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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - BRAZ CUBAS
O primeiro garimpeiro (5)

A inauguração de seu monumento, em 1908

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Braz Cubas teve seu monumento em Santos inaugurado em 26 de janeiro de 1908. Tal fato foi noticiado pelo jornal paulistano O Estado de São Paulo, na página 3 da edição de 26 de janeiro de 1908 (Acervo Estadão - ortografia atualizada nesta transcrição):


Imagens: reprodução parcial da pagina com a matéria, no Acervo Digital Estadão

 

Braz Cubas

Realiza-se hoje, em Santos, a inauguração da estátua de Braz cubas, o fundador dessa cidade e do primeiro hospital de misericórdia que houve no Brasil.

Já não é sem tempo que o povo santista presta esse preito de gratidão ao generoso fidalgo português que fundou essa cidade, hoje um dos mais importantes empórios comerciais da América do Sul, conhecido na Europa pelo seu comércio e pelo seu esplêndido porto.

É devido ao cinzel do conhecido escultor sr. Lorenzo Mazza a estátua que hoje se inaugura, esculpida em magnífico mármore branco.

A inauguração, ao que sabemos, vai se revestir de grande solenidade, devendo comparecer representantes do governo do Estado, o encarregado de negócios de Portugal, que vem representar o rei d. Carlos, os vereadores atuais e os da câmara que terminou o seu mandato, assim como grande número de importantes cavalheiros desta capital e de Santos, que foram convidados a tomar parte na cerimônia.

Comparecerá também o escultor Lorenzo Mazza.

Projetam-se para hoje grandes festas e a Praça da República, onde foi colocada a estátua, está caprichosamente ornamentada.

A grande altura, cruzam-se mais de 200 bandeiras das diversas nações, além das bandeirolas e festões.

As flâmulas, tremulando, dão estranha vida e alegria ao belo passeio público.

A iluminação será feérica, pois, além da de costume que já é extraordinária, será feita por mais nove lâmpadas de grande força e colocadas a grande altura.

Logo à entrada da praça destaca-se um artístico coreto, em que tocará a banda de música Colonial Portugueza; ao alto, ostenta-se o pavilhão brasileiro.

Depois, é uma profusão de bandeiras, predominando as cores verde e amarela.

A estátua é cercada por um gradil de fino gosto, de bom efeito. Quatro grandes combustores, com estatuetas empunhando lâmpadas, dão-lhe realce; com trabalhos em relevo, têm a base em triângulo, vendo-se nas faces a coroa portuguesa, a bandeira nacional e o signo representativo do comércio e navegação.

Ao lado direito da estátua, construída com gosto, vê-se a arquibancada para os convidados, toda embandeirada.

Ao fundo, em frente às ruínas da velha matriz, um original coreto, artístico, caprichoso, em forma de um castelo com duas torres em que estão penduradas duas grandes lâmpadas, dá fecho à ornamentação.

Merece menção esse trabalho.

Nesse coreto tocará a banda municipal.

- À 1 hora da tarde chegará a Santos o trem especial, levando os convidados e o orador oficial, sr. dr. Freitas Guimarães, esperando-os na estação uma banda de música.

Pelo Savoia chegará do Rio o encarregado dos negócios de Portugal, que vem representando o rei d. Carlos.

- Às 2 horas da tarde, mais ou menos, será feita a inauguração, orando o dr. Freitas Guimarães.

- O sr. dr. Bias Bueno, delegado de polícia, recebeu um ofício do sr. dr. Washington Luiz, secretário de Justiça e Segurança Pública, pedindo que o represente na grande festa.

- Uma força de polícia e outra de bombeiros fará a guarda de honra.

- O programa a ser executado pela banda municipal é o seguinte:

D. Pedro I - Hino português.

Marcos Portugal - Hino da Independência.

Francisco Manuel - Hino Nacional.

Leopol Migues - Hino da Programação (15 de novembro).

Primeira parte

I - Acosta - Marcha sinfônica - Braz Cubas

II - C. Gomes - Protofonia do Guarany.

III - Corrêa - Uma festa n'aldea, música de costumes portugueses.

IV - A. Prado - Fantasia da mágica Angelus.

Segunda parte

I - Morelli - Marcha militar Braz Cubas.

II - Verdi - Sinfonia La Forza del Destino.

III - Moraes - Rapsodia de cantos populares do Porto, música de costumes portugueses.

