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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - OS ANDRADAS - BIBLIOTECAClique na imagem para ir à página principal desta série
Produções de José Bonifácio (4)

A história do Patriarca da Independência e sua família

Esta é a transcrição da obra Os Andradas, publicada em 1922 por Alberto Sousa (Typographia Piratininga, São Paulo/SP) - acervo do historiador Waldir Rueda -, volume III, com ortografia atualizada (páginas 418 a 432): 
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TERCEIRA PARTE - PRODUÇÕES INTELECTUAIS DE JOSÉ BONIFÁCIO

Capítulo II - Trabalhos científicos e filosóficos

[...]


Do plantio de novos bosques em Portugal

(Excertos)

 

Fac-simile do frontispício da primeira e única edição

Imagem publicada na página 418 do volume III de Os Andradas

 

Capítulo II

Dos areais em particular

As costas marítimas de Portugal, se excetuarmos as altas e de penedia, e alguns outros sítios mais abrigados dos ventos daninhos, ou defendidos por pinhais, estão todas areadas; e o areamento em partes já entra pelas terras mais de légua em largura; não será pois grande o erro, se orçarmos em 70 léguas o comprimento dos areais, que se devem aproveitar. Mas antes que entremos a tratar do aproveitamento destes Desertos Líbicos e que procuremos vedar os males que progressivamente vão fazendo as areias, cumpre aqui investigar suas causas e origem.

É uma observação geológica, que em todos os areais da Europa de alguma consideração, ou seja ao longo das costas ocidentais, ou seja dentro das terras, começam eles sempre de Baixos fronteiros ao Norte, Noroeste ou Oeste. Estes Baixos são o mesmo mar; ou rios, lagoas e paúes: deles progridem as areias par Leste, Sueste ou Sul, e formam-se sempre destes lados montes e cômoros de areia mais ou menos seguidos e encadeados.

Observações gerais requerem causas gerais; e em nosso caso não podemos supor outras, senão antigas inundações, causadas por fortíssimas borrascas, que acarretaram as areias da praia para dentro da costa; ou levando o terreno das terras glutinosas, mais dissolúveis e leves, deixaram as areias, saibros e pedregulho, que, por mais soltos e pesados, se precipitaram imediatamente, ao mesmo passo que as terras leves e glutinosas, só depois de maior sossego no líquido se foram depondo em série de camadas sucessivas.

Presentemente a linha principal e progressiva destes areamentos, em nossas costas ocidentais, é de Noroeste a Sueste, por ser o Noroeste o vento mais ponteiro, tempestuoso e dominante na estação seca, quando as areias estão mais movediças e soltas. Isto se prova das goivas que formam as areias nesta direção, e do que se observa nas árvores, ou troços d'árvores, que se acham rodeadas de areia; pois então forma esta em redor um cômoro semicircular, cuja convexidade é fronteira ao Noroeste.

A ação deste vento combinada com a da corrente do mar, que é quase Norte a Sul, forma na embocadura dos rios os chamados Cabedelos, ou línguas de areia ao Sul das barras, que progressivamente vão alterando e mudando a direção das mesmas, encostando-as para o Norte, quando não acham obstáculos locais, que se lhes oponham.

Estes primeiros areais antigos têm-se ido aumentando sucessivamente pela dispersão das areias fluídas, que transportam os ventos; e às vezes também pelas enchentes e enxurradas dos rios, e torrentes nos vales e margens desamparadas. Raríssimas vezes têm diminuído; e então esta diminuição é devida a nateiros sucessivos, ou à vegetação de plantas, que, entrapando a areia, pelo andar dos tempos formaram nova côdea com os seus resíduos e estrumes.

Posto isto, concluiremos que as planícies e cômoros de areia nasceram e se aumentaram:

1º) Pela precipitação antiga das areias e pedregulho.

2º) Pela falta de terras glutinosas, que prendessem e firmassem o terreno.

3º) Pela falta de terra humosa, ou vegetal, que formasse nova côdea mais consistente e mais fértil.

