Clique aqui para voltar à página inicialhttp://www.novomilenio.inf.br/santos/calixtoch12.htm
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 07/16/10 15:15:37
Clique na imagem para ir à página-índice de Benedito Calixto
BENEDITO CALIXTO
Calixto e as Capitanias Paulistas - 12


Clique na imagem para ir ao índice da obraAlém de refinado pintor, responsável por importantes telas que compõem a memória iconográfica da Baixada Santista, Benedicto Calixto foi também historiador e produziu várias obras no gênero, como esta, Capitanias Paulistas, impressa em 1927 (segunda edição, revista e melhorada, pouco após o seu falecimento) na capital paulista por Casa Duprat e Casa Mayença (reunidas).

O exemplar, com 310 páginas, foi cedido a Novo Milênio para digitalização pela Biblioteca Pública Alberto Sousa, de Santos, através da bibliotecária Bettina Maura Nogueira de Sá, em maio de 2010. A ortografia foi atualizada, nesta transcrição (páginas 111 a 126):

Leva para a página anterior

Capitanias Paulistas

Benedito Calixto

Leva para a página seguinte da série

Imagem: cabeçalho de página da obra (página 111)

CAPÍTULO VIII

D. Francisco Luiz Carneiro de Souza, conde da Ilha do Príncipe, reivindica as vilas e terras usurpadas pelos senhores da Casa de Monsanto. - Carta régia de d. Pedro II, príncipe regente, ordenando a posse dessas terras em favor de d. Francisco - 1679. - Carta de Diligência e Certidões, requeridas na Bahia pelo capitão Luiz Lopes de Carvalho, procurador do conde da Ilha do Príncipe. - Uma interessante certidão do Arquivo da Fazenda Real, da vila de Santos. - Posse solene dada na Câmara de S. Vicente, em 1679, na pessoa do capitão Luiz Lopes de Carvalho. - O marquês de Cascais, sucessor dos condes de Monsanto, é de novo empossado da Capitania de São Vicente - 1682. - A vila de Itanhaém continua com o título de Cabeça de Capitania da Donataria de Martim Afonso.

m 28 de abril de 1679, como já ficou dito, tomou posse da dita Capitania de Itanhaém, d. Francisco Luiz Carneiro de Souza, filho e sucessor de d. Luiz Carneiro, conde da Ilha do Príncipe.

D. Francisco Luiz Carneiro de Souza, que herdou de seu pai o título de conde da Ilha do Príncipe, foi o oitavo donatário da Capitania de Martim Afonso. Todo os demais donatários, seus antecessores, na Capitani de Itanhaém, desde a condessa de Vimieiro em 1624 - por seus procuradores e loco-tenentes - haviam pleiteado a causa de reivindicação das vilas usurpdas, perante os tribunais, sem entretanto nada terem conseguido até esta data, 1679. A glória de obter uma sentença favorável coube, pois, a este oitavo donatário da Capitania de Itanhaém - d. Francisco Luiz Carneiro de Souza -, que a obteve do rei d. Pedro II, então príncipe regente de Portugal, plena reivindicação de todas as cem léguas doadas a Martim Afonso de Souza, mandando então restituir a Vila de São Vicente, Santos, e as demais do planalto da serra, a este donatário, as quais se achavam em poder dos condes de Monsanto, desde 1624.

Era então donatário da Capitania de S. Vicente (antiga Capitania de Santo Amaro), d. Alvaro Pires de Castro e Souza, conde de Monsanto, que, ao título de conde, havia juntado o de marquês de Cascais. D. Alvaro Pires de Castro e Souza se opôs tenazmente  que a Câmara de São Vicente desse pose ao conde de Vimieiro. Procederam-se agravos para a Relação da Bahia, cartas de diligência etc., sem impedir, entretanto, que o donatário da Capitania de Itanhaém, d. Francisco Luiz Carneiro, tomasse posse das referidas vilas, por intermédio do seu loco-tenente, o capitão Luiz Lopes de Carvalho, governador e ouvidor da Capitania de Itanhaém.

