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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - OS ANDRADAS - BIBLIOTECA
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A história do Patriarca da Independência e sua família

Esta é a transcrição da obra Os Andradas, publicada em 1922 por Alberto Sousa (Typographia Piratininga, São Paulo/SP) - acervo do historiador Waldir Rueda -, volume II, com ortografia atualizada (páginas 35 a 62): 
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PRIMEIRA PARTE - PRELÚDIOS DA INDEPENDÊNCIA

Capítulo I - A permanência da família real no Brasil e seus efeitos

Primeiros atos do príncipe regente

o primeiro volume desta obra, expusemos, de modo sintético, qual a situação de fato em que se achava o Brasil perante Portugal, quando, ameaçado por terra pela França vitoriosa e por mar pela formidável Inglaterra, deliberou enfim o príncipe regente, d. João, obedecendo a sensatas sugestões alheias, trasladar a Corte Portuguesa para esta longínqua porção de seu ainda vasto império colonial.

Esse acontecimento reagiu salutarmente, sob mais de um aspecto, sobre o conjunto de nossos destinos, porque a fixação da sede da monarquia na capital de sua mais importante colônia tinha que trazer para ela, como efetivamente trouxe, um grande impulso de progresso em todas as suas manifestações vitais.

Para maior decência e dignidade da realeza e para conforto de seus inúmeros apaniguados que, de improviso e à força, para cá tiveram que se expatriar atropeladamente, fizeram-se obras públicas de relativo porte, as quais redundaram, não só no benéfico aproveitamento de capacidades várias, até então inativas, por falta de trabalho assaz compensador, como no melhoramento do próprio meio físico e social, no conhecimento de certas comodidades voluptuárias até então desconhecidas, na adoção de certos hábitos ainda ignorados ou apenas mal entrevistos mesmo pelas classes mais abastadas, no polimento, em suma, da alta sociedade brasileira.

Fac-símile do cabeçalho da Gazeta do Rio de Janeiro (de 10/1/1816)

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Estabelecimento de oficinas tipográficas no Brasil. Fundação da imprensa jornalística. Academia dos Felizes e Academia dos Seletos. A missão artística francesa. Criação da Escola de Belas-Artes

Além disso, a cultura mental progrediu com o estabelecimento da imprensa régia [1], com a criação da Biblioteca Nacional [2] e com o fomento oficial das belas-artes [3], das quais o príncipe regente, sentindo talvez nas veias o pulsar hereditário das delicadas tendências de sua augusta mãe, era decidido apreciador, não obstante a curteza de seu espírito desprovido de saber teórico; a justiça melhorou sensivelmente com a instalação de tribunais, o que tornou menos demorada e menos dispendiosa a solução dos pleitos entre partes.

Também a defesa de nosso território, embora ainda muito incompleta e deficiente, foi objeto de cuidados mais assíduos por parte da administração superior, pois, além dos regimentos militares que da metrópole vieram acompanhando a realeza, e os que chegaram depois [4], aqui se criaram novas tropas destinadas a arcar com as responsabilidades de conflitos internacionais à mão armada, e que não deixaram de surgir dentro de pouco tempo.

Na capital e nas capitanias mais próximas dela, a presença da Corte, pelo respeito que a todos infundia, melhor assegurava a liberdade pessoal ou outros direitos quaisquer dos habitantes, os quais podiam, sem as desesperadoras delongas doutros tempos, apelar para os tribunais e, no caso de uma possível e não rara denegação de justiça, tinham, em última instância, o recurso para o monarca.

Este, de índole fraca, mas de coração bondoso, procurava, seguindo o nobre exemplo de sua mãe, atender a todas as súplicas razoáveis e promovia quanto possível a reparação das injustiças alegadas e devidamente provadas.

Já o mesmo não acontecia nas capitanias mais afastadas, onde os capitães-generais, grosseiros e prepotentes, longe das vistas do soberano e cônscios da impunidade, praticavam contra os nacionais e até mesmo contra os reinóis toda a casta de violências e de arbitrariedades jamais punidas. Daí resultava que, enquanto as populações do centro político e suas circunvizinhanças mostravam-se relativamente satisfeitas com a vinda providencial dos Braganças e cercavam-nos de toda a simpatia, veneração e acatamento, as restantes populações continuavam sofrendo, como dantes, a insolente dominação dos régulos brutais que despoticamente administravam as capitanias situadas em regiões longínquas, como, por exemplo, as que se achavam localizadas na zona setentrional do País.

Fac-símile de um suplemento da Gazeta do Rio de Janeiro (de 6/6/1822) - formato 29 x 20 1/2 (original existente no Arquivo da Câmara Municipal de Santos)

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Autonomia econômica e liberdade política

Do ponto de vista estritamente econômico e político, foram enormes as vantagens que nos advieram da transmigração da Casa Real para o Brasil. No primeiro caso revogaram-se todas as leis proibitivas ou simplesmente restritivas da atividade industrial, tanto manufatureira como fabril [5], e isentou-se de direitos a matéria-prima destinada a tais indústrias [6], dispensando-se, ao mesmo tempo, dos encargos do serviço militar obrigatório os empregados das fábricas em funcionamento [7].

Reduziram-se de 25 para 16% os direitos de entrada devidos pelas mercadorias de propriedade de portugueses, conduzidas por conta própria, em embarcações nacionais [8], isto como conseqüência necessária da abertura dos portos brasileiros às nações amigas.

Se não se instituísse uma tarifa protecionista, como poderiam os produtos portugueses, geralmente inferiores aos estrangeiros, concorrer com o preço e a qualidade deste? Com o fim de encaminhar para nós a colonização européia, concederam-se aos imigrantes sesmarias de terras [9] e estabeleceu-se no País, em virtude de cláusulas contidas no Tratado de Comércio feito com a Inglaterra, a 9 de fevereiro de 1810, uma relativa liberdade de cultos religiosos. Outras medidas completaram o plano de fomento geral e sistemático da lavoura e das indústrias renascentes.

Quanto ao ponto de vista político, os proveitos que dele auferimos saltam com deslumbrante evidência aos nossos olhos. Basta considerar que as capitanias, obrigadas a prestar contas de seus atos ao Conselho Ultramarino e à Mesa da Consciência e Ordens, estabelecidos na metrópole, viviam mais em contato com o governo de Lisboa do que com o do vice-rei do Brasil, domiciliado no Rio, de maneira que não existia entre elas um laço de coesão que as unisse e ligasse fortemente.

Com a instalação da sede da monarquia na própria sede do antigo vice-reinado, que nesse momento se extinguiu, a obediência das capitanias a Lisboa passou para o Rio, onde o rei encarnava majestaticamente o poder supremo e governava por intermédio de seus ministros, conselheiros e magistrados, centralizando em derredor do trono a vida de todas elas. Data daí a verdadeira formação da unidade nacional, que a ação administrativa e política do centro comum tornava cada vez mais homogênea [10].

