Clique aqui para voltar à página inicialhttp://www.novomilenio.inf.br/santos/h0076d19.htm
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 05/09/10 18:25:49
Clique na imagem para voltar à página principal
HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - CANAIS - BIBLIOTECA NM
Posicionamento da Prefeitura - 19


Clique na imagem para voltar ao índice do livroA polêmica acirrada entre o idealizador do sistema de canais para Santos e os vereadores santistas, que marcou o início do século XX, levou o jornalista Alberto Sousa a escrever o livro A Municipalidade de Santos perante a Comissão de Saneamento, publicado em 1914 pelas Officinas Graphicas do Bureau Central, em Santos, em que polemiza com o engenheiro Saturnino de Brito.

O exemplar, com 257 páginas, foi cedido a Novo Milênio para digitalização pela Biblioteca Pública Alberto Sousa, de Santos, através da bibliotecária Bettina Maura Nogueira de Sá, em maio de 2010. A ortografia foi atualizada, nesta transcrição (páginas 165 a 172):

Leva para a página anterior

A Municipalidade de Santos perante

a Comissão de Saneamento

Alberto Sousa

Leva para a página seguinte da série

PARTE II - DOCUMENTAÇÂO
I - Ofício do dr. Saturnino de Brito, ofertando à Municipalidade a planta de Santos, em nome da Comissão de Saneamento

Santos, 30 de dezembro de 1910. – Exmo. Snr. Dr. Moura Ribeiro – M.D. Presidente a Câmara Municipal de Santos.

Tenho a honra de oferecer à Câmara Municipal de Santos, em nome da Comissão de Saneamento, a planta da cidade, na escala de 1:200, com os projetos de alargamento essencial de algumas ruas e de traçado dos novos quarteirões, grandes avenidas e jardins.

A Comissão de Saneamento locou no terreno, por meio de marcos de ferro e cimento, as linhas principais desse plano geral de expansão, de modo a facilitara aos interessados o conhecimento dos alinhamentos. Permiti que chame a vossa atenção para a necessidade da Câmara incluir nas suas Posturas uma disposição pela qual sejam punidos os que arrancarem ou modificarem os marcos de locação das ruas, sendo os proprietários dos terrenos os responsáveis por eles.

No projeto das novas ruas e avenidas não se obedeceu à absurda orientação dos que pensam que sejam preferíveis os planos geométricos, tornando-se os patés de maisons, na expressão de Camillo Sitte. Hoje está plenamente discutido e provado o absurdo desta prática, e os planos gerais são elaborados se atentando à estética, à facilidade de circulação, ao saneamento e à economia de execução.

Não mais se cogita de traçar as monótonas ruas retas, intermináveis, cortando-se em ângulos retos; não mais se destinam a praças os quarteirões rigorosamente retangulares; não mais se fazem demolições onerosas só porque a régua do geômetra insensato determine o fatalismo do alinhamento, com uma simetria que só se vê na planta, no papel, e se não perceberá no terreno, feitas as construções.

Os acidentes existentes são aproveitados para sobre eles se bordarem belezas de realce sugestivo ao simples golpe de vista do transeunte: acidentes novos são propositalmente projetados em planta, para que sobre eles se levantem as construções que devem realizar o mesmo objetivo de expor as belezas da arte de construir e de ajardinar, de modo que sejam vistos naturalmente e forçosamente, o que não sucede quando as ruas são interminavelmente retas.

Belíssimos trechos de ruas e praças das cidades européias, que tanto encantam os visitantes, são feíssimas plantas para o espírito do planejador que pouco entenda de estética e só saiba manejar a régua e o esquadro.

Consulte-se a obra de Camillo Sitte – L’Art de bâtir lês Villes -, e proveitosos ensinamentos colherão os que hajam de fazer projetos e os faladores que se comprazem de criticar projetos alheios, olhando para a planta, destituídos de imaginação para a concepção do que sobre esta planta se deve levantar no terreno, desde que as municipalidades sejam tão rigorosas no exame das fachadas planejadas e executadas com arte, como, ao contrário, se torna de desagradável aspecto se expuser à vista prédios feios.

Assim exposto e justificado o critério na organização do plano, sem pender para o exagero do predomínio exclusivo da linha curva, passemos a indicar os atos legislativos necessários para garantir a execução no terreno e no tempo.

