Associação dos Antigos Alunos do Ginásio Santista. Ele discorreu com brilhantismo sobre Olavo Bilac, porém, numa daquelas suas atitudes imprevisíveis, acabou declamando a poesia A alvorada do amor, inspirada na expulsão de Adão e Eva do paraíso, o que deixou profundamente escandalizados os Irmãos Maristas e os católicos presentes.

Mas em Martins Fontes tudo era desculpável, o episódio foi esquecido e algum tempo depois ele retornou a essa sociedade para proferir uma conferência com o título "O que os cegos veem", sendo bastante aplaudido. Durante algum tempo, ele participou da Agência Americana, empresa fundada em 1911, no Rio de Janeiro, por Olavo Bilac e De Ambrys. Essa firma tinha como finalidade manter um serviço telegráfico, de informações comerciais do exterior, sobre negócios de café. Havia filiais em todo o mundo. Tinha como companheiro Eduardo Machado. Seu pai muito colaborou com eles. Mas não durou muito essa empresa, que logo encerrava suas atividades.

Eduardo Machado e Martins Fontes resolveram reiniciar um trabalho semelhante com o nome de Agência Sul Americana e, aconselhados por Bilac, fizeram as modificações necessárias para se desvincularem da matriz. Apesar do sucesso que vinham obtendo, Martins Fontes, que dizia não ter nenhuma inclinação para negócios, vendeu sua parte para um amigo. Mas a verdadeira causa dessa transação foi o desejo que ele tinha de não se afastar de sua clínica, onde, a seu ver, era mais necessário.

Seu talento como médico era conhecido em toda a parte. Em 1912, foi convidado pelo dr. Arnaldo de Carvalho para ocupar a cadeira de Fisiologia na Faculdade de Medicina de São Paulo. Preso a muitos compromissos em sua cidade, não pôde aceitar o convite.

Aos 11 de abril de 1913, inaugurava-se o Hospital do Isolamento e ele passou a fazer parte da equipe médica chefiada pelo dr. Guilherme Álvaro.


Os recém-casados Marina Jordão de Magalhães Santos Silva e o dr. Hugo Santos Silva, junto ao amigo Martins Fontes

Foto publicada com o texto, na página 19

Em 1914, sua vida sofreu uma grande mudança. Encontrava-se hospedado num hotel do Guarujá o sr. Domingos Netto, empresário, grande fazendeiro, acompanhado de sua esposa d. Anna, ambos com sérios problemas de saúde. Martins Fontes foi solicitado para dar-lhes a necessária assistência. O sr. Domingos Netto tinha problemas cardíacos, mas sua esposa apresentava sintomas do Mal de Hansen. Martins Fontes sugeriu que eles fossem para a Europa, onde havia uma possibilidade de cura para Donana. Ela relutou em aceitar o conselho dado pelo médico, mas acabou concordando com a ideia, impondo porém uma condição. Que Martins Fontes os acompanhasse como médico particular da família. Ele alegou os compromissos tanto profissionais como com a família. Donana manteve-se irredutível e, como sempre, o coração bondoso do médico falou mais alto que a razão e decidiu acompanhá-los.

É bem verdade que a ideia de retornar à Europa era recebida com alegria. Ele ali estivera em 1905, em companhia de Oscar Lopes, o que o deixou verdadeiramente encantado. Alma de artista, percorreu museus, praças e livrarias. Frequentou os mais famosos teatros, conhecendo de perto tudo que sua alma de artista podia assimilar, aumentando ainda mais o seu arrebatamento pela arte.

Dessa convivência com a família de Netto, nasceu entre ele e Ana Luiza, a Nicota, dileta filha do casal, um afeto muito grande. Decidiram casar aos 30 de março. Outros fatos vieram muar novamente o rumo de sua vida. É deflagrada a 1ª guerra mundial. Logo depois o sr. Domingos vem a falecer.

Martins Fontes, preocupado com a família tão distante, resolveu voltar para o Brasil. A princípio houve uma troca intensa de cartas entre ele e Nicota. Mas elas foram se espaçando, o calor daquele afeto foi desaparecendo. Na verdade, Martins Fontes já se apaixonara outras vezes, mas com a mesma facilidade com que se apaixonava, esquecia seus efêmeros amores. Talvez nem fosse amor o que ele sentia por ela. Era apenas uma amizade nascida daquele convívio diário, da preocupação que tinham com o estado de saúde de Donana. No coração do médico e poeta eram tantos os sentimentos que, o que ele julgava ser amor, talvez fosse um sentimento de solidariedade.

