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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - POETA DO MAR
Vicente de Carvalho (14)

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Vicente de Carvalho foi assíduo colaborador da revista paulistana A Cigarra, que lhe prestou várias homenagens, como registrou em suas páginas (revistas preservadas no Arquivo do Estado de São Paulo - acesso em 24 e 25/10/2011 - ortografia atualizada nestas transcrições):
 
A Cigarra - Ano 3/nº 60 - 15 de fevereiro de 1917 - página 20:

Vicente de Carvalho – Poemas e Canções

Não é sem um legítimo sentimento de orgulho que Vicente de Carvalho, o primoroso poeta e escritor patrício, que nós tanto admiramos e amamos, vê, decerto, entrar no prelo a terceira edição do seu belíssimo livro Poemas e Canções. As primeiras tiragens, aliás muito elevadas, esgotaram-se por completo e, havendo uma procura insatisfeita desse maravilhoso escrínio de poesias, foi preciso pensar em fazer nova impressão, apesar de todas as dificuldades do momento.

É justíssima essa curiosidade do público. O livro de Vicente de Carvalho foi um autêntico sucesso tanto no Brasil como em Portugal, um desses acontecimentos literários que raras vezes se repetem. Cresceu o número de admiradores do grande poeta porque cada um que leu qualquer das suas admiráveis composições se converteu logo num apóstolo convicto das suas glórias. É a melhor das recomendações, porque vem da espontaneidade que nasce do coração e é sincera.

Foi, portanto, uma boa ideia essa, que se anuncia, de reeditar a obra magnífica de Vicente de Carvalho. Era uma necessidade também, tão numerosos e insistentes se tornavam os pedidos.

Os amigos da arte, no que ela tem de mais inspirado e emocional, regozijam-se, como A Cigarra, com mais esse triunfo do nosso ilustre conterrâneo e esperam ansiosamente a nova edição dos Poemas e Canções que deve aparecer, nas livrarias, nos princípios do ano vindouro.

A Cigarra - Ano 4/nº 64 - 18 de abril de 1917 - página 28:


Imagem: reprodução da página com o texto original

Vicente de Carvalho

O grande poeta fez anos este mês. Muitos intelectuais e pessoas gradas da sociedade paulista foram à sua residência a fim de saudá-lo. Vivente de Carvalho, porém, tinha-se retirado de véspera para o seu sítio do Indaiá, na Bertioga, em Santos, para, na convivência do mar, sentir melhor o descanso desse dia, cheio de gratas recordações.

De nada valeu ao mavioso cantor dos Poemas e Canções, ao radioso lírico da Rosa, rosa de Amor…, essa escapada aos cumprimentos afetuosos de seus inúmeros admiradores. No dia de sua festa, daqui partiram, alvoroçados e sobraçando corbelhas e flores, muitas famílias e amigos, que em Santos se juntaram a outras, formando uma grande procissão de afetos e indo surpreender o poeta na modéstia do seu retiro, na companhia da dedicada esposa e dos seus filhos. A aparição súbita desse grupo de forasteiros alegrou sobremodo a alma do soberano artista do verso, se bem que na comoção desse sentimento se evidenciasse o enleio por tão cativante demonstração.

Vicente de Carvalho era merecedor dessa homenagem. Para os seus amigos e admiradores, a data do seu aniversário não podia passar sem esse preito. Vicente de Carvalho tem sido um glorioso paladino da alta poesia. A sua musa, penetrada de uma grande doçura e de um forte sentimento contemplativo, já nos deu, em rimas de ouro, o espetáculo da vida, no que ela tem de fragrante, de primaveril, de vivo fulgor. A verdadeira poesia tem tido nele um cultor de notáveis qualidades. A voluptuosidade, a embriaguez, o êxtase de amor, deram-lhe inspiração para os mais extraordinários versos.

Por seu turno, o mar seduziu-o de uma vez. É o grande libertino exercendo um grande poder sobre esse portentoso cérebro, a que a Arte conferiu sonhos que encantam, ilusões que são o consolo dos predestinados.

Enfim, a mãos cheias, o ilustre poeta tem distribuído pela sua terra as mais delicadas flores, as mais finas delicadezas da sua alma de artista excelso. Por isso, o povo ama-o. É o seu poeta querido, porque lhe canta a verdadeira canção da vida, no que ela tem de melhor.