IV - Puccini - Fantasia da ópera Tosca.

Francisco Manuel - Hino nacional.

O Estado de S. Paulo será representado nessa solenidade pelo seu distinto colaborador sr. dr. Eugenio Egas.

O detalhamento da festa foi dado pelo jornal paulistano O Estado de São Paulo, nas páginas 2 e 3 da edição de segunda-feira, 27 de janeiro de 1908 (Acervo Estadão - ortografia atualizada nesta transcrição - clique >>aqui<< para obter a página inteira):

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Imagem: reprodução parcial da pagina 2 com a matéria, no Acervo Digital Estadão

Braz Cubas

A inauguração da estátua - Brilhantes festas em Santos - A chegada dos convidados - O discurso oficial - O representante do rei de Portugal

SANTOS, 26 (Pelo telégrafo) - Tiveram extraordinário brilhantismo as festas hoje realizadas em homenagem a Braz Cubas, o fundador desta cidade.

Era uma hora da tarde quando os vereadores da câmara municipal se dirigiram, incorporados, do paço municipal para a estação da S. Paulo Railway, a fim de esperar as pessoas que dessa capital vinham em um trem especial.

Após o desembarque e depois de trocados os cumprimentos de estilo, dirigiram-se todos para a Praça da República, que apresentava um belíssimo aspecto, ficando inteiramente repleta de povo, que ia assistir à inauguração da estátua de Braz Cubas.

Na praça tocavam as bandas Colonial Portugueza e do Corpo de Bombeiros, notando-se nas arquibancadas que davam frente para a Alfândega inúmeras famílias e cavalheiros, entre os quais se viam o dr. Primitivo de Castro Rodrigues Sette, juiz da primeira vara; dr. Luiz Porto Moretzsohn de Castro, juiz da segunda vara; Alberto Kemnitz, Aloyz Arnstein, Ernesto Bormann, João Lourenço da Silva, Antonio Candido Gomes e Secundino Troncoso, cônsules da Rússia, Áustria, Alemanha, Portugal, Chile e Espanha; o cônsul da Suécia, capitão-tenente Garcez Palha; capitão-de-fragata Pereira Lima, capitão do porto; drs. Jaguaribe, Eugenio Egas, Bias Bueno, representando os srs. presidente do Estado e secretário da Justiça e Segurança Pública; dr. Mario Amaral, representando a Câmara Municipal de S. Paulo; sr. Cupertino Mondim Pestana, representando o sr. secretário do Interior; sr. coronel Silva Telles, Antonio Militão, Vicente Inglez de Souza, Soter de Araujo, Saturnino de Brito, Guilherme Alvaro, Alfaya Rodrigues, o escultor Lourenço Mazza, autor da estátua; dr. Freitas Guimarães, orador oficial; srs. Fernandes da Silva, inspetor da Alfândega; João Carvalhal, Hugues Stenhouse, representantes de todas as associações nacionais e estrangeiras, da guarda nacional, os vereadores municipais, coronel Almeida Moraes, dr. Castro de Faria, encarregado dos negócios de Portugal no Brasil, autoridades locais, oficiais do corpo de bombeiros e da polícia.

Notava-se em todos os semblantes a mais viva ansiedade pela abertura da sessão. Quando a comitiva que vinha da estação da S. Paulo Railway chegou á Praça da República, estalou uma entusiástica salva de palmas, subiram aos ares inúmeros foguetes, executando as bandas de música os hinos nacional, da Carta e a marcha sinfônica a Braz Cubas, de A. Costa.

Aberta a sessão solene, o sr. José Domingues Martins convidou cinco das pessoas presentes para descerrar as cortinas que encobriam o monumento a Braz Cubas, tendo sido estas os srs. dr. Castro de Faria, coronel Almeida Moraes, Primitivo de Castro Rodrigues Sette, Wasconcellos Tavares e Bias Bueno.

É indescritível o entusiasmo que se apoderou do povo que enchia a Praça da República, quando aqueles cavalheiros desvendaram a estátua. Os clarins da força policial deram sinal de sentido, as bandas de música tocaram o Hino Nacional, ouvindo-se uma salva de 21 tiros de morteiro, foram queimadas muitas girândolas de foguetes e os vapores surtos no porto apitaram festivamente.

