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As obscuras primeiras horas da República

Há uma série de dúvidas entre os historiadores sobre os acontecimentos das primeiras horas da República, o que fez nesse dia 15/11/1889 cada personagem da história. Quase 100 anos depois, surgiu na imprensa um relato desses momentos, acompanhado de uma foto, talvez o único documento fotográfico registrado nesse agitado dia. O que se segue é a transcrição do que foi publicado no Caderno de Sábado do Jornal da Tarde/OESP, de São Paulo, em 2 de junho de 1990 (página 2):

Da esquerda para a direita, sentados, o ten. Thomas Lobo Botelho e seu irmão, o major João Carlos Lobo Botelho, com outros oficiais, alunos da Escola Militar

HISTÓRIA

Uma fotografia foi guardada durante 100 anos, para ser publicada aqui, no Centenário da República.

CENTENÁRIO DA REPÚBLICA BRASILEIRA

Por Eduardo Lobo Botelho Gualazzi (*)

O Centenário da República Brasileira, cronologicamente iniciado em 15 de novembro de 1969 (SIC: correto seria 1989), finalizará em 15 de novembro de 1990. Portanto, é oportuno agora revelar-se o segredo a respeito de três horas decisivas de 15 de novembro de 1889, que consiste na chave para compreensão cabal do mosaico histórico de ações e interações que culminaram na Proclamação da República, em nosso país.

Na verdade, ao longo do dia 15 de novembro de 1889, no Rio de Janeiro, houve três momentos cruciais:

a) manhã - o Marechal Deodoro da Fonseca, monarquista e amigo do Imperador D. Pedro II, almejava apenas depor o Gabinete Ouro Preto, hostil ao Exército Brasileiro, para tentar conciliação entre monarquistas e republicanos, com preservação da Monarquia até o falecimento de D. Pedro II;

b) tarde - republicanos exacerbados e monarquistas desencantados (respectivamente, civis e militares) providenciaram a Ata da Proclamação da República, na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, por instigação do tenente-coronel Benjamin Constant Botelho de Magalhães, ausente ao ato o Marechal Deodoro da Fonseca, mas discretamente representado por seu secretário, o major (depois cel. e gal.) João Carlos Lobo Botelho, acompanhado por seu irmão, o tenente Thomas Lobo Botelho, ambos também de tradições e sentimentos monarquistas, mas aderentes à causa republicana, como militares, por influência de Benjamin Constant;

c) noite - o Marechal Deodoro da Fonseca subscreve, em sua casa, a Ata da Proclamação da República, discretamente portada por João Carlos Lobo Botelho e Thomas Lobo Botelho, a instâncias de Benjamin Constant Botelho de Magalhães.

A Ata da Proclamação da República foi aprovada, na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, às 15 horas de 15 de novembro de 1889, mas chegou à casa do Marechal Deodoro da Fonseca às 18 horas daquele dia. Assim como nenhuma obra de História do Brasil esclareceu precisamente quem portou a Ata, igualmente jamais elucidou o que sucedeu durante essas três horas. Eis a dupla face do segredo ora revelado:

Ao entardecer de 15 de novembro de 1889, um grupo de pessoas, entre si aparentadas por laços de consangüinidade e afinidade, dispôs de tempo e calma para posar a uma fotografia de recordação familiar, entre 15 e 18 horas, tendo participado direta e intensamente dos três momentos cruciais, de modo sigiloso e patriótico, como convém a militares. Muitos anos passados, em São Paulo, o mais jovem a ter posado compenetrou-se de que aquela fotografia era a única recordação visual da própria Proclamação da República e, assim, decidiu preservá-la no seio da família, em arquivo particular e sigiloso, tendo falecido em São Paulo, em 1934, com a recomendação de que a fotografia fosse publicada "no jornal da família Mesquita", no transcurso do Centenário da República.

Em 1974, em atenção ao pedido de seu bisavô, transmitido pela família, seu bisneto providenciou a restauração da fotografia, por métodos modernos, para publicação "no jornal da família Mesquita", que muito lutou e luta pelo bem da República Brasileira.

