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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - AMARGO AÇÚCAR
Um dos primeiros engenhos

A história do Engenho de São Jorge dos Erasmos, na Zona Noroeste de Santos, foi relatada neste artigo do pesquisador Fernando Martins Lichti:

Pouco sobrou do incêndio que destruiu o engenho no século XVII: até cerca de 1930, existiam paredes inteiras remanescentes e alguns lances completos com telhas coloniais, depois saqueadas por favelados

Fundação e desenvolvimento do
Engenho de S. Jorge dos Erasmos

Fernando Martins Lichti (*)

O Engenho, hoje ruínas, conhecido como "Engenho de São Jorge dos Erasmos", passa por ter sido o primeiro construído na Capitania de São Vicente e em todo o Brasil. Entretanto, a moderna pesquisa vai apurando que, na fase de Martim Afonso, aquele Engenho teria sido precedido pelo Engenho de São João, de José Adorno, fundado em 1532 e com produção de açúcar e aguardente iniciada em 1533.

Frei Gaspar foi o primeiro autor que cuidou do Engenho de S. Jorge dos Erasmos, em sua "Memória para a História da Capitania de S. Vicente". Eis o que ele escreveu (pág. 169):

"Consta por duas escrituras lavradas em Lisboa, registradas no Cartório da Fazenda Real de S. Paulo (Registro de Sesmarias, Livro I, Tit. 1555, fol. 44 e 127), que Martim Afonso de Sousa e Pero Lopes de Sousa celebraram Contrato de sociedade com João Veniste, Francisco Lobo e o piloto-mor Vicente Gonçalves, para o efeito de se levantarem dois Engenhos nas Capitanias destes Donatários, obrigando-se eles a dar as terras para isso necessárias nas Capitanias respectivas, de sorte que, no Engenho construído na Capitania de Martim Afonso, teria ele a quarta parte, e cada um dos três sócios - João Veniste, Francisco Lobo, e o Piloto-mor -, da mesma forma, teriam três partes dos mencionados três sócios, e uma de Pedro Lopes no outro Engenho que se erigisse em suas terras. Consta mais, expressamente, que Martim Afonso satisfez a condição, assinando as terras no Engenho de S. Jorge, situado na Ilha de S. Vicente, e cognominado mais para refeição do dito Engenho, as terras que haviam sido de Rui Pinto, as quais ficam nos fundos da Ilha de Santo Amaro ao Norte do rio da Vila de Santos, aquele rio que forma a Barra Grande do meio. Infere-se, outrossim, de algumas palavras de uma das escrituras citadas, que Pero Lopes da sua parte deu cumprimento à obrigação, consignando terras para o segundo Engenho, na Ilha Itamaracá, junto de Pernambuco".

"Foram vários os apelidos do sobredito Engenho, por terem sido também diversos os seus donos em tempos diferentes. No princípio chamaram-lhe Engenho do Senhor Governador, por ser do Donatário, ao depois Engenho dos Armadores (do Trato) e ultimamente São Jorge dos Erasmos, segundo tenho visto nos livros das Vereações de S. Vicente. Martim Afonso, Francisco Lobo e o Piloto-mor venderam suas partes ao alemão Erasmo Schetz. Ultimamente, os filhos deste dono compraram também o quinhão de João Veniste e por isso se ficou chamando o engenho S. Jorge dos Erasmos".

Ruínas do Engenho dos Erasmos, como se encontravam na década de 1950

A má leitura e conseqüente falsa interpretação dos textos de Frei Gaspar levou os estudiosos a entenderem que a fundação do Engenho do Governador foi imediata, quando ela só se verificou em 1534, quando Martim Afonso recebeu em doação (do Rei) a Capitania de S. Vicente, em dois quinhões, e quando Johan Van Hiest (holandês) (e não João Veniste), representante de Erasmo Schetz em Lisboa, veio para S. Vicente, para assumir o seu lugar na sociedade feita e dar início à indústria. Em dezembro de 1542 chegaria o novo Capitão-mor Cristóvão Aguiar de Altero, nomeado presidente da sociedade dos Armadores do Trato, na qual se incluía o Engenho do Governador, e, pouco depois, aquele Engenho passava a ser chamado de Engenho do Trato ou dos Armadores, como diz Frei Gaspar.

Em 1544, terminado o governo de Cristóvão Aguiar de Altero, voltou esse fidalgo a Portugal, e ali, com a presença de Johan Van Hiest, representante dos Armadores holandeses, foi feita a venda dos quinhões de Martim Afonso, Pero Lobo e Vicente Gonçalves, e Erasmo Schetz, banqueiro e armador de Amsterdam, os quais, somados ao de Van Hiest, deram a esse Erasmo Schetz a propriedade total do Engenho de S. Vicente, o qual, dali em diante, passaria a ser conhecido como Engenho dos Erasmos ou de São Jorge dos Erasmos pelo fato de haverem entronizado uma imagem de São Jorge em sua frente, como patrono da indústria.

