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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA
Galeão Coutinho


Patrono da cadeira número 8 da Academia Santista de Letras, o escritor, tradutor de importantes obras, poeta e jornalista Salisbury Galeão Coutinho (que usou os pseudônimos Cândido e João Sem Terra) foi também homenageado em Santos com a denominação de uma rua no bairro do Embaré, conforme registrou o jornalista Olao Rodrigues em sua obra Veja Santos! (edição do autor, 2ª edição, Santos/SP, 1975, págs. 267/268):

Ilustração: bico-de-pena de Maick, publicado com o texto

Galeão Coutinho

Rua  - Bairro: Embaré

C. Av. Dr. Pedro Lessa (prolongamento)

F. Av. Siqueira Campos (597).

Pela lei nº 1.499, de 6 de junho de 1953, do prefeito municipal, dr. Antônio Feliciano, foi a Prefeitura autorizada a denominar Galeão Coutinho uma das ruas da Cidade. Regularizou-a decreto nº 649, de 29 de março de 1954, do mesmo chefe do Executivo, que outorgou o nome do vigoroso jornalista e escritor à Rua nº 478, conhecida por Rua Bambual.

Projeto de lei nº 207, de 1951, aprovado pela Câmara Municipal na sessão extraordinária realizada a 28 de maio de 1953, de autoria do vereador Salvador Evangelista. Aliás, o autor do projeto de lei indicara a Rua Projetada 494, que já havia recebido o nome do ministro Morvan Dias Figueiredo pela lei nº 1.169, de 1950, como também sugerira figurasse nas placas denominativas a inscrição: Jornalista e Escritor, bem assim as datas do nascimento e falecimento do homenageado.

Salisbury Galeão Coutinho nasceu em Curral Del Rey, hoje Belo Horizonte, a 26 de setembro de 1897. Foi registrado em Pádua, no Rio de Janeiro, para onde a família se transferiu logo após seu nascimento.

Recebeu o nome de Salisbury porque quando nasceu era primeiro-ministro do Império Britânico lorde Robert Salisbury. Iniciou-se no Jornalismo em Santos, como redator de A Tribuna, em 1915. Depois de algum tempo, foi para A Gazeta de S. Paulo, onde galgou todos os postos, até o de redator chefe.

Fundador de Edições Cultura Brasileira. Tornando-se escritor, publicou vários livros, tais como os seguintes: Vovô Morungaba, Confidências de Dona Marcolina, A Vocação de Vitorino Lapa, O Último dos Morungabas, A Vida Apertada de Eunápio Cachimbo e Parque Antigo (versos).

Trabalhou também nos jornais Correio Paulistano, Jornal da Manhã, Jornal de S. Paulo e Jornal de Notícias, do qual era diretor quando morreu, como também colaborador diário de A Tribuna. Vitima de acidente de avião, quando viajava do Rio de Janeiro para S. Paulo, faleceu a 17 de setembro de 1951.

Consulta em 12/12/2008 à página de literatura brasileira da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) indica:

Salisbury Galeão Coutinho

Pseudônimo: João Sem Terra.

Ano de nascimento: 1897

Local de nascimento: Belo Horizonte, MG

Ano da morte: 1951

Fonte do autor: COUTINHO, Afrânio; SOUSA, J. Galante de. Enciclopédia de Literatura Brasileira. São Paulo: Global; Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, Academia Brasileira de Letras, 2001: 2v.

Descrição: romancista, contista, poeta, jornalista

Obras do autor cadastradas: romances e novelas: A Vida Apertada de Eunápio Cachimbo (1939), A Vocação de Vitorino Lapa (1942), Câmbio a três (1931), Confidências de Dona Marcolina (1949), Memórias de Simão, o caolho (1937), O Mistério de João Teimoso (1945), O Último dos Morungabas (1944), Vovô Morungaba (1938). Escreveu ainda O Pacto com o Demônio (1952), o conto O Semeador de Pecados (1922) e a poesia Parque Antigo (1920).