Aquele jovem, que posou na fotografia, o primeiro da esquerda para a direita, entre os sentados, foi meu bisavô, Thomas Lobo Botelho, que empunhou a primeira Bandeira Republicana do Brasil, no desfile militar realizado na manhã de 15 de novembro de 1889: a partir de 23 de novembro de 1891 (renúncia do presidente Deodoro da Fonseca), Thomas Lobo Botelho, que havia integrado os Dragões da Independência (guarda pessoal do Imperador D. Pedro II), começou a decepcionar-se com os rumos antiliberais, excessivamente antimonárquicos, anti-europeizantes e corporativistas que foram impressos à República Brasileira, durante o governo do presidente Mal. Floriano Vieira Peixoto, que aos 13 de maio de 1894 rompeu relações diplomáticas com Portugal.

Em conseqüência, Thomas Lobo Botelho reformou-se no serviço militar, tendo permanecido em São Paulo, no serviço público civil, até o falecimento, em 10 de novembro de 1934, recordando sua juventude carioca e não tendo logrado esquecer-se da paradoxal ironia de que era descendente direto e legítimo de D. Mariana Xavier Lobo Botelho, Duquesa de São Miguel, primeira-dama do Reino (precisamente a aia-camareira de D. Maria I, Rainha de Portugal, Brasil e Algarves, de seu filho D. João VI e de seu neto D. Pedro I, Proclamador da Independência de nosso Brasil).

Ainda naquela fotografia, ao lado de Thomas Lobo Botelho, também sentado, figura o então major (depois cel. e gal.) João Carlos Lobo Botelho, seu irmão, casado em 1884 com D. Julieta Dutra da Fonseca, sobrinha do Marechal Deodoro da Fonseca, de quem João Carlos foi secretário e, após 15 de novembro de 1889, alter ego na Presidência da República: o Marechal Deodoro da Fonseca, símbolo supremo do Exército Brasileiro e da Pátria no Brasil-República, era homem idoso, enfermo e alquebrado, em decorrência dos sacrifícios heróicos a que se submetera durante a Guerra do Paraguai, na companhia de João Carlos Lobo Botelho.

Por este motivo, durante todo seu período presidencial (15/XI/1889 a 23/XI/1891), o expediente burocrático-governamental era preparado, deliberado e freqüentemente subscrito por João Carlos Lobo Botelho, em nome de Deodoro da Fonseca, peculiaridade já referida sucintamente por especialistas em História do Brasil.

Por fim, os outros oficiais da foto, integrantes da Escola Militar, eram orientados por Benjamin Constant Botelho de Magalhães, mas foram comandados por João Carlos Lobo Botelho, durante a Proclamação da República.

Eis o que sucedeu durante aquelas três horas, no trajeto da Câmara Municipal do Rio de Janeiro à casa do Mal. Deodoro da Fonseca, ao portarem sigilosamente a Ata da Proclamação da República: uma fotografia singela, lampejo do destino, a única recordação visual da Proclamação da República Brasileira! O nome do fotógrafo? Só Deus sabe...

"No dia 7 de setembro de 1993 o eleitorado definirá, através de plebiscito, a forma (república ou monarquia constitucional) e o sistema de governo (parlamentarismo ou presidencialismo) que devem vigorar no País" - eis o disposto no artigo 2º (caput) do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988.

Quando a Nação Brasileira for plebiscitariamente suscitada, após mais de um século, a escolher entre a República Brasileira e a Monarquia Constitucional (que nos assegurou a Independência do Brasil), cumprir-se-á post mortem, mutatis mutandis, o augúrio liberal de Benjamin Constant Botelho de Magalhães, João Carlos Lobo Botelho e Thomas Lobo Botelho, expresso por Benjamin Constant em 15 de novembro de 1889: "Nós não podemos impor uma forma de governo do Brasil".

(*) Eduardo Lobo Botelho Gualazzi é procurador do Estado e professor associado na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).