Folheai os livros do poeta com religioso interesse. Meditai bem naqueles pensamentos sublimados e, ao cabo, vós encontrareis no perfume de toda a sua grande obra a essência de uma alma que paira nos cimos luminosos do gênio. A Vicente de Carvalho, a quem A Cigarra tributa uma forte gratidão, mercê da sua inestimável colaboração, os nossos mais entusiásticos prolfaças. (N.E.: prolfaça = parabéns, congratulações. Vem de uma antiga expressão, "prol faça" ou "faça prole", em desuso).

A Cigarra - Ano 4/nº 67 - 31 de maio de 1917 -  página 15:


Imagem: reprodução da página com o texto original

Vicente de Carvalho

Tal é o prestígio dos grandes nomes que em toda a parte e sempre eles se impõem e não podem ficar no esquecimento. O de Vicente de Carvalho é desses. A bem dizer, o seu nome soa constantemente, como a mais grata melodia, ao ouvido dos seus inúmeros admiradores e leitores, esse público sem conta que a sua arte conserva sempre numa estática adoração de beleza espiritual. E esse número aumenta porque a sua obra admirável, como essas misteriosas sementes, levadas pelo vento e espalhadas aos quatro cantos do mundo, floresce, cada dia, em novas maravilhas. São novos admiradores que surgem, cegos pela mesma fascinação, e novos amigos que comungam, no seu espírito, a hóstia divina da mesma emoção e do mesmo divino prazer.

Os seus Poemas e Canções, publicados em duas edições, rapidamente se esgotaram – fato notável na literatura luso-brasileira e notabilíssimo, hoje, nestes tempos de caça ao lucro e de comodismo banal, em que os espíritos dificilmente conseguem desferir voo para as misteriosas mas iluminadas regiões do ideal.

Esse fato é sintomático do valor da sua obra. É que a semente de beleza é pujante e se alastra constantemente, formando novos jardins.

Agora, para satisfazer pedidos insistentes, vai reaparecer, aumentada de novas produções, essa obra magnífica em terceira edição. Não demorará muito nas estantes dos livreiros, como não fica muito tempo nas montras de uma joalheria o fio precioso de pérolas ou o diadema de diamantes, límpidos e cheios de luz.

É que nesse livro, cujo novo aparecimento desde já saudamos, palpita toda a bela alma de Vicente de Carvalho, todo o seu carinho pela forma, toda a sensibilidade cromática do seu temperamento de artista, toda a sua maravilhosa estesia que é dele, que é única e inimitável, mas que funde toda a magnificência da nossa terra virgem, do nosso céu deslumbrante, do nosso mar imenso, toda a meiguice da nossa paisagem e toda a melancólica saudade do nosso povo, amassado de grandeza, bondade e amor. Esse livro é bem um símbolo e um reflexo de almas e, melhor ainda, da sua alma, cheia de sonhos e feita de luz.

Aproveitando o auspicioso aparecimento dessa nova edição e, para bem dizer, desse novo triunfo, os amigos e admiradores de Vicente de Carvalho projetam-lhe uma quente e afetuosa demonstração de simpatia. Para isso, oferecer-lhe-hão o seu busto em bronze, obra também de um artista que nele deixou toda a sua técnica de modelagem, todo o rigor de uma semelhança exata, toda a inspiração da sua mente privilegiada e feliz. Esse busto – saído do escopro hábil e fecundo de W. Zadig – é digno do grande mestre a quem se quer honrar.

A significativa homenagem há de ser sensível ao coração de Vicente de Carvalho. Ela provará que não há modéstias que consigam alheá-lo do convívio fraternal das almas e há de mostrar-lhe o muito que lhe querem e o muito que o admiram todos os seus contemporâneos.

Mas também é justa essa homenagem que a maior sinceridade e afeto revestem. A nova edição dos seus maravilhosos Poemas e Canções não podia deixar de ser saudada como um novo triunfo, e esse triunfo é daqueles que não custam sacrifícios de sangue aos triunfadores.

Saudemos, pois, o glorioso mestre, o insigne poeta, o inimitável artista da melodia e do ritmo, o cantor das nossas almas, o criador de imortal beleza, honra e glória da nossa terra.

A Cigarra associa-se, jubilosa, a essas homenagens ao extraordinário artista do verso.