No dia 19 de setembro de 1915, Martins Fontes chega em Santos. A notícia de sua permanência definitiva foi noticiada pelo jornal A Tribuna.

Logo foi designado como diretor do Serviço Sanitário, anexo ao Hospital do Isolamento, passando a residir numa casa dentro do seu terreno. Foi aí que ele hospedou seus grandes amigos, Coelho Netto, Goulart de Andrade e João Luso, a quem ele dedicou o famoso soneto Como é bom ser bom, frase que se tornou símbolo de altruísmo, filantropia e dedicação ao próximo.

Nessa época, dois cafés existentes no Largo do Rosário eram ponto de encontro dos intelectuais da cidade. Em um deles, a roda jovem - Afonso Schmidt, Paulo Gonçalves, Fábio Montenegro, Thales de Mello, Ribeiro Couto, Álvaro Augusto Lopes, Corrêa Junior, Galeão Coutinho, Cleóbulo Amazonas Duarte, Arquimedes Bava, Antonio Cazal, Gonçalves Leite, Cleómenes de Campos, Albertino Moreira e Mariano Laet Gomes -, do qual Martins Fontes passou a participar. No outro reuniam-se os intelectuais já maduros: Vicente de Carvalho, Alberto Souza, Waldomiro Silveira, Agenor Silveira e Heitor de Moraes, que tratavam os jovens com ares paternais e benevolentes.


Capa do livro Paulistania

Foto publicada com o texto, na página 20

A vida de Zezinho prosseguia, dividindo-se ele entre o trabalho profissional e o culto à Poesia.

Em 1916, nova mudança em sua vida!... Encontraria finalmente a sua alma gêmea e o amor verdadeiro se instalaria em definitivo no seu coração. Ele vem a conhecer Rosa Marquez de Moraes, uma adolescente de grande beleza, cabelos longos divididos em duas tranças. Era filha de espanhóis residentes em São Paulo, mas constantemente vinha passar temporadas em Santos, em casa de amigos. Certo dia em que ela se encontrava num bonde, em companhia de amigas, Zezinho avistou-a e ficou encantado. Foi um autêntico caso de amor à primeira vista. Seguiu-a até a casa onde estava hospedada, apresentou-se à família e declarou-se apaixonado pela jovem.

Martins Fontes era um intempestivo que muitas vezes surpreendia os que o rodeavam, com suas decisões rápidas e entusiásticas. Ele passou a visitá-la em São Paulo, mas a família não concordava com o namoro. Presos a preconceitos vigentes à época, sabendo que ele fora casado, não aceitavam aquele amor tão grandioso. A diferença de idade os preocupava. Ela estava com 14 anos, ele com 32. Mas eles lutaram com determinação e, dominados pelo grande amor que os unia, decidiram viver juntos.

Martins Fontes, consciente do seu estado civil, bastante honesto em suas atitudes, por imposição de sua consciência embarcou para a Europa, pediu o desquite a Nicota, o que foi feito amigavelmente.

Essa viagem obrigou-o a despesas inesperadas e, não podendo montar uma casa, Rosinha e Zezinho foram residir em casa de Madame Alca, criatura boníssima, que os recebeu com muito carinho. Foi uma segunda mãe para Rosinha. Eles passaram a viver numa verdadeira simbiose de almas e corações. Ela foi a companheira ideal, compreensiva e dedicada.

Em 1917, Martins Fontes conseguiu publicar o seu 1º livro, Verão, editado nas oficinas gráficas do Instituto D. Escolástica Rosa, financiado pelo seu amigo Hugo Maia.

Em 1918 surge a gripe espanhola e ele foi de uma dedicação imensa no combate a essa epidemia. Incansável, atendia principalmente os moradores do Macuco e Campo Grande, onde a falta de recursos era notória.

Quando sua situação financeira melhorou, no natural desejo de terem seu próprio lar, foram residir em uma vila de casas, no local onde hoje encontra-se a Estação Rodoviária. Isso facilitava as suas idas à Santa Casa.

Passado algum tempo, construíram uma casa na Av. Pinheiro Machado, num terreno cheio de árvores frutíferas. Mas não foi a residência definitiva.Compraram um bangalô novo na Rua Joaquim Távora, 68, onde ele ficou até o final de seus dias.

Na edícula no fundo do terreno, em cima da garagem e quarto de empregada, eles construíram uma enorme sala que ele apelidou de "Capela". Era ali que ele se isolava para compor seus versos. Era o ambiente propício para a alma do poeta. Muitos livros, retratos de pessoas queridas, objetos de arte. Sobre a mesa de trabalho, o retrato do dr. Silvério, que ele beijava com carinho, e também do amigo Goulart de Andrade.

