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BENEDITO CALIXTO
Calixto e as Capitanias Paulistas - 13


Clique na imagem para ir ao índice da obraAlém de refinado pintor, responsável por importantes telas que compõem a memória iconográfica da Baixada Santista, Benedicto Calixto foi também historiador e produziu várias obras no gênero, como esta, Capitanias Paulistas, impressa em 1927 (segunda edição, revista e melhorada, pouco após o seu falecimento) na capital paulista por Casa Duprat e Casa Mayença (reunidas).

O exemplar, com 310 páginas, foi cedido a Novo Milênio para digitalização pela Biblioteca Pública Alberto Sousa, de Santos, através da bibliotecária Bettina Maura Nogueira de Sá, em maio de 2010. A ortografia foi atualizada, nesta transcrição (páginas 127 a 140):

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Capitanias Paulistas

Benedito Calixto

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Imagem: cabeçalho de página da obra (página 127)

CAPÍTULO IX

O marquês de Cascais destitui a Vila de São Vicente do título de "Cabeça de Capitania" e concede essa prerrogativa à Vila de São Paulo - 1681. - A gratidão do marquês para com os habitantes da Vila de São Paulo. - A Câmara de São Vicente apela para a Relação da Bahia e consegue anular o ato do marquês de Cascais. - Os documentos da Câmara de São Paulo, dessa época, que esclarecem este ponto. - A epopéia dos bandeirantes, nas duas capitanias paulistas.

m documento que passamos ainda a transcrever, dos livros de Registros das Provisões e Ordens Régias do Arquivo da Câmara Municipal de São Paulo, não foi citado, nem por Pedro Taques, nem por fr. Graspar, que, sem dúvida, não tiveram dele conhecimento, ou lhes passou despercebido.

É esse documento, entretanto, a prova mais evidente, como já dissemos, da posse que o marquês de Cascais havia de novo obtido das terras e vilas que, a 28 de abril de 1679, haviam sido restituídas aos herdeiros da donataria de Martim Afonso de Souza, na pessoa de seu loco-tenente, Luiz Lopes de Carvalho. Azevedo Marques citou essa provisão, mas não procurou, de forma alguma, esclarecer o ponto controvertido porque, como os demais historiadores contemporâneos, não ligou importância ao fato, supondo sem dúvida que a Capitania de São Vicente ou Capitania de São Paulo e Capitania de Itanhaém eram uma e a mesma coisa!

A provisão dando à Vila de S. Paulo a prerrogativa de Cabeça de Capitania de São Vicente, é assim concebida:

"Eu o marquês de Cascais, senhor e capitão geral das terras de S. Paulo e Santo Amaro do estado do Brasil, etc. Tendo respeito ao zelo e fidelidade com que os moradores da dita minha vila de São Paulo servem ao príncipe meu senhor e a mim, em todas as ocasiões avantajando-se em tudo aos mais vassalos e moradores da dita Capitania, com tanto valor e verdade como experimentou na ocasião em que se intentou subrepticiamente privarem ao seu capitão-mor da minha posse; desejando que pelo serviço que nesta ocasião intentavam fazer-me, rememorando-lhes tão grande obrigação como farei sempre que me lembrar do seu merecimento que procurarei ter sempre muito na memória para em toda a ocasião lhes mostrar o ânimo com que desejo empregar-me nas suas melhoras; assim por esta razão como por outras muitas que se me oferecem quero e o hei por bem que a dita Vila de S. Paulo seja de hoje em diante Cabeça da dita Capitania e como tal goze de todas as proeminências que até o presente lograva a Vila de S. Vicente. Pelo que mando etc. Dado em Lisboa em o castelo de S. Jorge, aos 22 de março de 1681 etc. - Marquês de Cascais".

Vê-se bem pela forma por que se exprime o marquês nesta provisão que os camaristas de São Vicente haviam incorrido no seu desagrado pelo fato de terem, embora com alguma relutância, dado posse solene ao conde da Ilha do Príncipe, não só da Capitania de São Vicente como de uma parte da de Santo Amaro que de direito lhe pertencia, como já ficou explicado; ao passo que os vereadores de S. Paulo se negaram a confirmar esse ato, conforme se depreende das alusões feitas no documento que vimos de transcrever.