Imagens: capas de diversos livros de Galeão Coutinho, de diferentes editoras (edições antigas)

Na mesma data, em outra página disponível na Internet, Maria Eugenia Boaventura ressalta em seu artigo Chuva de Batatas o posicionamento de Galeão Coutinho frente à Semana de Arte Moderna de 1922. Do texto, publicado na revista Semear 4, dentro da Cátedra Padre António Vieira de Estudos Portugueses da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), destaca-se o trecho:

Cândido, pseudônimo do jornalista Galeão Coutinho, redator-chefe de A Gazeta, tornou-se um dos críticos mais constantes do festival modernista. Jornalista e escritor, relativamente bem informado, mantinha uma coluna sobre arte e literatura, onde destrinchava, quase sempre em tom de desaprovação, as diretrizes e a produção da vanguarda italiana. Procurou ser imparcial ao reconhecer originalidade e extravagância no futurismo, mas não deixou de revelar as suas fragilidades e impertinências. Características essas que ampliava para as nossas manifestações contemporâneas:

Em geral sente-se nas obras da escola futurista desse período a falta de um conteúdo sério... a verbosidade exterior mal dissimula a pobreza de inspiração artística.

Galeão Coutinho, ou Cândido, debochou da Semana e dos seus responsáveis. Inevitavelmente, por causa da proximidade da data e também pelo seu espírito informal, associou-se o evento aos festejos do Carnaval. Os realizadores do evento foram ironicamente tratados como impagáveis clowns e também como "os doze apóstolos", responsáveis pela pregação do "Grande Verbo, revelador da Suprema Verdade". Possivelmente os textos publicados na Folha da Noite foram escritos por Mário Pinto Serva, um dos seus jornalistas mais atuantes e crítico feroz da Semana.

O Internet Movie DataBase (IMDB) registra a realização, em 1944, do filme de comédia Romance de um Mordedor, pelo diretor e escritor José Carlos Burle, com base na novela Vovô Morungaba, filmado por Edgar Brasil em preto-e-branco e em português, com 90 minutos de duração, pela companhia brasileira Atlântida Cinematográfica, tendo no elenco Maria Batista, Iris Belmonte, Emilinha Borba, Henriqueta Brieba, Francisco Dantas, Antônio de Córdoba, Modesto de Souza, Jorge Diniz, Gerdal dos Santos, Estelinha, Armando Ferreira, Mariquita Flores, Ferreira Lima, Domingos Martins, Graça Mello, Carlos Melo, Mesquitinha, Wilson Musco, Natália Ney, Sara Nobre, Abel Pera, Manuel Pêra, Teixeira Pinto, Sandro Polônio, Diamantina Santos e Rocyr Silveira.

Imagem: ilustração do chargista Belmonte

A novela Simão o Caolho foi filmada em 1952 por Alberto Cavalcanti. Com 101 minutos, em preto-e-branco, pela empresa nacional Cinematográfica Maristela, foi estrelada por Mesquitinha (interpretando o personagem Simão), Yara Aguiar (Concheta), Rachel Martins (Marcolina), Carlos Araújo (Santo), Sonia Coelho (Moreninha) e Silvana Aguiar (Luzia), participando ainda Maria Amélia, Edayr Badaró, Mauricio Barros, Cláudio Barsotti, Nair Bello, Isaura Bruno, Eglé Bueno, Osmano Cardoso, Juvenal da Silva, Borges de Barros, Oswaldo de Barros, Raúl de Barros, Henrique Fernandes, Gessy Fonseca, Mário Giorotti, José Pazzolli, Armando Peixoto, José Rubens, Carmen Torres, Carlos Tovar e Wilson Viana.

Também em parceria com o diretor Alberto Cavalcanti, Galeão Coutinho assina o roteiro do drama Mulher de Verdade, escrito por Oswaldo Molles e Miroel Silveira. Com duração de 100 minutos, em preto-e-branco, música de Cláudio Santoro e cinematografia de Edgar Brasil, esta película de 1954 da Kino Filmes teve Alfredo Palácios e Elza S. Ribeiro como produtores associados, sendo o elenco formado por Carlos Araújo, Adoniran Barbosa, Inezita Barroso, Maria Aparecida Baxter, Fábio Cardoso, Osmano Cardoso, Antonio Fragoso, João Franco, Ivana, Nestório Lips, Rachel Martins, Carla Neli, Waldir Padilha, Dirce Pires, José Saenz, Colé Santana, Délio Santos, João Silva, Paulo Vanzolini, Caco Velho e Valdo Wanderley.

