Clique aqui para voltar à página inicialhttp://www.novomilenio.inf.br/porto/contei23.htm
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 10/11/03 11:03:45
Clique na imagem para voltar à página inicial da série Contêiner...

CONTÊINER...
USL: do mega-sonho ao mega-pesadelo

Leva para a página anterior

Texto publicado na Porter - Revista dos Transportes Internacionais Portugueses, editada por CidadesTur Soc. de Representações, Publicidade e Turismo, de Lisboa e Porto/Portugal, em janeiro de 1987:

 

O império da U.S. Lines está a atravessar dificuldades financeiras graves
Foto publicada com a matéria. Legenda original

U.S.Lines: a queda de um sonho

Nestor Fatia Vital

A notícia caiu como uma bomba, há pouco mais de um mês, nos meios marítimos internacionais, e por se tratar de um caso de grande relevância, pelas suas graves conseqüências, merece que a analisemos.

Malcom McLean, de 73 anos, foi até agora um gigante poderoso através da casa-mãe McLean Industries Inc. e suas filiais de navegação United States Lines Inc. e U.S. Lines (SA) Inc.

Deve-se ao seu impulso o lançamento da contentorização ns E.U.América do Norte e, como armador, a maior frota especializada, hoje, com 44 navios porta-contentores.

Tinha uma ambição: dominar o mercado internacional do contentor com navios modernos, cujo pavilhão estivesse presente em todos os oceanos, imparável acutilância de marketing e prática de fretes baixos, altamente competitivos, para o que seguia uma política de autêntico outsider, ignorando as Conferências marítimas, tornando-se numa autêntica super-conferência privada.

Pois a 24 de novembro último, essa ímpar organização depositou junto do Tribunal do Distrito Sul de Nova Iorque o pedido de protecção ao abrigo do capítulo 11 da Lei federal sobre as falências. Essa protecção permite suspender serviços não rentáveis, continuar a exploração dos que considere de interesse e suspensão temporária de qualquer acção por parte dos credores, tudo isto por um determinado período.

Mas como foi possível chegar-se a esta situação?

Quando, há uns dois anos, se soube que McLean colocara uma encomenda de 12 navios porta-contentores gigantes (2.229 uns. de 40') ao estaleiro sul-coreano Daewoo, no montante fantástico de 570 milhões de dólares, a concorrência pensou tratar-se de um jogo. De facto, não o era, pois que essa encomenda correspondia à decisão de implantar um serviço contentorizado round world, isto é, uma poderosa e absorvente linha de navegação à volta do Mundo, a qual teve o seu arranque logo após as primeiras entregas de navios.

Foi um sonho de curta duração. No final de 1985 a companhia apresentava já um prejuízo de $ 72,5 milhões, no primeiro semestre de 1986 $ 147,6 milhões e no 3º trimestre $ 92 milhões, o que perfaz um prejuízo de $ 239,6 milhões no final dos nove meses do ano passado.

Vários erros fatais estão na origem deste descalabro: a capacidade dos navios era superior às potencialidades dos portos de escala, além da proliferação destas; a própria natureza lenta dos super porta-contentores, o que diminuía a sua rotação e conseqüente exploração comercial e industrial; a alternativa tomada de só operar unidades de 40 pés, o que já fora quase fatal na má experiência da Sealand com as unidades de 35'; as taxas de fretes extremamente baixas praticadas e, como exemplo, refira-se que um 40' da USL, da Europa para o Extremo Oriente, era taxado a cerca de $ 1.200/1.300, portanto abaixo do que outros concorrentes preçavam para um 20'; o facto de os novos navios se destinarem a operar em áreas de mercado de competição quente; as enormes somas de juros bancários que a referida encomenda provocava.

De todos estes factores negativos, estamos em crer que o acelerador da perda de solvência foram os prejuízos financeiros, não podendo a USL continuar a responder aos seus compromissos bancários.

A rotura verificada redundou, inevitavelmente, em múltiplas vítimas.

O fim do serviço à volta do Mundo foi um choque para os seus portos de escala: Nova Iorque, Roterdão, Khor Fakkan, nos Emiratos Árabes Unidos e que fica praticamente morto; Singapura; Hong-Kong; Kaohsiung; Kobe; Yokohama; Long Beach; Panama e Savannah.

Em agosto de 1986, a USL abandona o poto de Fos, perto de Marselha, e a propósito lembramos o que escrevemos no artigo desta revista "Portos: A Evolução Necessária", p. 20, nº 33. Ao mesmo tempo, era anulada a escala de Jeddah, na Arábia Saudita.

Recentemente, para a operação portuária de mais de mil contentores, em Singapura, para o American New Jersey, bem como de 600 unidades do American Oklahoma, navios que estiveram ali retidos por dívidas de bancas em outros portos, a USL teve de avançar verbas no montante de US$ 780.000. De facto, perdida a confiança, a frota arrisca-se a não se poder reabastecer em escala e, até, a serem arrestados os navios e o respectivo parque de contentores, em vários portos do mundo.

Outra vertente da questão, e não menos importante, é a social. Para obviar ao desemprego, os quadros da USL, na Inglaterra, acabam de constituir a sociedade Brit-Ocean Agencies para a comercialização, no Reino Unido, dos novos serviços marítimos da Nedlloyd nas rotas do Atlântico Norte e Sul, bem como do Golfo do México. Além disso, aquele armador teria absorvido pessoal da USL após o anúncio de falência.

Mas será, também, o próprio estaleiro sul-coreano Daewoo, uma das principais vítimas.

Para cumprir a encomenda dos 12 porta-contentores da 3ª geração, teve de se financiar, à partida, em cerca de US$ 113 milhões junto do Korea Development Bank ($ 80,3 m), seu principal accionista, e de um grupo bancário dirigido pelo Citicorp ($ 32,5 milhões). Agora é o estaleiro que se vê em extremas dificuldades para liquidar juros elevadíssimos, sem receber fundos da US Lines. Além disso, do total de $ 570 milhões encomendados, o Daewoo não verá garantido o reembolso de $ 156 milhões, nem pelos bancos, nem pelo governo americano, em virtude de ter sido accionada a protecção do capítulo 11.

Uma eventual estagnação do mercado de construção naval ser-lhe-á fatal. Uma hipótese seria retomar os navios para posterior venda, mas em conseqüência da actual depressão, os $ 570 milhões de arqueação não valerão mais do que uns $ 240 milhões. Assim, o Daewoo admitiria a preferênica de interesse na hipoteca legal não dos navios grandes mas de outras unidades da frota contentorizada da US Lines.

Mas este armador precisa desta frota enquanto sobreviver, pois continuará a operar nas rotas até agora lucrativas, isto é, o trans-Pacífico (costa Oeste dos E.U.A./Ilhas Hawai-Guam-Extremo Oriente) e sul-americanas (costa Este dos E.U.A./América do Sul).

A falência da United States Lines é a queda de um sonho mas, também, um facto de grande repercussão mundial e um forte aviso.


Malcom McLean, de 73 anos, até agora um gigante todo poderoso, 
pode ter justificadas dores de cabeça
Foto publicada com a matéria. Legenda original

Leva para a página seguinte da série