Busto de Vicente de Carvalho, executado pelo escultor William Zadig

Imagem publicada com a matéria

A Cigarra - Ano 4/nº 68 - 14 de junho de 1917 -  páginas 25 e 26:


Imagem: reprodução parcial da página com o texto original

Vicente de Carvalho

Imponentes homenagens ao grande poeta – Almoço no Trianon – Recepção na faculdade de Direito – Sarau d'A Cigarra

Poderiam ser mais triunfais as coroações dos grandes vates helenos, em fim de jogos florais, nos degraus de mármore do Parthenon ou nos declives suaves da Acrópole, mas não foram talvez nunca tão sinceras nem tão afetuosas como a festa dedicada domingo e segunda-feira últimos ao nosso glorioso poeta Vicente de Carvalho. E foi talvez esse caráter de carinho e espontaneidade que mais lhe realçou o brilho e mais profundamente deve ter comovido o consagrado autor dos Poemas e Canções.

A essa manifestação associou-se, com efeito, o que em S. Paulo e Rio existe de mais ilustre no mundo das letras e a melhor sociedade paulistana e santista, em homenagem fervorosa ao mestre insigne que, por viver sempre esquivo a demonstrações e quase alheio ao convívio dos seus contemporâneos, em recatada modéstia, nem por isso deixa o seu nome de brilhar, bem alto, com o resplendor dos eleitos, dos poucos que têm um público e formaram uma escola, cujo mais sólido alicerce é o bloco da sua obra, de uma bela obra que há de ficar na história como das mais firmes e mais perfeitas na literatura luso-brasileira dos últimos séculos.

Não houve grandes aparatos nessa festa, que foi afinal, um autêntico triunfo. Mas não faltou a coroa de rosas à volta do seu busto, acabado e torneado bronze em que W. Zadig vazou a sua inspiração de artista e um sugestivo trabalho de técnica; não faltaram as camélias e violetas na mesa em que se celebrou, num afetuoso ágape, a amizade de muitas dezenas de distintas pessoas pelo excelso cantor das nossas paisagens e do nosso mar; não faltou, tampouco, o ritmo da música e da poesia no sarau promovido pel'A Cigarra, e que foi um magnífico sucesso.

Dentro desse quadro modesto de uma sincera homenagem que partiu de um pequeno grupo e irradiou depois num vasto círculo de admiradores e amigos, não era possível fazer-se melhor nem dar-lhe feição mais simpática, espontânea e sincera.

No almoço, que se realizou domingo, no Trianon, tomaram parte cento e vinte pessoas, e maior seria o número, se ocupações inadiáveis ou motivos especiais não impedissem o comparecimento dos muitos que tiveram de se escusar por telegramas e cartas.

Ainda assim, esse banquete foi um dos mais brilhantes, sem essa rígida cerimônia que estabelece o vácuo da frieza e diminui a expansão das almas.

A comissão organizadora não se poupou a esforços para que a festa estivesse à altura do grande poeta e foi incansável em proporcionar a todos os convivas o máximo bem-estar nessas horas que decorreram bem rápidas.

A vasta sala do Trianon apresentava o cunho festivo dos grandes dias. Pelas amplas vidraças entrava a claridade discreta do esplendor do sol que, lá fora, culminava a magnificência de um dia glorioso.

Sobre as mesas, em triângulo, cobertas de camélias, violetas e rosas, ressaía, na alvura dos linhos, o brilho dos cristofles e dos cristais, refletindo a luz – fidalga disposição do pessoal do arrendatário do Trianon que, de há muito, conquistou a fama de exímio organizador de festas e timbra manter em S. Paulo um estabelecimento, sob todos os pontos de vista, modelar.

O banquete correu na mais franca cordialidade e animação, sendo servido um delicado menu. Ao champanhe, levantou-se o sr. dr. Reynaldo Porchat, ilustre professor da Faculdade de Direito, e pronunciou um belo discurso, em que pôs toda a sua límpida inteligência de exímio escritor, toda a técnica de mestre da palavra e, sobretudo, toda a sua admiração e intensa amizade ao conterrâneo eminente, que, como ele, dignificou o seu berço e glorificou o nome do seu país natal.

O discurso do dr. Reynaldo Porchat é desses que se não resumem, porque não se pode fixar a faceta de um diamante sem que todo o incêndio de luz palpite na retina. É um estudo da obra de Vicente de Carvalho, travada magistralmente na sua vida emotiva e nas peripécias que lhe entreteceram a existência; trabalho de crítica, singularmente bem feito, sem dúvida o melhor e mais sugestivo que até hoje se escreveu sobre a individualidade literária do grande poeta, individualidade aparentemente tão simples, no fundo tão complexa, sem dúvida, porque é tão perfeita e tão bela como a sua grande alma de artista.