O governador de Itanhaém, Luiz Lopes de Carvalho, antes de ser empossado, foi à Bahia e ali apresentou, ao ouvidor-geral do Estado, a carta de confirmação das terras, dadas pelo rei, e requereu que, "visto ter o soberano feito aquela mercê ao conde seu constituinte, o mandasse empossar de todas as vilas e lugares que havia possuído Martim Afonso de Souza e seus herdeiros, sem contradição de pessoa alguma". Sendo atendida a sua petição, requereu ainda que lhe fosse, em virtude da Carta Régia, passada uma Carta de Diligência, a qual consta dos "Autos de posse do conde da Ilha do Príncipe", na Câmara de S. Vicente.

Eis o teor dessa carta-régia:

"D. Pedro, por Graça de Deus etc. ... Me mandou dizer por sua petição o conde da Ilha do Príncipe, por seu procurador Luiz Lopes de Carvalho, ouvidor e governador da Capitania de Itanhaém, lhe mandasse passar carta de diligência, para em virtude dela se lhe dar a posse de todas as vilas e terras da dita capitania, na forma de sua doação, como as possuía o dito Martim Afonso de Souza, e Eu mandasse; e receberia mercê... Em virtude do qual despacho se passou a presente Minha Carta de Diligência, pela qual vos seja apresentada, sendo primeiro pelo meu ouvidor geral assinada e passada pela minha Chancelaria, e em seu cumprimento dareis, ou mandareis por um oficial de justiça, de ante voz, dar posse ao suplicante o conde da Ilha do Príncipe, Francisco Luiz Carneiro de Souza, por seu procurador bastante, das ditas cem léguas de terra e de todas as vilas e terras da dita capitania, em sua petição declarada atrás, nesta incorporada, na forma da sua doação, que com esta vos será apresentada; assim e da maneira que as possuía Martim Afonso de Souza e como Eu mando na dita doação, e como tinham e possuíram os donatários antecessores do dito suplicante...  E sendo caso que por parte de alguma pessoa, ou pessoa, venham com embargos ao cumprimento desta Carta, vós deles não tomareis conhecimento, posto que hajam de receber; antes os remetereis a este Juízo de minha Ouvidoria Geral e do Civil, adonde pertencem; sem embargos deles estas a fareis cumprir e guardar, assim e da maneira que nelas se contém. Dada e passada nesta minha Cidade do Salvador, Bahia de Todos os Santos, aos 26 dias do mês de setembro de 1678 anos. O príncipe nosso senhor o mandou pelo doutor João de Góes de Araujo, do seu desembargo, seu desembargador e ouvidor geral e civil, com alçada em todo este Estado do Brasil".

Luiz Lopes de Carvalho obteve ainda, na Bahia, uma certidão do escrivão da Provedoria da Fazenda Real e outra extraída dos Livros da Fazenda Real, da Vila de Santos, conforme consta dos referidos autos das Câmaras de S. Vicente, Itanhaém e Santos.

Damos na íntegra a cópia dessas duas certidões, que são importantes, não só pelo que esclarecem sobre a questão, como também pelas referências que fazem a outros pontos que muito interessam à história da fundação de São Vicente e Santos.

"Certidão de um livro da Provedoria

 Mor da Fazenda Real da Bahia:

"O capitão João Dias da Costa, escrivão da Fazenda Real do Estado do Brasil e da matrícula da Gente da Guerra do exército dela, e presídio desta Cidade do Salvador, Bahia de Todos os Santos, por Sua Alteza etc. - Certifico que revendo os livros da mesma Fazenda, que estão em meu poder, achei um antigo, que começa a escritura dele pelo traslado do Regimento dos Provedores das Capitanias e Vilas dos Estados do Brasil, de como hão de servir.