Galeão Coutinho igualmente aparece como um dos redatores do script do filme Casei-me com um Xavante, ao lado do diretor Alfredo Palácios, de Luís Sérgio Person e Miroel Silveira. Com 90 minutos de duração, em preto-e-branco, a obra da Unifilme Cinematográfica, produzida em 1957 por Mário Aldrá, com música de Hervê Cordovil e cinematografia de Rudolf Icsey, teve no elenco: Olinda Alves, Romilda Alves, Shirley Alves, Lola Brah, Denise Delamare, Oswaldo de Souza, Agostinho dos Santos, Luely Figueiró, Amândio Silva Filho, Henricão, José Herculano, Eugenio Kusnet, Olinda Lessa, Machadinho, Henrique Martins, José Mercaldi, Douglas Oliveira, Myriam Pérsia, Luís Sérgio Person, Júlia Romero, José Silva, Heleninha Silveira, Pagano Sobrinho e Maria Vidal.

Em 12 de janeiro de 1934, o antigo jornal santista Gazeta Popular publicou, na página 38 (exemplar no acervo do historiador Waldir Rueda), este artigo de Galeão Coutinho (ortografia atualizada nesta transcrição):

Imagem: reprodução parcial da matéria original

Elogio do "Pão Duro"

Por Galeão Coutinho

Não faz muito tempo, a morte arrancou à obscuridade, a que beneditinamente se votara, um extraordinário cidadão. A imprensa carioca foi obrigada a abrir colunas e colunas com títulos gigantescos, ocupando-se dias seguidos, dessa singularíssima personagem. Todos estamos lembrados das revelações trazidas a público a respeito da existência do "Pão Duro", de como, humilde imigrante espanhol, chegara a formar grande fortuna, tendo iniciado sua carreira como simples mendigo. A memória do venturoso milionário foi logo coberta de anátemas mais duros do que o pão que ele, outrora, recolhia de porta em porta para matar a fome.

À medida que a reportagem esmiuçadora ia desvendando os aspectos mais curiosos dessa existência de sacrifício, maior se fazia a indignação dos leitores. Um vil explorador da mendicância, um falto pedinte, um miserável da pior espécie, eis o que tinha sido, no consenso dos jornais e dos seus milhares de leitores, aquele que morrera sem o menor conforto, estirado sobre um catre sórdido, ao lado do cofre onde dormiam alguns maços de notas do Tesouro, papéis de crédito e outros documentos que lhe asseguravam a posse de nada menos de mil contos.

Mil contos!

Numa época de crise como a que atravessamos, o enunciar de tamanha soma acende os fogos da imaginação tropical, põe arrepios na espinha dos ambiciosos incapazes. Não admira, pois, que contra "Pão Duro" se voltassem todas as iras e todas as indignações falhadas. O negociante que vê os negócios diminuírem, o jogador a quem a sorte não sorri, o banqueiro que não consegue colocar seu dinheiro a juros altos, o lavrador que não encontra escoamento para os seus produtos, o industrial sem mercado para os seus artigos, o funcionário público a quem os magros vencimentos mal chegam para os cigarros, o médico sem clientes, o advogado sem constituintes; em suma, quantos bracejam no oceano sem fundo da crise econômico-financeira, ao lerem nos jornais a história mirífica do "Pão Duro", não podem sopitar o desespero [...] não há por onde peg... [...] (N.E.: palavras faltantes por dilaceramento do trecho), todos se voltam para a mendicância.

Se ele tivesse começado a vida de outro modo, vá; mas, explorando a caridade pública, que refinadíssimo salafrário! E, entre os que o condenam, muitos não concorreram nunca, e jamais concorrerão, com um níquel para a prosperidade de quem quer que seja.

Almas empedernidas, egoístas recalcitrantes, fuinhas consumados, proclamando-se lesados, desandaram a falar contra a caridade, a pedir a atenção da polícia para os falsos mendigos, só pelo fato de um deles, mais hábil na profissão, mais inteligente, sem dúvida, ter conseguido fortuna.

Ora, tudo isso não passa de uma triste comédia. Só o não percebem as pessoas que se contentam com as idéias feitas. Antes do mais, vejamos a mendicância. É ela um direito? Certamente que sim, uma vez que a sociedade se mostra impotente para dar trabalho a todo indivíduo válido e abrigar e tratar estropiados. O mundo comporta, a grande massa de enfermos e neste momento, cerca de trinta milhões de desempregados, ou seja quase a população do Brasil. Como evitar, pois, a mendicância? Que nos respondam os inimigos do "Pão Duro".