As palavras do dr. Reynaldo Porchat, frequentemente entrecortadas de aplausos, ouvidas com a emoção opressora que cativa e domina, foram, ao terminar, longamente, entusiasticamente coroadas de palmas.

Depois, Vicente de Carvalho, que tão habilmente maneja a sua prosa cristalina como burila o seu verso sem rival, agradeceu, em termos comovidos,numa pequena oração que foi também um primor de sentimento, de delicadeza e de afeto.

E – atenção gentil – o ilustre acadêmico, concluindo o seu discurso, fez distribuir por todas as pessoas presentes exemplares da nova edição dos Poemas e Canções, escrínio opulento de tantas maravilhas e que justamente dera ensejo à festa que os seus amigos lhe dedicavam, saudando assim o aparecimento dessa nova edição, a terceira, em poucos anos de intervalo, agora enriquecida de inéditas produções, de novas poesias. Em cada um desses exemplares, grafou Vicente de Carvalho o seu nome, num autógrafo precioso.

Saudaram ainda o ilustre poeta o dr. Heitor de Moraes, em nome da cidade de Santos, e o sr. Augusto Marinangeli, diretor da Associação da Infância Desvalida de Santos, a que o comovente cantor do Pequenino morto consagrou sempre o mais paternal carinho.

Dissolveu-se depois, lentamente, a reunião, sendo o homenageado acompanhado até a sua residência por numerosos amigos.

Segunda-feira realizou-se na Academia, que também quis trazer às homenagens a Vicente de Carvalho todo o comunicativo calor da mocidade estudiosa, uma recepção ao insigne mestre que ali conquistou os seus pergaminhos de jurista e magistrado. E essa reunião na vetusta Academia foi o que sempre foram ali todas as festas, uma carinhosa acolhida no meio da mais ruidosa expansão de moços e ensejo oportuno para se afirmar o patriotismo e as esperanças incontidas da geração de amanhã, filha dessa geração que produziu o grande cidadão e o excelso artista que era o homenageado.

Os bacharelandos Pereira Lima e Jairo Goes souberam interpretar, em belas e sinceras frases, todo o preito da juventude escolar, e Vicente de Carvalho, agradecendo a manifestação que recebia, recordou com muita emoção os velhos tempos e afirmou uma vez mais o eterno vigor do seu espírito sempre novo, em palavras quentes de nacionalismo e esperança.

À noite, coroando magnificamente todas as demonstrações, realizou-se, no Conservatório, o sarau literário-musical promovido pel'A Cigarra. Bem antes da hora marcada o amplo salão começou a encher-se, a encher-se tanto que, dentro em pouco, não havia mais um único lugar e muitas pessoas tiveram que ficar de pé, ocupando as entradas e alinhando-se nas passagens, junto às paredes. Raras vezes, ou nunca, se congregou tão distinta e numerosíssima assistência, que dava à grande sala um encanto realmente deslumbrante.

Começou a festa com uma parte musical, que foi muito apreciada. A senhorita Carmen Sibillo, possuidora de uma voz bem timbrada e extensa, cantou com muita arte a Ária e Cabaletta do Barbeiro de Sevilha, empolgando o auditório com a sua arte pormenorizada e estudada e com a sua interpretação cheia de emoção e ternura. Fez o acompanhamento ao piano o seu consagrado mestre professor F. Murino.

Em seguida, a conhecida e inteligente professora d. Olga Masucci Costabile executou, com admirável delicadeza, na harpa, instrumento que para ela não tem segredos, duas lindas peças de valor musical e de sugestivo efeito: Inverno, de J. Thomas e a Legende, de Godefroid, sendo, ao terminar, muito aplaudida.

Voltou de novo ao palco a senhorita Carmen Sibillo, que na Balata do Guarany, mais uma vez, fez jus aos aplausos de toda a assistência. Depois, o sr. Marçal Fernandes foi festejado na interpretação da Romanza da Africana.