4º) Por novas e parciais aluviões, que entulharam a superfície, ou lavaram a terra boa, deixando somente areia e cascabulho.

Em toda a parte o areamento, quando não acha obstáculos ou naturais ou artificiais, que o combatam, ganha pés diariamente, esterilizando cintas de bom terreno de quase três braças de largura por ano; e há sítios em que as areias já têm ganhado mais de légua para dentro, como se pode observar na costa entre Mira e Quiaios, e no boqueirão de Pataias. Há cinqüenta anos que este mal tem redobrado de forças, e os seus progressos devem amedrontar nossa posteridade desgraçada. É tempo de pôr peito à torrente estragadora, aplicando-lhe os remédios únicos da arte. Com eles vedaremos os males em sua origem; e o Reino receberá utilidades sem conto de tão heróica empresa:

1º) Portugal conquistará uma grandíssima porção de terra produtiva, que agora não existe; porque ter areais ermos e inúteis, ou não tê-los, vale o mesmo.

2º) O chão fértil e cultivado ficará defendido das areias, e se conservará em constante produção.

3º) Criar-se-ão bosques que melhorem o clima e as estações, que defendam nossos rios e barras d serem entupidos e arruinados; e que nos dêem lenhas, madeiras, tabuado, alcatrão, pez, e outros artigos de que tanto precisamos.

4º) Aproveitados devidamente os areais, podem outros terrenos férteis, que se acham cobertos de arvoredos, ser roteados para grãos, legumes, prados artificiais e vinhas; destinando-se só os maninhos, que não derem mais de três sementes, para bosques de agulha e folha, e para matos e pastos comuns.

 

Capítulo III

Das disposições e trabalhos preliminares

Antes que comecemos a tratar dos remédios que se devem aplicar aos males apontados; remédios que a natureza das coisas e a experiência mostram não dever ser outros, que as sementeiras e plantações de arvoredo, cumpre-nos de antemão indicar os trabalhos e dados preliminares, precisos para o bom êxito da empresa. Estes são:

1º) Levantar o mapa do areal de cada feitoria, notando com exatidão e miudeza as seguintes circunstâncias: (1) o nivelamento das planícies, alturas e baixos como vales e quebradas, lagoas, brejos, rios e ribeiros, com as suas dimensões e ângulos de alteamento, ou abaixamento; (2) a natureza e qualidade da superfície, se é toda de areia solta, se tem algumas porções de chão arneiro, ou salão, descobertas, ou com pouca areia por cima, que se possam facilmente sorribar.

2º) Deve-se marcar neste mapa topográfico o diverso fundo do terreno até a altura de oito palmos. Isto se consegue fazendo sondas com uma pequena tareira de brocas de pata e de colher, e notando a diversa qualidade de terra que se vai furando, e tirando.

Estes dois requisitos, acima apontados, são precisos; porque, segundo a natureza e profundidade do chão, seu nivelamento e exposição, assim se devem aproveitar as diversas porções do areal para diverso arvoredo de folha, ou agulha; e até para lavoura e prados, em que depois falaremos.

3º) O último trabalho preliminar é marcar no mapa a linha principal do areamento na costa, e as variações que toma para dentro por causa dos baixos, ou alturas, que alteram as direções dos ventos, e fazem puxar a linha do Noroeste ou mais para o Norte ou mais para o Poente.

Antes que concluamos este capítulo, trataremos aqui em breve das diversas sortes de chão com mais alguma exatidão mineralógica, que a costumada entre nossos lavradores; porque o conhecimento dos diferentes chãos ou terrões é necessário não só ao lavrador, mas ao mateiro.

O chão ou terrão compõe-se de partículas e fragmentos lapídeos e térreos, e de alguns resíduos orgânicos, quimicamente combinados, ou somente mesclados. Está em íntima correlação com os vegetais; é base, é meio, e é parte integrante das mesmas plantas. Como base, serve-lhes de assento e de apoio das raízes; como meio, recebe, guarda em si, prepara, modifica e por fim comunica-lhes os princípios nutrientes; como parte integrante, é absorvido mais ou menos pelas raízes, e entrando em novas combinações, serve também a dar à sua substância força e consistência.