"E a folhas 22v. dele consta estar registrado o traslado de um doação cujo título é o seguinte: 'Traslado da Doação da Capitania de S. Vicente, da qual é capitão Martim Afonso de Souza'. E logo adiante da dita doação está registrado o foral dela, a fls. 26 do dito livro, dado pelo senhor rei d. João III, da data de 7 de outubro de 1534, cujo título diz: 'Traslado do Foral da Capitania de S. Vicente, de que é capitão Martim Afonso de Souza'. E em outro livro antigo, que tem por título: 'Livro de Registro dos Ordenados e Mantimentos etc.', o qual começou no primeiro de abril de 1549, e consta dele, a fls. 26, que estão registrados três alvarás, passados em maio do ano de 1544, cujo título diz: 'Traslado das três provisões d'el-rei nosso senhor, dos ordenados de que faz mercê e há de haver Simão de Oliveira, vigário da Vila de S. Vicente, Capitania de Martim Afonso de Souza'. E nos ditos alvarás faz a mesma declaração da Vila de São Vicente, Capitania de Martim Afonso de Souza. E, na dita folha, verso, está uma provisão do mesmo senhor rei d. João III, porque faz mercê a Antonio de Oliveira, da Feitoria e Almoxarifado da Capitania do Brasil de que tem feito mercê ao mesmo Martim Afonso, cujo título diz: 'Traslado da Provisão de S. Alteza, por que faz mercê  Antonio Rodrigues, do Ofício de Feitos, e almoxarife da Capitania de S. Vicente, de que é capitão e governador Martim Afonso de Souza',  qual é dada no mês de janeiro de 1538. E a folhas 27 do dito livro está um alvará de S. Alteza, porque faz mercê a Antonio Tinoco - de provedor da Fazenda da Capitania de Martim Afonso de Souza, nas terras do Brasil, passada em 1548, cujo título diz: 'Traslado da Provisão de Sua Alteza, a Antonio Tinoco, de provedor da Fazenda da Capitania de S. Vicente', e a folhas 44 está uma provisão do senhor rei d. João III, porque faz mercê a Braz Cubas dos cargos de provedor e contador de Suas Rendas e direitos da Capitania de São Vicente, nas terras do Brasil de que Martim Afonso de Souza, do seu Conselho, é capitão; passada em julho de 1554 anos, cujo título diz: 'Traslado da Provisão, por que Sua Alteza há por bem que Braz Cubas sirva de provedor, em sua vida, da Capitania de S. Vicente'. Como tudo consta dos ditos livros acima referidos, a que me reporto e deles passei a presente, por ser o que achei etc. Na Bahia, aos 30 dias do mês de agosto de 1678. José Cardozo Pereira a fez. Assinado - João Dias da Costa" (Documentos do Arquivo da Câmara de S. Paulo).

A outra certidão, extraída dos livros da Provedoria da Fazenda Real da Vila de Santos, é a seguinte:

"Certidão de um livro da Provedoria

da Real Fazenda da Vila de Santos:

"Certifico eu Sebastião Ribeiro, escrivão da Real Fazenda, e Almoxarifado desta Capitania de São Vicente, que é verdade, que em meu poder tenho um livro velho, que está no Cartório desta Provedoria, que se intitula: 'Livro dos Registros desta Feitoria da Capitania de São Vicente, que começou a servir em o ano de 1564'. E a folha 25 do dito livro está uma provisão do senhor rei de Portugal, e por nela não estar o nome do senhor rei, fui a ver adiante, e se nomeava o Real Nome, achei outra provisão passada a folhas 47, em 18 de mês de junho de 1551, em que inferi serem ambos passados pelo senhor rei d. João III, que Deus haja, e nela ordena o senhor rei, pela primeira provisão a folhas 25 do dito livro, e diz, que a requerimento dos moradores da Capitania de São Vicente, de que Martim Afonso de Souza, de seu Conselho, é capitão, mandava se fizesse uma fortaleza na Barra de Bertioga, para a qual havia por bem que, dos direitos que tenha na dita Capitania, se gastassem dois mil cruzados nas obras da dita fortaleza, e que das redízimas da dita Capitania, pertencente ao dito Martim Afonso, se gastassem mil cruzados. Passado em Almeirim, aos 25 de julho de 1551 anos. E a folhas 19 do mesmo livro está registrada uma provisão, cujo teor é o seguinte: 'Martim Afonso de Souza, do Conselho d'el-rei nosso senhor, capitão e governador da Capitania de S. Vicente, no Estado do Brasil, etc. Mando a vós Braz Cubas, que ora tendes o cargo de arrecadador de minhas rendas, que tenho na dita Capitania, ou a quem tiver cargo de arrecadar as ditas rendas, que delas dêem e entreguem - mil cruzados - à pessoa a quem se entregar o dinheiro, que el-rei nosso senhor manda dar para a fortaleza, que se há de fazer na Bertioga [32], e por este conhecimento da pessoa a quem se entregar, e com certidão de como foram carregados em receitas, para as obras da dita fortaleza, os levareis em conta; por que são para ajuda nas despesas da dita fortaleza, como el-rei nosso senhor manda em sua provisão. Sebastião de Moraes as fez em Alcoentre a 8 de março de 1552 anos. - Assinado - Martim Afonso de Souza'

"E não contém mais a dita provisão e por me ser mandado por despacho do provedor da Fazenda Real, desta Capitania, o capitão Paulo Rodrigues de Lara, passei a presente certidão, reportando-me ao dito livro, que em meu poder fica. Em esta Vila de Santos, aos 23 dias do mês de abril de 1679 anos. Eu sobre dito escrivão que o escrevi" (arq. da Câm. de Itanhaém).

