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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - S. FLOREAL
Sylvio Floreal (3)

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O falecimento do poeta Sylvio Floreal foi assim noticiado pelo jornal santista A Tribuna, na página 4 da edição de 16 de setembro de 1928 (ortografia atualizada nesta transcrição):

Imagem: reprodução da matéria original

 

Morreu repentinamente, em S. Paulo, o jornalista Sylvio Floreal

S. PAULO, 15 - À última hora foi encontrado morto em seu quarto, à Rua Senador Feijó n. 18, o escritor e jornalista Domingos Alexandre, conhecido pelo pseudônimo de Sylvio Floreal.

Sylvio havia tomado um banho momentos antes e saindo do banheiro entrou no seu aposento, onde tombou vitimado por uma síncope cardíaca. - T.

O mesmo jornal A Tribuna publicou este editorial, na primeira página da edição de 18 de setembro de 1928 (ortografia atualizada nesta transcrição):

Imagem: reprodução da matéria original

 

"Escritor, jornalista, indigente"

Faleceu em S. Paulo, há poucos dias, o escritor Sylvio Floreal, que era uma bela e esquisita (N.E.: na época, esquisita tinha o sentido de rara, o mesmo encontrado no idioma espanhol) inteligência nascida em Santos.

Aqui adquiriu, desenvolveu e aprimorou a sua cultura, havendo nas colunas das folhas locais publicado os seus primeiros trabalhos literários. O seu temperamento inquieto levou-o para um meio maior, como o da capital, onde lhe parecia mais fácil obter uma notoriedade e uma situação mais brilhante.

É bem possível que durante algum tempo houvesse conseguido ambas. A publicação do seu romance A coragem de amar trouxe-lhe o louvor entusiástico de uns e a crítica acerba de outros. Ulteriores produções literárias, além duma atividade quase diária na imprensa paulistana, tornaram conhecido o nome de Sylvio Floreal, no círculo restrito dos intelectuais dali.

Vítima da despreocupação duma vida boêmia, fiando-se apenas no prestígio pessoal do seu talento, o escritor santista não resolveu o problema econômico de sua existência. Apesar de há vários anos encontrar-se na capital, ultimamente residia numa pensão barata, onde a morte o foi surpreender.

Segundo informa um confrade paulistano, numa comovente nota, rodearam-se de circunstâncias tristíssimas os incidentes finais para o enterro de Sylvio Floreal. O cadáver inteiramente despido foi transportado para o necrotério. Uma papeleta de identificação declarava, quase ironicamente - "Escritor, jornalista, indigente".

E nesta qualidade - indigente - desceu à cova, às expensas da polícia, o corpo do romancista, que não há muito ali recebeu a homenagem sincera das coteries literárias! Sem uma coroa, uma flor depositada por mão amiga sobre o caixão de ínfima classe, fez-se o enterro, assistido apenas por três ou quatro admiradores e algumas mulheres sírias.

Não cabe aqui tecer a filosofia amarga, sugerida pela crueldade do fato. O abandono em que, na hora extrema, foi deixado o cadáver de Sylvio Floreal, pelos sedizentes seus amigos, é um sinal melancólico dos tempos correntes, assinalados por um egoísmo incompatível com qualquer exterioração da sensibilidade.

Porém, o que mais se deve deplorar é haver-se permitido se inumasse, como indigente, o representante duma classe que, em todos os países cultos, se considera pertencer à elite mental. Como compreender a conduta da filial paulistana da Associação Brasileira da Imprensa, desinteressando-se das derradeiras homenagens devidas a um dos seus membros?

Alheando-se, com relação ao colega morto, de dar uma prova de caridade cristã, com as cerimônias de que se rodeia o enterramento de qualquer mediocridade, os intelectuais paulistanos, que tanto o elogiaram em vida, tacitamente concorreram para o desprestígio que em nosso país vai envolvendo a classe inteira.

Como se poderá falar em solidariedade e união dos que vivem do trabalho da inteligência, no Brasil, quando se deixa resvalar para a cova rasa dos indigentes um companheiro desaparecido em plena atividade mental?

Anúncio de missa por Sylvio Floreal

Publicado no jornal santista A Tribuna em 25 de setembro de 1928 - página 14

O jornal paulistano Folha da Manhã registrou assim, na página 9 da edição de 16 de setembro de 1928 (ortografia atualizada nesta transcrição):

Imagem: reprodução parcial da página com a nota original

 

Sylvio Floreal

Faleceu ontem o escritor de A Coragem de Amar

Em sua residência, à Rua Senador Feijó, 13, faleceu ontem, repentinamente, Sylvio Floreal, que por algum tempo militou na imprensa paulistana.

Como escritor, deixa publicados Attitudes, crônicas que reuniu em volume, e A Coragem de Amar, novela, A Ronda da Meia Noite e outras.

Além dessas obras deixa várias outras inéditas.

Seu nome verdadeiro era Domingos Paes Alexandre, sendo que era mais conhecido pelo pseudônimo com o qual dava à publicidade suas obras literárias.

Natural de Santos, Sylvio Floreal se transportou para a capital paulistana há vários anos, onde era conhecido nos meios literários.

A notícia de sua morte, assim inesperada, causou natural emoção nos meios onde viveu, cercado da admiração que lhe era dispensada.

Já o jornal paulistano Folha da Noite publicou este texto, na página 2 da edição de 22 de setembro de 1928 (ortografia atualizada nesta transcrição):

Imagem: reprodução parcial da página com a nota original

 

Um boêmio a menos...

E uma saudade a mais...