Mas, não é só. Há quem proteste, também, contra os ardis de que os mendigos lançam mão, por exemplo o fato de certas mulheres alugarem crianças e ostentá-las o dia inteiro nas ruas e praças, a fim de excitar a piedade dos transeuntes. É um recurso perfeitamente honesto.

Os cinemas, as casas de comércio, todos os estabelecimentos, procuram atrair a clientela por meio de cartazes, anúncios luminosos, fantasmagorias, alto-falantes, o diabo. Por que negar a uma desgraçada mulher que mora nos cortiços o astucioso expediente da criança ao colo, quando todos nós sabemos que os seres mais egoístas - e são a maioria - se comovem ante a miséria infantil, embora por um movimento de mal disfarçada legítima defesa, pois recordam logo a própria prole, a quem poderá faltar um dia o pão?

Objetar-se-á, como freqüentemente sucede dos defensores da "caridade" - uma coisa, de resto, que ninguém sabe o que vem a ser - que a mendicância simulada prejudica a verdadeira mendicância, isto é, que os faltos pedintes desmoralizam os verdadeiros necessitados. Prejudicam em que e por quê? Se atentarmos que na luta pela vida, comércio, indústria, lavoura, profissões liberais, o número dos que conseguem fortuna é insignificante em confronto com o dos fracassados, como admitir que, implorando o tostão arisco, postado à escadaria de uma igreja ou numa esquina movimentada, possa um infeliz enriquecer vertiginosamente? Se assim fosse, todos nós abandonaríamos de bom grado as nossas ocupações para nos dedicarmos à mendicância.

Além disso, a mendicância não será, como tantos outros, um meio a mais de que a criatura humana tem o direito de lançar mão para alcançar a suspirada independência? Se assim é, que há de mal nisso do "Pão Duro" ter enriquecido? Censurando-o, damos a entender que o mendigo deve ser mendigo a vida inteira, deve morrer mendigo, o que faz supor na sua classe uma espécie de apostolado.

Não, senhores, o mendigo não faz voto de pobreza. Recolhendo um pão daqui, uma moeda dali, um paletó velho d'acolá, um par de sapatos usados além, o mendigo visa, naturalmente, aposentar-se, um dia, e gozar o "ócio com dignidade" dos antigos. "Pão Duro" fez muito bem. Há quem o acoime de mau, de sujeito sem entranhas. Michael Gold, no seu formidável romance Judeus sem dinheiro, advertiu com suma sabedoria que "a bondade é uma forma de suicídio numa sociedade baseada na concorrência". Os que vão para a rua pedir esmolas levam o mesmo objetivo do que monta uma fábrica ou uma empresa comercial: arranjar dinheiro, enriquecer, conseguir o suficiente com que evitar uma velhice cheia de privações, legando aos descendentes; além disso, bens de fortuna que os salvem da mesma tristíssima eventualidade.

Não são sinceros, pois, os que se atiram contra o "Pão Duro". Há nessa revolta um misto de impotência e inveja. Ninguém perdoa o êxito alheio. É natural que mesmo o êxito dos mendigos suscite despeitos. Suportar o longo martírio das ruas, recendo o aspecto "não" de uns, o desdém humilhante de outros, a porta na cara das donas de casa mal-humoradas, o "Deus o favoreça" da maioria, para amealhar uma fortuna como a de "Pão Duro", é coisa a que raros se submeteriam. Mas todos, isso sim, gostariam de usufruí-la, sem lhe conhecer os ônus.

Honrado Pão Duro! Se ao atingir tão grande soma, tivesses mudado de hábitos, passando a viver num palacete, a oferecer banquetes aos amigos ursos e donativos às instituições de caridade, sem, contudo, resolver o problema do pauperismo, serias um grande homem neste país de pedintes de empregos que se revoltam contra os pedintes de esmola! Ninguém iria indagar do início vilipendioso da tua vida.

Sacrificaste, porém, aquilo que tanto nos custa sacrificar: o pudor de pedir. Depois de rico, tendo conhecido os horrores da miséria, nela perseveraste para não perder a fortuna tão duramente adquirida. E aí está no que deu o teu esforço obscuro e tremendo. Os jornais, em vez de necrológios bombásticos, infamam a tua memória. E os mais encanzinados forretas, os usurários mais irredutíveis, os maiores adoradores do bezerro de ouro, hipocritamente cospem na tua sepultura.