Luiz Lopes de Carvalho, munido de todas estas certidões e cartas régias de confirmações dos direitos, do seu constituinte, se apresentou em S. Vicente, requerendo aos camaristas que lhe dessem posse imediata de tudo, segundo ordenava a mencionada provisão e a carta régia. Os vereadores indeferiram, porém, a petição de Luiz Lopes de Carvalho, e este agravou logo o despacho, para a Relação da Bahia, a qual atendendo a petição de agravo, mandou que os oficiais dessem a referida posse, imediatamente.

Em virtude desse despacho da Relação, os oficiais da Câmara empossaram, sem mais escrúpulo, o conde da Ilha do Príncipe, na pessoa de seu representante, o capitão Luiz Lopes de Carvalho, a 28 de abril de 1679, conforme consta do Auto que passamos a transcrever.

"Posse que tomou o donatário d. Luiz Carneiro de Souza, conde da Ilha do Príncipe, da Capitania de São Vicente, em 28 de abril de 1679.

"Ano do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil seiscentos e setenta e nove, aos vinte e oito dias do mês de abril, do dito ano, nesta Vila de S. Vicente, Cabeça desta Capitania, em Senado da Câmara dela, estando em vereação os juízes ordinários e o capitão Domingos de Brito Peixoto, e o capitão Francisco Callaça, e os vereadores: o capitão Augusto Rodrigues da Guerra e o capitão Manuel de Aguiar e Manuel Rodrigues de Azevedo, e o procurador do Conselho o capitão Sebastião Vieira de Souza, perante eles apareceu o capitão Luiz Lopes de Carvalho, procurador bastante do conde da Ilha do Príncipe, Francisco Luiz Carneiro de Sousa, e apresentou aos ditos oficiais da Câmara uma doação, pela qual Sua Alteza, que Deus guarde, faz mercê ao dito conde, da capitania das cem léguas de terras por costa, a qual foi concedida pelo senhor rei d. João III, a Martim Afonso de Souza, terceiro avô do dito conde; e por quanto a doação era confirmada por Sua Alteza e trazia o cumpra-se do dito governador geral do estado e pelos desembargadores da Relação, apresentou também a Carta de Diligência, contida nestes Autos; em virtude da dita doação e Carta de Diligência, requereu aos ditos oficiais lhe dessem posse da dita Capitania do dito senhor Martim Afonso de Souza; e porque os ditos oficiais da Câmara repugnaram dar a dita posse, como destes Autos se vê, pelas razões de seus despachos declarados, o dito procurador agravara para o desembargo da Relação do Estado, e viera com a petição de agravos a estes Autos juntos; a qual sendo vista pelos ditos oficiais da Câmara e as certidões que por parte do senhor conde se apresenta, pelas quais consta ser a dita Capitania de Martim Afonso de cem léguas de terra, por costa, deferiam com o despacho retro, e, em virtude dele empossaram ao dito capitão Luiz Lopes de Carvalho, em nome de seu constituinte d. Francisco Luiz Carneiro de Souza, conde da Ilha do Príncipe, de todas as vilas da Capitania que possuía Martim Afonso de Souza, na forma da ordem de Sua Alteza; e o dito procurador, em virtude da dita posse - passeou pela dita Casa da Câmara, abriu portas e janelas e as fechou, e foi ao Pelourinho, e pôs as mãos nos ferros dele, dizendo - duas e três vezes, em altas vozes: - Que tomava posse, em nome de seu constituinte, de toda a Capitania e vilas que possuía o dito Martim Afonso de Souza, e de toda a Jurisdição dela, tanto civil como crime, na forma da sua doação. E se havia alguma pessoa que fosse contra a posse...