O primeiro ato será a aprovação do plano geral, se o seu exame demonstrar à Câmara que ele satisfaz aos intuitos de sistematizar o desenvolvimento da cidade, o qual, como é sabido, se vai acentuando de um modo mais ativo do que se esperava.

Em segundo lugar, será preciso decretar a utilidade pública dos terrenos e benfeitorias necessários para realizar o plano geral, procedendo-se à oportuna apropriação municipal, por desapropriação ou por aceitação graciosa do que for cedido pelos proprietários.

Sabe-se que uma lei antiga (cremos que de 1856), garantindo a abertura de vias públicas, dispõe que a aprovação oficial do plano, importando no reconhecimento de utilidade pública, impede que sejam feitas benfeitorias na zona a adquirir ou melhoradas as existentes, sendo que não será tomada em consideração na desapropriação qualquer valorização ulterior à data da aprovação do dito plano.

A lei não obriga à desapropriação imediata e é desse mesmo princípio que decorrem as disposições municipais relativas aos recuos de ruas previstos para futuro indeterminado e impedindo a valorização dos prédios condenados.

Esta disposição legislativa, garantidora do progresso, pode ter o seu rigor atenuado pelas concessões de equidade que propomos no nosso Relatório (1907), apresentado ao sr. dr. Secretário da Agricultura, págs. 20 a 27.

Propomos, em resumo: 1º) que se permita explorar, nos terrenos a expropriar, benfeitorias de caráter transitório (barracões, casas salubres desmontáveis ou de baixo valor de construção, jardins, hortos etc.), as quais não serão pagas para a desapropriação, mas permitirão, em prazos de 4 anos, uma renda mui apreciável para o proprietário; 2º) que se não cobre imposto de terreno na largura a expropriar.

Um outro alvitre proposto consiste na expropriação imediata das vielas de expansão ou de progresso, com cerca de 2 metros de largura, em todas as extensões dos eixos das ruas; uma lei de recuo para edificações a construir aos lados dessas vielas, análoga à que existe para as avenidas, obrigará a afastar as edificações deste eixo, na largura que se quiser dar às vias públicas, de modo que no futuro só se terá que expropriar terrenos, muros, jardins e hortas.

Submeto ao estudo da Câmara estas disposições legislativas, para que julgue do seu valor, e, no caso de as aceitar, para lhes dar conveniente redação e as promulgar.


Permiti, antes de terminar, dizer-vos que a Comissão de Saneamento adiantou-se em escrever alguns nomes de ruas que o sentimento público tem adotado, como sejam: Avenida Saneamento, Avenida da Barra, Avenida Docas de Santos, Avenida Eng. Rebouças, Rua Dr. Pádua Salles.

Pessoalmente contrário a manifestações duradouras – que só após a morte podem ser com justiça tributadas, feita a apuração integral dos serviços prestados -, entendi de não contrariar aquele pendor a ponto de dar o nome Gaffrée & Guinle à avenida que em futuro mui remoto se abrirá na faixa ocupada pela linha Docas de Santos, do cais para Jabaquara, faixa esta pertencente àquela firma.

Esta exceção que faço à intransigência, de que hei dado várias provas, na necessidade de se manter os bons princípios, resulta de se comprometerem aqueles industriais a facilitarem a abertura da dita avenida, desde que à Companhia Docas não seja mais necessário o trânsito ferroviário por ela.

Estou plenamente convencido, aliás, de que com semelhante ato se antecipará apenas o reconhecimento público pelos bons serviços prestados por Gaffrée & Guinle, os quais flutuarão acima das apreciações contemporâneas. Pedida a permissão para o caso, foi esta recusada pelo sr. Candido Gaffrée, propondo que se desse o nome Docas de Santos; por sua gentileza cedeu, depois, em nos deixar a liberdade de distinguir a firma industrial, considerando-se afastado o intuito de homenagear propriamente as pessoas que nela têm os seus nomes.

O serviço das Docas de Santos; o da distribuição de energia elétrica a baixo preço, contrapondo-se a qualquer exploração prejudicial ao progresso da cidade; a cessão gratuita de terrenos; são serviços de inestimável valor que justificam a lembrança.


Depois de examinada e aprovada a planta, peço que seja devolvida à Comissão para se tirar uma cópia com as indicações que porventura sejam apresentadas pela Prefeitura. – Saúde e Fraternidade. – (Assinado) F. S. Rodrigues de Brito.

Imagem: reprodução parcial da obra de Alberto Sousa (página 170)