Essa primeira parte do interessante programa foi encerrada pela insigne pianista e notável artista sra. d. Alice Serva que substituiu, à última hora, a sra. d. Antonietta Veiga de Assis Pacheco, impossibilitada de comparecer, por motivo de doença. Embora apanhada assim de surpresa, a sra. d. Alice Serva mereceu os mais justos aplausos e as mais inequívocas provas de admiração e de estima pela sua técnica extraordinária e pela perfeição com que interpretou os Sinos de Las Palmas e o Minueto e Valsa, de Saint-Saens.

Na segunda parte houve ainda dois belos trechos de música, tendo o distinto professor sr. Zaccaria Autuori executado no violino o Fraumerei de Schumann e a ária da Thais de Massenet.

Seguiram-se recitativos de versos de Vicente de Carvalho, ditos com graça e elegância pelos srs. drs. Andrade Maia, Armando Prado, Cyro Costa, Eurico de Goes, Paulo Setubal e Roberto Moreira. E assim terminou, sob a grata impressão da poesia e da música, a bela festa em homenagem ao grande poeta Vicente de Carvalho.

A Cigarra estampará em seu próximo número magníficos aspectos fotográficos dessas manifestações.


"Vicente de Carvalho, em 1892"

Imagem publicada com a matéria

 


"Vicente de Carvalho, em 1896"

Imagem publicada com a matéria

 


"Vicente de Carvalho, em 1902"

Imagem publicada com a matéria

 


"Última fotografia de Vicente de Carvalho" (N. E.: isto é, a mais recente então)

Imagem publicada com a matéria

A Cigarra - Ano 4/nº 69 - 28 de junho 1917 -  páginas 14, 20 e 21:


"HOMENAGEM A VICENTE DE CARVALHO – Um aspecto do almoço oferecido ao grande poeta Vicente de Carvalho, no salão do Trianon, para festejar o aparecimento da terceira edição do seu livro de versos "Poemas e Canções". Vê-se ao centro o homenageado, tendo à direita o dr. Candido Rodrigues, vice-presidente do Estado; ministros drs. Whitacker de Oliveira e Urbano Marcondes; à esquerda, os ministros drs. Xavier de Toledo e Primitivo Sette e dr. José Carlos de Macedo Soares."

Imagem e legenda publicadas na página 14

 


"HOMENAGENS A VICENTE DE CARVALHO – Grupo fotografado na noite em que se realizou o Quarto Sarau d'A Cigarra, no salão do Conservatório, em homenagem a Vicente de Carvalho, vendo-se, sentados, da esquerda para a direita: dr. Andrade Maia, exmas. sras. d. Olga Massucci Costabile, Alice Serva, dr. Vicente de Carvalho, senhorita Carmen Sibillo e dr. Eurico de Góes. Em pé: drs. Roberto Moreira, Paulo Setubal, Armando Prado, cav. F. Murino e dr. Cyro Costa."

Imagem e legenda publicadas na página 20

 


"HOMENAGENS A VICENTE DE CARVALHO – Ao centro, o dr. Vicente de Carvalho, cercado de estudantes por ocasião da sua visita à Faculdade de Direito de S. Paulo, onde lhe foi feita carinhosa recepção."

Imagem e legenda publicadas na página 20

 


"QUARTO SARAU D'A CIGARRA – Aspecto do salão do Conservatório, em a noite em que ali se realizou o Quarto Sarau d'A Cigarra, com uma assistência para cima de mil pessoas, em homenagem ao grande poeta Vicente de Carvalho, o qual se vê, sentado, na primeira fila, tendo à sua direita o dr. Candido Rodrigues, vice-presidente do Estado, e à suas esquerda o sr. Coronel Joaquim Montenegro, vice-prefeito de Santos e os ministros do Tribunal de Justiça drs. Octaviano Vieira e Primitivo Sette."

Imagem e legenda publicadas na página 21

 


"Uma canoa de pescadores arribando à Praia do Indaiá, na Bertioga, em frente da pitoresca vivenda de Vicente de Carvalho, que ali se encontra atualmente com sua exma. família."

Imagem e legenda publicadas na página 22

A Cigarra - Ano 4/nº 84 - 30 de janeiro de 1918 -  página 23:


Imagem: reprodução parcial da página com o texto original

A obra de um grande poeta

Pelo elevado quilate da sua perfeição literária, pela máxima soma da sua beleza, pela essência fina da sua emotividade, a obra de Vicente de Carvalho será sempre lida e ficará como um padrão genuíno de glória para as letras brasileiras. Podem mudar as teorias, fundirem-se e refundirem-se escolas, a sua arte permanecerá sempre admirada e fecunda como na língua comum ficaram Bernardim, Camões, Bernardes, Gonzaga e Antonio Nobre.

