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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS
Santos teve sua própria Carta Magna (1)

Foi o único município brasileiro a ter esse privilégio

Por um brevíssimo período, Santos chegou a ter sua própria Constituição, promulgada a 15 de novembro de 1894. Assim estipulava seu artigo inicial e principal: "O Município de Santos é autônomo na esfera de sua economia própria e nos assuntos de seu peculiar interesse. A sua soberania se estende sobre todo território contido entre os limites traçados pelas Leis do Estado, de 1º de março de 1845, 5 de abril de 1865 e 21 de março de 1870".

Assinaram-na os srs. dr. Manuel Maria Tourinho, presidente da Câmara Municipal; José Caetano Munhoz, Alexandre José de Melo Júnior, Antônio Manuel Fernandes, João Brás de Azevedo, Antônio Vieira de Figueiredo, José André do Sacramento Macuco e Augusto Filgueiras.

Munícipes recorreram ao Congresso do Estado que, examinando o caso, decidiu anular inteiramente a Constituição de Santos. O ato da Câmara e Senado do Estado foi muito festejado em Santos, cuja população realizou passeata de solidariedade aos parlamentares estaduais.

A passeata cívica percorreu as principais vias públicas da Cidade e dirigiu-se à residência do Dr. Emílio Ribeiro de Campos, advogado e diretor do Diário de Santos, que, por seu jornal, fustigou o ato político da Câmara Municipal por considerá-lo inconstitucional.

Mesmo ligeiramente enfermo, e de pijama, o veemente advogado e jornalista foi à janela de sua casa e discursou à massa, aplaudindo seu gesto e concitando-a a defender sempre e sempre os lídimos interesses de Santos.

Praça dos Andradas no início do século XX, vendo-se à esquerda parte da Câmara e Cadeia. Ao fundo, o Monte Serrat e a Santa Casa

Esse relato foi extraído da Cartilha da História de Santos, de Olao Rodrigues (1980, Prodesan Gráfica, Santos/SP) página 41. Na obra História de Santos, (segundo volume, na reedição de 1986, páginas 260/261), o historiador Francisco Martins dos Santos apresenta em detalhes esses episódios, a seguir transcritos:

O ciclo histórico da Proclamação da República em Santos seria encerrado em 1894, com a outorga à cidade e ao município de uma Constituição, a Magna Carta da sua Soberania, redigida e aprovada quando era Presidente da Câmara um extraordinário baiano, o dr. Manoel Maria Tourinho, figura consagrada de médico humanitário e político avançado, totalmente integrado à ida e à sociedade e Santos, desde os agitados e gloriosos tempos da Abolição e da campanha republicana. Vejamos os fatos, dentro da própria Câmara e no novo instante histórico:

Sessão extraordinária - "Aos quinze dias do mês de novembro de mil oitocentos e noventa e quatro, nesta cidade de Santos, no Paço Municipal (N.A.: então situado no prédio da atual Cadeia Velha, na Praça dos Andradas), pela uma hora da tarde, presentes os senhores Dr. Manoel Maria Tourinho, presidente, José Caetano Munhós, Antonio Vieira de Figueiredo, João Braz Azevedo, Antonio Manoel Fernandes, José André do Sacramento Macuco, Alexandre José de Melo Júnior, Alberto Veiga e Augusto Filgueiras, faltando sem causa justificada os senhores Dr. João Antônio de Segadas Viana e Ricardo Pinto de Oliveira.

"Não tendo comparecido o sr. 2º Secretário foi convidado o senhor Alexandre José de Melo Júnior, para ocupar o lugar que aceitou e tomou assento. Acham-se presentes ao ato diversos membros do corpo consular, autoridades civis, representante da imprensa santista, da Sociedade União Operária, professora da 3ª Cadeira Exma. Sra. D. Joana Machado de Macedo e suas alunas, e grande massa de povo.