Debaixo de uma estrondosa salva de palmas, o dr. Freitas Guimarães subiu à tribuna, lendo durante cerca de uma hora, o discurso seguinte:

"Exmo. sr. dr. presidente do Estado,

Minhas senhoras,

Senhores:

A subida distinção que me conferiu a nova Câmara Municipal de Santos, convidando-me para ser o seu orador nesta solenidade, mais aumenta a gratidão que devo a esta terra e mais fortalece as amizades que aqui deixei, as mesmas que vim encontrar agora, depois de quase doze anos de ausência.

Tais honrarias não se recusam nunca, mesmo quando faltem ao escolhido qualidades que as justifiquem, e tal é o meu caso: aceitei o convite porque desde logo o considerei uma ordem (ordem que me penhora e orgulha) e porque significa que ainda não fui esquecido aqui, no círculo daqueles que sabem avaliar o quanto custa ser pobre e honrado numa época em que o caráter anda tão abastardado e frouxo. Obrigado, srs. edis!

Grande é a distinção que vos mereci, mas é maior a vossa bondade; e é nela que eu confio para falar ao povo que vos elegeu num belo movimento de independência política, resultante da declaração feita pelo governo "de que garantiria em toda sua plenitude a liberdade do voto".

***

A cidade de Santos resgata hoje com aquele que lançou os seus primeiros fundamentos - uma dívida de gratidão e de honra: erigindo-lhe uma estátua aqui, nada mais faz a geração atual do que cumprir um dever indeclinável e sagrado, igual ao dos filhos que não podem negar veneração às cinzas e à memória de seus pais.

Portugal, a gloriosa nação pequenina que fica do outro lado do Atlântico, mal acabara de cientificar ao Velho Mundo que Pedro Álvares Cabral, um dos seus audazes navegadores, havia descoberto, em viagem para a Índia, este grande país, a que dera o nome de Vera Cruz, depois mudado para o de Terra de Santa Cruz e mais tarde para o de Brasil; Portugal mal havia assinalado no mapa das suas conquistas marítimas o descobrimento desta terra abençoada, para a qual convergem atualmente, graças ao patriotismo e clarividência do nosso ilustre ministro das relações exteriores, todas as atenções do velho e novo mundo, todas as simpatias das nações fracas, pelo seu inolvidável triunfo nas Conferência de Haia - onde o nosso embaixador de minúscula estatura física se mostrou gigante pelo talento, o brilho e a tenacidade com que defendeu os bons princípios de liberdade e de justiça -, e todas as curiosidades das grandes potências, que já perceberam que este colosso só precisa de braços para pôr na evidência a feracidade do seu solo e a fonte inesgotável das suas riquezas; Portugal ainda não estava bem acordado do grande sonho luminoso que tivera, e já cuidava da colonização da nova terra descoberta, colonização essa que, na opinião do maior de seus oradores contemporâneos, "é a máxima honra entre todos os títulos da sua alta benemerência histórica, porque é aqui que os portugueses encontram desafogo e emprego a valentes energias que não cabem na estreiteza geográfica e na exiguidade econômica da sua pátria, e é aqui que as dores e alegrias da metrópole se ressentem multiplicadas, e as suas legítimas glórias resplendem, quase sempre, na justiça que merecem, parecendo que se depuram, na longa travessia do oceano, da densa poeira em que as envolve tanta vez a dura rivalidade dos homens e o implacável conflito das escolas e dos partidos".

Começaram de abicar então, às nossas praias, as caravelas da mãe-pátria, e desses enormes pássaros marítimos, de grandes asas brancas, de rémiges possantes, abertas sobre o dorso levadio do mar, iam todos os dias desembarcando as gentes que Portugal mandava às nossas plagas, para aqui vincularem a sua raça e transmitirem aos seus descendentes, como a mais valiosa das heranças, a língua que falamos, língua admirável que, como já o fez sentir Antonio Candido, "serve a tudo: à epopeia e ao idílio, à lamentosa elegia e ao cântico de guerra; língua que, passando pelas cordas de uma lira, é suave e doce como a voz do amor; assoprada na tuba épica, é vibrante, sonora e grandiosa ou terrível, segundo os temas que versa, as ações que conta, ou os heróis que celebra; língua que, trasladada ao Sul da América, não perdeu aí o seu caráter grave, nem a têmpera máscula, nem o tom de funda, indefinível melancolia, que lhe imprimiu a trágica e esforçada aventura dos nossos avós, e ainda adquiriu preciosos elementos de encantadora suavidade e de frouxa, dolente e maviosa ternura! Língua que refletirá sempre, em combinação maravilhosa e feliz, as cores da alma portuguesa e as da alma brasileira, sua filha e sua igual!".