"E por não haver quem lhe impedisse, os ditos oficiais houveram por empossado da dita Capitania e de todas sa coisas pertencentes a ela. E todos assinaram e eu Antonio Madureira Salvadores, escrivão da Câmara, o escrevi - Manuel Rodrigues de Azevedo - Domingos de Brito Peixoto - Manuel de Aguiar - Antonio Rodrigues da Guerra - Francisco Callaça - Sebastião Vieira de Souza - Luiz Lopes de Carvalho".

Em conseqüência desta posse (aliás muito legítima), "ficou o conde de Monsanto (que já tinha o título de Marquês de Cascais), não só, sem as ilhas de São Vicente e Santo Amaro, como também sem as vilas situadas nelas e nos seus fundos, que não eram suas; mas também ficou sem a Vila e Ilha de São Sebastião, que de direito lhe pertencia, por se achar compreendida dentro das dez léguas de Pero Lopes, do Rio Curupacé à barra da Bertioga.

"Como os senhores da Casa de Monsanto haviam tomado posse", diz o cronista vicentino, "com o título de Donatários de S. Vicente, averiguando-se nesta ocasião que lhes não pertencia a tal Capitania, as entenderam os vereadores de São Vicente que nada era seu, e tudo competia aos herdeiros do Donatário Fundador da Vila de São Vicente!".

"Em fim, praticou-se de acordo com o estilo observado em todas as ocasiões de posses, pois, quase nunca as tomou donatário algum, sem que entrasse pelas terras do seu vizinho". (Fr. Gaspar, obra citada).

- - -

Existe nesta fase do litígio, um ponto, aliás muito importante, que precisa ser esclarecido, no qual os dois historiadores, que se ocuparam desta questão - Pedro Taques e fr. Gaspar - não esclarecem e não estão de acordo, como vamos ver.

Pedro Taques diz que o donatário d. Francisco Luiz Carneiro de Souza conservou-se na posse das vilas e lugares da dita Capitania de São Vicente, e que "provendo em 22 de março de 1694, no cargo de seu procurador bastante o capitão Thomé Monteiro de Faria, declara, no seu alvará, de procuração, que é donatário da Capitania de São Vicente, e da de Nossa Senhora da Conceição de Itanhaém, bem como das vilas de Santos, de São Paulo, de Paranaguá, de Iguape, de Cananéia, da Ilha Grande e das mais anexas".

Esse mesmo historiador dá a entender que, na Capitania de Itanhaém, os outros donatários, que sucederam a d. Luiz Carneiro, até 1709 ou 1711 (que foi quando a Coroa comprou do marquês de Cascais essa parte da Capitania de São Vicente e Santo Amaro), ainda estavam de posse de toda a Capitania de São Vicente. Esta suposição de Pedro Taques é errônea, pois que, se as vilas de São Vicente, Santos, São Paulo e as demais incluídas nas cinqüenta léguas de Pero Lopes, que ficaram injustamente fazendo parte da dita Capitania de São Vicente, ou por outra, da Capitania de Santo Amaro, estivessem ainda em poder dos condes de Vimieiro, até essa data, como pretende o digno historiador, seriam então estes e não o marquês de Cascais, que efetuariam a venda e receberiam os quarenta mil cruzados que o rei mandou pagar.

Nesta controvérsia, entre os dois historiadores de São Vicente, quem está com a razão, incontestavelmente, é ainda fr. Gaspar da Madre de Deus.

Vejamos, pois, o que diz este cronista, quando se refere a tão importante ponto controvertido.

"É certo", diz ele, depois de analisar a posse dessa parte da Capitania dada elos camaristas de São Vicente, ao conde da Ilha do Príncipe, em 1679, "que o conde da Ilha não conservou muito temo o país reivindicado, e também que o de Monsanto (marquês de Cascais) tornou a introduzir-se nas duas ilhas e terrenos (São Vicente e Santo Amaro) por ele antecedentemente ocupados, em virtude da demarcação de Fernão Vieira Tavares.

"Na Câmara de S. Vicente não se acham os autos da sua última posse. mas entre os papéis soltos do Arquivo da mesma Câmara de São Vicente, conserva-se um carta do conde de Monsanto, escrita aos vereadores, em 26 de janeiro de 1682, na qual diz que: 'Agravando seu procurador dos oficiais da Câmara que haviam executado a Carta de Diligência do Ouvidor, obtivera ele conde de Monsanto, sentença de desforço a seu favor dada pelo desembargador sindicante João da Rocha Pita'.