Por estar ao lado da Beneficência Portuguesa, muito facilitou a sua ida a esse hospital. Ele tinha um grande carinho por ele. Talvez, em sua presciência, previa que ali cerraria os olhos para esse mundo.

Reconhecendo os relevantes serviços, a dedicação e amor a essa casa hospitalar, existe no saguão da entrada uma placa de bronze com esses dizeres, redigidos pelo seu inseparável amigo, dr. Hugo Santos Silva: "Nesta casa, honrando-a, trabalhou como médico Martins Fontes".


Mãe e filho - Martins e Dona Bebé

Foto publicada com o texto, na página 21

Apesar do seu trabalho profissional absorver grande parte de seu tempo, ele não deixava de escrever, de dar asas à imaginação poética.

Em 1922, quando surgiu o Movimento de Arte Moderna, Zezinho foi totalmente contra os seus objetivos, com relação à arte poética. Ele não admitia a poesia livre, sem rima, sem métrica.

Apesar desse seu posicionamento, ele não entrou em conflito com seus participantes. Tinha uma grande amizade por Guilherme de Almeida e Menotti Del Picchia. A amizade, para ele, era uma religião da qual era o mais fervoroso adepto.

Martins Fontes foi convidado a ocupar uma cadeira na Academia Paulista de Letras, cujo patrono era Vicente de Carvalho, porém, declinou desse honroso convite. Foi correspondente da Academia de Ciências de Lisboa, desde 1924. Até hoje seu nome é muito lembrado e respeitado em Portugal.

Em razão de seu espírito dinâmico, quiseram atraí-lo para a política. Em setembro de 1926 organizaram um movimento com o objetivo de lançar sua candidatura à Câmara Federal, como representante de São Paulo. Mas ele não aceitou.

Quando Carlos de Campos era governador de São Paulo, indicou-o como representante de sua cidade na Assembleia Legislativa. Houve um desentendimento entre alguns dirigentes do partido que achavam que Martins Fontes era apenas um intelectual e não um político e a ideia não vingou. Mas a verdade é que ele não se deixara entusiasmar com a ideia de ser deputado.

Em 1928 ele sofre um grande golpe com a morte do dr. Silvério. Não perdia apenas o seu idolatrado pai, mas também o mestre, o amigo, seu maior ídolo. Aos 30 de agosto de 1929, fez a doação da biblioteca de seu pai para a Sociedade Humanitária dos Empregados no Comércio de Santos.

Em 1930, quando o dr. Julio Prestes foi eleito presidente da República, ele foi convidado para fazer parte da comissão que o acompanharia numa viagem ao exterior. Mas a revolução que eclodiu e depôs o dr. Washington Luiz, impediu a posse de seu substituto. Por ser seu amigo e correligionário, sofreu duras perseguições, sendo destituído do cargo de delegado de Saúde, o que lhe acarretou sérias dificuldades financeiras. Mais tarde, quando o professor Almeida Prado foi nomeado secretário de Educação, reconduziu-o ao seu antigo posto.

Em 1932, quando houve a Revolução Constitucionalista por iniciativa dos paulistas, Martins Fontes sofreu muito pelas injustiças cometidas contra o seu Estado. Isso tornou-se fonte de rica inspiração, compondo poesias patrióticas, de um civismo comovente.

Em 1933, ele colaborou no jornal O Bandeirante, fundado por Modesto Roma, mas que, por falta de recursos teve duração efêmera.

Martins Fontes foi um filho exemplar. Após a morte de seu pai, ele passou a preocupar-se mais ainda com sua mãe d. Bebé. Visitava-a todos os dias antes do almoço e não dormia sem pedir a sua bênção pelo telefone.

Desdobrava-se em carinho e cuidados com sua amada Rosinha. Ela, por sua vez, fazia do seu lar o lugar de paz que ele necessitava, depois de enfrentar o dia de árduo trabalho como médico. Ela não deixava que nada viesse a perturbar ses momentos de concentração literária.

Ele era de uma humildade edificante. Recebeu importantes condecorações, mas não as usava, nem fazia alarde dessas conquistas.

Ia diariamente à Sociedade Humanitária, onde viveu momentos gloriosos, não apenas atendendo os que o procuravam como médico, mas vivendo horas de encantamento na Biblioteca, o seu mundo, onde figuravam os livros de seu amado pai.


