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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - ESTRADAS
História da São Paulo Railway (1)

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Francisco Martins dos Santos/Fernando Martins Lichti (*)

Um grupo de brasileiros, em 1839, submeteu à apreciação do engenheiro Robert Stephenson um anteprojeto, referente à construção de uma estrada de ferro através da Serra do Mar, pois a Serra constituía um entrave ao progresso da Baixada Santista e do próprio Estado de São Paulo - pois, praticamente, isolava o porto de Santos de toda a zona produtora do planalto.

Robert Stephenson era filho de George Stephenson, inventor da primeira locomotiva a vapor e construtor da estrada de ferro entre Manchester e Liverpool, precursora de todas as estradas de ferro do mundo. O projeto brasileiro foi considerado prematuro e, conseqüentemente, abandonado.


Obras-de-arte ajudam a ferrovia a vencer os grotões da serra do Mar,
em foto de meados do século XX

Vinte anos depois, Irineu Evangelista de Souza, Barão de Mauá, com um grupo de pessoas, conseguiu a concessão do Governo Imperial, para a construção de uma estrada de ferro no mesmo local. O Barão de Mauá ordenou os estudos e os exames do trecho compreendido entre Jundiaí e o alto da Serra do Mar.

O trecho de descida da Serra foi considerado impraticável. Contudo, a Serra do Mar precisava ser transposta. A construção de uma estrada de ferro, que galgasse a Serra à altura de 800 metros, exigia tal perícia dos engenheiros, que só poderia ser realizada através de excepcional experiência.

O Barão de Mauá solicitou, então, à Inglaterra, esclarecimentos sobre a possibilidade da construção em apreço. Foi consultado o maior técnico em assunto dessa natureza: James Brunlees, engenheiro ferroviário.

A primeira dúvida sobre a projetada São Paulo Railway era referente aos custos, já que o contrato oferecido esboçava uma ferrovia de bitola larga (1 metro e 60 centímetros) através do traçado mais curto, entre Santos e Jundiaí.

Brunlees veio examinar a Serra. Achou que uma estrada de ferro podia escalá-la, por um custo dentro dos limites estabelecidos, e aceitou o contrato.

O Barão de Mauá enfrentou e resolveu outro problema: descobrir quem tivesse competência para realizar o projeto. A escolha recaiu no eng. Daniel Makinson Fox, que havia adquirido seus conhecimentos na construção de estradas de ferro através das montanhas do Norte do País de Gales e das encostas dos Pirineus.

Depois de estudar a Serra, Makinson Fox chegou à conclusão de que se podia construir a estrada de ferro, no trecho da Serra, por meio de cabos de aço. E foi esse o sistema adotado para vencer a Serra do Mar.


Trecho da Serra da SP Railway, com o cabo impulsor

Fox propôs que a rota para a escalada da Serra deveria ser dividida em 4 declives, com o comprimento de 1.781, 1.947, 2.096 e 3.139 metros, respectivamente, tendo cada um a inclinação de 8%. No final de cada declive, seria construída uma extensão de linha de 75 metros de comprimento, chamada de "patamar", com uma inclinação de 1,3%. Em cada um desses patamares, deveriam ser montadas uma casa de força e uma máquina a vapor, para promover a tração dos cabos.

A proposta foi aprovada por Brunlees, tendo-se a essa altura organizado uma empresa para explorar a linha a ser construída de Santos a Jundiaí: a São Paulo Railway - S.P.R.

No dia 15 de março de 1860, começou a construção do trecho de Santos a Piaçagüera, ao pé da Serra do Mar, com 20 km, e, para unir Santos ao continente, foram construídas pontes totalizando 150 metros de comprimento, e tiveram de ser transpostos o Rio Moji, com uma ponte com três aberturas de 20 metros cada uma, e o Rio Cubatão, com outra ponte de quatro aberturas de 23 metros cada.

Na construção do trecho da Serra, não foi cogitado o uso de explosivos, em virtude da natureza traiçoeira do terreno. A escavação de rochas foi executada por meio de cunhas e pregos de aço batidos com britadores, resultando em um trabalho estafante. Alguns cortes atingiram cerca de 20 metros de profundidade.

Não obstante a impossibilidade do uso de explosivos, muitas seções foram abertas por meio de desmoronamentos, com os mesmos resultados que seriam obtidos com explosivos.

Para proteger o leito preparado para receber os trilhos dos efeitos das chuvas torrenciais, muito freqüentes nesse local, foram construídas, em lugares vitais, paredes maciças de alvenaria, cuja altura variava de 3 a 20 metros. As muralhas, que servem de escora na Serra do Mar, acarretaram o emprego de aproximadamente 230.000 metros cúbicos de alvenaria.


Trecho da Serra da SP Railway, em foto da primeira metade do século XX
Imagem: cartão postal no acervo do professor e pesquisador santista Francisco Carballa

Assim, por meio de pontes e viadutos, transpondo riachos e abrindo cortes, os quatro grandes declives ligaram o vale com o alto da montanha, assentando o caminho para o comércio do Brasil com as terras de além-mar.

