Clique aqui para voltar à página inicialhttp://www.novomilenio.inf.br/santos/h0076d17.htm
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 05/09/10 18:25:40
Clique na imagem para voltar à página principal
HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - CANAIS - BIBLIOTECA NM
Posicionamento da Prefeitura - 17


Clique na imagem para voltar ao índice do livroA polêmica acirrada entre o idealizador do sistema de canais para Santos e os vereadores santistas, que marcou o início do século XX, levou o jornalista Alberto Sousa a escrever o livro A Municipalidade de Santos perante a Comissão de Saneamento, publicado em 1914 pelas Officinas Graphicas do Bureau Central, em Santos, em que polemiza com o engenheiro Saturnino de Brito.

O exemplar, com 257 páginas, foi cedido a Novo Milênio para digitalização pela Biblioteca Pública Alberto Sousa, de Santos, através da bibliotecária Bettina Maura Nogueira de Sá, em maio de 2010. A ortografia foi atualizada, nesta transcrição (páginas 116 a 120):

Leva para a página anterior

A Municipalidade de Santos perante

a Comissão de Saneamento

Alberto Sousa

Leva para a página seguinte da série

PARTE I - EXPOSIÇÃO E DEBATE
XVI - Conclusão parcial

O paralelo que ontem estabelecemos, entre a conduta moral de Augusto Comte e a de Alfredo de Musset, em situações pessoais análogas, prova, de sobejo, que nem sempre a compreensão dos instintos orgânicos, pela abstinência e pela temperança, coloca os homens acima das contingências do pecado.

Releva notar que Alfredo de Musset não era indiferente à paixão da jovem que o fora procurar na solidão de seu quarto, a desoras: numa de suas Nuits, ela a invoca como sua musa, tarjando o mesmo flutuante roupão de seda branca e trazendo as madeixas loiras esparzidas sobre as espáduas, exatamente como ela lhe aparecera por aquela noite de luar idílico.

Escrevendo longe de nossos livros entre as quatro paredes do quarto de um hotel, só consultamos as reminiscências de nossa memória: é natural, pois, que, nas nossas narrativas e citações, escapem detalhes essenciais e haja mesmo possíveis enganos que não alteram, contudo, o conjunto de nossas apreciações.

Já Augusto Comte, antes de ser o austero reformador que deslumbrou o Ocidente com as fulgurações de seu gênio e a santidade de sua moral - tinha resvalado pelos despenhadeiros do pecado. Quando estudante em Paris, ele vivia de lecionar Matemática; e por essa época manteve relações adulterinas com a esposa de um amigo e discípulo, mme. Paaulina ("Ma Pauline", chamava-lhe carinhosamente o filósofo, numa de suas Lettres à Vallat, referindo-se à mulher do outro). Dela houve uma filha, que pouco depois sucumbiu aos estragos da varíola.

Os positivistas atenuam a gravidade dessa queda, dizendo que o seu idolatrado mestre, muito moço ainda, entregue ao turbilhão da vida parisiense, e sem uma doutrina que o amparasse (porque ele rompera com a religião materna, que era a católica), deixara-se arrebatar na voragem. Vamos encontrá-lo, entretanto, muitos anos depois, no apogeu da madureza e no zênite de sua carreira filosófica, querendo reproduzir as leviandades da juventude...

E todavia os positivistas são tão severos, tão rigorosos e tão intolerantes para com as naturezas que caem como o seu chefe, sem possuírem, contudo, os eminentes predicados deste!...

Remata o sr. Saturnino de Brito o seu artigo, dizendo que os jornalistas implicam com os positivistas porque se sentem incomodados com a implacável sentença de Augusto Comte a respeito do jornalismo. O modo por que nos temos referido ao filósofo e à sua obra prova que não implicamos nem com um, nem com outro. Implicamos, sim, com a hipocrisia dos famigerados carolas positivistas que querem dominar o mundo, aparentando uma conduta em desacordo com os seus mais secretos instintos.

Também o positivismo combate o clericalismo, mas respeita a religião católica, contribui pecuniariamente para o seu culto externo e aconselha aos que não podem atingir a positividade a que permaneçam fiéis ao catolicismo.