"Braz Cubas, homem ativo, audaz e de ânimo desassombrado para os grandes empreendimentos, veio ao Brasil em companhia do donatário Martim Affonso de Souza, aportou a estas plagas no ano de 1531 e aqui ficou, com ânimo firme de residir, com instruções do governo da metrópole para fazer as demarcações precisas, e com o fim de adquirir, assegurar e perpetuar a posse das terras percorridas para o domínio da coroa de Portugal". [1]

Tendo obtido de d. Anna Pimentel, mulher e procuradora do donatário da capitania de S. Vicente, a 25 de setembro de 1536, uma carta de doação de terras marginais do Rio Jeribatiba, hoje denominado Jurubatuba, e fronteiras ao local onde hoje assenta esta cidade, carta essa que lhe foi trazida por seu pai em 1540, ficou morando até o ano de 1543 na Ilha Pequena, atualmente conhecida por Ilha Barnabé, a qual se achava compreendida na data de terras doadas, e concebeu então a feliz e generosa ideia de aqui fundar um hospital e uma povoação.

Dando execução ao seu plano, logo lançou os primeiros alicerces da Igreja de Nossa Senhora da Misericórdia e os de um hospital contíguo, que, à semelhança de outro que havia em Lisboa, se ficou chamando "hospital de Santos", "título que logo se comunicou à povoação que daí por diante entraram a chamar Porto de Santos", e que foi fundado para evitar-lhe o incômodo de fazer viagens largas. [2]

Vendo Braz Cubas, porém, que a nova povoação, ainda no berço, já sobrepujava em edificação, população e comércio a vila de S. Vicente, deu-lhe a 19 de janeiro de 1545 o foral de vila, ratificado pelo governo português em 1546, e determinou que lhe servisse de matriz a igreja da Misericórdia. [3]

Foi assim que nasceu esta cidade, cuja preciosa semente foi lançada em terras do outeiro de Santa Catarina, de onde ao depois se alastrou por todos os lados, para chegar a ser isto que hoje admiramos - terra da liberdade e da honra, do trabalho que enobrece e frutifica e do descanso que retempera e alivia, terar a que o oceano emprestou as energias e as revoltas do seu poder estranho para que as transformasse em fontes de benefícios e de triunfos e as repartisse igualmente entre aqueles que aqui dão emprego à sua atividade.

Esta é a terra em que aprendi a ser forte e desassombrado; de cujo comércio modelo recebi memoráveis lições de probidade e de honra; terra onde os negócios contratados verbalmente têm a mesma garantia daqueles que são reduzidos a escrito pelos oficiais que têm fé pública; terar a que me acho ligado por simpatias decididas, pois eu sinto que, quanto mais corre o tempo e mais se alongam as distâncias que dela me separam, quanto mais reúno em experiências e mais me afadigo em forças, mais intensas se vão tornando as saudades que daqui levei comigo, mais se avoluma e define a amizade que lhe consagro.

Deve sentir-se orgulhoso ali, no alto daquele pedestal merecido, o nobre português que aqui deixou o germe desta cidade movimentada e feliz.

Durante os 68 anos que viveu no Brasil, pois é quase certo que só veio a falecer em 1599, aquele homem, que foi um caráter inquebrantável, servido por uma consciência retilínea e um coração aberto a todos os sofrimentos alheios, mostrou-se digno da pátria distante - essa nação gloriosa do velho mundo, que é

"Onde a terra se acaba e o mar começa,

E onde Phebo repousa no Oceano,

e da qual diz o poeta, pintando-a, com justo orgulho, no seu poema imortal:

"Esta é a ditosa pátria minha amada,

À qual se o céu me dá que eu sem perigo

Torne com esta empresa já acabada,

Acabe-se esta luz ali comigo".

Não foi sem razão que Eduardo Prado, numa das páginas mais brilhantes que nos legou o seu talento privilegiado, se rebelou contra os brasileiros que lastimam não terem os holandeses ficado senhores do Brasil.

