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SANTOS DE ANTIGAMENTE - PINACOTECA - LIVROS
Memórias do Casarão Branco (02)

Clique na imagem para ir ao índice deste livroHerança da época áurea das exportações de café pelo porto santista, e uma das primeiras casas não-geminadas de Santos, a edificação que desde o final do século XX abriga a Pinacoteca Benedito Calixto, e foi tombada pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Santos (Condepasa) foi por várias décadas propriedade da família Pires.

Sua história foi contada pela escritora Edith Pires Gonçalves Dias, nesta obra publicada em 1999 e depois reeditada, com 130 páginas, impressa pela Mazzeo Gráfica e Editora Ltda., de Santos/SP. O livro foi composto e editado por Sonia S. Silveira, com capa de Carmem Silvia de Paula Cabral, revisão de Manuel Leopoldo Rodriguez Montero e contracapas de Orlando de Barros Pires e Maria Isabel Pires Isique. A autorização para esta primeira edição eletrônica foi dada pela autora a Novo Milênio, em 30 de julho de 2010. Páginas 16 a 23:

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Memórias do Casarão Branco

Edith Pires Gonçalves Dias

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A CASA DOS PIRES

Minha família mudou-se para a nova casa em 1910, passando a ter um conforto considerável. Usufruíam da bela praia à sua frente.

Tornou-se a casa o ponto preferido pelos parentes, para se confraternizarem. Vó Philomena e Tia Lucinda, mãe e irmã de papai, vieram morar com meus pais, que sempre olharam por elas com muita dedicação e carinho.

No casarão branco nasceram a Sylvia, em 1911, e o Francisco, em 1912. Foi nessa época que, também ali, se realizou o primeiro casamento. Futuramente, muitos anos depois, ele seria palco de outros enlaces, que rememoro com uma saudade imensa.

Mas esse primeiro casamento merece ser narrado com detalhes que o tornaram um acontecimento novelesco. Meu tio Manoel, que chamavam de Maneco, apaixonou-se por uma moça de nome Heloíza, sobrinha do coronel Joaquim Montenegro, seu tutor, pessoa de destaque no meio social e político, tendo sido várias vezes vereador e prefeito. Desenvolvia também um trabalho assistencial de relevância, sendo portanto um cidadão de grande projeção em nossa cidade.

Tão logo soube do namoro entre os jovens, o coronel mostrou-se totalmente contrário ao romance, tomando uma atitude drástica: mandou a sobrinha para o interior, bem longe de nossa cidade.

Mas o destino deles estava traçado... Depois de um exílio de dez anos, seu tio permitiu a Heloíza retornar a Santos, julgando que a chama daquele amor se apagara...

No momento em que descia do trem, Heloíza cruzou com tio Maneco, que fora à estação ferroviária para levar algumas amostras de café e documentos para serem despachados.

A troca de olhares entre eles fez com que aquele amor irrompesse, vencendo as barreiras do tempo e da separação que lhes fora imposta. Uma vez que ambos tinham idade suficiente para decidir sobre suas vidas, resolveram unir-se pelos laços do matrimônio.

Meus pais, criaturas generosas e compreensivas, assumiram a responsabilidade de providenciar tudo que fosse necessário para que o sonho deles se tornasse realidade.

Como era o costume da época, foi armado um altar todo ornado de flores, na sala principal, tendo comparecido o juiz de paz, para o casamento civil, e um padre, que realizou a cerimônia religiosa, sob os olhares comovidos de todos os presentes. Seguiu-se uma recepção para os convidados.

E foi assim, como o desfecho de uma linda estória de fadas, que tia Heloíza e tio Maneco iniciaram a caminhada a dois!

A vida dos Pires no casarão decorria com serenidade e paz. Aos domingos, iam todos à missa na pequena capela de Santo Antonio, que fora construída pelo sr. Antonio Ferreira da Silva Júnior, o visconde do Embaré, na chácara de sua propriedade. Ela foi inaugurada no dia 19 de outubro de 1875, pelo cônego Scipião Junqueira Goulart, que batizou o grande e imortal poeta Zezinho Fontes. Essa chácara foi dividida em lotes, onde foram edificadas muitas casas. É ao visconde que devemos o nome de bairro do Embaré.

Um copeiro alemão, que servira à família Dick, ficara trabalhando com os novos patrões. Chamava-se Ernesto, um servidor fiel, interessado pelo funcionamento da casa, com a mesma dedicação que o fizera com os patrões anteriores.

Também ficara um lindo cão negro, o Nero, que não estranhou a ausência dos antigos donos, divertindo-se com toda a criançada.

Na parede de um dos corredores havia um telefone enorme. Para proceder-se a uma ligação, levava-se o fone ao ouvido e a telefonista dizia: - "Que número, faz favor?" O número das linhas era tão pequeno, que as telefonistas sabiam o nome dos assinantes e o respectivo número, pelo que se podia pedir a ligação dizendo: - "Quero falar com Fulano".

Meu irmão mais velho, o Jorge, desde pequeno era um apaixonado por fotografias, pelo que pudemos colecionar muitas delas, dessa primeira fase da vida, no casarão branco. Em 1912 ele fotografou a pequena capela a que me referi. Ela tem sido guardada com imenso carinho.

Há pouco tempo, indo à Basílica de Santo Antonio do Embaré, vi que na parede da sacristia estavam dois quadros, um da Basílica, e outro da capelinha que a antecedeu. Como curiosidade, quero contar que, quando iniciaram a construção da Basílica, a capelinha permaneceu dentro dela, até que pudesse ser armado um altar na nova construção, isto para que os cultos e missas não sofressem interrupção. Parecia um bombom recheado...