Elevação do Brasil a reino. Razões prováveis que para isso atuaram no espírito de d. João

Além desse fato, a elevação do Brasil a reino, colocando-o oficialmente em condições de perfeita igualdade política perante Portugal, veio concorrer ainda mais para que o pensamento e a obra da unidade nacional, iniciados com as primeiras medidas governamentais decretadas por d. João, tomassem corpo e se consolidassem definitivamente.

A elevação da colônia à categoria de reino unido com a sua metrópole não obedeceu, como a alguns parecerá talvez, a nenhum intuito do príncipe regente em ser amável para com os brasileiros tão acolhedores ou útil aos interesses do País em que viera assentar a sua Corte e garantir a permanência da coroa na sua cabeça e na de seus herdeiros.

É provável, como pondera o sr. OLIVEIRA LIMA [11], que, para a expedição desse ato, concorresse, entre outros relevantes motivos, o desejo de arrefecer o desgosto que já lavrava, sobretudo entre as capitanias do Norte, por ter a trasladação da sede da realeza para o Brasil trazido para este maiores encargos do que honras.

Entretanto, a razão primordial desse acontecimento devemos buscá-la, também, ao que pensamos, em exigências de outra natureza. É nossa opinião que o príncipe regente obedeceu principalmente a dois móveis, cada qual mais poderoso.

O Congresso de Viena

O primeiro - que não é todavia o mais relevante - baseava-se em necessidades imprescindíveis da política exterior do Governo Português. Convocado para 30 de maio de 1814, pelas potências que tinham derrotado a França imperial nos campos de batalha, o Congresso Geral de Viena, que tinha de remodelar a carta política e territorial da Europa, não conseguira reunir-se até 30 de outubro, em vista das fundas, das irreconciliáveis divergências que desde logo se suscitaram, quer entre as grandes nações aliadas contra o déspota vencido (Prússia, Rússia e Inglaterra), cujas ambições, como sempre acontece no momento de partilharem-se os despojos, chocaram-se violentamente; quer entre elas e as pequenas pátrias, que os representantes das potências mais fortes não queriam admitir ao debate das questões em jogo, devendo limitarem-se apenas a dar o seu voto sobre os pareceres e conclusões lavrados pelas outras.

Representava a França, na memorável assembléia, o hábil estadista e diplomata arguto, Talleyrand, príncipe de Benevente, o qual, tirando partido das sérias rivalidades que dividiam no Congresso os representantes dos governos aliados, conseguiu agrupar em torno de sua brilhante personalidade os Estados menores para servirem de contrapeso às desmedidas pretensões dos grandes Estados.

Portugal, que devido à sua pequena extensão territorial, escassez de população e relativamente fraco poder militar, estava incluído entre as nações não admitidas ao direito de discussão, protestou, pelo órgão de seus embaixadores, conde de Palmella, Joaquim Lobo da Silveira e António de Saldanha da Gama, contra aquela decisão iníqua, alegando que o Brasil era então a sede da monarquia e achava-se, portanto, equiparado à metrópole com a qual formava um só estado.

Incoerências de Mello Moraes sobre a elevação do Brasil a reino

Essa alegação, provavelmente sugerida pelo plenipotenciário francês, que a apoiou com toda a energia, teve, afinal, bom acolhimento por parte das outras potências; e Portugal tomou assento entre elas no mesmo pé de igualdade a todos os respeitos [12]. Foi certamente o grave perigo que a nação correu no seio do Congresso um dos motivos que levaram d. João a aceitar as insistentes sugestões de seus conselheiros, exalçando o Brasil à categoria de reino.

A carta de lei de 16 de dezembro de 1815

Assim, pois, a carta de lei de 16 de dezembro de 1815 não teria sido, sob esse aspecto, mais do que a ratificação ou homologação oficial do ato daquele Congresso, que, seis meses antes, reconhecera como reino o nosso país, o qual, desde então, deixava de ser colônia no consenso internacional dos povos livres [13].

Atitude de D. João ante a perspectiva do regresso

O outro móvel, o segundo, o que nos parece ter atuado mais fortemente no espírito do príncipe para a expedição da lei - era de ordem inteiramente pessoal e fundava-se meramente nas conhecidas inclinações de seu caráter egoístico. D. João aqui vivia sossegado, tranqüilo, satisfeito, longe das turbulências da metrópole, onde a sua regência transcorrera entre perigos e pavores de toda a castas.

No Brasil era estimado e respeitado pelo povo, e se não foram os atos escandalosos praticados sem reserva e sem pudor pela princesa, sua esposa, ele julgar-se-ia o mais feliz dos chefes de Estado de seu tempo. Os documentos que se conhecem, e o testemunho de biógrafos e historiadores, são unânimes em afirmar que lhe não passava pelo espírito a desagradável idéia de voltar ao Velho Mundo.

Ainda lhe amarguravam n'alma, digna apesar de fraca, as humilhações por que lá passara diante dos outros povos, os sustos que tinha sofrido, as intrigas palacianas forjadas contra sua autoridade pelos cortesãos que d. Carlota insuflava, a terrível pressão internacional que padecera por parte da França inimiga e da Inglaterra aliada e amiga, pressão que sacrificara a majestade de seu pode e a soberania da própria nação. Em tais condições, não valia a pena voltar ao lúgubre teatro de suas passadas angústias, pelo menos enquanto se não estabilizasse de fato a situação européia, ainda bastante agitada.

Mas, desde a queda final de Napoleão Bonaparte, começou-se a aventar, na capital portuguesa, no Rio e nas chancelarias estrangeiras, a idéia de voltar a lusa Corte a Portugal, por terem cessado os motivos imperiosos que a forçaram a trasladar-se para o Brasil.

A Inglaterra, que chefiava com ardor esse movimento, chegou mesmo a anunciar às nações amigas que era essa a firme intenção do regente e, a fim de melhor auxiliá-lo em sua resolução, mandou ao Rio de Janeiro uma esquadra para reconduzi-lo à Europa com toda a sua Corte.

D. João, melindrado em sua dupla dignidade pessoal e governamental, teve, não obstante seu gênio timorato, a energia precisa para recusar, polida mas peremptoriamente, o pressuroso oferecimento de sua amável aliada, oferecimento que se revestia, por certo, de todos os característicos de uma franca imposição [14].

Foi provavelmente aí que a d. João, com a notória sagacidade que supria as falhas de sua inculta inteligência, acudiu a feliz lembrança de converter em fato a sugestão que tanta vez lhe tinha sido feita, desde a reunião do Congresso de Viena, de promover sem tardança à categoria de reino sua importante colônia do Brasil.

Postos um e outro país em perfeito grau de igualdade a todos os respeitos, já se não poderia, de forma alguma, estranhar que a realeza aqui tivesse e continuasse a ter a sua sede. Era tudo, desde então, uma só pátria, uma só nação, um só reino, um só povo, um só regime, um só governo: por quê, pois, não poderia este residir justamente na parte mais extensa, mais populosa e economicamente mais rica de seu imenso território?

Assim pensando, supunha d. João ter conjurado, senão para sempre, ao menos por dilatado período de tempo, os riscos de que se temia se por acaso regressasse a Portugal. Estamos convencidos, pelo que conhecemos da personalidade íntima do infeliz Bragança, e pelos atos que ele praticou para evitar esse desfecho criado pelas novas circunstâncias européias, de que a elevação do Brasil a reino foi determinada precipuamente pelos motivos individuais que acabamos de expor e comentar.