Os chãos se distinguem ou pelas qualidades físicas, ou pelas químicas; pelas qualidades físicas se dividem, quanto à tenacidade, em chão solto, ligeiro e pegado ou compacto; quanto à grandeza das partículas, em chão terroso, de pedregulho e de laje; quanto à umidade, em chão encruado, seco, de mediana umidade, muito úmido, e alagado; quanto ao sabor, em chão doce, amargo, salgado, e de mau gosto; quanto à temperatura, em chão quente, temperado ou frio: esta diferença depende da natureza dos elementos térreos, em quanto são condutores do calórico, e também da diversa cor do terreno, pois cada raio do espectro solar não é igualmente cálido, segundo as belas experiências de Herschel.

Daqui vem 1º) que as gredas e barros fortes, sendo péssimos condutores, são muito frios; pelo contrário são quentes as areias; e principalmente as terras vegetal e turfácea; 2º) que os chãos pretos, ou carregados em cor, são mais quentes que os cinzentos e esbranquiçados. A umidade do terreno, quando não fermenta, também aumenta mais ou menos o grau de frialdade, por ser a água um mau condutor do calórico.

Quanto às qualidades químicas, deve-se atender 1º às três terras mais usuais de que são compostos, e à mistura destas com terra vegetal, ou já com turfa; 2º as doses destas terras entre si, assim como do humus, e da turfa; e ainda da cal de ferro, ou óxido, quando predomina no terreno; o que se conhece pela cor, consistência e peso.

As terras mais ordinárias são a arenosa ou silícea, a argilosa, e a calcára; a talcosa ou magnésia, além de muito rara nos chãos de lavoura, é por via de regra má e estéril, e por isso não merece aqui especial menção.

A terra quartzosa ou sílica predomina nas areias e saibros; não ferve nem é solúvel nos ácidos ordinários; fundida com barrilha, ou potassa, dá vidro.

A terra argilosa, ou alumina, dá origem às gredas, que lhe devem a plasticidade, e o cozimento ao fogo; com ácido vitriólico (sulfúrico) dissolve-se lentamente, e pela cristalização, com alguma potassa, dá pedra hume.

A terra calcárea, ou cal, predomina nos chãos de marga ou marna, e de cré, que a ela devem o ferver muito com os ácidos, e o calcinarem-se e esboroarem-se ao fogo.

A terra vegetal (humus) provém das plantas decompostas e dos estrumes animais. Onde predomina, é o chão macio e cheiroso; a fogo forte arde, e consome-se algum tanto. Nela se depositam e conservam a água, as partes solúveis e fermentantes organizadas, o óxido carbônico, os sais e os gases, que criam e nutrem as plantas.

A turfa é de duas espécies, negra e mais compacta quando pura, ou parda, e então mais leve e porosa. Provém da decomposição mais ou menos adiantada dos troncos, folhas, raízes e hastes das plantas, pela mor parte cryptogamicas, e também das aquáticas, principalmente nos paúes e brejos; as quais às vezes já estão carbonizadas, e com óleo mineral. Arde com fumo espesso, e fétido por via de regra.

Feitas estas distinções e explicações, podemos dividir os chãos nos seguintes:

1º) Chão mimoso ou de horta, com boa mistura de argila, carbonato calcáreo, e areia, e com predomínio de humus.

2º) Greda mais ou menos pura, que serve para a louça e tijolo.

3º) Chão calcário ou cretáceo, onde predomina o carbonato calcário; com pouca argila, e areia.

