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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - GREVE! - LIVROS
A Barcelona Brasileira (19)

Clique na imagem para voltar ao índiceEntre 1879 e 1927, Santos foi o centro de um dos três principais movimentos de reforma social no Brasil, tornando-se conhecida como a Barcelona Brasileira, em razão da chegada de grande contingente de imigrantes ibéricos, fortemente politizados, participantes ativos da corrente do anarco-sindicalismo. Santos tinha também uma imprensa engajada nas questões sindicais, com cerca de 120 jornais e revistas. Apesar disso, este período da história santista e brasileira foi muito pouco estudado.

Foi o que levou o jornalista e historiador Paulo Matos a produzir este material (que obteve o primeiro lugar do Concurso Estadual Faria Lima-Cepam/1986, da Secretaria de Estado do Interior de S. Paulo). Ampliado e revisado, para publicação em livro, tem agora sua edição pioneira em Novo Milênio:

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Santos Libertária!

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Imprensa e história da Barcelona Brasileira 1879-1927

PARTE II - A imprensa da Barcelona Brasileira

Capítulo V - (cont.) Imprensa operária em Santos/1879-1927- Análises:

 

[14] A Vanguarda - 1907

A participação ativa na defesa dos interesses operários, postura que provocou a prisão de seus donos, fez A Vanguarda, órgão da chamada grande imprensa, ser incorporado ao conjunto de jornais aqui analisado. Registrando a voz e a situação dos operários no mais grave conflito da década, a greve de 1908 no cais de Santos.

Em setembro desse ano, Fernando de Magalhães comprara as antigas oficinas do Cidade de Santos e convidara Benjamim Motta para dirigir um jornal diário. Advogado de operários, seu nome está presente na imprensa operária em O Libertário, em 1898, e em A Lanterna, em 1901, ao lado do líder anarquista Edgar Leuenroth [1].

Em 1905, foi ele quem impetrou habeas-corpus para onze trabalhadores, presos em uma invasão da Internacional e enviados a São Paulo para evitar julgamento em Santos [2]. Mas, graças a Benjamim Motta, eles são "devolvidos" para cá.

O estilo de A Vanguarda é o da grande imprensa, com as colunas bem separadas por barras ou manchetes e tem o aspecto gráfico mais moderno do que A Tribuna e O Diário, assemelhando-se a estes na divisão dos artigos. Não escapa ao provincianismo das crônicas dos aniversários, batizados, chegadas e saídas dos ilustres da cidade. Mas tem uma linguagem irreverente nos artigos políticos, que o diferencia dos demais. Por exemplo,no artigo O orçamento da opressão [3], fala sobre o orçamento municipal de 1909 e diz que "Ali, pela Câmara, dinheiro é como manteiga em focinho de cachorro. Fica unicamente o tempo necessário para ser lambido pelos mais expertos".

Ao contrário dos jornais anarco-sindicalistas, não tem uma posição firmada quanto a eleições, não relutando em apoiar candidatos que desempenhem papéis ao seu agrado. Como a Antonio Moreira da Silva, chamado pelos anarco-sindicalistas de Sereia Barbada, por causa dos seus apelos reformistas. Acha importante a luta do senador Alfredo Ellis contra a Docas.

Seu diretor Benjamim Motta, apesar de seu engajamento, não é aceito integralmente pelos anarquistas, como mostra uma notícia sobre um meeting que apresenta os oradores, "companheiro La Scala, companheiro Eládio Antunha e o distinto jornalista Benjamim Motta [4].

Anti-clerical ao extremo, trazia notas sobre o comportamento indecoroso dos padres e nas próprias notícias policiais dá destaque à crise social como geradora da criminalidade, com base no moralismo anarquista, lembrando sempre a condição de miséria e exploração do operariado.

O jornal dá espaços a temas como as más condições de vida e trabalho do operariado, denunciando também o racismo praticado na contratação de trabalhadores [5]. Critica os políticos e a política, mas também os apóia. Apesar disso, critica asperamente o resultado das eleições e o sistema eleitoral. Os espancamentos e esbofeteamentos de operários por feitores da Docas também são denunciados nas páginas de A Vanguarda, assim como o roubo de horas trabalhadas por operários da empresa, através da falsificação do ponto, e os preços exorbitantes dos armazéns de alimentos da Docas em Itutinga, que os vendia podres e bichados e os descontava diretamente nos salários.

A análise das eleições estampada no jornal dá bem um quadro de como as conceituavam uma parcela importante da sociedade, além dos anarquistas: "...o povo brasileiro, desde que bestificado assistiu à proclamação da República, bestificado se conservou quando foram nomeados pelos governos ditatoriais dos Estados os membros da Constituinte, e não saiu até agora da bestificação em se tratando das eleições federais (...) Quando o povo resolverá agir em defesa de seus direitos, enxotando das cômodas posições que ocupam tantos medalhões inúteis? Quando se lembrará o povo de chamar às contas os patifes?" [6].

Na greve dos padeiros de junho de 1909, quando três padarias se recusaram a aceitar a fiscalização do sindicato, e que resulta quase em uma greve geral, a sede da Federação Operária é invadida e Fernando de Magalhães não só se solidariza com a greve no jornal como consegue um outro local para reunião daqueles trabalhadores, sendo por isso perseguido pela polícia, tendo de se esconder [7].