"Foi neste ato entregue ao sr. dr. Presidente, por uma Comissão, uma pena de ouro para com ela ser assinada a Constituição Política do Município. O sr. dr. Presidente abre a sessão com o seguinte discurso:

"Meus senhores:

Acho-me possuído de legítimo orgulho ao abrir, neste momento, a sessão solene da Câmara Municipal de Santos. Sinto-me elevado presidindo esta corporação no grandioso dia em que ela estabelece definitivamente autonomia plena.

A data de hoje, meus senhores, é para nós a mais gloriosa da nossa história política. Ela lembra o reconhecimento dos direitos do povo; ela lembra a nação entregue aos seus próprios filhos; ela lembra o aniquilamento de uma coroa; o desaparecimento de uma herança odiosa e dos destinos do povo passando por direito de vivos, ou direito de conquista de pais e filhos; ela lembra, em suma, a liberdade plantada em todos os cantos da nossa cara Pátria.

Há cinco anos, o dia de hoje era recebido com a mais franca alegria, com o mais profundo contentamento, com a maior expressão de júbilo pela grande maioria da nação. Um frêmito de entusiasmo passou por todo o Brasil e um futuro risonho, de prosperidade, de Ordem e Progresso, delineou-se no horizonte da Pátria.

Passam-se os dias e com eles, ai de nós! As dúvidas, as incertezas, começam a invadir nossa alma. O nosso espírito conturba-se e vê o desaparecimento de todas as liberdades, qual enorme ciclone, depois da bonança, sacode convulsivamente a sociedade, levanta os ódios e atira irmãos contra irmãos. Troa o canhão, espadana o sangue, o riso é substituído pelo gemido.

Contraem-se os lábios num rictus de ódio feroz, a desolação invade os campos antes tão prósperos e os lares antes tão risonhos, e a maldição, a raiva de brasileiros contra brasileiros, invadem a vida pacífica da nação. E por que tudo isto, meus senhores? Porque sonhamos com a liberdade; porque procuramos gozar dos direitos que nos foram outorgados por uma Constituição libérrima, porque quisemos a autonomia dos Municípios, do Estado e da Federação. Mas, meus senhores, deixemos esse quadro negro.

Hoje é para nós um dia de festa. Façamos um parêntese à nossa tristeza de patriotas; demos tréguas às nossas mágoas e saudemos com delírio o fato altamente civilizado que neste momento comemoramos.

A Constituição Política do Município de Santos há muito tornou-se uma necessidade. Com ela está o município ao abrigo dos botes traiçoeiros, que porventura os mal-intencionados queiram dar-lhe. Com ela, estas cadeiras serão garantidas aos eleitos do povo soberano, não mais havendo a intervenção de um poder intruso na vida política do município. Com ela, a autonomia plena, a liberdade em toda a extensão de sua divina palavra, a égide, finalmente, protetora dos nossos direitos.

Está tapada a brecha por onde mãos criminosas queriam por acaso revolver o depósito sagrado das nossas mais caras liberdades. E se, por qualquer motivo, elas, apesar de tudo, quiserem, ousadas, poluir os nossos direitos, estou certo, meus senhores, que vossa energia máscula, o vosso mais elevado civismo, a vossa coragem nunca desmentida, se armarão para repeli-las, em todo o terreno, à custa do próprio sangue.

Santos, o baluarte da liberdade, a terra de ricas tradições; o torrão que abrigou, intemerato, a raça dos oprimidos, o abençoado canto da terra que, altivo, tem sempre repelido todas as violências, todos os desatinos; Santos, a grande cidade, a cidade invicta, que tem sabido rigorosamente pôr em prática a máxima de Marco Aurélio: Conserva o teu valor nos dias felizes e nos dias adversos, cumprirá o seu dever.

Ao promulgar a Câmara Municipal a Constituição Política do Município de Santos, seja-me permitido lembrar o nome do santista ilustre que a confeccionou. Ele, cujo cérebro bem organizado esteve sempre a serviço dos interesses mais palpitantes desta terra; ele, o Dr. Vicente Augusto de Carvalho, receba da minha parte, como simples cidadão, como vereador, como filho adotivo deste belo ninho de todas as grandezas, os meus protestos de gratidão.