Os perfumes raros, ainda mesmo depois de evaporados das ânforas de cristal, que os encerraram por um tempo, espalham-se em ondas olorosas e deliciam indefinidamente. Há raios de luz que se não perdem e vão espelhando sempre mais luz, acendendo claridades novas...

Porque há de ser assim da poesia de Vicente de Carvalho, o grande mestre? Porque é que os seus versos, onde quer que apareçam, são sempre lidos e relidos com emoção? Porque hão de ser sempre belos?

- Pelo mesmo motivo que é essencialmente delicada e perfeita uma camélia, pondo a sua mancha de leite numa salva de prata. Pelo mesmo motivo que um brilhante faísca sempre até mesmo na densidade da noite,k brotando fosforescências escondidas nas suas facetas polarizantes e clivadas... Porque é eterno o amor, é eterna a poesia do mar, do rio e da montanha, porque a rosa é sempre a rosa... rosa de amor...

E mais não é preciso para explicar o aparente mistério de uma obra sempre atual e sempre viva, apesar de todas as mudanças, aliás apenas de superfície, da alma contemporânea, tão fugaz, tão escorregadia, tão ávida de emoções inéditas, ou supostamente novas.

É pois um dever - porque a obra vicentina saiu tão perfeita -, expô-la sempre à sôfrega admiração do público, como se expõe relíquias na custódia santa desse outro artífice exímio que foi um lavrante e também um poeta. Quanto mais que a contemplem, mais riqueza lhe hão de encontrar, mais trabalho de desenho e filigrana, mais harmonia, mais ritmo.

A Cigarra entendeu pois - e com certeza os leitores lhe aplaudirão a ideia - publicar regularmente alguma coisa de Vicente de Carvalho. Os seus versos serão nestas páginas como as rosas que formam sempre o fundo dos ramalhetes...

Assim, esta publicação tornará mais conhecido o extraordinário mestre dos Poemas e Canções em Portugal, onde a sua circulação é já grande e onde tem sido tão carinhosamente apreciada, como bela revista que orgulhosamente podemos dizer que é: nos outros Estados do Brasil, onde também conta amigos sem número, que disputam a leitura, mesmo em S. Paulo não haverá quem não releia com amor o que com tanto amor foi escrito.

Será um meio de vincular a um belo espírito, o espírito dos que nascem, prendendo-os pela admiração e pela estima. Há certos licores capitosos e finos, que são a coroa de todos os banquetes. Os versos de Vicente serão a ambrosia espiritual que será servida amorosamente aos leitores da Cigarra.

Será finalmente a homenagem permanente de um culto ao extraordinário artista, ao magistrado integérrimo, ao homem de bem que é o ornamento de uma sociedade e o expoente de uma época.

Não teremos com certeza de nos arrepender desta iniciativa, justificada por tantos e tantos motivos. E começaremos por arquivar joias de primeira água da Rosa... Rosa de amor...

Na página seguinte, os leitores encontrarão: Olhos Verdes.

A Cigarra - Ano 5/nº 94 - 28 de junho de 1918 -  páginas 16 e 17:


"Fotografias d'A Cigarra, tiradas na Escola Normal do Braz, por ocasião da festa em honra a Vicente de Carvalho, promovida pelas gentis alunas desse estabelecimento. Vê-se no alto o imortal poeta dos Poemas e Canções, sentado entre sua exma. esposa e o sr. Gelasio Pimenta, nosso diretor; à direita está o sr. prof. Joaquim Antunes, digno diretor da escola. No centro, a bela assistência da festa. Em baixo, Vicente de Carvalho, rodeado pelas normalistas do Braz"

Imagem: reprodução da página 17

Homenagem a Vicente de Carvalho

Na Escola Normal do Braz

Vicente de Carvalho recebeu uma linda homenagem na Escola Normal do Braz. Nas vésperas da entrada das férias, as alunas do estabelecimento, desejando testemunhar a sua grande admiração e amizade ao imortal poeta dos Poemas e Canções, convidaram-no para assistir a uma festa em sua honra, num dia que ficava consagrado inteiramente à exaltação da sua singularíssima individualidade de artista.