"É verossímil, pois, que no mesmo ano de 1682, ou no seguinte, quando muito, tornou o conde de Monsanto a tomar posse das duas ilhas de São Vicente e Santo Amaro e das vilas situadas nos seus fundos".

Além desta prova apresentada por fr. Gaspar, temos, ainda, além de outras que vamos aduzir, uma na Chronologia de Azevedo Marques, que vem demonstrar, na forma mais positiva, que a parte da Capitania de São Vicente, compreendendo as vilas de S. Vicente, Santos, São Paulo etc., estava, já de novo, na posse do marquês de Cascais, não em 1682, mas em 1681, pois, a 22 de março desse ano, o dito marquês de Cascais passava uma provisão, no castelo de São Jorge, em Lisboa, dando à Vila de São Paulo a categoria de "Cabeça de sua Capitania", e destituindo, portanto, a Vila de São Vicente desta prerrogativa, como se verá no capítulo seguinte.

Em virtude dessa provisão, diz Azevedo Marques, lavrou-se auto de posse em Câmara, a 27 de outubro de 1683 (conforme consta do Arquivo da Câmara de S. Paulo. Livro de Registro de Provisões e Ordens Régias, como teremos ocasião de verificar).

Nos Anais da Câmara de S. Paulo, correspondentes ao ano de 1683, não consta, entretanto, este auto de posse, que a mesma vila assumiu, de "Cabeça da Capitania de São Vicente". Nos ditos anais - livros de Atas - vem um termo de requerimento que fez, a 2 de outubro de 1683, o capitão-mor, Luiz Lopes de Carvalho, não como governador da Capitania de S. Vicente, mas como representante do conde da Ilha do Príncipe.

Luiz Lopes de Carvalho requeria à Câmara de S. Paulo a entrega de uns papéis relativos às minas de Sorocaba, que estavam dentro da jurisdição da Capitania de Itanhaém.

O termo ou auto, que se lavrou na Câmara de S. Paulo, quando se leu e se registrou ali a provisão do marquês de Cascais, dando á mesma vila o predicamento de "Cabeça da Capitania de S. Vicente", não foi registrado no livro de Atas, mas no livro de registro geral, como se verá adiante.

Durante os dois anos, mais ou menos, em que os donatários da Capitania de Itanhaém estiveram na posse da Capitania de São Vicente, isto é - da Capitania de Santo Amaro - não deixou de haver a mesma distinção que até então havia existido entre as duas capitanias, de São Vicente e de Itanhaém, como se verifica dos documentos dessa época.

O alvará de 1694, citado por Pedro Taques, pelo qual o conde da Ilha do Príncipe dá procuração bastante ao seu loco-tenente, Thomé Monteiro de Faria [33], diz claramente que ele, conde da Ilha do Príncipe, "é donatário da Capitania de São Vicente e da de Nossa Senhora da Conceição de Itanhaém, bem como das Vilas de Santos, de São Paulo etc."

É preciso que se note, portanto, a fim de evitar confusão, que a Vila de Itanhaém não ficou destituída do título de "Cabeça da Capitania de Itanhaém", durante este período, 1679-1682, e muito menos depois, de 1711, quando o marquês de Cascais vendeu à Coroa a sua "Capitania de Santo Amaro", conhecida por Capitania de S. Vicente.

Todos os documentos da Câmara de Itanhaém e das respectivas vilas, que ainda estavam sujeitas à jurisdição da donataria dos herdeiros de Martim Afonso, e mesmo as provisões e cartas régias deste período, que vai de 1679 a 1721, como se verifica dos Arquivos Públicos, fazem menção da "Capitania de Itanhaém, da qual é donatário o conde da Ilha do Príncipe".

É isto, afinal, um fato incontestável, provado pelos documentos que vão transcritos nesta Memoria.

Admira, entretanto, que nem Pedro Taques, nem o dr. Antonio de Toledo Piza, que se ocuparam exclusivamente desta questão "Processo Vimieiro-Monsanto", no intuito de esclarecer a verdade, tivessem olvidado esse ponto principal, de que estamos tratando, e viessem mesmo acentuar ainda mais tal confusão entre as capitanias de São Vicente e de Itanhaém, como já temos demonstrado.