Assim se explica pois o motivo da gratidão do dito marquês e dos seus termos lisonjeiros e afetuosos para com os camaristas e povo da Vila de S. Paulo, a qual vai ser por ele elevada ao predicamento de sede de sua capitania.

Os vereadores e homens bons de S. Paulo, na mesma sessão em que se reuniram para tomar conhecimento desta provisão do marquês de Cascais, lavraram o seguinte auto: "Aos 27 dias do mês de abril de 1683, sendo juntos os oficiais da Câmara, abaixo assinados, e o capitão-mor desta capitania Diogo Pinto do Rego, foi vista e recebida a mercê atrás por alguns homens bons do povo que foram chamados, e logo pelo dito capitão-mor foi acordado que o porteiro desta Câmara e tabelião fossem à praça e lugares públicos desta Vila a dar notícia e fazer patente - em como o senhor marquês de Cascais, donatário, fazia, como tinha feito, mercê de que esta vila fosse Cabeça de Capitania, com os privilégios que até agora tinha gozado a Vila de São Vicente. E se houvesse alguma outra provisão em contrário acudisse a apresentar neste Senado, quem a tivesse; o que sendo assim feito constou, pela resposta dos sobreditos oficiais que a dita diligência fizeram - não haver pessoa que com outra provisão encontrasse sta. O que visto pelo dito capitão-mor e governador desta praça e pelos oficiais da Câmara deste Senado, se mandou fazer este auto de posse em que todos assinaram etc.".

Não obstante o regozijo dos habitantes da Vila de São Paulo por este ato do marquês, que foi assim acolhido e registrado nessa sessão solene presidida pelo capitão-mor, Diogo Pinto do Rego, surgiram dúvidas, não só em São Vicente, como em todas as demais vilas da Capitania e mesmo na própria vila de S. Paulo, se deveriam ou não os camaristas aceitar esse ato ou essa dádiva do donatário, destituindo a Vila de São Vicente do seu título de "Cabeça de Capitania".

Os membros do "Senado do Conselho" da Vila de S. Paulo, movidos então por natural escrúpulo, dirigiram-se, em carta, aos vereadores vicentinos, aos 4 de outubro do ano seguinte - 1684, dizendo que a atitude assumida pela Câmara, aceitando a provisão do marquês, era de fato comum de obediência, e "muito ajustada a razão, ainda assim, não ignoramos" - diziam os vereadores de S. Paulo - "que vossas mercês tinham, também, suas razões; e para que se não infira, de nossa parte, motivos que não desejamos, mas todo acerto e união, como nos encomenda Deus e el-rei nosso senhor - se acordou neste Senado a fazer-se-lhes a vossas mercês estas regras, e nelas significar-lhes que: - Sendo que houvesse alguns dos senhores reis feito mercê a essa Câmara (de S. Vicente) da primazia da Cabeça de Capitania, por provisão e alvará, ou coisa por onde determine expressamente essa dita mercê, esta Câmara vem pedir a v. mercês nos remetam os traslados, porque embora este Senado tenha a dita mercê (provisão), não duvidaremos obediência de leais vassalos e - lograremos o favor do maior, cessando o menor -, que é o senhor marquês, por onde esta Câmara, de presente, logra primazia... etc.".

Os vereadores da Câmara de São Vicente, depois de ligeira busca nos velhos arquivos da vila, deram, a 1º de novembro desse mesmo ano de 1684, a seguinte resposta: "Senhores oficiais da Câmara de São Paulo. Recebemos a de v. mercês de 4 de outubro passado, de que fizemos intimação etc. Não fizemos a resposta mais cedo, por não nos ter ajuntado, pedindo a v. mercês relevem esta falta. Sobre o que v. mercês nos apontam - que se façam as diligências de buscas no arquivo, entre os muitos papéis dele, nada encontramos... Vossas mercês serão sabedores, suposto que bem se sabe - que o inimigo queimou esta vila, e nessa ocasião arderiam os papéis, e somente se livrou os ornamentos, sinos - com que o senhor d. João, o terceiro, de gloriosa memória, quis engrandecer esta igreja e vila que o senhor Martim Afonso de Souza, que Deus haja, fundou, e foi a primeira desta Capitania que o senhor marquês de direito deve considerar em sua posse e antiguidade imemorável. Todos somos vassalos de Sua Majestade que Deus guarde e soldados do senhor marquês donatário etc.".

