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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - CANAIS - BIBLIOTECA NM
Posicionamento da Prefeitura - 27


Clique na imagem para voltar ao índice do livroA polêmica acirrada entre o idealizador do sistema de canais para Santos e os vereadores santistas, que marcou o início do século XX, levou o jornalista Alberto Sousa a escrever o livro A Municipalidade de Santos perante a Comissão de Saneamento, publicado em 1914 pelas Officinas Graphicas do Bureau Central, em Santos, em que polemiza com o engenheiro Saturnino de Brito.

O exemplar, com 257 páginas, foi cedido a Novo Milênio para digitalização pela Biblioteca Pública Alberto Sousa, de Santos, através da bibliotecária Bettina Maura Nogueira de Sá, em maio de 2010. A ortografia foi atualizada, nesta transcrição (páginas 247 a 255):

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A Municipalidade de Santos perante

a Comissão de Saneamento

Alberto Sousa

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PARTE II - DOCUMENTAÇÂO
IX  - Resposta aos artigos IX e X do dr. Francisco Saturnino Rodrigues de Brito, pelo dr. F. T. da Silva Telles

Em sua primeira série de artigos com este título - A Planta de Santos (I a VIII) -, procura o dr. Brito demonstrar que a Municipalidade de Santos deve adotar e APROVAR a Planta de Santos organizada por s.s. e isto por dois motivos principais: 1º) por não ter a Câmara Municipal o direito de o não fazer; 2º) porque o plano que s.s. organizou "é um plano moderno"... (artigo VII, Estado, 29/4/914) "resultante da aplicação das boas regras na arte moderna de projetar as cidades" (artigo III, Estado, 21/4/914).

Consultado como diretor de Obras Municipais desta cidade, dei ao sr. prefeito, em ofício n. 140, de 23/5/914, o meu parecer sobre o conteúdo desses artigos, analisando, como era então forçoso, a planta organizada pelo dr. Brito; e procurei então demonstrar que a Câmara não era coagida a aprovar essa planta, e pois, que não a devia aprovar in totum, mas sim à medida das necessidades, com as modificações que conviessem.

É este parecer que fiz reproduzir, para definir claramente posições.

Eis, em suas linhas gerais, a questão.

Não se trata de saber quem sou eu, quem é o dr. Brito; se sou honesto e tenho má vontade contra a Comissão de Saneamento, se s.s. é generoso, modesto, e deseja legar nome glorioso aos seus filhos...

É pois, com real e justificável espanto que vejo s.s. entrar nestes assuntos de muito pequeno interesse geral.

S.s. como que se desculpa de assim desviar-se do assunto em questão, dizendo que eu "lhe atribuí a feia ação de injuriar a Câmara" (Estado, 19/7/914). Lembrarei a s.s. que em seu primeiro artigo (Estado, 19/4/914) escreveu:

"Desastradamente o Parecer vem revelar que nos iludimos, e que a Edilidade de Santos valerá tanto quanto muitas outras, do passado e do presente, aí e alhures, quanto ao critério no julgar e no agir, em face dos momentosos problemas da atualidade e do futuro; cuidam apenas, bem ou mal, do que lhes fica ao alcance e são muito ciosas da liberdade de agir, sem os compromissos dos planos gerais, para poderem fazer discricionariamente o que convenha à cidade... e aos amigos. O traçado de uma rua não deve ser previsto; precisa ser visto em cada ocasião, se convém ou não, sob todos os aspectos, o do direito e o do avesso".

E adiante (segundo artigo, Estado, 20/4/914), "... e para furtar-se ao dever de tomar em consideração o plano talvez julgado inconveniente a interesses estranhos aos da cidade, ela (a Câmara) fala em autonomia de poderes..."

Não fui eu, pois, quem lh'a atribuiu, e sim s.s. quem cometeu essa "feia ação".

Não tem, pois, o dr. Brito desculpas por descer do ponto de vista técnico em que me mantive e me manterei, não acompanhando absolutamente s.s. no terreno da discussão pessoal e da insinuação malévola.

Isto posto, entremos em assunto.

Sem dúvida, por falta de tempo, não leu o dr. Brito com atenção suficiente o meu parecer, pois, refutando-o, geralmente não combate s.s. O QUE EU DISSE e sim O QUE S.S. DECLARA TER EU DITO.