***

Dona Carlota Joaquina

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Dona Carlota Joaquina

A realidade é que d. João vivia satisfeito no Brasil e também o povo brasileiro lhe dispensava prodigamente vivas simpatias, já por sua bonomia, afabilidade e espírito justiceiro, já, sobretudo, por causa da mulher, que o desonrava e nos queria mal, como todo o mundo o sabia.

Dona Carlota Joaquina não usava de cautelas no tocante às ardentes aventuras em que se envolvia extra-conjugalmente, nem quanto às manifestações violentas de seu ódio pelo Brasil e de seu desprezo pelos brasileiros. Os caprichos depravados dos sentidos, as irrefreáveis impulsões da bruta animalidade dominavam nela todas as delicadezas inerentes ao sexo, o respeito do próprio lar e mesmo a sua alta dignidade de princesa.

Nascida e criada no luxo e no mole esplendor da mais suntuosa das Cortes ocidentais daquele tempo, não podia, a orgulhosa filha mais velha de Carlos IV da Espanha [15], conformar-se com a permanência do governo português na capital da colônia americana, onde, não obstante a natural amabilidade dos filhos do País, o desconforto era enorme em relação às comodidades e ao fausto a que se habituara, tanto nos ricos Paços d'El-Rei seu pai, como nas residências oficiais do velho Portugal.

Além disso, era por demais limitado o campo onde exercer sua atividade política, envolvendo-se nas questões internas ou internacionais, que na Espanha, em Portugal e noutros países surgiram nessa época tão fértil em intrigas, em discussões, em guerras, em complicados acontecimentos. Por todos esses motivos, a residência da Corte no Brasil desgostava-a, causando-lhe verdadeira exasperação. Daí as manifestações em que, segundo o testemunho de contemporâneos, numa linguagem desabrida, toda composta de expressões plebéias e vocábulos grosseiros, explodia com intemperante insolência, contra nossa terra, contra nossos homens e contra nossos costumes.

Daí as ardilosas maquinações que, de cumplicidade com vários magnatas nostálgicos da pátria de origem, urdiu conspiratoriamente, no intuito de forçar o regente a regressar para Lisboa, tão depressa lho permitissem as possibilidades da situação peninsular e do estado político da Europa.

D. João VI

D. João, porém, não se mexia a esse respeito. Ao contrário, todas as suas palavras e todo os seus atos, refletindo com sinceridade seus mais íntimos sentimentos e pensamentos, indicavam que ele aqui se sentia bem, relativamente feliz, e desejava prolongar por todo o tempo que pudesse a fixação da sede do governo em nosso país.

Rompera completamente suas relações matrimoniais com a esposa degenerada e infiel, e isso lhe assegurava, quanto ao aspecto fundamental da vida doméstica, certo bem-estar que lhe dilatava em estos de requintado prazer o angustiado coração.

Por decoro próprio e da majestade de sua posição, não se esquivava, contudo, de aparecer publicamente ao lado dela, nas recepções, nas cerimônias religiosas, nos teatros, nas festividades populares. Logo, porém, que se recolhiam, cada qual ia para sua casa, sem trocarem palavra, e só se reviam quando a sua presença era reclamada pela pragmática.

Tendo a ucharia bem sortida, para bem comer; e o espírito isento de preocupações, para tranqüilamente poder digerir o que comia, nada mais desejava o Bragança no que se refere às excelências da vida material. Quanto à vida moral, a ausência da princesa, o respeito à sua autoridade, o amor de seus venerantes súditos, o afeto que tributava a seu primogênito, a dedicação de alguns leais conselheiros e devotados ministros - completavam a felicidade do desgraçado regente.

Vista da Fazenda de Santa Cruz

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Fazenda de Santa Cruz

Para fugir ao fatigante rebuliço da governação, tinha, como supremo e bem-aventurado refúgio, a encantadora Fazenda de Santa Cruz, que pertenceram outrora aos jesuítas, com seu clima temperado, suas águas de cristalina pureza, seus campos deliciosos, seu longínquo horizonte cercado de serranias, onde caças abundavam, convidando os amadores da arte venatória aos prazeres respectivos.

Eram quarenta léguas quadradas de planície [16], apenas 8m80 acima do nível do mar, na sua parte mais alta [17]. Uma ou outra colina isolada e pitoresca acidentava, aqui e acolá, o amplo terreno desse antigo latifúndio.

No ápice de uma delas erguia-se o Palácio Real, instalado no velho e deselegante casarão conventual que os padres tinham construído, e no qual d. João introduzira importantes modificações que d. Pedro mais tarde completou, adaptando-o aos novos fins a que se destinava [18].

Do alto, o olhar maravilhado abrangia as verdejantes campinas onde o gado pastava, as senzalas da escravatura, as casas dos funcionários, os ribeiros e valados recortando o chão, os morros ao longe, esbatidos na indecisão da distância, e o mar de Sepetiba rolando suas ondas tranqüilas na quietação da enseada [19].

Quinta da Boa Vista em 1822

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Quinta da Boa Vista

Quando, porém, as imperativas necessidades da pública administração ou as exigentes solicitações da alta política lhe não permitiam retirar-se da capital, nessas temporárias excursões campestres, tinha lá mesmo, nos dias abrasadores do verão, o frondoso arvoredo tropical da Quinta da Boa Vista, debaixo de cujas verdes ramas olorosas, cheias de frescura, de gorjeios e de sombra, mitigava os incomportáveis ardores estivais da terra carioca [20].

Assim, pois, não obstante a tremenda coação exercida sobre seu fraco espírito pela coligação palaciana que a princesa manejava e dirigia; e apesar das diligências tentadas pelo gabinete inglês, por intermédio de seu embaixador no Rio, lorde Strangford  - o obstinado regente não cedeu e foi-se deixando ficar no Brasil, até que novos inesperados e quiçá mais graves acontecimentos, desenrolados na ex-metrópole, vieram afinal demovê-lo da teimosia, da irredutível, da inquebrantável obstinação em que a tal respeito se tinha mantido até essa época.

Outro aspecto da Quinta da Boa Vista

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Silvestre Pinheiro

No seu pensamento, já de si propenso terminantemente a recusar a solução da volta a Portugal, calaram então, ainda mais profundamente do que quando foram escritas, as judiciosas considerações que a propósito da relevante matéria, e a seu próprio pedido lhe dera em 1814 e 1815 o conselheiro Silvestre Pinheiro Ferreira.

Este culto publicista e homem político de grande probidade, que foi, anos depois, membro do ministério de 26 de fevereiro de 1821, no qual serviu até partir para Lisboa com a família real, solicitado por d. João a manifestar seu parecer a respeito, colocou nitidamente a grave questão nos seguintes positivos termos: caso S. A. regresse para a Europa, o Brasil se emancipará; caso fique, Portugal, perdida toda a esperança de tornar a tê-lo em seu seio, julgar-se-á definitivamente reduzido à posição humilhante de colônia e se insurgirá contra a autoridade real, privando-a do Poder e da Coroa.