Aliás, a sentença de AUgusto Comte deve ser entendida com o espírito de relatividade com que a formulou o filósofo, e não com o absolutismo que lhe emprestam o sr. Saturnino de Brito e seus confrades. O filósofo confessa que o derramamento de sua doutrina na América do Sul foi devido, principalmente, a um jornalista e seu jornal - a d. José Segundo Florez e ao periódico Ordem e Progresso, redigido em espanhol.

A circunstância de d. José Florez ser jornalista não impediu que Augusto Comte o considerasse como seu discípulo ortodoxo, escolhendo-o para seu executor testamentário.

Também o sr. Miguel Lemos, chefe da Igreja brasileira, numa das suas Circulares anuais, elogiou a série de artigos jornalísticos que o autor destas linhas escreveu outrora em defesa da Utopia da Virgem-Mãe, atacada por um eminente pregador católico, do púlpito da Sé de São Paulo. A redação d'A Platéa, que publicava tais artigos, foi solenemente excomungada pelo bispo de então. Mas, deixemos de lado essas penosas recordações da mocidade, que já vão bem longe, e retomemos o nosso tema.

Ninguém ignora a leviandade e a incompetência com que a maior parte dos jornalistas, em todo o mundo, decide das questões quaisquer, sobrepondo as suas opiniões pessoais às opiniões dos homens capazes. Todo o indivíduo que assim procede, quer seja profissional, quer não, faz obra de jornalista, porque decide em Sociologia sem saber Aritmética, segundo a expressão do filósofo.

Ora, no caso que nos preocupa, nossa conduta não foi de mero jornalista, escrevendo por dever de ofício. Combatemos a planta geral de Santos, do sr. Saturnino de Brito, e as suas clamorosas heresias jurídicas, não em nome de nossas opiniões individuais, mas citando opiniões competentíssimas de engenheiros, de arquitetos e de jurisconsultos.

Quando afirmamos que o engenheiro-chefe do Saneamento apresenta sintomas de desequilíbrio, não o fizemos em nome do nosso critério personal, mas citamos uma opinião infalível para o sr. Saturnino de Brito: a opinião de Augusto Comte, que diz que o desacordo entre as opiniões e os atos é o que caracteriza a alienação mental. Não agimos, pois, como jornalistas neste debate, porquanto não decidimos por nossa conta e risco em assunto de tanta magnitude: invocamos humildemente a egrégia opinião dos homens capazes.

Obra de jornalista -segundo o conceito ortodoxo - foi, sim, a sua obra nesta campanha. S.s. superpôs orgulhosamente a sua opinião pessoal à de Bouvard, à de Camilo Sitte e outros especialistas, quanto às condições técnicas de sua planta geral, e com o seu puro critério individual, combateu o pensamento dos constitucionalistas e dos civilistas que se opõem às suas despropositadas idéias sobre o direito de propriedade e o instituto da desapropriação. Nesta longa contenda, o verdadeiro jornalista, do tipo fulminado pela sentença de Augusto Comte, foi s.s., que decidiu em Sociologia sem saber Aritmética.

Tínhamos dado por terminada a nossa tarefa. Na sua réplica aos drs. Silva Telles e Nilo Costa, o sr. Saturnino de Brito deixou vitoriosamente de pé a argumentação daqueles dignos profissionais, e a nossa. Nada havia mais a acrescentar ao que nestas colunas foi dito.

O engenheiro-chefe do Saneamento provocou à luta a nossa Municipalidade: cá esperávamos as suas primeiras escaramuças no terreno das demonstrações práticas para nos colocarmos ao lado dos que defendem a autonomia municipal, a propriedade particular dos munícipes santistas, o direito constituído e a pureza do regime republicano, em nome da ordem e visando o verdadeiro progresso.

Eis porém que s.s. resolveu replicar, um por um, aos artigos desta série, segundo acabamos de ver na seção livre do Estado.

Somos, pois, obrigados a oferecer-lhe nossa tréplica.

Imagem: reprodução parcial da obra de Alberto Sousa (página 120)