Por exemplo, tratando da "segunda objeção", diz o dr. Brito: "Vê a Câmara Municipal que o dr. Telles não está com a razão absoluta, quando repete os que dizem: 'só os ARQUITETOS são competentes para planejarem cidades...'" (artigo X, Estado, 10/7/914).

Ora, absolutamente não lê isto no meu parecer. Mostrei apenas que, caso fosse obrigatória à Câmara a adoção da planta da Comissão de Saneamento, deveria o dr. Brito ter procurado organizá-la da melhor forma, convidando PARA COLABORADOR um especialista ou "mesmo um arquiteto de nomeada", de modo a darem à planta o indispensável cunho artístico.

Esta colaboração que indiquei é justamente corroborada pelas opiniões ultimamente citadas pelo dr. Brito.

Respondendo o dr. Brito às objeções que fiz aos seus artigos e à sua planta, produz argumentos que não condizem exatamente com a verdade dos fatos.

Assim, por exemplo, declara s.s. logo em princípio de seu artigo X: "Provamos à evidência, na primeira série de artigos (I a VIII); que esse plano geral era essencial para um projeto racional da rede geral..."

Ora, compulsando ditos artigos I a VIII, só encontrei a respeito o seguinte tópico (artigo II, Estado, 20/4/914): "... este mal (a falta de planos gerais) assume maiores proporções quando se trata dos serviços dos esgotos em cidade planas, porque é preciso prever os esgotos em ruas futuras, para que, abertas estas, tenham eles as declividades convenientes".

Constituirá este tópico uma afirmação categórica, mas nunca uma demonstração.

Essa demonstração é fundamental para o que quer s.s. provar, isto é, que a Câmara é forçada a se subordinar a toda planta que tivesse organizado a Comissão de Saneamento.

Essa demonstração, porém, quer me parecer, não a poderá dar o dr. Brito.

Bastará, como já escrevi, "estudar certos coletores principais, segundo os quais não hesitaria a Câmara em abrir ruas, e os pontos de ligação das redes parciais de cada zona não arruada à rede geral".

Adiante, tratando da "quarta objeção", recomenda o dr. Brito, para sanar a falta de jardins fechados na sua planta: "que se pintem de verde alguns quarteirões".

Formar-se-iam assim outros tantos jardins abertos e persistiria a falta que apontei.

Analisando ainda esta mesma quarta objeção, aponta o dr. Brito como "clamorosa inverdade" de minha parte, ter eu notado, como defeito em sua planta, a abundância de ruas retas, sem horizonte limitado. Declara s.s.: "... não encontrará meia dúzia de ruas novas em reta, com extensão superior a um quilômetro sem intersecção de horizonte..."

Ora, a simples inspeção da planta mostra que estou com a verdade. O abuso das ruas retas, extensas, na parte nova, é tanto mais indesculpável, quanto é defeito de que já muito se ressente dele a parte existente da cidade. Posso, sem grandes pesquisas, citar, não meia dúzia, mas muito mais ruas retas com mais de um quilômetro sem interrupção: assim, por exemplo, as de números 124, 132, 134, 180, 260, 262, 233, 221, 223, 235, 237, 241, 243, 247...

Devo notar, porém, que a extensão de um quilômetro já é exagerada quando se deseja, a bem da estética, dar à rua o aspecto de "um todo fechado". Assim também não correspondem ao fim que se tem em vista, isto é, da limitação do horizonte e do realce ao aspecto das construções laterais, as quase imperceptíveis deflexões que se notam em certas ruas da planta (188, por exemplo).

Insistindo o dr. Brito sobre  colocação da estrada de ferro segundo o eixo da Avenida do Saneamento (o que deixaria para cada avenida marginal, assim construída, uma faixa arborizável de 38 metros de largura, no máximo), diz s.s.: "Coloquei a linha férrea, este trambolho incômodo, oculto em um bosque..."

Mais consoante com a realidade dos fatos, seria dizer: "Criei um parque - Avenida do Saneamento - que avultados sacrifícios custará; dispendiosas desapropriações e plantações de não menos custosa conservação; e coloquei-lhe ao centro, em toda a sua extensão, uma linha férrea, esse trambolho incômodo..."