Para conjurar os males apontados pela sua previsão, na hipótese de verificar-se qualquer daquelas possibilidades, alvitrou ele uma providência capaz de resolver a situação, pelo menos, no momento; que d. Maria I, em cujo nome d. João exercia a regência plena, fosse proclamada imperatriz do  Brasil e rainha de Portugal; que continuasse d. João à testa da mesma regência, delegando, porém, no príncipe da Beira, a regência de Portugal, Açores, Madeira e Porto-Santo, e reservando para si os negócios do império do Brasil e domínios da Ásia e África. Enquanto não atingisse a maioridade, o regente de Portugal seria assistido de um conselho.

Verificado o falecimento da rainha incapaz de governar, d. João passaria a ser imperador do Brasil e soberano de Portugal, e o príncipe da Beira, rei de Portugal e herdeiro da coroa do Brasil. Era a reunião das duas coroas numa só casa dinástica, plano que foi mais tarde adotado por José Bonifácio nas Instrucções que redigiu para os deputados paulistas se dirigirem nas Cortes de Lisboa [21] e que depois o marquês de Barbacena, então Felisberto Caldeira Brant, apoiou, em carta dirigida ao Patriarca [22].

Morte de dona Maria Primeira

Deram-se, porém, na ex-metrópole, os sucessos revolucionários de 24 de agosto de 1820, os quais mudaram totalmente o aspecto do problema brasileiro, como se verá relatado no capítulo imediato. Por esse tempo já d. João governava o Reino Unido, não mais como simples regente, no formal impedimento de sua mãe vesânica, mas na plenitude da autoridade real, porquanto dona Maria 1º expirara no Rio, aos 81 anos de idade, em 20 de março de 1816 [23].

Aclamação de d. João VI

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Aclamação de d. João

O novo soberano, que adiara sua coroação para depois de transcorrido o ano de luto, resolveu adiá-la de novo quando soube [24], com verdadeiro pesar, que explodira em Pernambuco a gloriosa revolução de 6 de março; de maneira que tal cerimônia só se realizou, aliás com toda a pompa e o mais ofuscante esplendor, quase dois anos após sua elevação ao trono, isto é, a 6 de fevereiro de 1818.

Desde a véspera, a população movimentou-se pelas ruas, em francas manifestações de regozijo, festejando sem cessar o novo monarca. No dia da coroação, além da estrepitosa alvorada com salvas de canhões das fortalezas e navios de guerra estacionados na baía. Aos toques de clarins e rufos de tambores nos quartéis da Guarnição, as bandas de música regimentais, as da Guarda de Polícia e as particulares, cruzavam-se pelas principais ruas, executando, com mavórtica imponência, entusiásticos hinos marciais.

O cortejo real, composto de todo o oficialismo civil, militar e eclesiástico, e das deputações vindas de Portugal especialmente para tomarem parte nas solenidades, desfilou, desde a Quinta da Boa Vista até o Paço da Cidade, por baixo de arcos triunfais erguidos em diversos pontos do extenso trajeto e sobre folhagens verdes que tapizavam o solo. Os edifícios públicos, as residências particulares e as casas comerciais embandeiravam-se festivamente; e ornamentaram-se de colchas de seda e renques de flores as janelas e portas respectivas [25].

Vista do Largo do Paço na época em que se deu a aclamação de d. João VI

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No Largo do Paço, em frente ao Convento do Carmo, hoje ocupado pela Sociedade de Geografia e pela Escola de Comércio, foi construída uma galeria destinada ao Ato [26].

O teto da varanda, onde se realizou a aclamação, foi artisticamente decorado pelo célebre pintor fluminense José Leandro de Carvalho [27]. Foguetes atroavam os ares a cada momento. A Força Pública, que se compunha da primeira linha com as três armas do Exército, comandada pelo brigadeiro Veríssimo António Cardoso, obedecia ao comando-chefe do tenente-general Luís Xavier Palmeirim. A multidão apinhava-se no Largo.

Concluída a cerimônia, pelas três horas da tarde, as aclamações populares redobraram de intensidade; e à noite realizaram-se grandes festejos no antigo Campo de Sant'Anna, onde fora ereto, ao lado do palácio do conde dos Arcos, e com a frente voltada p ara o edifício do quartel, um pavilhão de madeira, para que a família real pudesse comodamente assistir aos ditos festejos, que se compunham de tocatas musicais, cantos e danças populares e vistosos fogos de artifício [28].

Exterior da galeria construída no Largo do Paço para a aclamação de d. João VI

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A cidade deitou luminárias durante três noites; e durante três dias o povo folgou, divertiu-se, aclamou d. João em meio das mais delirantes manifestações de simpatia e respeito [29].

Regresso para Portugal

Tais manifestações encheram do maior conforto o atribulado coração do soberano e mais o arraigaram no propósito em que se achava de adiar indefinidamente o seu regresso para Portugal.

Infelizmente para ele, os seus planos dentro em breve teriam de soçobrar no torvelinho dos acontecimentos. Uma das hipóteses previstas por Silvestre Pinheiro estava prestes a verificar-se: ou ele voltaria de vez para Lisboa ou seria deposto de seu cargo.

Teve, pois, que voltar, embora oferecesse a mais tocante resistência passiva às ordens, dissimuladas em forma de respeitosas representações, vindas do outro lado do reino. E tão depressa partiu, tornou-se pronta realidade a outra hipótese também prevista por seu ilustre e benemérito ministro: a perda definitiva do Brasil.

Essa hipótese era sem dúvida a que mais atormentava a alma do monarca, que se não conformava com a idéia de perder para sempre a terra onde vivera feliz e onde se vira cercado do prestígio, de que era tão cioso, e da simpatia popular, que tão grata lhe era.

Com certeza que, entre as suas preocupações quanto ao futuro, a esperança de ainda voltar um dia ao Brasil, mesmo que em caráter temporário, mitigava-lhe as cruciantes saudades da hora da separação. E, certo de que a profecia de SIlvestre Pinheiro teria de realizar-se fatalmente, ainda foi por um vivo e profundo sentimento de afeto pelo nosso país que, nas vésperas de seu regresso, aconselhou d. Pedro a cingir a coroa do novo império, antes que algum aventureiro se apoderasse dela. Era talvez o desejo, que naquele transe o embalava carinhosamente, de poder - quem o sabe? - numa visita ao amado primogênito, rever de novo a terra do Brasil.

Dentre as quatro mil pessoas que, na histórica manhã de 26 de abril de 1821, se retiraram do Rio, nenhuma delas, ao contemplar pela última vez a baía de Guanabara, com suas montanhas graníticas forradas de matagais, com suas inúmeras ilhas e graciosos ilhéus, cingidos pelas ondas e beijados pela luz do sol alvorecente; nenhuma delas sentia como d. João Vi a suprema angústia, a trágica significação daquele derradeiro adeus!