4º) Barros, em que predomina a argila com mais ou menos areia. Dividem-se em barro forte ou argiloso, barro saibroso, barro marmoso, composto de cal e argila e areia, e barro ferrenho, de cor escura ou amarelada, segundo o estado de oxidação do ferro, mais duro e encruado que os antecedentes, e também mais pesado; é comumente este último chão escalvado e pouco produtivo.

5º) Arneiro composto de areia ordinária, com alguma argila e pouco carbonato calcário: é solto e ligeiro, porém menos que o chão de areal.

6º) Areias; de partículas silícias, desiguais, duras, ásperas e secas; é a areia ou saibrosa e grossa, ou fina e muito solta; sempre com pouca mescla das outras terras.

7º) Nateiro: é uma areiola fina com muita argila, carbonato calcário e humus; que depositam as cheias dos rios.

8º) Chão galego, que se chega mais ou menos ao chão mimoso, porém é mais grosseiro e delgado, e cinzento pelo ordinário.

9º) Chão turfáceo, que é ou elevado e mais seco, ou apaulado; de cor preta pelo muito carbono, e pouco consistente quando seco: o 1º é sadio; o 2º doentio por via de regra.

10º) Chão andoleiro, ou de charneca; que se achega ao de arneiro, porém mais seco e fraco, e ordinariamente na superfície com partículas turfáceas. Cria naturalmente urzes e estevas.

11º) Chão de sapal: é muito aparentado com o gredoso, porém menos pegado quando seco; e salgado pelas marés.

12º) Chão seixoso ou de cascabulho, que é ou barrento ou de arneiro com muitos seixos e pedregulho.

13º) Finalmente, chão de lajedo, que é de pedra quase nua, mais ou menos decomposta e rachada.

A camada ou banco inferior, em que assenta ou pousa cada um destes chãos, concorre muito para a sua maior ou menor fertilidade e produção, segundo o clima e exposição do país.

Esta matéria, pela sua importância, requeria maior discussão e miudeza; porém a brevidade e o assunto o não permitem. Acrescentarei somente que a fertilidade e riqueza do terrão provém em geral do estado de finura e mescla das partes componentes, e da quantidade relativa das substâncias minerais, e organizadas.

 

Capítulo IV

Dos remédios e preservativos

Conhecidas as causas, que originaram e têm ido aumentando os areais, e obtidos os dados acima apontados, já nos fica fácil dar remédio a estes males.

Os remédios, de que devemos deitar mão, são os seguintes:

1º) Firmar o areal móvel;

2º) Romper a força dos ventos;

3º) Impedir o contato dos ditos sobre as areias;

4º) Beneficiar a côdea superficial.

1º) Firma-se o areal móvel por meio de sementeira e da postura de árvores próprias, sobretudo de pinheiros bravos, e de plantas arenosas. Basta porém, às vezes, somente abrigar o terreno, e deixá-lo em descanso, para que a natureza por si mesma o enrelve e entrape, quando o local e a qualidade o permitirem.

2º) Rompe-se a força dos ventos pelos obstáculos que se lhes põem, fazendo com que refratem; a princípio por meio de cercados em distância e direção relativas ao nível e sítio; depois pelos maciços de arvoredo.

3º) Veda-se o contato dos ventos pelas mesmas sebes, ou cercados, que alteram as correntes do ar pela cobertura do areal; e finalmente pelo vestido vegetal que cobre o terreno.

4º) Beneficia-se a côdea superficial, ou misturando-lhe terras glutinosas, como barros, salão e marna argilosa, o que raras vezes se pode fazer em grande; ou pelos detritos e resíduos sucessivos das folhas e ramada, que formam com o andar do tempo nova côdea mais fértil e consistente.

Mas como se não possam aplicar estes remédios desde a borda do mar, pela diferença das linhas de preamar e baixamar em cada fluxo e refluxo, e nas diversas estações do ano, claro fica que sempre há de haver uma pequena rampa ou fralda desabrigada entre o mar e a sementeira, que dará novas areias; sendo porém este mal pequeno, pode ser reparado com pouca despesa e trabalho.