Inútil, porém, será prosseguir neste terreno, porquanto, como passo a mostrar, deixa de subsistir o motivo desta polêmica que suscitou o dr. brito.

Em seu artigo X (Estado, 10/7/914), diz o dr. Brito:

"PRIMEIRA CONCLUSÃO: O plano geral de Santos devia abranger, como abrange, toda a área que está sendo edificada sem plano... este plano pode ser modificado em detalhes, de acordo com a repartição de esgotos. Este plano, como o de qualquer cidade, será revisto em um prazo de 15 a 30 anos, o qual pode ser ou não determinado na lei de aprovação".

Ora, tinha o dr. Brito, em seu artigo V (Estado, 23/4/914), resumindo o que já esparsamente dissera, apontado à Câmara o caminho a seguir em relação à sua planta com as seguintes palavras claras e positivas:

"1º - Aprovar a planta; declarar de utilidade pública os terrenos necessários às ruas e praças; permitir a exploração, nestas faixas de terreno, de benfeitorias de caráter transitório, estabelecendo-se legislação especial para as edificações aí; não cobrar impostos sobre frente ou superfície destes terrenos a desapropriar, nem exigir que sejam murados na largura prefixada para as ruas."

Evidentemente, são estas duas proposições antagônicas. Não se pode fazer pesar sobre "todos os terrenos" assinalados na planta como ruas e praças, o ônus da utilidade pública - ônus duplo, pois pesa sobre o proprietário inibido de usufruir convenientemente da sua propriedade, e sobre a Municipalidade que é privada dos impostos correspondentes - e, findos 15 a 30 anos, modificar o traçado dessas ruas e praças!

Feitas as modificações, que destino daria a Municipalidade aos terrenos anteriormente declarados de utilidade pública?

A "Primeira conclusão" do artigo X, concordando com o que procurei demonstrar no meu parecer, revoga por completo a norma de conduta estabelecida, para a Câmara Municipal, pelo dr. Brito, em seu V artigo.

Fundamentando, porém, esta norma de conduta, escreveu o dr. Brito os seus primeiros artigos, série I a VIII.

Fundamentando a necessidade de revisão da planta, analisei, no meu parecer, os ditos artigos e a planta do dr. Brito.

Dá-me razão o dr. Brito concordando com a "NECESSIDADE DA REVISÃO". Fica, assim, de pé a conclusão a que cheguei em meu parecer, e que repito:

"Não deve a Câmara aprovar a planta Brito, e apenas considerá-la como uma planta da topografia geral da cidade, onde está figurada uma idéia a ser aos poucos adotada ou modificada".

Esta adoção ou modificação - a revisão - deve, porem, ser feita não somente decorridos 15 ou 30 anos, como aconselha o dr. Brito, estribando-se em exemplos de cidades estrangeiras, cujo crescimento se faz por anéis concêntricos; mas sim, CADA DIA, isto é, continuamente.

Com efeito, nos casos correntes europeus - e é o da cidade de São Paulo -, estuda-se a planta de expansão da cidade para uma faixa circundando o núcleo existente, e que se supõe dever o seu desenvolvimento ocupar dentro do prazo que se estipula: 15, 20, 30 anos. Exteriormente a essa faixa, projetam-se apenas as artérias principais. Findo o prazo, tal seja a expansão da cidade, estuda-se uma nova faixa.

Não é este o caso especial de Santos, em que a planta, desde logo, abrangeu toda a área construtiva. Não há razões que justifiquem aqui a fixação de um prazo qualquer. Deve-se, ao contrário, fazer a revisão continuamente, procurando sanar os defeitos já visíveis na planta e ao mesmo tempo aprovar, pouco a pouco, o plano com as modificações convenientes.

Fica, pois de todo subsistente a conclusão de meu parecer, que mantenho por completo e em todos os seus termos.

Lamento ter sido chamado a esta discussão, ingrata, sem dúvida, para os leitores, mas de boa utilidade para os interesses municipais em jogo.

Santos, 18 de julho de 1914. - Francisco Teixeira da Silva Telles.

Imagem: reprodução parcial da obra de Alberto Sousa (página 254)