E que pungente contraste entre a festiva tarde de sua aclamação, três anos antes, e o funéreo cerimonial daquela triste manhã de apartamento! O povo, abatido e silencioso, apinhava-se nas praias, ao longo do cais de embarque; os fortes da barra salvavam de espaço a espaço; pequenas embarcações, conduzindo os que iam a despedir-se, balouçavam-se em redor da nau real e das fragatas que levavam a bordo a grande comitiva; os pássaros aquáticos, pondo uma nota alegre no vasto cenário, como para mais realçar-lhe a funda melancolia, ora imergiam rápidas as asas nas vagas agitadas, ora elevavam lépidas o vôo até o topo das vergas oscilantes; o pico do Pão de Açúcar doirava-se aos clarões do límpido arrebol; e o vento, enfunando as velas, impelia as naves que se afastavam do porto, lentamente buscando o largo mar...

De pé, de bruços na amurada, com os olhos marejados de lágrimas, fitos na terra que aos poucos desaparecia entre as montanhas; com a garganta afogada em soluços, com o mais profundo desespero n'alma, d. João não era apenas o pai amoroso que abraçava o filho predileto, à hora da separação; o terno avô que em beijos afetuosos se despedia da netinha gentil havia pouco nascida [30], o grato soberano que a contragosto se afastava dos súditos leais... Era mais do que isso: era a própria alma da mãe-pátria que instintivamente dizia o derradeiro adeus à jovem filha que se emancipava...


NOTAS:

[1] Com a denominação de Impressão Régia estabeleceu-se no Rio uma tipografia, e com o aparecimento da Gazeta do Rio de Janeiro, impressa na mesma tipografia, fundou-se a imprensa jornalística em nosso País. ALFREDO DE CARVALHO, o erudito escritor pernambucano, precocemente falecido, assevera-nos que aquela repartição foi criada com alguns volumes de materiais tipográficos que existiam em Lisboa, na Secretaria dos Negócios da Guerra e Estrangeiros, e que o conde da Barca trouxe para o Brasil, na nau Medusa, por ocasião da vinda da família real; mas PEREIRA DA SILVA nos informa que a Impressão Régia foi criada com materiais tipográficos encomendados na Inglaterra pelo governo.

O mesmo PEREIRA DA SILVA, mais o PADRE GALANTI, dizem ter sido essa a primeira oficina tipográfica que existiu no Brasil, mas não deixam de mencionar a que foi fundada anteriormente no Rio de Janeiro, por iniciativa da Academia dos Seletos, ao tempo do governador e capitão-general Gomes Freire de Andrade, o elegante conde de Bobadela (26 de junho de 1733 a 1º de janeiro de 1763), e que pertenceu a António Isidoro da Fonseca, sendo pouco depois suprimida por ordem da Corte (MOREIRA DE AZEVEDO, O Rio de Janeiro, vol. 1º, pág. 30).

Ainda PEREIRA DA SILVA e o referido PADRE GALANTI, nos mesmos passos de suas obras citadas acima, afirmam que a Impressão Régia teve por incumbência principal fundar uma folha diária com os fins já mencionados. O certo porém, é que a Gazeta do Rio de Janeiro, quando publicou seu primeiro número, a 10 de setembro de 1808, devia sair semanalmente, mas logo a partir do segundo número tornou-se bi-semanal. Foi seu primeiro diretor o monge franciscano, frei Tibúrcio José da Rocha, que desempenhou as funções desse cargo até março de 1812, época em que, a seu pedido, deram-lhe para substitutos definitivos o cônego Francisco Vieira Goulart e o brigadeiro Manuel Ferreira de Araújo Guimarães. Até a Independência, vendia-se a 80 réis o exemplar, em casa de Paula Martins, á Rua da Quitanda.

Em novembro de 1822, depois de ter substituído no seu cabeçalho as armas reais pelas do nascente império, passou a chamar-se apenas Gazeta do Rio, extinguindo-se pouco tempo após essa dupla modificação - a 31 de dezembro de 1822, segundo o sr. ASSIS CINTRA; ou tomando outro nome - Diário do Governo, de 1823 em diante, conforme quer ALFREDO DE CARVALHO (PEREIRA DA SILVA, obr. cit., tomo 2º, pág. 51; PADRE GALANTI, obr. cit. tomo 4º, pág. 15; ALFREDO DE CARVALHO - Génese e progresso da imprensa periódica no Brasil; MOREIRA DE AZEVEDO - O Rio de Janeiro, vol. 1º, pág. 30; ASSIS CINTRA - O Brasil na Independência - pág. 46).

Na tipografia de António Isidoro da Fonseca, apesar de seqüestrada por ordem real, pouco tempo depois de sua instalação, imprimiram-se várias obras, entre as quais: Theses de uma Disputa Philosóphica, em latim; Exames de artilheiros e exame de bombeiros; Descripção da entrada do Bispo, D. Frei António do Destêrro Malheiros, em 1747; um romance em homenagem ao mesmo prelado; e uma coleção de poesias, sendo onze epigramas em latim e um soneto em português. A Disputa Philosóphica foi impressa em um lenço de seda branca, de 80 centímetros de comprimento por 73 de largura (PADRE GALANTI, obr. cit., tomo 3º, pág. 389 § 217).

Quanto à Impressão Régia, também prestou serviços relativamente importantes à nossa evolução literária naquela época, imprimindo diversos opúsculos de José da Silva Lisboa, depois visconde de Cairu, sobre questões econômicas; sermões dos pregadores mais célebres de então, como frei Francisco de S. Carlos, frei Francisco Xavier de Sampaio e outros (PEREIRA DA SILVA, obr. cit. tomo 2º, pág. 51, nota 3ª); o Diccionário, de Moraes, a Chorographia Brasílica, de Aires do Casal, e mais trabalhos de incontestável e superior mérito intelectual (EUCLYDES DA CUNHA, À Margem da História - Da Independência à República).

Relativamente à Academia, da qual nasceu a idéia de se estabelecer no Rio uma oficina tipográfica, MOREIRA DE AZEVEDO diz que tal idéia partiu da Academia dos Seletos, criada em 30 de janeiro de 1752 no palácio do governador Gomes Freire de Andrade e sob os auspícios e a proteção deste; ao passo que o PADRE GALANTI atribui a mesma iniciativa à Academia dos Felizes.

Houve, de fato, as duas instituições. Aquela teve como presidente o padre jesuíta Francisco de Faria e como secretário o dr. Manuel Tavares de Siqueira e Sá; e a sua existência foi de pouca duração. A dos Felizes, que lhe é anterior, porquanto foi criada a 6 de maio de 1736, contava 30 sócios e, segundo o PADRE GALANTI (obr. cit., tomo 3º, pág. 385, § 216, alínea 2ª), é a que teve seu berço no palácio do governador e que sugeriu a António Isidoro da Fonseca a compra da tipografia de que falamos. Sua existência, conquanto fugaz como a da outra, não foi, entretanto, completamente improfícua (CÔNEGO FERNANDES PINHEIRO, Estudos Históricos, tomo 2º, páginas 274 a 276).