Nada mais injusto que essa opinião de alguns patrícios: como já observaram Assis Brasil e aquele outro saudoso paulista, caso os holandeses tivessem feito desta terra um país bem governado e feliz, não seríamos nós que aqui estaríamos gozando estes bens, mas sim os holandeses e seus descendentes; esta terra seria uma vasta feitoria, organizada com método, com ordem, com energia, talvez, mas seria uma colônia em que uns poucos de brancos seriam tiranos de milhões de índios e de negros. Com a colonização portuguesa e católica, viemos a ser, com todas as nossas fraquezas, com todas as nossas reais ou pretensas desvantagens étnicas, viemos a ser nós mesmos, isto é, uma nação e um povo! [4]

Glória, portanto, a Portugal, por haver aqui plantado a sua bandeira de proteção e de paz e por haver ensinado ao nosso povo a religião incomparável de Cristo! Glória a Portugal por poder chamar filha a esta adorada pária, sem rival no mundo, à qual está indissoluvelmente ligado pelo sangue que corre em nossas veias, pela beleza inigualável da língua que nos legou, participando das nossas alegrias e tristezas, e seguindo de perto, com o interesse devotado com que um pai segue de perto o filho que se educa, a evolução política da nossa vida de povo independente e culto, orgulhando-se dos nossos triunfos e aplaudindo as nossas vitórias!

Eis os laços que nos aproximam, os elos que nos unem, os vínculos que nos prendem a essa terra de além-oceano - "esse belo jardim da Europa à beira-mar plantado" - onde repercutem os hinos das nossas alegrias; onde ressoam, depois de terem vibrado em nosso seio, as notas plangentes das nossas queixas, e onde encontram um eco de cavalheirosa simpatia as expressões patrióticas de nosso entusiasmo pelas questões que a diplomacia desta república de ontem vai airosamente liquidando todos os dias, sempre com desusado brilho!

Senhores:

A homenagem que estamos rendendo à memória de Braz Cubas é honra muito maior para o povo que a rende, do que para aquele varão ilustre que a recebe.

Homens como os velhos portugueses nossos avós, da envergadura moral desse que hoje aí fica perpetuado pelo escopro e o cinzel de um escultor notável da Itália contemporânea, que também já colabora conosco para o engrandecimento do Brasil; homens do tipo desse que a vossa justiça exumou do túmulo em que dormia há séculos, para erguê-lo ao pedestal dos seus triunfos; homens como esses velhos portugueses honrados que aqui viram nascer os seus filhos, e para cá trouxeram o melhor das suas energias e esperanças, identificando-se com a nossa pátria e aqui deixando as suas cinzas; homens da têmpera desses são atualmente tão raros - que devemos venerar com orgulho os poucos exemplares que ainda nos restam dessa raça, que é a nossa, e fazer menos demorada a glorificação dos que já não existem e deixaram, em grandes feitos, indelevelmente assinalada a sua passagem por este país.

Honra sobeja me outorgou, repito,

A santista municipalidade:

dentre quantas me foram conferidas

É talvez a maior

 

Dívida de honra e gratidão de um povo

Hoje aqui paga ao fundador de Santos,

Perpetuando em mármore de Carrara

O vulto varonil

 

Largo trecho de luz da nossa história

Recorda o monumento majestoso

Que se ergue sobre a terra que foi berço

Dos Gusmões, dos Andradas.

 

A Eóle e ao seu alígero cortejo:

Outro, fazendo a pátria independente

E dando brilho às letras brasileiras

Da branda Erato à voz:

 

A palavra divina, este, semeando;

Na tribuna do foro e parlamento,

Aquele, mais ainda enaltecendo

O nome do seu pai;

 

Tal outro, enfim, legando-nos, brilhante,

As memórias dos feitos valorosos

De que fora teatro "São Vicente",

Nossa capitania.

 

Ditosa a terra de tão grandes filhos

O solo em que nasceu, cresceu altiva

E frondejou tão generosa estirpe,

Raça tão nobre e pura!

 

Ditosa a terra em que se enraizaram

Troncos de tal pujança, gente assim boa,

De arguto, perspicaz entendimento

E grande coração!

 

Berço feliz dos fortes bandeirantes,

Salvé! Tuas florestas seculares

Onde o gentio erguera as suas tabas

Abrigado do mundo,

 

Certo logo as talára o invasor luso,

Matando os aborígenes ligeiros,

Impondo o seu domínio a ferro e fogo,

Se não fora o jesuíta,

 

Que penetrou os seus umbrais gigânteos,

E ajudado somente de um emblema,

Da santa cruz em que morreu o Cristo,

Venceu pela cordura,

 

Dominou corações endurecidos,

Uniu o português ao índio rude

E à matança pôs fim, em pouco tempo,

A paz assegurando.