Se esses historiadores tivessem, com mais perseverança, consultado os velhos arquivos, já não diremos, das vilas da Capitania de Itanhaém, mas da própria Cidade de S. Paulo, teriam aí encontrado os velhos documentos, dessa época, que bem esclarecem agora todos esses pontos de controvérsia, entre fr. Gaspar e Pedro Taques, quanto à posse ou reivindicação, por parte do marquês e Cascais, de parte da Capitania de São Vicente que havia sido reconquistada pelo capitão-governador de Itanhaém, Luiz Lopes de Carvalho, em 28 de abril de 1679.

Passamos a transcrever, neste capítulo, outro documento do Arquivo Municipal de São Paulo, que também não foi citado por esses historiadores.

Em 20 de março de 1682, o capitão Diogo Ayres, procurador do marquês de Cascais, dirigia uma carta e requerimento às Câmaras da Capitania de S. Vicente, nestes termos: - "Senhores oficiais da Câmara. O capitão Diogo Ayres de Araújo, procurador bastante do senhor marquês de Cascais, donatário desta Capitania  de São Vicente, e como procurador da Coroa, fazenda real e fisco, requer a vossas mercês, da parte de Sua Alteza, que à sua notícia é vindo que, Luiz Lopes de Carvalho, capitão-mor da Capitania de Conceição, que de presente está no reino, tem escrito a esta Capitania, dizendo estar provido por capitão-mor desta Capitania (de São Vicente) por nove anos; tendo assim alterado estas vilas que estiveram sempre sem posse pacífica do dito senhor Marquês de Cascais, donatário destas Capitanias de S. Vicente, como a vossas senhorias lhes consta; e por quanto o dito Luiz Lopes de Carvalho, por si e por segunda pessoa pode apresentar nesse Senado, ocultamente, alguma ordem, sentenças, provisões ou outro qualquer título que seja, que prejudique ao dito senhor marquês em sua pacífica posse, ou por outra qualquer via que seja - requeiro a vossas mercês, da parte de Sua Alteza, lhe não admitam coisa algum nem provisão, nem nada que a esse Senado possa apresentar o dito Luiz Lopes de Carvalho, por si, por seu procurador ou por outra qualquer pessoa, sem primeiro me mandarem vossas mercês dar vista de todos os papéis, provisões que apresentar, ou sentenças que prejudiquem a posse do dito senhor marquês, porquanto tem embargos legítimos a tudo quanto apresentar; aliás não lhe sendo concedida vista por vossas mercês, antes de lhe deferirem coisa alguma: - agravo ou apelo, qual no caso couber para a Relação deste Estado, ou para donde o caso diretamente pertencer, onde proteste alegar justiça contra meu constituinte e de haver as perdas e danos que resultarem ao dito senhor, que em direito for. Para o que mandem vossas mercês tomar este requerimento e dar certidão do teor dele por ser para bem da Justiça; e o mesmo tenho feito na Vila de São Vicente para que conste a todo o tempo, com o que me assino. Santos, 13 de março de 1682. - O procurador da Coroa, Diogo Ayres de Aranjo". (Registro Geral da Câmara de S. Paulo).

No capítulo seguinte, ao tratarmos da prerrogativa de "Cabeça da Capitania de São Vicente", concedida nesta época pelo marquês de Cascais à vila de São Paulo, transcreveremos ainda outros documentos importantes, do "Registro Geral" da mesma Câmara, que não foram citados pelos ditos cronistas.

Clique na imagem para ampliá-la

Fortalezas da costa sudeste brasileira e plantas das vilas de Santos e Paranaguá - organizadas por Benedicto Calixto em 1922, com base em mapa do século XIX

Imagem inserida entre as páginas 116 e 117 da obra - Clique na imagem para ampliá-la


[32] Martim Afonso, durante a sua permanência em São Vicente, já havia mandado levantar uma fortaleza, que, depois, foi conhecida com o nome de S. Felipe, na margem direita da Barra da Bertioga (Ilha de Santo Amaro). Nesta data - 1551 - ordenava ainda o donatário, em Almeirim, que se levantasse outra, na margem oposta, onde hoje existe a Fortaleza de São João da Bertioga. (Vide Fortalezas do Porto de Santos, em outra parte destas Memorias).

[33] Thomé Monteiro de Faria foi governador da Capitania de Itanhaém, como se verifica da "Relação" respectiva, que vai em outro capítulo.

Imagem: adorno da página 126 da obra