[2] A família real trouxera consigo não só a biblioteca do Palácio da Ajuda, como também a livraria do Infantado, mandando colocá-las no pavimento superior do Hospital da Ordem Terceira do Carmo, cujos doentes foram transferidos para o pavimento térreo do mesmo hospital, tudo isso em virtude de ordem real transmitida àquela instituição por aviso de 23 de junho de 1810, assinado pelo ministro do reino, d. Fernando José de Portugal, mais tarde marquês de Aguiar. Posteriormente, por aviso de 3 de novembro de 1822, mandou o governo que a Ordem desocupasse inteiramente o prédio, por serem insuficientes para acomodar todos os livros os compartimentos já ocupados; e assim se fez.

Até 1822, a Biblioteca era uma simples dependência do Paço, não franqueada ao público, só podendo ter ingresso nela quem previamente solicitasse permissão para tal. Mesmo apesar dessa restrição prestou relevantes serviços aos estudiosos, pois os livros, além de raros, custavam preços elevadíssimos.

Em 1822, o primeiro imperador mandou abri-la ao público nos dias úteis. Já então estava ela acrescida com a aquisição, em 1815, da livraria que pertenceu ao poeta Manuel Ignácio da Silva Alvarenga, natural de Vila Rica, hoje Ouro Preto. Em 4 de agosto de 1858 foi transferida para um prédio do Largo da Lapa, que o governo comprou por 125 contos de réis. Hoje está situada em local próprio, no palácio monumental que o governo Rodrigues Alves mandou construir na Avenida Rio Branco, expressamente para esse fim. Numa das suas dependências ainda não ocupadas funciona atualmente (N.E.: em 1922), em caráter provisório, a Câmara dos Deputados Federais (A. MOREIRA DE AZEVEDO, O Rio de Janeiro, vol. 1º, páginas 110 a 133. PADRE GALANTI, Compêndio de História do Brasil, vol. 4º, página 15). O primeiro desses autores diz que a biblioteca do Infantado veio em 1808 com a família real e que a Biblioteca Nacional foi aberta ao público em 1822, por deliberação de d. Pedro I; O segundo informa que d. João VI, mais tarde, isto é, depois de estar no Brasil, é que mandou vir de Lisboa a livraria do Infantado e que a Biblioteca Nacional foi franqueada ao povo desde 1814.

[3] António de Araújo de Azevedo, Conde da Barca, nomeado por decreto de 11 de fevereiro de 1814, para o cargo de ministro da Marinha e Negócios Ultramarinos, foi quem teve a iniciativa principal neste importante assunto. Foi ele quem contratou a célebre Missão Artística Francesa, da qual se originou, no correr dos tempos, a futura Academia de Belas-Artes; Missão que se compunha dos seguintes membros: Joaquim Le-Beton, ex-secretário de 4ª classe do Instituto de França, e que a dirigia; João Baptista Debret, pintor de história; Nicolau António Taunay, paisagista e pintor de batalhas; Augusto Taunay, escultor; Augusto Henrique Victório Grandjean de Montigny, arquiteto; Simão Pradier, gravador; Francisco Ovide, professor de Mecânica; Carlos Henrique Levasseur, Francisco Bonrepos e Pedro Bilon.

Estes artistas, que tanto contribuíram com seus variados talentos para o florescimento do bom gosto na sociedade brasileira do começo do século passado (N.E.: século XIX), embarcaram no Havre, a bordo do navio norte-americano Calphe, em janeiro de 1816; aportaram ao Rio de Janeiro em 26 de março e principiaram a vencer, desde 12 de agosto do mesmo ano, a pensão anual de 8:032$000, e deviam obrigar-se por contrato a servir durante, pelo menos, seis anos, na Escola Real das Ciências, Artes e Ofícios, criada por decreto referendado pelo marquês de Aguiar, da mesma data em que a referida pensão foi estabelecida.

Ainda sem um caráter definitivo, iniciaram-se as aulas públicas e gratuitas de cada especialidade; mas, com o falecimento do conde da Barca, que era o mais robusto protetor da novel instituição, espalhou-se o desânimo entre os membros da Missão, retirando-se uns de volta para a França e entregando-se outros a mister de diferente espécie para poderem manter-se, até que o decreto de 12 de outubro de 1820, baixado pelo ministro do reino, Thomás António de Villa-Nova Portugal, por influência de Francisco Bento Maria Targini, depois barão e visconde de São Lourenço, criou novamente no Rio uma escola denominada Real Academia de Desenho, Pintura, Escultura e Arquitetura Civil, admitindo-se como professores e substitutos, não somente os artistas estrangeiros já pensionados pelo Tesouro Público, mas também todos os "fiéis vassalos que se distinguirem no exercício e perfeição das referidas artes".

Não tendo sido possível a instalação urgente do Instituto, segundo as bases do decreto citado, o governo, por outro decreto, que fez baixar em 23 de novembro do mesmo ano, mandou que se principiassem logo as aulas de pintura, desenho, escultura e gravura, reunidas sob a denominação de Academia das Artes. Para regerem tais aulas foram então nomeados, além dos membros da Missão Artística Francesa, que ainda viviam no Rio, os irmãos Marcos Ferrez, escultor, e Zeferino Ferrez, gravador, aqui chegados depois daquela Missão; e alguns especialistas portugueses.

Os vencimentos dos professores, inclusive o do diretor geral, Henrique José da Silva, montavam a 6:980$000 anualmente. A nomeação do diretor foi mal recebida por alguns dos artistas franceses, resultando dai ressentimentos, rivalidades, lutas de toda a sorte que embaraçaram o desenvolvimento regular da Academia; e com o regresso de d. João VI para Portugal, quase todos os membros da Missão resolveram voltar para sua pátria de origem.

Vivia ela ingloriamente, e quase em completo abandono, sem dar os frutos que se esperavam de sua criação, quando em 1826 o nosso benemérito conterrâneo José Joaquim Fernandes Pinheiro, visconde de S. Leopoldo, então ministro do Império, decidiu-se energicamente a reerguê-la de seu antigo torpor, dando-lhe os meios de que necessitava para manter-se e desempenhar sua útil função no organismo social de nossa Pátria. E a 5 de novembro de 1826, com a presença do imperador e da imperatriz dona Leopoldina, do corpo diplomático, dos professores e de trinta alunos matriculados, inaugurou o visconde de S. Leopoldo a Academia reformada, a qual realizou sua primeira exposição três anos depois, em 1829, por ordem do ministro do Império de então, José Clemente Pereira, figurando no referido certame 47 quadros de pintura histórica, 106 estudos de Arquitetura, 4 paisagens e 4 bustos em gesso (MELLO MORAES - História das Constituições, vol. 1º, pág. 171, col. 2ª; MOREIRA DE AZEVEDO - obra citada, vol. 1º, págs. 173 e seguintes).

[4] MELLO MORAES - Hist. das Constituições, vol. 1º, pág. 171, col. 1ª.

[5] Alvará de 1º de abril de 1808 (Leis do Brasil, vol. 1º, pág. 5).

[6] Idem de 6 de outubro de 1810, conforme se lê em PEREIRA DA SILVA (Hist. da Fund. do Imp. do Brasil, tomo 2º, pág. 48, nota 3).