 

Se não fora o jesuíta temerário,

Ínvias matas bravias perlustrando,

Apagando o receio do selvagem

E o lusitano ardor,

 

Não surgiria esse tipo - o "mameluco",

De elástica e viril musculatura,

De pronto raciocínio e olhar agudo,

Dominando os sertões!

 

Sim! porque o mameluco é que é a pátria,

O autêntico Brasil! Foi o caboclo

Quem fecundou o seio prodigioso

Desta pátria querida!

 

Foi o caboclo, sim, foram seus filhos

Que arrotearam, sofrendo graves danos,

O sombrio sertão... (Tão grande é ele

Que até hoje não foi

 

Possível desvendá-lo por completo!)

Esse o povo que fez-se independente,

Soube lutar, sem exalar as queixas,

Ali, no Paraguai,

 

E, mais tarde, volvidos alguns lustros,

Cansado de sofrer a tirania,

Acorrentado ao poste da ignomínia,

Fez pedaços um trono!

 

Homens de bronze tez e olhos ferinos,

Salvé! Lídima prole, eu te saúdo!

Bandeirantes do ideal, bravos caboclos

Da minha pátria, salvé!

 

Rasgando o seio à terra prometida,

Sondando o álveo dos rios e as gargantas

Da colossais montanhas que defendem

O extenso litoral,

 

Fostes enchendo as arcas da metrópole

De prata, de ouro, de custosas pedras,

Desde a verde esmeralda esperançosa

À ametista vulgar;

 

São tão fartos, porém, dessas riquezas

As nossas cordilheiras, nossos rios,

Que nem parece que houve tal desfalque

De tão grande fortuna!

 

Sim, ele aí está: abram-lhe o seio

Ao meu Brasil glorioso, e logo os olhos

Terão deslumbramentos; os seus rios

Quanto ouro arrastam

 

Pelo fundo arenoso dos seus leitos,

Ou quanto diamante não carregam

Nos cascalhos que rolam ou que deixam

Nas cachoeiras que têm!

 

Suas virgens florestas, que palácios

Não guardam de finíssimas madeiras!

Quanto metal precioso pelas serras,

Quantas minas não há!

 

Esta é por certo a terra destinada

Por Deus a ser no mundo de Colombo

Aquela que conserve a primazia

Entre os demais países,

 

Terra que as flores enchem de perfume,

Que tem no céu, de dia, um sol triunfante,

E de noite o Cruzeiro, rutilando

Entre milhões de estrelas,

 

E uma lua de prata, lactescente,

Lua de namorados, cautelosa,

Velada às vezes pela névoa, às vezes

Brilhante como o sol!

 

Terra assim tão feliz, que tem tal povo,

Não pode se esquecer de quem lhe fora

Amparo um dia, e desvelo sem conta

Sempre lhe dispensou.

 

- Ei-lo o seu prêmio ao mérito; tardio

Achá-lo-eis, talvez, mas não indigno

Do alto varão que perpetua e que olha

Do pedestal que pisa

 

Para a cidade que fundou outrora,

Que era naqueles tempos vila humilde,

E hoje vê derramada à sua frente,

Aos lados, traz de si,

 

Tardio achá-lo-eis, mas não indigno

Do artista que empenhou o camartelo,

E com o cinzel rasgou aquela boca

Enérgica, alisou

 

Aquela fronte larga, abriu-lhe os olhos,

Deu-lhe forma ao nariz forma às orelhas,

Farto bigode ao lábio e ao mérito as barbas,

Que sobem pelas faces.

 

Ei-la a estátua que se ergue, sobranceira,

Desafiando quiçá o próprio tempo,

Que não poupa ninguém, tudo consome

E sepulta no olvido!

 

Eis Braz Cubas de pé, fitando Santos,

A pequenina filha que deixara

Junto ao mar, em tempos que vão longe,

E ora encontra a sorrir.

 

- Segundo empório comercial da pátria,

Satisfeita por vê-lo presidindo

Ao seu progresso, ao despertar da vida

Política dos seus! -

 

Salve, glorioso pai desta cidade,

Que vê novos, mais vastos horizontes

Diante de si, mais cheios de promessas

E justas esperanças!