Esta resposta e estas desculpas improcedentes dos vereadores de S. Vicente aos camaristas de São Paulo,  dizendo que não havia documentos no arquivo, em conseqüência de ter sido a dita vila incendiada pelos inimigos que só respeitaram os sinos e alfaias da matriz, "engrandecida pelo rei d. João III", não nos parece muito sincera [*].

Na Câmara vicentina havia, nessa época, grande cópia de documentos, provisões, cartas-régias e alvarás d'el-Rei provando que a vila de Martim Afonso havia sido, desde seus primórdios, instituída em "Cabeça de Capitania de São Vicente". Essa mesma Câmara, esse mesmo escrivão Antonio Maria Salvadores, que assinou a resposta dirigida aos vereadores de São Paulo, havia registrado em São Vicente o auto de posse e as cartas-régias, provisões etc. apresentadas pelo capitão Luiz Lopes de Carvalho em sessão solene de 28 de abril de 1679, quando os vereadores de São Vicente o empossaram dessa vila e de todo o resto da Capitania, que se achava em poder do mesmo marquês de Cascais.

Nesses documentos, que já foram transcritos, havia prova, a mais evidente, que a dita Vila de S. Vicente tinha sido sempre considerada a sede da Capitania dos herdeiros da donataria de Martim Afonso, até o ano de 1624, passando dessa data em diante a fazer parte da donataria de Pero Lopes, sempre com o mesmo título de Cabeça de Capitania de São Vicente, - conforme constava, também, das antigas "Cartas de Sesmarias".

Os ditos vereadores era ainda pouco sinceros e procediam um tanto astuciosamente, quando diziam nessa carta que "o senhor marquês devia, de direito, conservar em sua posse e antiguidade imemorável, essa Capitania, pois todos somos soldados do senhor marquês", tanto assim que, apesar de haverem aparentado concórdia com os vereadores de S. Paulo, "em manter o ato do marquês", eles, à socapa, apelavam para a Relação da Bahia, pedindo revogação do dito ato do senhor de Cascais, pelo qual destituía a Vila de São Vicente "dessa prerrogativa", e recorreram mesmo, nesse sentido, ao governador geral, marquês das Minas, com sede na Bahia.

O governador geral dirigiu então uma carta aos oficiais da Câmara de S. Paulo, em 6 de setembro de 1684, reprovando o procedimento da mesma Câmara em "não querer dar posse e não querer admitir o capitão-mor de São Vicente, Pedro Taques de Almeida". Entre outras coisas, dizia o governador geral: "Nenhuma razão podem ter v. mercês por a Capitania de S. Vicente haver preferido, de muitos anos até o presente, como Cabeça (a Vila do mesmo título) por mercê particular d'el-rei dom João III, feita a Martim Afonso de Souza, primeiro povoador desta Vila de São Vicente. O fundamento que v. mercês têm, desta regalia, é uma provisão do donatário que não tem poder nem jurisdição para isso, tocando só a Sua Majestade esta divisão; e parece de razão e de justiça que devem v. mercês ceder de sua opinião, ficando como sempre, a Capitania de São Vicente (a vila) como cabeça".

Não foi só o governador geral do Brasil, com sede na Bahia, a única autoridade que se opôs a esse ato do marquês de Cascais, mas o próprio seu loco-tenente, o capitão-mor Pedro Taques de Almeida, o substituto de Diogo Pinto do Rego, no governo da dita Capitania de São Vicente. Este também se rebelou contra o ato do seu constituinte. Pedro Taques de Almeida, que tinha sido nomeado para tal cargo por provisão de 8 de outubro de 1683, não reconheceu a Vila de S. Paulo como "Cabeça da Capitania de São Vicente", e foi na Câmara da Vila de S. Vicente, e não na de S. Paulo, que ele tomou posse solene do seu cargo, aos 4 de março de 1684.

Por este motivo é que os oficiais da Câmara de S. Paulo não o quiseram reconhecer como seu chefe, quando, como capitão-mor, ali se apresentou, em Câmara, a fim de ser reconhecido pelas respectivas autoridades locais, as quais não o atenderam e ordenaram mesmo "que se abrisse uma devassa contra esse capitão-mor".