Perguntei ao frei Guilherme se eles não tinham foto da primitiva capelinha, e ele surpreendeu-se, pois não sabia de sua existência, uma vez que sua congregação só viera a tomar posse da igreja já reformada e ampliada, no ano de 1920.

Foi com muita alegria que providenciei uma cópia aumentada da foto que possuo. Mandei enquadrá-la e ofereci a eles como contribuição para a história daquele templo que é um orgulho para Santos. Frei Guilherme agradeceu comovidamente.

MÃE ZULMIRA, VONTADE DE VIVER

Por ocasião do nascimento de Sylvia, mamãe contraiu uma febre rebelde, passando muitos dias entre a vida e a morte.

Quem a tratava era o dr. Silvério Fontes. Ele lutou heroicamente para salvá-la. Quando o chamavam em seu consultório para atendê-la, ele pedia desculpas aos clientes que aguardavam consulta e partia no bondinho puxado por burros, rumo à residência dos Pires.

Segundo o que narravam os meus familiares, o dr. Silvério ficava horas consultando livros, estudando tudo acerca do estado de mamãe, para encontrar um meio de recuperá-la.

Ele jamais se conformaria com o fato de não poder salvar uma mãe tão jovem, de apenas 31 anos, já com oito filhos. Muitas vezes ia até a praia e, andando, olhando para o alto, pedia aos céus uma intuição!

Certo dia, ele receitou uma taça de champanhe, o que surpreendeu a todos. Mas sua recomendação foi obedecida. A verdade é que, a partir desse momento, mamãe foi melhorando e conseguiu deixar o leito.

Sua fraqueza era enorme. Perdera os cabelos devido à febre. Papai decidiu que ela fosse passar uma temporada na fazenda de amigos, onde ela consolidou sua recuperação e seus cabelos se renovaram.

Minhas tias contavam que quando mamãe estava muito mal, todas ao seu redor, orando pela sua melhoria, vovó percebeu que ela dava um grande suspiro e então gritou desesperada: - "Minha filha!"

Este fato era contado mais tarde por mamãe. Ela sentira-se erguida no espaço, mas, diante do grito lastimante de sua mãe, retornou ao corpo!

Que milagres pode fazer um amor de mãe!

Quando o Francisco, o Chico, nasceu, quinze meses depois, mamãe já estava bem e enfrentava normalmente o período de gravidez.

A SAGA DE PAI FRANCISCO

Faço aqui uma pausa para falar sobre o novo proprietário do casarão branco, meu pai, meu grande mestre.

Ele e mamãe ensinaram-me os verdadeiros valores da vida: a dignidade, a integridade de caráter, o respeito e culto  Deus, o amor à família e ao próximo.

Mamãe, companheira dedicada, exemplo de virtudes, soube guiar-nos dentro dos princípios cristãos.

Papai nasceu no Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, aos 17 de setembro de 1879. Seus pais, Philomena da Costa Pires e José Antonio Pires, eram portugueses. Como tantos outros europeus, sentiram-se atraídos pelo Brasil. Pensaram em fixar-se num lugar propício à educação dos filhos.

Trouxeram três, todos nascidos em Lisboa: Conceição, Manoel e João, que logo depois veio a falecer. Saíram em Portugal em 1873 com idéia de desembarcar em Santos, mas não puderam fazê-lo, pois a cidade estava passando por um surto epidêmico de febre amarela.

Tiveram de descer em Porto Alegre, onde nasceram mais quatro filhos: Carolina, Francisco, Antonio e Lucinda.

Meu avô era alfaiate e, para manter a família, exerceu a profissão em Porto Alegre, sempre sonhando com nossa cidade.

Quando papai estava com dez anos, toda a família transferiu-se para Santos, indo residir numa pequena casa no local onde hoje se encontra a Prefeitura Municipal.

Essa felicidade não durou muito. Certo dia, meu avô viajou para Campinas, pois fora informado de que uma bem montada alfaiataria estava à venda e podia lhe interessar. Lá chegando, adoeceu gravemente, vindo a falecer.

Os irmãos Costa Pires pouco haviam estudado. Mas um professor que ficara devendo três fraques para meu avô, propôs dar seis meses de aula em pagamento da dívida. Papai, muito inteligente e desejoso de progredir, aproveitou muito essas aulas. E, no decorrer do tempo, tornou-se um autodidata.

Para ajudar a mãe, que ficara com o difícil encargo de criar os filhos, papai empregou-se num bar, para lavar copos e xícaras.

Logo tornou-se querido pela freguesia. Recebeu um convite para trabalhar na firma Ferreira de Souza & Cia. Dormia no sótão da loja, para abri-la logo cedo.

Percebendo o seu gosto pela leitura e o desejo de ampliar os seus conhecimentos, as pessoas, que ali compareciam para fazer compras, emprestavam-lhe muitos livros, que ele lia à noite, sob a luz de um lampião.

Saindo desse emprego, foi para uma firma de café, produto que viria a ser a paixão de sua vida.

Estava com 17 anos, quando casou-se com Zulmira de Barros Pires, descendente também de portugueses e que tinha apenas 16 anos de idade. Tiveram 13 filhos; apenas uma, a Laura, não sobreviveu.

Trabalhou em outras firmas cafeeiras, sempre com capacidade e devotamento.

E foi graças à sua tenacidade e inteligência, que progrediu economicamente, o que lhe permitiu comprar o casarão branco.

Retirando-se da firma J. D. Martins, ao receber a vultosa quantia que lhe cabia como sócio, pôde efetuar o negócio.

1ª capela de Santo Antonio do Embaré

Foto publicada na página 19 do livro