 

Do alto do teu renome, muito bravo,

Hás de ver, remoçada, a tua filha,

Livre de peias, livre de credores,

Alçar nutrido colo,

 

Beber a largos haustos pela taça

De ouro da fartura, ela que celebra,

Orgulhosa de si, da sua gente,

O valor do seu pão!

 

Nesse dia feliz, que já vem perto,

Hão de os teus lábios ensaiar o nome

Da filha heroica, e os teus olhos de pedra

De alegria chorar!...

S. Paulo, 23 de janeiro de 08.

Freitas Guimarães.

Quando o dr. Freitas Guimarães concluiu o seu discurso, ouviu-se, por muito tempo, uma calorosa salva de palmas.

Falou em seguida o sr. Alberto Veiga, em nome da colônia portuguesa, agradecendo a homenagem prestada a um português como Braz Cubas, elogiando o comendador Alfaya, que foi o primeiro que teve a ideia de ser erigida em Santos uma estátua que perpetuasse a memória do seu fundador, estendendo os seus elogios ao coronel Almeida Moraes, que muito se interessou para que a ideia fosse posta em prática, e ao escultor Lourenzo Mazza, que concebeu e executou o monumento.

Também o discurso do sr. Alberto Veiga foi muito aplaudido.

Em seguida, o dr. Jaguaribe, membro do Instituto Histórico e Geográfico, tomou a palavra, discorrendo longamente sobre a vida de Braz Cubas e sobre a fundação de Santos, encerrando-se, com esse discurso, a brilhante sessão.

Da Praça da República, formou-se um grande préstito, que se dirigiu ao Paço Municipal, onde foi servido um lanche aos convidados que vieram de S. Paulo e mais pessoas gradas.

Falou o dr. Leopoldo de Freitas, brindando o dr. Castro de Faria, encarregado dos negócios de Portugal no Brasil. Este tomou a palavra, para saudar a Câmara Municipal de Santos, lendo um lindo discurso, eloquente e cheio de patriotismo.

Falaram depois os srs. João Carvalhal, que saudou o representante de Portugal, Cupertino Montin, saudando o mesmo sr., e Azevedo Junior, brindando o governo do Estado, representado pelo sr. Bias Bueno, que agradeceu a saudação.

À noite, realizaram-se na Praça da República, artisticamente ornamentada e profusamente iluminada, os concertos das bandas Colonial Portugueza e Municipal.

A praça apresentava um aspecto deslumbrante, apinhada de povo, produzindo um belo efeito a estátua de Braz Cubas.

O escultor Lourenzo Mazza tem sido muito elogiado pelo seu excelente trabalho, devendo esse artista seguir para S. Paulo por toda esta semana.

O trem especial conduzindo os convidados que vieram dessa capital partiu às seis e meia da tarde, comparecendo à estação inúmeras pessoas desta cidade.

No Parque Balneário, foi oferecido um jantar ao representante do governo português, dr. Castro de Faria, que veio a esta cidade a fim de assistir aos festejos em homenagem a Braz Cubas.

Tomaram lugar na mesa os drs. Bias Bueno, Raul Vicente de Azevedo Bento de Souza, Martim Francisco e Leopoldo de Freitas.

O jantar correu na maior cordialidade, tendo sido trocados vários brindes.

O dr. Bias Bueno expediu telegramas aos srs. Jorge Tibyriçá, presidente do Estado, e Washington Liz, secretário da Justiça e Segurança Pública, comunicando havê-los representado nas festas de hoje.


[1] Alm. Moraes - Braz Cubas, págs. 5 e 6.

[2] Almeida Moraes - Braz Cubas, págs. 13 e 15. Frei Gaspar da Madre de Deus; apud. Alm. Moraes, pág. 17.

[3] Idem, idem, pág. 18.

[4] Eduardo Prado - Collectaneas - vol. 4º, págs. 69-70

Ainda na página 3 do mesmo jornal paulistano, em 27 de janeiro de 1908 (Acervo Estadão - ortografia atualizada nesta transcrição - clique >>aqui<< para obter a página inteira), a nota:

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Imagem: reprodução parcial da pagina 3 com a matéria, no Acervo Digital Estadão

OS MUNICÍPIOS

Santos

[...]

- Os jornais santistas de ontem deram edições especiais em comemoração da inauguração do monumento a Braz Cubas, trazendo o retrato do fundador de Santos, acompanhado de vários artigos.

- No dia de hoje, há 79 anos, reuniu-se a mesa eleitoral para eleição da primeira câmara municipal desta cidade.

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