Pedro Taques recorreu então, desse ato, ao ouvidor da Capitania, Diogo Ayres de Araujo, que residia na Vila de Santos, em cuja petição dizia:

"Que os vereadores da Câmara da Vila de S. Paulo, que serviram o ano que passou, de 1684, nunca lhe quiseram obedecer, nem reconhecer como capitão-mor, quando ele lhes apresentou sua patente e certidão da Câmara de São Vicente de como estava empossado e aceito nela; ao contrário o atacaram, tomando por motivo a causa de que ele suplicante não tomara posse naquela Câmara de São Paulo - como Cabeça de Capitania... sem quererem admitir a sentença que, por agravo alcançou a dita Câmara de São Vicente, a qual foi provida pela Relação deste Estado etc." (Registro Geral da Câmara de S. Paulo).

O desmedido orgulho e a prosápia do poderoso marquês não poderiam deixar de sair um tanto arranhados com a desautorização desse "Ato", pelo qual ele queria manifestar, à Câmara e povo da Vila de S. Paulo, a sua gratidão e reconhecimento pela inteira adesão que sempre manifestaram a seu favor nesse pleito, nesse famoso litígio que ainda se mantinha e se debatia, ardorosamente entre as casas dos Monsantos e dos Vimieiros! O marquês de Cascais, nesse seu "Ato" - como já dissemos -, visava dois pontos principais: galardoar a Vila de S. Paulo e abater, humilhar, a antiga Vila de São Vicente, cujos representantes haviam tido a ousadia, não só de dar posse da Capitania aos seus adversários, como ainda se recusavam em aceitar a sua última provisão, elevando a Vila de S. Paulo à categoria de sede das suas Capitanias.

Não podendo então vingar-se das autoridades vicentinas que haviam anulado o seu "Ato", o orgulhoso fidalgo descarregava toda a sua cólera, expectorava toda a sua bílis, contra o outro fidalgo, seu parente e adversário, o conde da Ilha do Príncipe, d. Antonio Carneiro de Souza, filho de d. Francisco Luiz Carneiro de Souza, legítimo herdeiro de Martim Afonso de Souza, pelo simples fato de querer o dito conde reivindicar o que de direito lhe pertencia.

O marquês de Cascais, vitorioso embora, com a última decisão ou sentença que lhe dava a posse da parte da capitania disputada, não estava, entretanto, tranqüilo se seguro, nesse "direito", porque reconhecia que a sua causa, embora estivesse sempre bem amparada, pelo valimento de que ele gozava na Corte, era má e injusta, como o bom senso está demonstrando.

A irritabilidade do marquês se manifestava, principalmente, contra o governador perpétuo da Capitania de Itanhaém, Luiz Lopes de Carvalho, loco-tenente e procurador do conde da Ilha do Príncipe, o qual se achava em Lisboa, nessa ocasião, interpondo novo recurso perante os tribunais, a fim de anular de novo a referida posse do marquês, nessas vilas e terras da antiga donataria de Martim Afonso de Souza, das quais ele, marquês, se havia de novo assenhoreado.

Para bem esclarecer o estado desta já tão célebre demanda, nessa época, e confirmar os pontos de que estamos tratando, que passaram inteiramente despercebidos a Pedro Taques e a fr. Gaspar, nas "razões" que expuseram em suas crônicas, defendendo os direitos da Casa de Vimieiro, vamos ainda transcrever, do Registro Geral da Câmara de S. Paulo, a "Carta" que o marquês de Cascais dirigiu à mesma Câmara a 27 de janeiro de 1682.

Eis o que nesse documento dizia o célebre marquês aos oficiais da Câmara da Vila de S. Paulo:

"Fiado no zelo com que os moradores dessa vila defenderam a minha jurisdição, sendo principal motivo para mais confusão dos vereadores de São Vicente, a resolução que em todas achou o capitão-maior, para haver de castigar aquele desconcerto, me obriga a dar conta a essa Câmara do que depois disto sucedeu: que como lhe tenho dado a primazia de toda essa Capitania com mais razão lhe toca a zelar hoje os meus interesses particulares mais que nunca; maiormente amando eu esse povo mais que a todos, e vem a ser: que como este velhaco de Luiz Lopes de Carvalho não pôde por lá conseguir o seu intento, fez que o conde (da Ilha do Príncipe) alcançasse de Sua Alteza que Deus guarde, simulando e sub-repticiamente uma provisão, pela qual o dito Senhor, quando menos, o fazia senhor de todas as minhas terras... Chegando eu a esta Corte, e tendo notícia deste fato, fiz presente ao dito Senhor, da verdade, e convencendo-o da mentira em que se fundara o ato de posse que de lá trouxe, e ocultando o desforçamento que me fez João da Rocha Pita, desfiz tudo com grande nota do mesmo conde, a quem Sua Alteza mandou repreender asperamente e que logo estivesse (sic) a dita provisão para se rasgar.

"E para maior cautela escrevo ao governador geral da Bahia, à Câmara de São Vicente, ordenando-lhes que à dita provisão não dêem cumprimento algum, por haver sido passada contra a verdade e sem legítima informação; e ainda que este documento por ser tão grande me segura e que com ele não haverá nada que se atreva contra minha posse, não fio menos dos moradores desse povo, por que, em caso que os de São Vicente, sentidos de os eu haver feito súditos desse (de S. Paulo), continuem com me fazer agravos. Espero que essa Câmara tome tudo por sua conta, sobre este negócio, e que tenha eu muito que lhe agradecer, continuando no zelo que mostram em meu serviço, como eu sempre lhe saberei merecer etc.

"Lisboa, vinte sete de janeiro de mil seiscentos e oitenta e dois". "Depois de ter esta feita me chegou notícia que o mesmo conde estava também se introduzindo em Paranaguá, que pelas notícias e tradições fica dentro de minha demarcação. Espero que dessa Câmara se me remetam todos os documentos e informações que melhor justifiquem a minha razão, assistindo o capitão-maior e mais procuradores, defendendo nesta parte a minha jurisdição, como o fizeram e eu reconheço na de São Vicente. O Marquês de Cascais". (Trasladada no Livro de Registro da Câmara de S. Paulo, pelo escrivão Jeronymo Pedrozo de Oliveira, aos 16 de julho de 1682).

Quando o marquês de Cascais entrou, de novo, na posse da Capitania de S. Vicente, a Capitania de Itanhaém já não era governada por d. Francisco Luiz Carneiro de Souza, mas sim por seu filho, d. Antonio Carneiro de Souza, que herdou de seu pai não só os bens do morgado, como o título de conde da Ilha do Príncipe, conforme consta dos velhos arquivos do Conselho Ultramarino (livro 4º das Ordens Régias do Rio de Janeiro) e do "Traslado de Confirmação da Doação", que adiante transcreveremos.

Durante esse período, que vai de 1683 a 1710, os donatários das capitanias de S. Vicente e Itanhaém se conservaram, mais ou menos, tranqüilos em relação às respectivas posses e jurisdições, as quais eram as mesmas estabelecidas desde 1624, quando o conde de Monsanto se apossou de uma parte da Capitania de Martim Afonso, e a condessa de Vimieiro criou a sua Capitania de Itanhaém.

O período que vai seguir nesta terceira fase do litígio - fim do século XVII e início do século XVIII - e, sem dúvida, o mais importante desta demanda, pois assinala um das épocas mais notáveis na história destas capitanias paulistas, não só porque é de então que se definem e se formam as demais capitanias secundárias (da Coroa), na extensa zona meridional do território brasileiro, pela expansão das intrépidas e arrojadas bandeiras, como pelas grandes descobertas auríferas, há tantos anos sonhadas e que afinal se realizam.

É a época em que, com mais relevo, se destaca a ação dos bandeirantes paulistas que, "com seus feitos heróicos, formaram o período áureo da capitania, mais duradouro que o bronze", conforme exclama o dr. Washington Luís, na sua Contribuição para a Historia da Capitania de S. Paulo.

Sim, foram eles - os paulistas - primeiro na Capitania de Itanhaém e depois na Capitania de São Paulo e Minas Gerais, "os descobridores de minas, os autores dessas ações extraordinárias e maravilhosas, cuja epopéia ainda não encontrou cantor" [34].