E vós, senhores vereadores, cuja dedicação por esta terra é tão pronunciada, sede a guarda avançada da nossa Constituição. Aconchegai-a bem ao vosso coração e defendei-a contra os botes dos que quiserem profaná-la."

"Em seguida, foi concedida a palavra pelo dr. Presidente aos senhores vereadores. Falaram os senhores Sacramento Macuco, Alberto Veiga e Munhós, congratulando-se com o ato que se estava passando, com a promulgação da Constituição Política do Município colocando Santos em completa autonomia, garantindo assim os direitos dos cidadãos; bem como, estabelecendo quais os seus deveres.

"Não havendo mais quem pedisse a palavra, o dr. Presidente convidou os senhores vereadores a assinarem a Constituição, o que foi feito com a pena de ouro para esse fim ofertada, sendo declarado pelo dr. Presidente que ela seria guardada religiosamente, como uma lembrança imorredoura, agradecendo ao mesmo tempo esse presente valioso.

"Declarou o dr. Presidente encerrada a sessão, sendo pelas pessoas presentes saudada a Câmara Municipal desta cidade, no que, pelo dr. Presidente, foi concedida. Eu, Alexandre José de Melo Júnior, 2º Secretário ad-hoc, a subscrevi e assino. José Caetano Munhós - 1º secretário".

Posse da Câmara de Santos em 7/1/1902, então no prédio do Largo Marquês de Monte Alegre (à direita na foto)

Regozijo - Em artigo (Santos teve uma Constituição: cassada!) publicado em 22/7/1985 no jornal A Tribuna (página 17), o pesquisador Francisco De Marchi conta a história e cita outros detalhes:

(...) o insólito foi que uma Constituição, que em nosso regime republicano se julgava privativa da União ou dos estados, viesse a reger a vida de um município! Santos foi o único município que teve sua Constituição Política e nela dispostos poderes para a eleição de seu prefeito, subprefeito e integrantes da Câmara de Recursos - uma Câmara moderadora, dentro da própria Câmara Municipal, capacitada até para julgar atos do prefeito! A Constituição de Santos tivera seu projeto elaborado pelo jurisconsulto e admirável poeta Vicente de Carvalho, autor de Poemas e Canções e de outras obras inesquecíveis. (...)

Outros atos evidenciaram o regozijo que ia pela Cidade. O rancho dos soldados do 3º Batalhão foi melhorado. Houve o almoço dos presos, oferecido a estes pela Câmara Municipal, com "comestíveis e bebidas finas", saindo-se o Diário de Santos, ao noticiá-lo, com esta barretada: "Pobres infelizes! Por mais saborosa que seja a comida, através das grades de um cárcere, não pode haver doçura; é fel. Enfim, é digno de elogio a magnânima intenção dos srs. vereadores".

À noite, no Teatro Guarani, sessão de gala, com a encenação da comédia Os revoltosos, em que se satirizavam os últimos acontecimentos políticos do País. Ganhou também repercussão a conferência pública da profª. dª. Adelina de Castro, da Escola Mista de Vila Matias: era partidária do serviço militar obrigatório, da arbitragem nos conflitos internacionais e da concessão à mulher do direito do voto. Criatura avançada para a época! O jornal desculpou-se pela não publicação de sua conferência, por falta de espaço: as notas estenografadas daquela vibrante preleção, explicou, somavam mais de 20 tiras!

À tarde, pela Western, chegava um telegrama do Rio informando que fora empossado o presidente da República, dr. Prudente de Moraes, não tendo o marechal Floriano Peixoto comparecido à cerimônia...

E no dia 16, face ao autorizado pela Constituição aprovada, procedia-se na Câmara Municipal, pela forma indireta e em escrutínio secreto, à escolha do prefeito (dr. Manoel Maria Tourinho) e do subprefeito (José André do Sacramento Macuco); foram também eleitos os integrantes da Câmara de Recursos, entre eles o dr. Vicente de Carvalho. (...)