De Pierrot, como se apresentou na peça de sua autoria Arlequinada

Foto publicada com o texto, na página 22

Ele tinha horror à morte, apesar de conviver tanto com ela. Abominava a decadência física e muitas vezes chegou a dizer que desejava morrer moço.

Lamentavelmente, isso aconteceu.

No dia 18 de junho de 1937, um sábado, após ter pedido ao seu barbeiro que lhe extraísse um pelo encravado, logo abaixo do pescoço, iniciava-se um processo infeccioso que se tornaria fatal. No domingo amanheceu febril. Na 2ª feira, mesmo não se sentindo bem, atendeu a todos os compromissos. Na 3ª feira chegou a sair de casa para as habituais visitas aos hospitais, mas, sentindo-se mal, voltou para casa. Rosinha, muito aflita, chamou seus colegas e amigos íntimos, dr. Santos Silva e dr. Ranulpho Prata. Diante da gravidade do caso, eles sugeriram que fosse levado para a Beneficência Portuguesa, mas ele não concordou. Dr. Santos Silva ali permaneceu, dormindo num colchão ao lado da cama do querido amigo. A infecção já estava incontrolável, apesar dos esforços dos colegas.

Foi solicitada a presença de uma junta médica de São Paulo. Só na 6ª feira, Martins Fontes concordou em ser transferido para o hospital. Ali entrava, não como médico alegre, todo de branco, com uma flor na lapela, espalhando luz e alegria ao seu redor. Entrava como um paciente, irremediavelmente condenado por uma septicemia.

A impiedosa infecção destruiu uma criatura sempre tão saudável, no vigor de seus 53 anos, em plenitude de trabalho profissional e literário.

No dia 25, um sábado, ele cerrava os olhos para o nosso mundo, para renascer para a vida eterna e indestrutível da Espiritualidade.

Sua passagem pela terra foi um exemplo de vida. Cultivou a arte de curar no campo da Medicina, das Ciências Médicas, e engrandeceu-se no campo da Literatura, deixando-nos um valioso patrimônio cultural.

Martins Fontes não foi apenas poeta, foi também prosador, conferencista, teatrólogo e ator. Como tal, colocava sua alma vivendo o personagem numa entrega total.

Santos silenciou diante da grande perda. Em silêncio desfilaram milhares de pessoas diante da câmara ardente armada no salão nobre do hospital onde tanto trabalhou, tanto amou e onde, cercado pelo carinho de muitos, expirou.

O féretro saiu no domingo de manhã, acompanhado por uma multidão incalculável até ao Cemitério do Paquetá. Todas as providências foram tomadas às expensas da Prefeitura, por ordem do prefeito dr. Antonio Iguatemy Martins. O sepultamento foi feito no jazigo 20, campa 308.

Todos os intelectuais da época manifestaram-se com palavras de pesar pelo seu desaparecimento. A emoção causada pela morte de Martins Fontes percorreu o Brasil inteiro, com manifestações realmente comovedoras.

Passados 67 anos de seu desaparecimento, ele é lembrado com carinho por todos os santistas.


Livro com poesias que homenageiam os grandes compositores da música clássica

Foto publicada com o texto, na página 23

Ele não foi apenas o médico exemplar, que não deixava de comparecer à cabeceira dos enfermos que necessitavam de sua assistência, a qualquer hora do dia ou da noite.

Como ser humano possuía todas as qualidades que enobrecem o homem. Tratava a todos da mesma maneira, sem fazer distinção entre ricos e pobres, brancos e negros, humildes e poderosos. Não tinha apego aos bens materiais. Gastava o que tivesse nos bolsos, para ajudar os menos favorecidos. Além de não lhes cobrar a consulta, dava-lhes o necessário para adquirirem os medicamentos que receitava.

Como poeta, deixou versos que caem como um bálsamo em nossos corações. Neles vemos uma constante exaltação à beleza e à bondade.

Tinha um culto devotado à música clássica e grande afinidade com Beethoven. Tito Marcondes definiu essa semelhança ao dizer: "Martins Fontes conseguiu ser um Beethoven em verso".

Ele conseguiu uma harmonia admirável entre o homem, o médico e o poeta. Eles se completavam, jamais entrando em conflito.

Podemos dizer com segurança que ele foi um iluminado, predestinado a espalhar beleza e luz pelos caminhos que percorria.

De tal maneira ele se perpetuou na memória dos santistas, que podemos afirmar: Martins Fontes não morreu! Ele viverá eternamente no coração de todos que conhecem sua vida, em especial, daqueles que tiveram a ventura de conhecê-lo.


Foto publicada com o texto, na página 24