Recebido pelas professorandas e pelo digno diretor da escola, prof. Joaquim Antunes, o grande poeta, que era acompanhado por sua exma. esposa, sra. Ermelinda Mesquita de Carvalho, e pelos srs. Arnaldo Porchat e Gelasio Pimenta, nosso diretor, foi levado ao salão nobre do estabelecimento,onde já se achavam as demais normalistas e professoras.

Foi executado um encantador programa literário, todo dedicado a Vicente, e constante de suas produções em prosa e verso. Solicitado pelas professorandas, o nosso imortal poeta fez uma brilhante palestra sobre coisas da sua divina arte, recebendo uma delirante ovação. Antes de retirar-se, Vicente de Carvalho recitou ainda algumas das suas esplêndidas poesias, sendo coberto de flores pelas gentis normalistas, que o aplaudiam com grande calor. Uma verdadeira apoteose enfim que as alunas da Escola do Braz, em boa hora, se lembraram de fazer, e cuja alta significação não será preciso frisar.

A Cigarra - Ano 5/nº 92 - 27 de maio de 1918 -  páginas 33 e 34:


Imagem: reprodução parcial da página 33 com o início do texto original

Vicente de Carvalho

Adeus, sombra das ramadas,

Cantigas do rouxinol,

Ai, festa das madrugadas,

Doçuras do por do sol:

 

Carícia das brisas leves

Que abrem rasgões de luar...

Fonte, fonte, não me leves,

Não me leves para o mar!

Havia muito tempo que eu desejava fazer-me encontradiço com o grande poeta. O seu nome era familiar à minha admiração e os ecos da sua fama chegavam-me aos ouvidos através dos anos e dos mares. Tão porfiado anelo, todavia, já começava a afigurar-se-me irrealizável pelas circunstâncias as nossas respectivas profissões: ele membro do Tribunal de Justiça de S. Paulo, definitivamente instalado na exuberante metrópole; eu, membro da Diplomacia, galgando a vida de viagem em viagem, de terra em terra, até à China e a outros confins do descoberto, como diria o mui clássico peregrino que foi treze vezes cativo e dezessete vendido nas ilhas e nos reinos da Ásia.

A Diplomacia, que tantas injúrias provoca e tantas sanhas inspira aos que nela apenas consideram as louçanias da representação e o luzimento dos uniformes, sem advertirem, por desacerto ou mesquindade, que também contribui da mais eficaz maneira para ampliar, desenvolver e regularizar as relações de nação a nação, exercendo a nobre incumbência de dar testemunho, no estrangeiro, das ideias, intuitos e progressos dos seus países (assim se exprime o doutíssimo Lafayette); a diplomacia, na forma de legações permanentes "um dos produtos mais invejáveis e úteis da política moderna", é, muitas vezes, para quem a pratica, um melancólico e assaz prolongado exílio...

Pois quem, por obrigação, vive longe da pátria, será por ela irremediavelmente esquecido. Os ausentes são como os mortos: já Lorenzo, o Magnífico, pregava aos florentinos a dolorosa verdade:

Comme l'occhio sta di lunge

Cosí sta di lunge il cuor...

Quem, ao discorrer sobre poesia e literatura, em discursos ou conferências, revistas ou periódicos, se lembra de Magalhães de Azevedo, de Fontoura Xavier, de Domício da Gama e de outros ilustres nomes?

***

Aproveitando uma obrigada demora no Brasil, logrei, finalmente, realizar o anseio que há tantos anos afagava. A caminho de S. Paulo, a metrópole de que todos me celebravam a magnificência, a grande cidade que, dia a dia, afiança, com luminoso relevo, as virtudes do nosso povo, a Piratininga de João Ramalho metamorfoseada, por encanto, em forja de indústrias, de comércio, de ciências, de artes e de letras, sobressaltava-se-me o coração de contentamento a ideia de conhecer de perto o Ovídio da Arte de amar, o Junqueiro da Carta a Waldomiro, o Campoamor dos Arrufos, o Castro Alves de Fugindo ao Cativeiro, o intérprete das agonias e dos arroubos, das convulsões e dos lamentos, do infinito rugido e do infinito soluçar do oceano das nossas praias solitárias...

Ah! os frementes poemas ao belo mar selvagem! neles se ouve o ritmo das ondas maravilhosas e o eterno pranto das agitadas espumas! O grande poeta ausculta o coração das águas,

Ce coeur de l'eau plus compliqué qu'un coeur de femme.

a desafogar-se em queixas como um ser perpetuamente enfermo...