Planos frustrados - Francisco Martins dos Santos continua seu relato, com os episódios que se seguiram à outorga da Constituição Municipal:

À sombra da sua Carta Magna e da Consolidação Política da própria República, realizada com os triunfos armados, na Revolta e na Campanha do Sul, Santos pretendia viver longos anos de calma e de trabalho, que se aplicariam na grande obra da sua recuperação urbanística e higiênico-sanitária, além da econômica e financeira que lhe impedira o Império.

Entretanto, os fatos políticos de 1895 poriam em xeque, e muito depressa, como se vê, essa paz tão dificilmente conquistada.

Quintino de Lacerda

Nas eleições daquele ano (1895), um dos eleitos para a vereança foi o grande negro analfabeto Quintino de Lacerda. Negaram-lhe a posse, e Quintino, por seus protetores, recorreu à Justiça, apresentando-se então, a 5 de abril, com um Acórdão do Tribunal de Relação de S. Paulo. O Presidente da Câmara, dr. Manoel Maria Tourinho, já renunciara, prevendo o desfecho do caso, sendo acompanhado pelo vereador Alberto Veiga.

José André do Sacramento Macuco, que assumira a Presidência, viu-se obrigado a dar posse a Quintino, o herói retinto do Jabaquara, e, em seguida, declarando-se enojado ante o que via, renunciou ao posto e ao mandato. Dos inimigos de Quintino, ficara em contra apenas Olímpio Lima, o violento jornalista da Tribuna do Povo, o panfletário secundador e sócio do dr. Tourinho. Revoltou-se também, mas não renunciou, afastando-se apenas das sessões a seguir, sem a necessária justificação por escrito.

Por falta de número, as sessões da Câmara ficaram em suspenso até o dia 1º de junho de 1895. Houve sessão nesse dia, e Quintino de Lacerda aparecia como Presidente Interino. No dia 9 eram preenchidos os cargos vagos, com o negro Quintino ainda na Presidência.

A 16 do mesmo mês e ano, realiza-se nova sessão e Quintino de Lacerda, com base na Lei Eleitoral nº 16, pede ao Plenário a cassação do mandato de Olímpio Lima, alegando o seu não comparecimento ostensivo às sessões, e sem qualquer justificativa regimental, o que é concedido por unanimidade.

Ditador - Nessa mesma sessão, o vereador Cap. Justino Ferreira Júnior acusa o Prefeito de Ditador, insinuando-o de haver fechado a Câmara e suas salas principais, impedindo o trabalho normal da edilidade e do funcionalismo, e mais, de realizar despesas e serviços sem concorrência pública e sem prévia aprovação pela Câmara. Fica o assunto em suspenso.

A 12 de julho seguinte realizava-se nova sessão e a ela comparecia Olímpio Lima, como se nada houvesse com ele, mas o Presidente Antonio Vieira de Figueiredo faz-lhe ver que o seu mandato já fora cassado, pedindo assim que se retirasse do recinto. Olímpio Lima (...) retirou-se, mas rompeu as baterias na sua Tribuna do Povo, contra Quintino de Lacerda, e seus adeptos.

As agitações verificadas foram ao ponto de considerarem alguns vereadores como ilegal e inconstitucional a própria Constituição do Município votada a 15 de novembro de 1894, e, assim, até ela foi cassada antes de completar um ano de vigência, voltando Santos ao regime anterior das Intendências, que se estenderia até 1908, modificando apenas o processo estrutural, surgindo não mais os três Intendentes da primeira fase (Obras e Viação, Fazenda, e Saúde), nem o Prefeito e Subprefeito de 1894/1895 (período da Constituição Municipal), e sim um Intendente (geral) ou Prefeito-Intendente, eleito pela Câmara. (...)

Somente a 14 de dezembro de 1907, por força e na forma da Lei Estadual nº 1.103, de 26 de novembro, e do Decreto nº 1.537, de 3 de dezembro, que regulamentou aquela lei, verificar-se-ia a primeira eleição popular ou direta, para Prefeito Municipal, representando isso, e só então, a criação da Prefeitura Municipal de Santos, e a efetiva separação dos Poderes na terra dos Andradas. Normalizava-se a vida política republicana e Santos entraria, de fato, num período de organização administrativa e consequente progresso.