[7] Alvará de 28 de abril de 12809 (Leis do Brasil, vol. 1º, pág. 237).

[8] Decreto de 11 de junho de 1808 (Obr. cit., vol. cit. pág. 66).

[9] Decreto de 25 de novembro de 1808, segundo o DR. JOSÉ CARLOS RODRIGUES (Religiões Acathólicas, vol. 2º do Livro do Centenário) ou carta régia de 13 de abril, conforme nos diz PEREIRA DA SILVA (obr. cit. vol. cit, pág. 49, nota 4).

[10] PADRE GALANTE - Compêndio de História do Brasil, tomo IV, pág.s 31 e 32.

[11] D. João VI no Brasil, vol. 2º, pág. 991.

[12] PEREIRA DA SILVA - Obr. cit., vol. 3º, págs. 193 e seguintes; CH. SEIGNOBOS - Histoire de la Civilisation Contemporaine, págs. 177 a 183; MELLO MORAES - História das Constituições, tomo 1º, págs. 204, 1ª col., a 205, 2ª col. Este velho pesquisador de nossa história dá-nos alguns curiosos pormenores a respeito da intervenção de Talleyrand na elevação do Brasil a reino. Registra-os em forma de boatos que circularam então; mas, apesar de saber que se tratava de simples boatos, chega a conclusões categóricas a respeito, o que é bem desacertado.

Segundo constava, o conde da Barca, que era amigo pessoal do diplomata francês, escreveu-lhe, pedindo sua intervenção para que Portugal figurasse no Congresso como uma das grandes potências; e para reforçar o amigável apelo, enviou-lhe a soma de um milhão de cruzados ou 400 contos de réis fortes. Talleyrand, empolgado por essa dupla sugestão gratíssima, aconselhou o conde de Palmella a obter de seu governo a adoção da medida.

Este, acrescenta textualmente MELLO MORAES, "resolveu a questão, com a lei de 16 de dezembro de 1815, elevando, para poder figurar como uma das oito grandes potências no Congresso de Viena, o Brasil à categoria de reino unido". E mais adiante: "A iniciativa, pois, da elevação do Brasil a reino não partiu do governo português, e sim veio do estrangeiro, do príncipe de Talleyrand".

Há completa ausência de lógica na narrativa de MELLO MORAES e seus respectivos comentários. Primeiramente, se o conde da Barca desejava realmente que Portugal aparecesse como potência de primeira ordem no Congresso de Viena, dirigir-se-ia de preferência em tal sentido à Inglaterra, velha e tradicional amiga e aliada dos portugueses, dispondo, naquela assembléia, como nação vencedora, de um prestígio necessariamente superior ao da França - nação vencida.

Segundamente, se foi o conde da Barca quem lembrou a medida a Talleyrand, e este, por sua vez, aconselhou-a aos embaixadores de Portugal, a iniciativa não veio tal do estrangeiro, não partiu do plenipotenciário francês, como conclui ilogicamente MELLO MORAES, mas concebeu-a o cérebro do estadista luso, então ministro do príncipe regente.

Terceiramente, a carta de lei elevando o Brasil a reino é datada de 16 de dezembro de 1815. Ora, o Congresso de Viena, tendo começado a funcionar a 1º de novembro de 1814 (e não a 30 de outubro, como equivocamente afirma o erudito historiador), encerrou-se a 9 de junho do ano seguinte, isto é, mais de seis meses antes de ter o governo português elevado o Brasil a reino. É claro, pois, que esta media não foi adotada, como quer o autor da História das Constituições, para que Portugal pudesse comparecer no Congresso das Nações como potência de primeira grandeza. E, finalmente, as grandes potências ali representadas não eram oito, como quer MORAES, mas apenas cinco: Espanha, França, Inglaterra, Rússia e Prússia.

[13] A lei em questão está assim redigida: "D. João, por graça de Deus, príncipe regente de Portugal e dos Algarves, etc. Faço saber aos que a presente carta de lei virem que, tendo constantemente em meu real ânimo os mais vivos desejos de fazer prosperar os Estados que a Providência Divina confiou ao meu soberano regime, e dando ao mesmo tempo a importância devida à vastidão e localidade dos meus domínios na América, a cópia e variedade dos preciosos elementos de riqueza que eles em si contêm; e outrossim, reconhecendo quanto seja vantajosa aos meus fiéis vassalos em geral uma perfeita união e identidade entre os meus reinos de Portugal e dos Algarves, e os meus domínios do Brasil, erigindo estes àquela graduação e categoria política, que, pelos sobreditos predicados, lhes deve competir, e na qual os ditos meus domínios já foram considerados pelos plenipotenciários das potências que formavam o Congresso de Viena, assim no tratado de aliança concluído aos 8 de abril do corrente ano, como no tratado final do mesmo Congresso, sou, portanto, servido e me apraz ordenar o seguinte:

"1º - Que desde a publicação desta carta de lei, o Estado do Brasil seja elevado à dignidade, preeminência e denominação de Reino do Brasil.

"2º - Que os meus reinos de Portugal, Algarves e Brasil formem, de ora em diante, um só e único reino, debaixo do título de Reino Unido de Portugal, e do Brasil e Algarves.

"3º - Que aos títulos inerentes à Coroa de Portugal, e de que até agora hei feito uso, se substitua em todos os diplomas, cartas de leis, alvarás, provisões e atos públicos, o novo título de Príncipe Regente do Reino Unido de Portugal e do Brasil e Algarves, de aquém e de além-mar em África, de Guiné e da conquista, navegação e comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia e da Índia etc. E esta se cumprirá como nela se contêm, pelo que mando, etc.

"Dada no Palácio do Rio de janeiro, aos 16 de dezembro de 1815 - Príncipe, com guarda. Marquês de Aguiar (com os registros competentes)." (Leis do Brasil, V. 2, pág. 125).

[14] PADRE GALANTI - Obr. cit. tomo IV, pág. 71; PEREIRA DA SILVA - Obr. cit., tomo III, págs. 218 a 224.

[15] De sua mãe, a ambiciosa e dissoluta rainha Maria Luísa e Parma, herdou ela o gênio dominador e a completa lassidão dos sentimentos morais.

[16] ALBERTO RANGEL - D. Pedro I e a Marquesa de Santos, pág. 232.

[17] Annuário de Estatística Municipal do Rio de Janeiro (1910-1911).

[18] ALBERTO RANGEL - Obr. cit. pág. 233.

[19] Das terras dessa fazenda histórica, que foi desanexada do município fluminense de Itaguaí, em 30 de dezembro de 1833, formou-se o Curato de Santa Cruz, hoje (N.E.: em 1922) um dos distritos municipais de que se compõe o Distrito Federal. O seu território atual é mais ou menos o mesmo daquela época. (Annuário de Estatística Municipal do Rio de Janeiro, pág. 107).

[20] Situada no então distante e quase despovoado arrabalde de S. Cristóvão, essa magnífica vivenda, construída especialmente para as inclemências da estação canicular, fora doada graciosamente ao príncipe, logo depois da chegada da família real, por seu generoso proprietário, o abastado negociante Elias António Lopes.