A despeito de todas as dificuldades, os engenheiros e seus auxiliares conseguiram reduzir o tempo de construção - que era, por contrato, de oito anos - em cerca de 10 meses, o que lhes valeu uma gratificação do Governo Imperial. A São Paulo Railway foi aberta ao tráfego a 16 de fevereiro de 1867.

O grande volume de embarques de café e o crescimento de cidades no interior do Estado, aliados à grande procura de produtos do estrangeiro, exigiram a construção de outro caminho através da barreira de pedra do litoral brasileiro.


Anúncio publicado no jornal O Estado de São Paulo em 26/8/1892
Foto: 100 anos de propaganda, 1980, Abril cultural, SP/SP

Assim, em 1895, os engenheiros ferroviários começaram a construção de uma nova linha sobre a Serra do Mar. Essa linha corre, hoje, paralelamente à velha, entre Piaçagüera e o alto da Serra.

A estrada seguiria uma nova rota, acrescida em dois quilômetros, paralela à antiga linha; rota esta que obrigou, no trecho da serra, à construção de cinco seções de dois mil metros cada uma, com rampas máximas de 8%.

As obras-de-arte, que na "Serra Velha" eram representadas por dois viadutos, na nova sofreriam uma modernização, com a construção de 16 viadutos e treze túneis, perfazendo a extensão de 1.350 metros. Alguns taludes de proteção contra quedas de barreiras atingiram 50 metros de altura.

Para a tração das composições dos trens, cada um dos cinco planos inclinados foi dotado de máquinas fixas de 1.000 hp instaladas em cavernas. Estas máquinas controlavam o sistema de cabos Endless Hope, ou "sem-fim", que impulsionavam, pelos planos inclinados, as composições. Este sistema era controlado através da simultaneidade de composições que subiam e desciam a rota, criando, assim, um contrapeso (cada composição compensava, com seu peso, a outra; qualquer diferença de peso era compensada pela potência da máquina fixa, já que durante o percurso da serra a locomotiva não atuava).


Plano inclinado na Serra do Mar, na "Estrada de Ferro Ingleza"
Foto: cartão postal de meados do século XX, acervo do historiador Waldir Rueda

No deslocamento da composição, de um plano para outro, uma máquina chamada "locobreque", que acompanhava os vagões, possuía uma tenaz que se prendia ao cabo impulsor até a seção seguinte, onde se realizava a mudança de cabo, e assim sucessivamente até o pé da serra. O sistema foi inaugurado em 1901.

Em 1974, inaugurava-se um novo sistema de tração na serra. Era o sistema cremalheira, que começou a ser implantado em fins de 1970. O sistema consiste na colocação, entre os trilhos normais da ferrovia, de três linhas de tungstênio paralelas, dentadas. Essas linhas, por sua vez, se acoplam às quatro rodas dentadas da locomotiva, sendo estas retráteis, o que possibilita o uso da locomotiva em leitos normais. Este sistema foi organizado pela firma japonesa Marubeni, sendo a Hitachi a fabricante das locomotivas especiais.

Em 1870, São Paulo (cidade) se destacava como importante ponto de intermediação capitalista, a partir da criação da The São Paulo Railway e de sua conseqüente monopolização pelos ingleses, que a partir daí dominavam a ligação da capital da Província com o porto de Santos.

Esse corredor agilizou o transporte de mercadorias, notadamente do café, e assim atuou como via de acesso aos produtos industrializados da Inglaterra e sua comercialização no País.


Trecho ferroviário na serra do Mar, no início do século XX

Em 1889, eram levados a cabo os primeiros protestos contra o monopólio inglês sob a rota do porto de Santos, ressaltando a necessidade de se construir uma outra estrada de ferro com destino ao porto, culminando com a construção da "Mairinque-Santos", em 1910, pela E.F. Sorocabana.

No dia 13 de setembro de 1946, pelo decreto-lei nº 9.886, a Estrada de Ferro The São Paulo Railway era encampada pelo governo brasileiro, sendo gerenciada, a partir dessa data, pelo Ministério da Viação e Obras Públicas.

A 27 de setembro de 1948, em decorrência dessa encampação, surgia a Estrada de Ferro Santos a Jundiaí. Em 1957, esta estrada de ferro, juntamente com a E.F. Central do Brasil e outras, passaram a fazer parte da Rede Ferroviária Federal S.A. (RFFSA), continuando, até hoje, a prestar importantes serviços a Santos, a São Paulo e ao Brasil.


Em 1935, trem no porto santista se prepara para levar imigrantes japoneses
às plantações de café onde se instalarão
Foto: Museu Histórico da Imigração Japonesa

(*) Extraído do livro História de Santos/Poliantéia Santista, desses autores, 1996, Editora Caudex Ltda., São Vicente-SP, volume III.

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