É porém certo que as vagas de areia, salvando os primeiros obstáculos se devem inclinar para dentro da sementeira, na razão resultante da diferença entre a força do vento e a resistência que lhe opõe a densidade do ar posterior mais quieto e abrigado; neste caso, servem as novas sebes paralelas, e as coberturas, que vedam a dispersão da areia; as quais tendo mais fraco inimigo, irão sendo por isso mais distantes, e por tanto menos dispendiosas e necessárias.


Considerações a respeito da vacina contra a varíola e do sistema métrico decimal

I

Cumpre principiar, senhores, a história dos trabalhos e transações acadêmicas por um estabelecimento tão útil como filantrópico, que a Academia, sempre amiga do Bem, criara no seu próprio seio: estabelecimento que generalizado já em toda a Europa, devera também entre nós ter amigos e fautores.

Eu falo da Instituição Vacínica da nossa Academia, cujos trabalhos têm sido coroados dos felizes sucessos. À Academia estava reservado o dar mais esta prova à Nação e ao Mundo, de que as Letras e as Ciências, se iluminam o entendimento, ameigam igualmente o coração: Emollit animos, nec sinit esse feros.

Quanta gente, talvez já votada à foice da morte, não tem sido aqui e nas Províncias preservada do flagelo matador das Bexigas! E que elogios não merecem nossos sócios e seus correspondentes, que gratuita e voluntariamente empregam o tempo, que lhes não sobeja, em bem da Humanidade e da Nação, desprezando interesses e fadigas!

Estava-nos reservado dar mais um exemplo ao Mundo, que para serem entre nós veneradas e servidas a Caridade Cristã e a Pátria, não se precisam ordens nem recompensas. Meu coração quisera demorar-se mais um pouco em tal assunto; mas devo ser breve, porque espero, que nesta mesma sessão, um dos meus colegas vos trace o quadro dos esforços e frutos desta tão benéfica Instituição.

II

Outro objeto, para que devo requerer a vossa atenção, são os trabalhos acadêmicos acerca dos Pesos e Medidas. Como a comissão encarregada pelo governo do exame dos Forais e melhoramentos da Agricultura, cujos membros pertencem todos à Academia, entre estes tão importantes objetos tivesse reconhecido, e por isso apresentado, a necessidade de se uniformizarem os Pesos e Medidas para bem do Comércio e da Agricultura, mandou o Governo por Aviso de 5 de dezembro do ano passado "Que a Academia nomeasse alguns de seus sócios que, unidos aos da mencionada Comissão, fizessem um plano próprio dos grandes conhecimentos do século, e fundado em base sólida e permanente".

Obedeceu gostosa a Academia; e os comissários começaram logo seus trabalhos. Três apresentaram pareceres diversos, como vereis; mas a maioria da comissão, depois de maduras reflexões e exames, preferiu o Sistema Métrico Decimal, como o mais sólido, geral, e mais próprio das luzes científicas do século; no qual uma parte alíquota do Meridiano Terrestre forma a base da nova Metrologia.

Deste modo procurou ela utilizar-se dos grandes e soberbos trabalhos que se fizeram em França pelos sábios da maior parte da Europa; trabalhos dirigidos e executados com todo o melindre e perfeição das Artes e das Ciências.

Talvez pareça aos espíritos acanhados que a adoção do Sistema Métrico Decimal para base das novas Medidas ofende de algum modo o pundonor nacional; porém reflitam que o Verdadeiro e o Útil não têm pátria; pertencem a todas as Nações, pertencem ao Universo inteiro. Seria capricho pueril não adotar o que há de bom entre os inimigos, só porque eles dizem que é seu. Que seria da República das Letras, se os ódios e guerras das nações houvessem de invadir os domínios pacíficos da Verdade e das Ciências úteis?