No histórico da imprensa santista de Olao Rodrigues [8], o dirigente de A Vanguarda é Silvino Martins, vinculado ao Partido Republicano. Foi nesta publicação que conseguimos o logotipo do jornal para fotografá-lo.

[15] A Aurora Social - 1909

Surgido em 1909, este órgão é porta-voz da Federação Operária Local de Santos, tendo como responsável J. Rufino e sede na Rua General Câmara nº 83 - sobrado. O número pesquisado comemora o terceiro ano de fundação da entidade, em 1910 - a FOLS foi fundada em 19/7/1907 - e dirige a sua mensagem notadamente contra a repressão, procurando atingir a consciência dos soldados [9].

Alexandre La Scala assina um artigo sobre o tema, dizendo que "... O indivíduo que veste a farda de soldado não tem consciência daquilo que faz; transforma-se em escravo de seus superiores engaloados, até o ponto de ser assassino de seus próprios irmãos, quando o ordenarem..." Falando da greve de 1908, "para arrancar deste abutre que se chama Docas de Santos a jornada de 8 horas", chama para a luta pela redução da jornada todos os trabalhadores de Santos.

Eládio Antunha assina um artigo intitulado O Sol da Liberdade, onde enaltece o ambiente puro e humilde da gente do campo, distante da corrupção dos hábitos burgueses no meio urbano. O fantasma da repressão permanece nos cérebros dos trabalhadores, que durante a greve de 1908 puderam testar o poder do "polvo" (a Docas), de mobilizar gigantescos aparatos repressivos da Marinha e do exército estadual, esmagando impiedosamente a organização operária.

No artigo Soldados, despertai! Dentro de uma farda não há lugar para um coração, caracteriza-se muito bem esse sentimento, procurando questionar os soldados sobre os valores que os levam a servir às classes dominantes. A Federação Operária, que editava este jornal, era composta pelos sindicatos dos pedreiros, pintores, carpinteiros, funileiros, carregadores de café e tecelões. Trazendo anúncios de vários jornais internacionais, o jornal convida também para uma reunião da "Liga do Livre Pensamento", recém-fundada na cidade, com sua sede "instalada provisoriamente na Federação Operária".

O Estado e a Religião é outro tema analisado em um texto de Luiz La Scala, onde ele explica que "O Estado é um inimigo do povo" e que a religião representa "uma pilastra do sustentáculo do regime de exploração". "E todos nós sabemos - escreve La Scala - quanto é ignominiosa a parte que a religião representa na sociedade presente. Nós sabemos o quanto perniciosa e prejudicial sua influência é sobre o povo trabalhador, para o manter passivo e resignado ante a opressão..."

A Federação Operária Local de Santos foi anunciada por La Scala e Antunha em novembro de 1906, quando convidaram a participar da nova entidade os trabalhadores, em uma assembléia da SIUO, e veio dar uma nova orientação à luta operária, a do anarco-sindicalismo. Eles venceram com suas propostas o Congresso Operário Brasileiro desse ano, apesar de estarem em minoria ante os representantes do reformismo, trazendo para si os votos indecisos, com propostas como a desvinculação do movimento operário da política oficial ou da religião.

Seguindo as correntes do anarco-sindicalismo revolucionário francês, eles foram flexíveis e derrotaram as propostas de envolvimento político, defendidas pelo líder reformista Pinto Machado - recusando-se a diluir a luta operária no engajamento eleitoral.

O livro de Maria Nazareth Ferreira atribui o surgimento de A Aurora Social a 1911 [10]. Diante do fato de que a Federação Operária foi fundada em 19 de julho de 1907, reunindo os sindicatos dos pedreiros, pintores, carpinteiros, funileiros, carregadores de café e tecelões [11], que resolveram aderir à ação direta [12], o terceiro aniversário que comemora a edição analisada é em 1910. Encontramos este exemplar no Arquivo Edgar Leuenroth, onde foi por nós fotografado.


Notas:

[1] GITAHY, op. cit., p. 263. Os dados sobre Benjamim são de FERREIRA, op. cit., p. 94.

[2] GITAHY, op. cit., p. 86.

[3] A Vanguarda, 71, 2/1/1909, p. 1., apud GITAHY, op. cit., p. 263.

[4] A Folha do Povo, 8/6/1909, apud GITAHY, op. cit., p. 263.

[5] A Vanguarda, 10, 11, 17 E 18/2/1909, apud GITAHY, op. cit. p. 265.

[6] A Vanguarda, 1/2/1909, apud GITAHY, op. cit. p. 271.

[7] GITAHY, op. cit., p. 278.

[8] RODRIGUES, Olao. História da imprensa santista, p. 112.

[9] A Aurora Social, número especial em comemoração ao terceiro aniversário da Federação Operária Local de Santos, 19/7/1910, p.1.

[10] FERREIRA, op. cit., p.94.

[11] GITAHY, op. cit., p. 101.

[12] GITAHY, op. cit., p. 102.