Uma forte crítica aos vereadores santistas foi publicada pelo jornal paulistano O Estado de São Paulo, na edição de 18 de novembro de 1894, em sua primeira página (Acervo Estadão - ortografia atualizada nesta transcrição):

Imagem: reprodução parcial da pagina com a matéria, no Acervo Digital Estadão

 

CARTA DE SANTOS

16/11/94

Caro Redator:

Na minha última disse-vos para que fins se fabricou a constituição política do município de Santos. - A gente que ocupa as cadeiras municipais e que há dois anos desbarata os dinheiros do povo, só agora se lembrou de fazer a ons...tituição, na linguagem do vereador Munhoz.

O dr. José Cesario Bastos, primeiro presidente, meses depois de eleito, deixou os companheiros por causa do cheiro de enxofre que s.s., adoentado, não podia suportar, e o regimento interno da Câmara, que fizera com tanto trabalho e gosto, não tardou a ser golpeado de alto a baixo.

Deste regimento a Câmara Tourinho, Munhoz & Comp. só respeitou o artigo que criara três intendentes, cada um a conto de réis: total 36 contos por ano pagos pelo povo!...

Três deviam ser os felizardos.

É natural, amigo leitor, que três tetas para 12 bezerros, ou a vaca entisicaria,ou os bezerros morreriam de fome.

Eles lá se arrumara, e em cada mês um vereador revezava o outro nas três intendências. Enquanto um mamava o outro refrescava.

Foram intendentes os vereadores Ricardo Pinto, Munhoz, Segadas Vianna, Tourinho, João Braz, Mello Junior e Macuco.

Só não gozaram do melaço, por terem sido recentemente eleitos, e não haver tempo, os vereadores Figueiredo Filgueiras, Fernandes e Veiga (três fff e um v); foram os embaçados, ficaram na antessala e não viram a figura de cera.

***

O projeto da constituição municipal não ficou baratinho, e senão o meu caro redator veja a indicação que em sessão de 23 de outubro apresentaram os vereadores Veiga e Macuco:

"Indicamos que a Câmara designe verba para gratificação aos encarregados do projeto da constituição municipal e dois anexos, bem como para os outros serviços de regulamentação municipal e diversos serviços autorizados pelas comissões respectivas."

É escusado dizer que na sessão seguinte foi a indicação aprovada unanimemente!!...

A Câmara votou a verba pedida; pedida, vê-se bem, mas não medida!

***

A mania do esbanjamento de dinheiro do foro domina de tal modo os vereadores de Santos, que, impressionados pela descrição das festas do Rio, onde se gastaram 800 contos, e pela notícia de que a Câmara de S. Paulo tencionara votar 30 contos para as festas do dia 15, se apressaram logo em promover festejos em Santos, já se vê, à custa dos éticos cofres municipais, para solenizar, não o glorioso 15 de novembro, mas a promulgação chué da celebérrima constituição!

Estes festejos constitucionais não saem baratos à Câmara; e mais para adiante vos direi, caro redator, quanto custaram ao infeliz povo de Santos.

Por ora basta que se saiba que o sr. Munhoz faz parte da comissão de festejos...

***

O Código de Posturas obrigara todos os proprietários a calçarem as testadas de seus prédios e muros, à proporção que a Câmara fizesse o calçamento das respectivas ruas.

Esta postura por muito poucos foi respeitada, e as câmaras, sempre condescendentes, deixaram tudo passar.

Se a atual se limitasse a cumprir a lei, obrigando o proprietário a calçar o seu passeio, multando-o no caso de desobediência, como manda a postura, seria digna de louvor.

Mas o que ela fez vai ver o meu caro Redator. um dia, apresenta-se em Santos o sr. F. F. de Moraes, montando a Empreza Asphalto Ferreo Plastico, e imediatamente caiu nas graças intendenciais.