De mais a medida do Meridiano Terrestre desde os primeiros vislumbres da História sempre foi a base da Metrologia antiga, comum a babilônios, egípcios, gregos e romanos. O grande matemático La Place, na sua bela Exposição do Sistema do Mundo, para mostrar a grandíssima antiguidade dos primeiros esforços humanos na medição da circunferência da Terra, compara as relações mútuas, que as medidas dos antigos povos têm entre si, e com a circunferência do Globo. Esta medição primitiva da terra, diz ele, já então exatamente conhecida, serviu de base a um sistema completo de metrologia, cujos vestígios ainda nos restam no Egito e na Ásia; mas cujos primeiros elementos se perderam nas revoluções físicas e morais, por onde passara o nosso Globo.

Com efeito, senhores, todos os que atentamente visitaram e mediram a grande Pirâmide do Egito, e o Sarcófago de porfido, nela de tal modo encerrado que é impossível tirá-lo daí senão aos pedaços, acham muito plausível, senão certa, a opinião de que este pasmoso monumento, que à primeira vista parece um parto do orgulho, e demência dos faraós, é todavia o maior testemunho da sua sabedoria e previdência; pois se entende que na grande Pirâmide deixaram aos séculos vindouros padrão eterno de um Sistema Métrico, fundado na medida da Terra. Assim o Sistema Métrico, a que chamam Francês, adotado como base pela maioria da comissão, não é uma herança preciosa, a que toda a Europa tem igual direito?

Porém não penseis que a comissão, adotando o Metro, ou Décima-milionésima parte do Quarto do Meridiano, adotasse igualmente a terminologia bárbara e complicada dos franceses; pelo contrário, ela sabiamente procurou evitar tudo quanto pudesse causar embaraço ao povo; conservando por isso todas as denominações das medidas portuguesas, que sem muita correção se pudessem adotar.

Outro sócio, adotando o Sistema Métrico Decimal, aconselha, porém, que este se não ponha já em execução, nem se fixem ainda os nomes; mas que, depois de feitas as avaliações de todos os padrões do Reino, reduzidas às ínfimas unidades, como se pratica no Cálculo Monetário em reais, se ordene que nestas últimas unidades se faça a Contabilidade e Cálculos em todas as Repartições da Fazenda Real, e em todos os Contratos públicos e particulares; para que o povo se vá afazendo pouco a pouco aos padrões novos, que se hajam de construir afinal.

Um dos comissários, contudo, julgando que as nossas medidas são fundadas em um sistema não arbitrário, mas ligado entre si, e de base sólida, persuade-se que, sendo a Vara a unidade na Medida Linear, o cubo de uma parte da Vara serviu de unidade das Medidas para Secos e Líquidos, e que o peso do Líquido, contido em uma parte desta Medida serviu de unidade para os Pesos.

Finalmente outro comissário, sendo de opinião que os Padrões do Senhor Rei D. Sebastião mandados distribuir às Câmaras do Reino pela lei de 26 de janeiro de 1575, têm, conforme as experiências e exames já feitos por outro sócio, relações exatas com o novo Sistema Métrico, tanto nas Medidas de Extensão, como nas de Capacidade; pensou que se devia conservar a Vara atual como unidade de Medida Linear, e reintegrar o Almude e Alqueire do Senhor Rei D. Sebastião, verificados, novamente, por peso e medida de água destilada.

Concluídos estes trabalhos, fez subir o Plano a Academia, por meio de seu vice-presidente, ao governo, em 4 de fevereiro do presente ano; em 23 do mesmo mês recebeu nova ordem, para que a maioria da comissão e os membros discrepantes continuassem os seus trabalhos, para a fácil e pronta execução dos planos que haviam proposto. Estão estes acabados, e brevemente a Academia os fará subir à Real Presença. (Trecho do discurso proferido na sessão da Academia Real de Ciências de Lisboa, em 24 de junho de 1813. Extraído das Memórias da mesma Academia, Tomo III - Ano de 1814 -, parte II, páginas LIII a LVIII).