Incorporada aos bens da Coroa, serviu mais tarde de residência particular dos soberanos brasileiros. Depois de proclamada a República, ali funcionou durante algum tempo a Diretoria Geral da Estatística da União; e hoje, depois de reformado e melhorado o seu esplêndido parque, e de modificadas convenientemente as divisões internas do velho palácio, é o Museu Nacional que nela se acha definitivamente instalado (PADRE GALANTI - Obr. cit., tomo 4º, pág. 8; ROCHA POMBO - História do Brasil, vol. 7º, parte VII, cap. IV, pág. 150 e nota nº 5).

[21] Estas Instrucções, datadas de 9 de outubro de 1821, e assinadas por todos os membros do Governo Provisório de S. Paulo, rezam o seguinte no Capítulo I (Negócios da União), art. 3º: "Determinar-se onde deve ser a sede da monarquia: se no reino do Brasil, tendo-se em vista as ponderosas consignações apontadas na Memória do sr. OLIVA, impressa em Coimbra, ou alternativamente pelas séries dos reinados, em Portugal e no Brasil; ou finalmente no mesmo reinado por certo tempo que se determinar, para que assim possa o rei mais depressa e por seu turno satisfazer reciprocamente as saudades de seus povos, que desejarão conhecê-lo e acatar sua augusta pessoa, como filhos amantes de seu pai comum". É o plano, mais amplificado, de SILVESTRE PINHEIRO.

[22] Carta de 1º de maio de 1822, na qual se lê este significativo trecho: "Quando o rei estiver em Portugal, o futuro sucessor estará no Brasil; e vice-versa" (Publicações do Archivo Nacional, tomo VI).

[23] Seu cadáver, depois das solenidades do estilo, foi dado à sepultura no coro inferior da Igreja de Nossa Senhora da Ajuda, ao lado do de sua irmã, a infanta dona Mariana, também falecida no Rio, a 16 de maio de 1813, com idade superior a 76 anos (MOREIRA DE AZEVEDO - Notícias e Variedades Históricas Brasileiras, página 85). D. João, quando se retirou de volta para Portugal, levou consigo os despojos mortais de ambas - em 26 de abril de 1821, mandando-os sepultar no Convento do Coração de Jesus, em Lisboa (IDEM - O Rio de Janeiro, vol. 1º, pág. 111).

Este autor, nas duas obras citadas, fixa em 19 de março de 1816 a data em que faleceu a rainha; o PADRE GALANTI (obra cit., tomo 4º, pág. 72), PEREIRA DA SILVA (obr. cit., tomo 3º, pág. 252) DE STELLA DT DE SANTEÜL (Essai sur l'Histoire du Portugal, tomo 2º, pág. 83) fixam-na em 16; e ABREU E LIMA (Deducção Chronológica, pág. 307), BARÃO DO RIO BRANCO (Ephemérides Brasileiras, pág. 202), JOAQUIM MANUEL DE MACEDO (Lições de História do Brasil, pág. 296), MATOSO MAIA (Lições de História do Brasil, pág. 234) fixam-na em 20 do dito mês. Dona Maria 1ª nasceu a 17 de dezembro de 1734 e faleceu, de fato, a 20 de março de 1816.

[24] JOAQUIM MANUEL DE MACEDO, obra e página citadas.

[25] PEREIRA DA SILVA - Obr. cit., vol. IV, págs. 239 a 344.

[26] A Evolução do Brasil (Álbum retrospectivo, 1921)

[27] BARÃO DO RIO BRANCO - Ephemérides Brasileiras, página 69.

[28] Este edifício, que ao princípio era de madeira, foi, anos depois da coroação de d. João VI, reconstruído em pedra e cal; e nele, em 12 de outubro de 1822, d. Pedro I, cercado de seus ministros e aclamado pelo povo, recebeu da Municipalidade do Rio o título de Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil. Para comemorar esse fato, o Campo de Sant'Anna, por portaria de 12 de dezembro do referido ano, passou a chamar-se Praça da Aclamação (MOREIRA DE AZEVEDO - O Rio de Janeiro, v. 1º, págs. 15 a 17 e 404). Depois de 15 de novembro de 1889, mudaram-lhe o nome para Praça da República, em recordação de ter sido aí proclamado o novo regime, pelos conjurados civis e militares que fizeram a memorável jornada da transformação do nosso passado político. O palácio do conde dos Arcos serviu de Senado, desde a criação constitucional dessa câmara vitalícia do Império e ainda nele funciona o  Senado da República.

[29] O erudito historiador PADRE GALANTI, fazendo, no seu precioso Compêndio, a descrição desta cerimônia, explica-nos que a tirou, resumindo-a quanto lhe foi possível, do padre Luís Gonçalves dos Santos, vulgo Perereca. É um equívoco inexplicável de sua parte, pois toda a descrição que vai da página 78 à página 81 é copiada, ipsis litteris, de PEREIRA DA SILVA (Hist. da Fund. do Imp., tomo IV, págs. 239 a 245), sem aspas indicativas de transcrição, nem referência alguma ao nome daquele autor e respectiva obra. Apenas num ou noutro período há uma ou outra palavra modificada pelo transcritor.

[30] A princesa dona Maria da Glória, filha de d. Pedro e dona Leopoldina, nascida no Rio de Janeiro a 4 de abril de 1819. Subiu ao trono de Portugal, com o nome de Dona Maria II, a 3 de maio de 1826, contando apenas 7 anos de idade, em virtude de ter seu pai, depois de outorgar uma Constituição àquele reino, renunciado à Coroa que por morte de d. João IV lhe cabia. Além da princesa dona Maria da Glória, tivera d. Pedro outros filhos: um, que herdara o nome do avô paterno - João Carlos -, nascera a 6 de março de 1821 e morrera ainda em tenra idade, a 4 de fevereiro de 1822; dona Januária, assim chamada em homenagem à cidade do Rio de Janeiro, nascida a 11 de março de 1822; dona Paula Mariana, nascida a 17 de fevereiro de 1823; nomes de batismo que lhe pôs o pai, o primeiro em testemunho de gratidão à cidade de S. Paulo pela fidelidade e amor que lhe demonstraram seus habitantes e o segundo em honra à cidade de Mariana, capital eclesiástica da Província de Minas e cujo povo o recebeu, a 15 d abril de 1822, "com grandes honras e pompa descomunal"; dona Francisca Carolina, nascida a 2 de agosto de 1824, e d. Pedro de Alcântara, mais tarde imperador do Brasil, nascido a 2 de dezembro e 1825 (ARMITAGE, Hist. do Brasil, edic. E. Egas, nota 45, págs. 248 e 249; MELLO MORAES - Hist. das Constituições, vol. 1º, pág. 219, col. 2ª; ARCHIVO DO ESTADO DE S. PAULO - Docs. Interes., vol. XXXVI, pág. 139). A edição paulista de ARMITAGE dá, por lapso, o ano de 1821 como sendo o do nascimento de dona Januária.

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