Perdeu S. Paulo, com a morte de Sylvio Floreal, não só o seu boêmio mais independente, como o escritor mais ousado.

Sylvio Floreal, desde o tempo em que apareceu pelas colunas das revistas paulistanas, até o dia de ontem, em que, já penetrado no ambiente intelectual, dominava como cronista incisivo e desassombrado, impôs sempre ao leitor, mais do que qualquer outra, a sua esplêndida qualidade de observador perspicaz.

As suas duas obras Atitudes e A Coragem de Amar, esta última com várias edições, revelam bem o espírito de liberdade das suas ideias e a veia indiferente da sua personalidade.

Sylvio Floreal era um tipo à parte, à margem da vida. E tão pouca importância ligava a si próprio que estava mesmo disposto a morrer com a maior naturalidade e desprendimento logo que a morte lhe viesse.

Escrevia, dizia ele, porque nada mais sabia fazer, na vida. Não tinha ocupação, fixa, não tinha ideais. O seu divertimento mais comum era observar o ambiente de S. Paulo, onde todos lhe eram estranhos e onde não possuía um parente. Era só e único como um oásis no deserto.

Estava sempre presente nas ruas, obeso, com a grande barriga empoleirada sobre as pernas e a cara rubicunda sempre a focinhar um assunto novo no ar. A sua casa era ali, nas calçadas, onde fazia estação permanente.

Vivia sempre engolfado na ideia de produzir, produzir muito, livros aos quilos para o alimento diário dos gulosos da literatura. E o seu gênero, certamente, esbarraria em milhares de leitores, porque, a exemplo dos escritores cariocas que inauguraram o romance leviano, os seus enredos invadiam as alcovas, os lupanares; a sua verve borboleteava pelos cabarés; o seu espírito mordaz perquiria os mercados de todas as espécies de gêneros inclusive o humano, e a sua observadora acuidade despia todos os cenários.

Ultimamente, Floreal estava com a mania de largar esse gênero e escrever regionalismo. Para isso, não sei como e com que recursos conseguiu ir até os sertões de Goiás, conhecer os garimpos, o Rio das Garças, as lagoas negras, toda a selvagem agrestia daquele centro da terra, onde a pátria é mais inculta e onde são mais soberbas as expressões da natureza.

A última vez que eu o vi, na Praça do Patriarca, a besuntar de olhares melosos e inconvenientes a toalete decorativa das mulheres que riscavam os passeios com as suas silhuetas esguias, ele me prometera, entre perdigotos: "Vais ver... um romance e tanto! Vou trazer do Rio das Garças para as ruas do Triângulo! Dez mil exemplares, vinte mil..."

A sua ilusão, aliás, sempre foi essa: muitos exemplares, transformar em dinheiro as aparas rabiscadas, operar a ideia como um cirurgião, reduzindo-a a metal sonante e a nota de banco.

Tudo isso, porém, a morte lhe caçou na curta trajetória da vida, dando-lhe um golpe de foice.

Ficou apenas, e muito vagamente, na simpatia dos que lhe davam sempre ouvidos tolerantes, a saudade do que foi e a lembrança daqueles grandes sonhos que queria realizar... em vão.

Manoel Victor

A paulistana Folha da Noite também publicou, na página 1 da edição de quarta-feira, 26 de setembro de 1928 (ortografia atualizada nesta transcrição):

Imagem: reprodução parcial da página com a nota original

 

Bilhetes postais

RIO, 22-9-928

Nesta macia manhã, tão leve e tão dourada, é que nos entra a alma como um canto luminoso e doce; nesta hora clara da primavera em flor, subitamente, uma grande nuvem negra põe uma nota de tristeza e luto na límpida alegria que veste a terra e faz mais perto o céu.

Leio que Sylvio Floreal, que eu conheci na Paulicéia um rebelde idealista, morreu há dias. Nada mais natural do que a morte - a única coisa que temos de nosso, como afirmou o gênio shakespeariano.

A morte pode ser bela na sua própria expressão dolorosa. Mas é duplamente acerba quando se reveste do feitio de miséria trágica. Foi o que aconteceu com Sylvio Floreal. Com direito a um adeus comovido dos seus amigos, ele teve, como derradeiro elogio, a frase da proprietária da pensão, onde um único fiel da religião da saudade e do afeto foi saber dele: "Não sei da vida desse homem. Como me devesse dinheiro vivia a fugir de mim..."

Depois de várias pesquisas, o único amigo do escritor morto, diz a notícia que tenho diante dos olhos, foi, afinal, encontrá-lo no necrotério, nu, dentro de um rabecão. Nu, como veio, nu se iria o desventurado intelectual, se esse amigo não se apiedasse daquele que não mais lhe podia agradecer o favor recebido.

E foi assim que, vencendo dificuldades, esse amigo conseguiu arranjar-lhe um enterro de primeira classe, dizendo-lhe palavras de despedida o poeta Carlos Cavaco, à beira do túmulo, onde ele vai "dormir... sonhar... talvez..."

Não há, no Brasil, profissão mais ingrata do que a do escritor. Forçado, pelas aperturas da vida, a se desdobrar em burocrata ou industrial, de indústria de campo limitado, nunca poderá ser unicamente escritor. E se teima em querer sê-lo, come, durante a vida, o pão que o diabo amassou, e, depois de morto, ainda faz jus a um epitáfio de devedor relapso, como aquele com que honrou a memória do malogrado Sylvio Floreal a proprietária da pensão em que ele padeceu os seus derradeiros dias de miséria e de desilusões...

Hildebrando Galvão

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