Os primeiros pioneiros dessa jornada heróica dessa "epopéia gloriosa" haviam partido entretanto, da Capitania de Itanhaém, nas expedições que, seguindo pela Ribeira de Iguape e pelo Lagamar de Cananéia e Paranaguá, foram ter às coxilhas do Rio Grande do Sul, e, outras vezes, penetraram o sertão, até além do Paranapanema. Depois, na zona setentrional da mesma Capitania, prosseguiram os bandeirantes, fundando povoações do litoral, desde Juqueriquerê até Angra dos Reis, bem como no planalto da serra, a fim de lhes facilitar as "entradas" que haviam de escalar as encostas da Mantiqueira, abrindo veredas para as famosas Minas Gerais ou Cataguazes.

As incipientes descobertas desta rica região, feitas anteriormente por Braz Cubas, Fernandes Tourinho, Marcos de Azevedo, Diogo Martins Can, Antonio dias Adorno, Agostinho Bezerra, e, depois, por Lourenço Castanho Taques, Manoel de Borba Gatto e o seu sogro Fernão Dias Paes (1675) haviam de ser, em 1692, coroadas de melhor êxito, pelo famoso taubateano, governador da Capitania de Itanhaém, Carlos Pedrozo da Silveira e outros [35].

É só depois que estes bandeirantes paulistas, da Capitania de Itanhaém, devassam os sertões meridionais e setentrionais, iniciando o "grande ciclo áureo das Minas Gerais" - 1692-1718 - que a febre ardente do ouro, nas Entradas e Bandeiras Paulistas, atinge o grau mis elevado, o período mais agudo das descobertas, desvendando, então, de 1718 em diante, as riquíssimas jazidas auríferas de Cuiabá e mais tarde as de Goiás.

O sr. dr. Washington Luis, nas descrições que faz em sua referida Memoria, das fabulosas riquezas que já então se acumulavam nas capitanias de Itanhaém e de S. Paulo, na época em que a Vila de Taubaté, como segunda sede da Capitania de Itanhaém [36], queria sobrepujar 9ou sobrepujou de fato) em opulência e desenvolvimento à Vila de São Paulo; o sr. dr. Washington nos dá, como íamos dizendo, uma idéia bem viva e bem detalhada do que eram e do que valiam esses paulistas que, na sua opulência, depois da vida nômade e acidentada dos sertões, começavam a tomar gosto pelo conforto, aspirando já o mando, num posto de capitão-mor, ou uma simples distinção, num título de oficial ou cavaleiro, com hábito de qualquer ordem honorífica, para o que faziam justificação de Genere, que provasse a nobreza de sangue de seus avós...

"A riqueza era tão grande", refere ainda o dito autor, "que um desses potentados, José de Góes e Moraes, se propôs a comprar, do marquês de Cascais, a Capitania de Santo Amaro (que tinha então o nome de Capitania de S. Vicente) e teria levado a efeito o seu intento, se o rei d. João V não lhe tivesse atravessado o negocio".

Vejamos, pois, quem era este opulento paulista José de Goes e Morais, e a razão que tinha o marquês de Cascais em querer se desfazer da sua capitania.

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Planta Topográfica do Porto da Vila de Santos, organizada por Benedicto Calixto em 1922

Imagem inserida entre as páginas 132 e 133 da obra - Clique na imagem para ampliá-la


[*] "O inimigo que queimou a vila" de São Vicente, a que aludem os vereadores, nesta resposta à Câmara de S. Paulo, foram os castelhanos de Cananéia e Iguape, comandados por Ruy Mochéra, que a atacaram e incendiaram em 1534. Consta que o Arquivo da Câmara e o Livro do Tombo, da Matriz, foram também consumidos nessa ocasião.

Os sinos e, principalmente, as alfaias, oferecidas pelo rei d. João III, ainda são conservados em S. Vicente e constam de castiçais (banquetas), naveta, turíbulo etc., tudo de prata, em estilo Renascença.

[34] Dr. Washington Luís - obra citada.

[35] Antonio Rodrigues de Arzão e Bartholomeu Bueno de Siqueira foram os companheiros de Carlos Luiz Pedroso, nessas famosas descobertas.

[36] Taubaté era, às vezes, considerada como 2ª sede da Capitania de Itanhaém, pelo fato de ter a honra de hospedar, por muito tempo, o governador e ouvidor de Itanhaém, que ali permanecia, devido ao serviço da mineração.

Imagem: adorno da página 140 da obra