Opiniões sobre a música

O sr. Rodrigo Ferreira da Costa apresentou a primeira parte de seus Princípios de Música e Contraponto, que, derivados dos princípios matemáticos da Acústica, entram com tudo no vasto campo da Aestética e belas artes.  Foi esta obra lida e aprovada como merecia, e já se está a imprimir. Com efeito, senhores, muita necessidade havia de um bom livro elementar neste gênero; mas esta falta não é só de nossos tempos, já os gregos a experimentavam, pois apenas possuíram alguns tratados sobre o gênero enarmônico, pela maior parte incompletos ou superficiais, como bem se colhe do que diz Aristóxenes em algumas passagens dos Livros 1º e 4º dos seus Elementos harmônicos.

Nesta obra do sr. Rodrigo Ferreira, segundo o parecer de um bom juiz na matéria, são os preceitos e práticas da arte deduzidos de seus verdadeiros princípios por um modo rigoroso e adequado; mostrando-se ao mesmo temp as modificações e exceções que eles podem e devem ter. Tínhamos, pois, senhores, necessidade de uma obra como esta, que alhanasse as dificuldades, desterrasse a cega tradição, e o servil cativeiro dos mestres, e difundisse cada vez mais pela nossa gente o gosto da boa e verdadeira Música.

E que homem em nossos dias, sem ser mais bárbaro que as próprias feras, poderá ser insensível a seus divinos encantos: Que homem lido poderá duvidar de que a Música amolga e ameiga os costumes, realça as sensações, espalha pelo povo prazeres puros e inocentes, e tem a mais desenganada influência no caráter moral e nobres paixões da nossa alma?

Para se avaliarem seus prodigiosos efeitos basta observar que a música militar, ainda em nossos dias, não só diminui aos soldados as fadigas da campanha, mas em meio dos combates lhes inspira aquele ardor e hombridade que encara e despreza a mesma morte. E quanto maior seria seu efeito, se ao som dos instrumentos bélicos se unissem cantos guerreiros de algum novo Tyrtes? Quanto fora pois de desejar que nas escolas se ensinassem também com as primeiras letras os elementos sequer desta divina arte; então com os princípios da prosódia e pronunciação, aprenderiam os meninos ao mesmo tempo suas verdadeiras fontes, que são a entoação e a modulação.

Porém, senhores, a Música que eu desejara ver ensinada nas escolas e seminários é aquela cujo objeto tem imediata relação e poderio em nossas sensações, para mover e abrandar o coração, enchê-lo de puros sentimentos da religião e piedade, ou excitar nele viva alegria para esquecimento de seus males.

É bem triste porém ver que comumente a Música, este precioso dom da Divindade, esta grande mola do coração humano, que os gregos não sem causa chamavam no seu todo a Mestra dos costumes, esteja hoje em dia por caprichos vaidosos dos grandes compositores, ou por nímio amor de novidade reduzida em grande parte às chamadas bravuras e volatas de garganta; ou transformada em afetada Dona, carregada dos arrebiques e ouropel de harmonias extravagantes e forçadas.

Sei que o nosso sistema harmônico difere dos modos e ritmos dos gregos, mas não julgo impossível que se possam aqueles transportar de algum modo para a Música moderna, principalmente se os grandes compositores estudarem e analisarem melhor a natureza da antiga Música, cujos vestígios ainda se conservam nos hinos e trenos do canto Ambrosiano e Gregoriano.

Mas quando aparecerá na Europa moderna um novo Giomelli, ou novo Glik, que, instruído a fundo no sistema dos gregos, e estudando ao mesmo tempo o dos povos cultos da Ásia, quais os hindus, persianos, árabes e chins, se atreva a tentar uma nova revolução musical, preferindo a melodia imitativa e natural às ruidosas sutilezas e caprichos da nossa atual harmonia, que pelo menos me parece assaz estéril em expressão e afetos?

Perdoai-me, senhores, se arrastado da própria paixão saí fora da minha estrada... (Excerto do discurso proferido a 24 de julho de 1818, na Academia Real de Ciências de Lisboa).

[...]

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