De acordo com a organização normal dos Engenhos, na época, foram designados Rui e Francisco Pinto (pai e filho) e Antonio Rodrigues de Almeida, para fornecedores das canas que deviam ser moídas nele, situando-se suas grandes fazendas em toda a região do atual Cubatão. As canas desses três fidalgos, partidistas (associações na produção), juntavam-se às que eram produzidas no próprio lugar do Engenho (antigo sítio S. Jorge), que abrangia os morros da vizinhança (S. Jorge a Água Branca), e garantiam o fornecimento de todo ano.

Ruínas do Engenho dos Erasmos, como se encontravam na década de 1950

Esta descrição está conforme os dizeres de Frei Gaspar, à pág. 172 daquela sua obra citada. Descrevendo a segunda fase do Engenho:

"Para fomentar o comércio, instituiu Martim Afonso uma Sociedade Mercantil, e aos acionistas desta Companhia chamavam Armadores do Trato. Julgo que nela entravam os senhores do Engenho de S. Jorge, e que o Donatário era o mais interessado, porque sua mulher, D.ª Ana Pimentel, no ano de 1542, constituiu Feitor da Fazenda do Trato ao Capitão-mor Cristóvão de Aguiar (de Altero). Estes Armadores importavam as drogas da Europa, que se haviam de vender aos portugueses, e eles aos índios: a produção exportavam para o Reino em gêneros da terra, principalmente em açúcar, o qual era a moeda corrente desse tempo, etc.".

A terceira fase, contada a partir da vinda de Johan Van Hiest, seria a definitiva. É a fase dos Lemes, Antão, Pedro e Leonor Leme, que aparecem, sucessivamente, na direção local do Engenho, sujeitos à administração dos Schetz. Mais tarde tomaria a direção técnica Paulo de Veras, que permaneceria como gerente do famoso Engenho por mais de quarenta anos, aparecendo nesse posto, citado pelos documentos, ainda em 1583, por ocasião da visita e das lutas do comandante e pirata inglês Edward Fenton.

Segundo Carvalho Franco, Basílio de Magalhães e, atualmente, o historiador Francisco Martins dos Santos, foi esta a ordem dos aparecimentos dos Engenhos santistas (ou vicentinos):

1º) Engenho de São João (dentro da futura Santos) em 1532/33 (dos Adornos).

2º) Engenho do Governador, do Trato e São Jorge dos Erasmos (no caminho de S. Vicente) em 1534/35.

3º) Engenho da Madre de Deus, de Luiz de Góis (no sítio atual de N. S. das Neves) em 1546.

Seguindo-se os demais de Estevão Raposo, de Gonçalo Afonso, de Bartolomeu Antunes, o de Manoel Fernandes (Santo Antônio), o de Salvador do Vale, o de Estevão Pedroso e o dos Aires (Diogo Aires), (este na região do Saboó), que formaram a primeira grade de economia e riqueza santista.

(*) Fernando Martins Lichti publicou o texto na História de Santos/Poliantéia Santista, que também reproduz o livro de Francisco Martins dos Santos (Editora Caudex Ltda., S. Vicente/SP, volume 2, 1986).

No livro, é incluída a nota:

Condephaat - Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo

Martim Afonso, para a instalação deste engenho de açúcar em suas terras, contratou sociedade com Jan Van Hielst, Francisco Lobo e Vicente Gonçalves. O Engenho do Governador iniciou suas atividades em 1533, sendo considerado o primeiro do Brasil. Localizado no sopé do Morro Nova Cintra, estrategicamente para receber águas da vertente Norte; o canal que abastecia o engenho desapareceu em deslizamento ocorrido posteriormente.

A firma Erasmo Schetz e Filhos, da Antuérpia, adquiriu o engenho da Sociedade dos Armadores do Trato, mantendo-a entre 1557 e 1603. No início do século XVII, as instalações foram quase destruídas por um incêndio.

Após as primeiras prospecções arqueológicas, Luís Saia definiu o partido arquitetônico, como de modelo açoriano do tipo real (movido a água), com a utilização de plataformas sucessivas para vencer a diferença de nível, com acesso alpendrado, sendo que todas as instalações estariam dispostas num mesmo teto segundo um partido aglutinado.

Esta hipótese de Saia é confirmada por um documento antuerpino, datado de 1548, do Archives Géneraux du Royaume de Bruxelas, traduzido pelo prof. Eddy Stols sobre o engenho: "... uma casa muito grande de 6 lanços e uma senzala com uma ferraria todas providas de baluartes, e ainda duas casas cobertas de telhas, muito boas e fortes... todas estas casas se erguem numa altura e todas juntas e próximas de maneira que nenhuma fazenda seja tão forte para os contrários".

As ruínas foram doadas à Universidade de São Paulo em 1958 por Octávio Ribeiro de Araújo. Segundo relatório do DPHAN - Departamento do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional -, não existindo restos deste tipo de engenho nos Açores, nem nos países que adotaram este partido, as ruínas dos Erasmos são o exemplar mais antigo identificado.


Planta geral do Engenho dos Erasmos, como provavelmente seria.
Imagens da página: reprodução de História de Santos/Poliantéia Santista, de Francisco Martins dos Santos e Fernando Martins Lichti, 1986, Ed. Caudex Ltda./S.Vicente/SP