***

Apartado do bulício da ilustre cidade, alheio, como o carvalho do Tasso, dos enredos e seduções do mundo objetivo, embora madrugando sobre os autos com que o Tribunal de Justiça lhe atulha a mesa de jacarandá, vive o insigne acadêmico uma vida harmoniosa e suave. Quando, à sua beira, ouvindo-lhe a fala, primorosa e erudita, adverti na pirâmide de enigmas forenses de que ele há de ser o pacientíssimo Oedipo, não pude deixar de repetir in mente aquela estrofe, na Carta a Waldomiro, que é a síntese da sua filosofia humorística:

Na solidão do mato esqueço, ignoro, em suma

Sou feliz. Dou sueto a esta alma de aluguel

Que vive, de antro em antro, a desfazer-se em espuma,

E, livre do canudo atroz de bacharel,

Passo orgulhosamente a ser coisa nenhuma.

As ordenanças do destino embargaram, todavia, a liberdade do poeta: em vez da solidão do bosque, Vicente de Carvalho teve uma das mais belas cidades sul-americanas para viver e ser feliz.

Sem a nefasta extravagância do bairrismo, que não poderia achar agasalho no seu vasto espírito patriótico, foi, não obstante, com os lábios desabotoados em sorrisos que o poeta percebeu o alvoroço da minha admiração pela terra dos seus triunfos, em cuja fortaleza ninguém pode fazer dúvida, tamanhos são os cabedais do seu progresso e a irradiação da sua inteligência; onde a abundância corre parelhas com a boa ordem e o bom gosto, quer se recreie a vista no espetáculo das suas avenidas ladeadas de vivendas, nos seus abastecidos jardins, de corolas e vegetação, nos seus abrolhados arvoredos, quer na robusta juventude das suas escolas e das suas fábricas, na audácia ianque dos seus homens de negócio, na disciplina moral do seu povo, em tudo, finalmente, que motiva feliz espanto a quem penetra no seu regaço tumultuoso...

Vicente de Carvalho terá, talvez, uma certa predileção pelo mar que se afeiçoa entre as restingas de Santos, porque nele se baloiçaram as caravelas do fidalgo Martim Affonso, tão enlevado no verde esmalte das suas ondas como na alva renda das suas espumas; o seu estro, sem embargo, paira sobre toda a fértil natureza do Brasil, o seu gênio poético não cura de aspectos locais nem de interesses de povoado, senão que é humano como a terra e universal e doloroso como a vida!

Celebrando as fontes que se desatam em lúcidos cristais de linfa ou os olhos que esmorecem na angústia do amargo pranto, filosofando sobre as refregas da fortuna ou os amores das mulheres, florejando o esquife, quase sem peso, de uma criança ou seguindo os sobressaltos de uma folha arrebatada nos braços do córrego, o bardo dos Poemas e Canções desfolha, sempre magnífico, a polimorfa e polipétala flor da sua rica inspiração; mas é nas blandícias do eterno lirismo, sem arroubos filosóficos nem preocupações positivistas, que eu compreendo melhor e melhor o sinto, que eu o alcanço, o interpreto, o aclamo um grande poeta que aposta primazias com os maiores do Continente...

Acerca dele grande cópia de páginas hão sido traçadas por penas de autorizado crédito. Uns o dizem parnasiano - suponho que dando a este vocábulo o exato sentido da sua origem, quando Catule Mendés e Xavier de Ricard fundaram em França, por volta de 1865, Le Parnase Contemporain, e não o que depois se enxertou na Crítica Brasileira, sinônimo de impossibilidade, exclusiva preocupação da forma, ausência de sentimento subjetivo. Outros o proclamam o pintor da Natureza, tal é a pompa dos matizes que refrangem as suas descrições.

Para mim ele é, simplesmente, um Poeta, um desses eleitos de Deus "que iluminam, com um esplendor mágico, todas as figuras que entram no círculo da sua existência".

Ainda lhe ouço a pausada voz, na penumbra da sua biblioteca, onde me acompanhou o sutilíssimo artista, que é José de Freitas Valle, murmurar as estrofes melancólicas:

Chorava a flor e gemia,

Branca, branca de terror,

E fonte, sonora e fria,

Rolava, levando a flor...

 

As correntezas da vida

E os restos do meu amor

Resvalam, numa descida,

Como a da fonte e da flor...

Luiz Guimarães Filho

(Do Correio da Manhã)

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