O intendente de obras, o ilustrado engenheiro arquiteto João Braz, contratou com aquela empresa, em 9 de agosto deste ano, sem que precedesse concorrência pública, o asfaltamento dos passeios laterais dos prédios e muros dentro do perímetro da cidade, ao preço de 9$000 o metro quadrado. O proprietário era quem devia pagar; se recusasse, a Câmara se responsabilizaria pelas quantias que à empresa fossem devidas.

Que minão! que rombo na pobre Câmara!

Mas não ficou nisto.

A Câmara encampa este contrato e amplia a pepineira a todas as ruas, não calçadas, isto é, àquelas que não tinham prédios nem muros!...

Levantou-se a celeuma... empreiteiros particulares se ofereciam pelos jornais locais para fazer o asfaltamento por 6$000 o metro quadrado!... A empresa, vendo-se contrariada em seus interesses, pela concorrência, ainda na vigência de seu contrato, que deveria durar seis meses, - dirigiu uma circular reservada aos proprietários a quem a escassez do tempo evitou a extorsão dos 9$000 por metro quadrado de asfalto, prometendo fazer o serviço por 6$000, como os outros!!...

Houve quem na Câmara puxasse por isto, o vereador Figueiredo, mas depressa foi arrolhado!

Por causa deste escandaloso contrato, que beliscava a moralidade administrativa da Câmara, o vereador Pinto brigou com o vereador Veiga e publicou um artigo pelo Santos Commercial (jornal impresso à custa da Câmara) em que declarava que o 2º engenheiro da dita era interessado na empresa do asfalto, e não só ele, mas dava a entender que gente tutumqué da Câmara...

A coisa está de pedra em cima.

Figueiredo! que fazes? Em que céu, em que estrela tu te escondes?!

***

Um dia destes entrei na Câmara. Eram 7 e meia da noite, estavam em sessão.

Não havia ordem.

Todos, vereadores e fiscais (únicos assistentes) falavam, todos gritavam, e coisa curiosa, asneiras em penca deitava um e os outros aplaudiam atenta, grave e sisudamente.

E como não ser assim?

Discutiam a constituição; eram legisladores constituintes.

Acabava de se votar um dos artigos, saindo triunfante a ideia do projeto:

- Que obra notável, esta constituição; não há câmara que faça isto assim, reflexionava todo cheio de si o talentoso João Braz.

- De homens inteligentes o que se espera senão isto; falam de nós, sabe você? mas hão de ver o que é - dizia impávido o sr. Mello Junior.

E o financeiro Munhoz que então achara a ons...tituição coisa boa, fina e su...ulenta, levantando-se, repete as palavras de Bermudes ao tango de "Uma véspera de Reis", diligentes somos.

O que nos falta é aquilo com que se compram os melões.

***

Tenho muito que dizer, e coisas interessantes, especialmente sobre fornecimentos à intendência de higiene.

Fico coligindo informações e prometo descrever tudo com fé e verdade, pois os feitos gloriosos da Câmara da minha terra

Cantando espalharei por toda parte

Se a tanto me ajudar engenho e arte!

X.

Na página 2 da mesma edição, o jornal registra a promulgação da Carta Magna santista (Acervo Estadão - ortografia atualizada nesta transcrição):

Imagem: reprodução parcial da pagina com a matéria, no Acervo Digital Estadão

SANTOS

No dia 15 do corrente foi promulgada a Constituição Municipal.

No dia 16 foram eleitos:

Prefeito, o dr. Manoel Maria Tourinho;

Sub-prefeito, José André do Sacramento;

Câmara dos Recursos: Antonio Carlos da Silva, Joaquim Marques Leite e dr. Vicente de Carvalho.

Suplentes: F. C. de Almeida Moraes, dr. Martim Francisco, João Machado, Francisco Feliciano da Silva, Manoel Barbosa da Silveira e Patricio Guedes.

Sabemos que o dr. Vicente de Carvalho, por ofício ontem dirigido à corporação municipal, recusou o cargo.

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